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Diálogo entre diaconia e economia solidária
from Economia solidária, Diaconia e Desenvolvimento Transformador
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
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Angelique J. W. M. van Zeeland1 Cibele Kuss2 Jaime José Ruthmann3
A diaconia está na base das ações da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), e se expressa, entre outros, no apoio a projetos de desenvolvimento. Dentre os projetos apoiados, encontram-se os projetos de diaconia e de economia solidária. Este texto tem por objeti vo contribuir para a compreensão sobre a relação entre diaconia e economia solidária, a parti r da análise do apoio a projetos diaconais na área de economia solidária.
A FLD, por ser uma insti tuição que nasce no contexto cristão luterano-ecumênico, tem a preocupação em pensar suas ati vidades a parti r da diaconia, que é a base de sua existência e de sua relevância na sociedade. Uma sociedade marcada por injusti ças e desamor, na qual a solidariedade é deslembrada e vem perdendo suas característi cas transformadoras. O termo diaconia é derivado do grego, usado na Bíblia, Novo Testamento, com diferentes senti dos. Algumas vezes, refere-se à ajuda
1 Assessora de Projetos da FLD. Doutoranda em Economia em Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. 2 Secretária Executi va da FLD. Bacharel em Teologia pela Faculdades EST. 3 Diácono. Bacharel em Teologia pela Faculdades EST.
material específica para pessoas em necessidade. Em outros momentos, significa o servir das mesas e, em outros ainda, se refere à distribuição de recursos financeiros.
Na teologia luterana, diaconia é compreendida como amor, como entrega incondicional, como dedicação e como firmeza que conduz ao agir através do amor doado por Deus a nós. Este agir é uma ação refletida que parte da fé em Jesus Cristo e que busca a transformação social, na qual tanto a pessoa cuidada como o cuidador é considerada como sujeito da transformação. A diaconia age de forma integral num contexto de sofrimento, onde a dignidade e os direitos humanos se encontram ameaçados.
A ação diaconal acontece em diversos âmbitos e desta forma pode ser classificada como diaconia individual, diaconia comunitária e diaconia institucional. (NORDSTOKKE, 2009). A diaconia institucional nasce a partir de um compromisso comunitário, como uma resposta mais estruturada a desafios e necessidades concretas em seu contexto de atuação, de alcance local, regional, nacional ou internacional. (BOCK, MENEZES, 2012).
Desta forma, para a FLD, diaconia significa agir a exemplo de Jesus Cristo, que sempre buscou igualdade social para transformar a vida das pessoas, no sentido de contribuir para a construção de cidadania daquelas em situação de pobreza e violações diversas, pela defesa de direitos, pela superação das injustiças e violências e pela promoção do desenvolvimento transformador. A partir desta reflexão não se pode falar em justiça social sem ponderar as injustiças vividas e afirmadas no contexto econômico. Este contexto é marcado pela exploração das pessoas e do meio ambiente, para o enriquecimento de pouquíssimas pessoas. Ao mesmo tempo numa sociedade que motiva e coage as pessoas a entregarem seus corpos e seus dias na luta pelo consumo desenfreado e supérfluo.
A diaconia compreende que a economia só pode ser justa se brotar da solidariedade e da justiça, das relações justas de gênero. Isso porque o objetivo econômico, do dinheiro, é para que as pessoas possam ter acesso à justiça e a vida digna (João 10.10).
O objetivo não é o acúmulo de bens (Mateus 6.19-21), mas a partilha igualitária para todas as pessoas. Da mesma forma que algumas pessoas tiveram mais oportunidades de acesso a recursos, estas precisam assumir para si a responsabilidade da solidariedade de partilhar com as outras pessoas. Porque a diaconia afirma que é compromisso da pessoa ser misericordiosa e viver de uma forma diferente da que opera o sistema vigente a oprimir e obter lucros a um custo social inaceitável perante Deus. Da mesma forma a economia precisa acontecer na perspectiva que ninguém fique sem as necessidades básicas garantidas, e que todos os trabalhos têm sua mesma importância, logo todo o trabalho deve conferir os mesmos direitos e valores no comércio. Assim a diaconia compreende a economia solidária que proporciona a justa partilha entre as pessoas, aliando-se à ideia de que nenhum ser humano pode ser considerado inferior ao mercado 51
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capitalista e ao lucro imposto pelas comercializações injustas e desequilibradas entre homens e mulheres, adolescentes, pessoas idosas, com deficiência. Diaconia e economia solidária afirmam e buscam a existência e permanência de um comércio justo e solidário, onde novas relações de gênero, produção e comercialização possam refletir direitos e misericórdia.
Frente a um quadro onde uma grande parcela da população brasileira se encontra em situação de pobreza e privação de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais surgiram novas formas de organização social e econômica dos setores populares.
Estas novas formas têm recebidas denominações distintas, tais como economia popular solidária, economia dos setores populares, economia do trabalho e economia solidária. Nem todas as denominações têm o mesmo significado, mas todas se referem ao fenômeno citado acima. Neste texto usaremos as denominações de economia solidária e economia popular solidária, compreendendo que se refere ao surgimento destas novas formas de organização no âmbito social e econômica das iniciativas comunitárias e dos grupos oriundos dos setores populares.
A economia popular solidária é composta por grupos diversos, tais como grupos de produção, iniciativas comunitárias de trabalho e renda, associações, cooperativas e empresas autogestionárias, que desenvolvem atividades econômicas nas áreas de produção, beneficiamento, comercialização, prestação de serviços e crédito. Estes grupos têm como objetivo a sustentação da vida das trabalhadoras e dos trabalhadores e suas famílias e seguem uma lógica diferente da lógica das empresas capitalistas, que são voltadas para o lucro. A economia popular solidária tem como principal valor o trabalho e não o capital, e é voltada para a reprodução ampliada da vida das trabalhadoras e dos trabalhadores (RAZETO, 1997 e CORAGGIO, 2007).
Esta lógica se expressa nos princípios norteadores dos empreendimentos econômicos solidários, viabilidade econômica associativa, autogestão, cooperação, solidariedade e bem-viver. Estes princípios podem ser encontrados no Atlas da Economia Solidária no Brasil 2005-2008 e no documento final da II Conferência Nacional da Economia Solidária e serão discutidos em seguida.
Conforme descrito acima, os empreendimentos econômicos solidários têm como objetivo garantir o trabalho e a renda de seus membros, portanto a agregação de esforços, recursos e conhecimento é voltada para viabilizar as iniciativas coletivas de produção, para gerar renda para a sustentação das trabalhadoras e dos trabalhadores e suas famílias e estabelecendo condições decentes de trabalho. Desta forma falamos em viabilidade econômica associativa.
A forma coletiva de produção e comercialização leva ao exercício de práticas participativas de gestão democrática nos processos de trabalho e na coordena-
ção das ações e das estratégias. Estes exercícios cotidianos se transformam num processo de aprendizagem contínua para quem participa.
O princípio de cooperação se expressa de diferentes formas, na existência de interesses e objetivos comuns, união de esforços e capacidades e partilha dos resultados e responsabilidades. A cooperação também se constitui num processo de aprendizagem a partir da prática. Neste processo podemos identificar alguns elementos importantes, tais como a comunicação direta entre as e os participantes, que permite aumentar a cooperação e o estabelecimento coletivo de regras e de mecanismos de resolução de conflitos. Um elemento central para a cooperação e para lidar com dilemas é a confiança e a capacidade de aprender a confiar nas outras pessoas (OSTROM, 2010).
A solidariedade se demonstra na preocupação com a justa distribuição dos resultados, a melhoria das condições de vida de participantes e a inserção comunitária. Neste sentido, tem uma relação estreita com o conceito bem viver, que vem dos povos andinos e significa viver em plenitude. Duas compreensões são centrais neste conceito: o sentido de pertença à natureza e o sentido de pertença à comunidade. O bem viver se expressa num sistema social que promove a reciprocidade e a convivência de forma colaborativa entre os membros da comunidade e na relação com a natureza (BOCK, 2012).
Atender simultaneamente estes princípios de viabilidade econômica, autogestão, cooperação, solidariedade e bem viver, coloca grandes desafios para os empreendimentos econômicos solidários. De acordo com José Luis Coraggio, a economia solidária é uma proposta em construção (CORAGGIO, 2007). A economia solidária se caracteriza como uma prática social transformadora, que contém potencialidades emancipatórias para o fortalecimento da cidadania e visa um projeto de transformação social e de desenvolvimento humano e sustentável.
Na medida em que o conjunto destas iniciativas e organizações tem procurado estabelecer relações de troca entre si e tem procurado suprir as necessidades da comunidade local começa ser desenhada uma economia voltada para o desenvolvimento local e sustentável, uma economia comprometida com a vida.
Projetos diaconais de economia solidária: práticas sociais transformadoras
Nesta parte analisamos os projetos diaconais na área de economia solidária apoiados pela FLD através do Programa de Pequenos Projetos. Desde a sua criação, a FLD tem apoiado projetos de grupos comunitários e organizações da sociedade civil, tanto eclesiais quanto não eclesiais. Os projetos diaconais se encontram no grupo dos projetos eclesiais. Este texto será focado nos projetos oriundos de instituições diaconais e de comunidades com vinculo eclesial com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana 53
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no Brasil (IECLB), chamados de projetos diaconais. Em 2010, por motivo da Campanha de Fraternidade Ecumênica, foi lançado um edital específico para projetos diaconais, na temática Economia e Vida. A nossa análise abrange os projetos apoiados no período de 2010 a 2013. Parte das informações foi coletada durante o encontro de monitoramento de projetos diaconais realizado em outubro de 2011, na qual participaram 30 instituições diaconais, entre os quais 15 com projetos na área de economia solidária ou com interesse de desenvolvê-los. Oito organizações desenvolvem projetos na área de economia solidária, a maioria com mulheres e um com jovens, beneficiando aproximadamente 400 pessoas, em torno de 350 pessoas através de cursos de capacitação profissional e em torno de 50 pessoas através da formação de grupos de economia solidária. Os grupos atuam nas áreas de alimentação, corte e costura e artesanato; os cursos também são nestas áreas e ainda nas áreas de informática e embelezamento. A maioria das pessoas tem ensino fundamental incompleto, uma parte bem menor tem ensino fundamental completo. A renda gerada para as integrantes em muitos casos é menor do que um salário mínimo; alguns grupos geram uma renda entre um e dois salários mínimos para as participantes. Como principais dificuldades foram listadas a criação e fortalecimento dos grupos, a comercialização e o acesso a crédito. Como principais avanços foram mencionados o aumento na autoestima, o empoderamento das participantes e o pertencimento ao grupo, além do reconhecimento pela comunidade. As instituições se localizam, respectivamente, três na região Sudeste, duas no Centro Oeste, uma no Norte, uma no Nordeste e uma no Sul. Das sete organizações com interesse em desenvolver atividades de economia solidária, quatro já desenvolveram atividades anteriormente, como maior desafio foi destacado formar uma equipe qualificada para orientar a formação de grupos de economia solidária. Aproximadamente metade das organizações participa em espaços de incidência em políticas públicas, principalmente nos fóruns municipais de desenvolvimento local e sustentável e nos fóruns de assistência social.
O Programa Comunitário da Reconciliação, vinculado à Paróquia Luterana de Santo Amaro na cidade de São Paulo (SP), é uma das iniciativas diaconais que recebeu apoio do Programa de Pequenos Projetos da FLD para projetos de economia solidária, “Costurando novas perspectivas” em 2010 e sua continuidade “Conquistas” em 2012. Estes projetos vêm ao encontro do objetivo de fortalecer as relações familiares através da oferta de cursos voltados para a geração de renda familiar e da melhoria da qualidade de vida da comunidade, conforme consta no Balanço Sociodiaconal do Sínodo Sudeste 2008-2010. (MENEZES e BUCHWEITZ, 2011). No projeto participam 150 mulheres, a maioria chefes de suas famílias, da comunidade da Vila São José, no extremo sul da cidade. As atividades consistem em oficinas de costura, artesanato, panificação e cooperativismo. De acordo com o relatório do projeto de dezembro de 2013, o projeto proporcionou mudanças de postura e atitude na vida das participantes. Muitas se tornaram mais participativas e fortalecidas em sua busca por uma geração de renda na comunidade
em que vivem. Houve o desenvolvimento do senso coletivo. Algumas mulheres se juntaram para abarcar projetos maiores de comercialização de doces e salgados. Elas fizeram descobertas que as valorizam, descobriram um sentimento de conquista e realização. O maior desafio para a instituição consiste em assumir o desenvolvimento de ações direcionadas ao associativismo, com a formação de grupos de mulheres de economia solidária, onde a perspectiva de geração de renda não mais depende de iniciativas individuais, mas da gestão coletiva.
O projeto Missão Integral no Bairro Jardim América, da Comunidade Luterana de Sinop (MT), propõe atividades educativas, esportivas e culturais para crianças e adolescentes e também está voltado para a capacitação de 30 mulheres, em áreas como artesanato, corte e costura, bordados, alimentação e manejo de árvores frutíferas. Este última atividade foi realizada parcialmente, nos períodos de chuva não foi desenvolvido. Um dos desafios do projeto é a comercialização dos itens produzidos pelas mulheres. A comercialização se dá principalmente em feiras municipais e em bazares da igreja. No relatório do projeto de dezembro de 2012 consta que os resultados em relação às oficinas de artesanato, bordados e produção de pão de mel e doce tiverem resultados muito bons no que diz respeito à aprendizagem e aumento da autoestima das participantes. As vendas ainda são incipientes, mas percebe-se um avanço, principalmente para os pães e doces que estão gerando renda para as mulheres. Em 2012, conseguiram expor em algumas feiras municipais. As diversas atividades do projeto, as oficinas educativas para as crianças e adolescentes e as capacitações e geração de renda para as mulheres, tem aumentado a participação das moradoras e dos moradores nas atividades da comunidade. Em relação às políticas públicas e fortalecimento de articulação de redes, a instituição estabeleceu boas relações com as secretarias municipais de cultura e assistência social para possíveis futuros convênios. Nas palavras da diácona Mariane Schneider, coordenadora do projeto: “É um projeto que está dando certo.”
As comunidades da Vila da Barca e Antônio Conselheiro, duas áreas de ocupação urbana dos bairros do Telégrafo e Icuí-Guajará (Ananindeua, área metropolitana de Belém, Pará) são territórios de histórica inserção da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana (PECLB) há mais de 30 anos, com projetos culturais para crianças e adolescentes, economia solidária, cursos profissionalizantes e incidência política na organização social das comunidades e enfrentamento da violência. Em 2006, a PECLB fundou a instituição diaconal Associação Mururé (AMU) e através dela passou também a acessar recursos de fundações e do governo federal. Entre 2010 e 2012, a FLD apoiou dois projetos da AMU direcionados ao fortalecimento comunitário no Icuí-Guajará e à Rede de Economia Solidária Mururé Amazônia, na Vila da Barca e Icuí-Guajará. Os projetos tinham como objetivos capacitar mulheres atuantes na economia solidária e criar um comitê local da economia solidária.
A Vila da Barca é uma comunidade construída às margens da Baia do Guajará, na área central de Belém, onde em torno de 4 mil pessoas vivem em palafitas, em um 55
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desastroso projeto de urbanização iniciado em 2002 e que, até os dias de hoje, permanece inconcluso. Nesta comunidade urbana e ribeirinha, o projeto realizou dois cursos de economia solidária para 40 mulheres, duas feiras de economia solidária e hoje conta com um comitê de economia solidária instalado, funcionando no espaço da Associação de Moradores e Moradoras da Vila da Barca, entidade parceira que sempre atuou em conjunto na formulação de ações de planejamento e execução dos projetos coordenados pela AMU na comunidade. Atualmente, dez mulheres participam do comitê e continuam trabalhando na confecção de artesanato regional.
O Icuí-Guajará é um grande bairro do município de Ananindeua, na região metropolitana de Belém, com cerca de 500 mil habitantes, onde se localiza uma das maiores ocupações urbanas da América Latina, conhecida como PAAR. Neste território, a PECLB iniciou suas atividades, em um terreno com uma estrutura simples, na década de 80, usando seu espaço para a proteção de trabalhadoras e trabalhadores rurais do sul do Pará, ameaçados de morte por fazendeiros e pistoleiros. Com forte ênfase na afirmação de direitos, a AMU, nos últimos quatro anos, iniciou um processo de diagnóstico do potencial social e político das organizações do bairro, com o objetivo de constituir um Fórum de Entidades do Icuí-Guajará. A FLD e outras organizações parceiras apoiaram o projeto de fortalecimento comunitário e como resultado foi feito um grande diagnóstico que mapeou em torno de 600 organizações, foram realizadas audiências públicas sobre transporte público e violência, envolvendo em torno de mil pessoas. Também se articulou, a partir do projeto, reuniões com o governo do município de Ananindeua para a implementação de políticas públicas, em articulação e fortalecimento da atuação das lideranças locais. Este projeto iniciou em 2010 e posteriormente outras atividades de capacitação foram agregadas, também através do apoio da FLD, para oficinas de serigrafia e horta orgânica para a juventude. O Fórum Local de Entidades foi criado em um seminário que mobilizou muitas pessoas e organizações parceiras. O grande desafio é a sua continuidade, sendo que atualmente encontra-se bastante fragilizado. “Os dois projetos apoiados pela FLD e somados a alguns apoios em andamento garantiram bons resultados, sendo que quero sublinhar a conquista do Comitê Local da Economia Solidária na Vila da Barca. Sim, encontramos muitas dificuldades no caminho e algumas ações tiveram que ser modificadas ou interrompidas por causa da falta de recursos para a continuidade”, afirma Luiza Virgínia Moraes, presidente da AMU.
“Bordando nós vivemos mais felizes, valorizamos o meio ambiente, fortalecemos a solidariedade e contribuímos para o aumento da qualidade de vida,” são as palavras das bordadeiras que constam no caderno de sistematização do projeto Tecendo Memórias na Comunidade, preservação cultural do Wandschoner, desenvolvido pelo Instituto de Educação de Ivoti (RS). O projeto teve como objetivo capacitar 12 bordadeiras, incentivar a formação de grupos de bordado nas comunidades e a comercialização através de mostras e catalogação e em fei-
ras e eventos. O projeto contribuiu para o resgate do valor histórico cultural dos Wandschoner, que são panôs de parede bordados por mulheres teuto-brasileiras. Durante o projeto, 23 bordadeiras de três paróquias se formaram. O projeto também representa um passo significativo na valorização das atividades diaconais realizadas pelas mulheres em comunidades da IECLB. Outro resultado positivo e que aponta para perspectivas de sustentabilidade de iniciativas de economia solidária é a formação de um grupo de prática comunitária do bordado, constituída de 14 bordadeiras. A Associação das Bordadeiras se reúne uma vez por mês para planejar suas ações, realizar estudos de aprimoramento na área de economia solidária e de promoção e garantia dos direitos das mulheres. Nas demais semanas, o grupo se reúne para bordar e planejar novas peças, fazer a gestão coletiva da associação, organizar a produção e a comercialização. Através da associação as bordadeiras participam em seminários e feiras da economia solidária. Em relação à ampliação e elaboração de novas peças, um grupo de 11 bordadeiras participou de um curso de desenho de plantas nativas, com o objetivo de bordá-las em camisetas e outras peças confeccionadas com algodão agroecológico. A organização das mulheres bordadeiras através da associação tem contribuído para o reconhecimento e valorização do trabalho artesanal, para o aumento de parcerias, ampliação de possibilidades de comercialização e articulação e incidência em políticas públicas de economia solidária. “Bordar é minha vida, meu alimento, minha arte, meus sonhos, meu alento”, disse a bordadeira Celita Holler.
O grupo Reciclando Ideias foi criado com o apoio da Associação Beneficente Evangélica de Floresta Imperial – Ação Encontro, no bairro Santo Afonso, na cidade de Novo Hamburgo (RS). Em 2010, quando o grupo recebeu apoio da FLD, o projeto visava contribuir para a inclusão social por meio de uma experiência de produção associada de trabalho, baseada na autogestão e na busca da solidariedade, gerando renda para as mulheres e promovendo melhor qualidade de vida. Um dos objetivos era ampliar o grupo de oito para 15 mulheres. Inicialmente, a participação teve um crescimento, mas as mulheres que persistiram e apostaram na sustentabilidade do grupo foram as mesmas oito mulheres que estavam no grupo desde o início. Com o envolvimento de uma oficineira, houve uma qualificação técnica, ampliação de produtos ofertados e melhoria da qualidade dos produtos confeccionados, todos sendo feitos a partir de materiais recicláveis. Houve um avanço na articulação e na participação em espaços de discussão de políticas públicas e o grupo estabeleceu uma parceira com a Universidade Feevale, participando da incubadora de economia solidária e do projeto de extensão Moda em Produção. O grupo também participa do Fórum Municipal de Economia Solidária e conta com a parceria da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo. Uma mudança significativa na vida das mulheres foi a conquista de um novo espaço na sociedade. Elas ampliaram a atuação além da família e se tornaram multiplicadoras nas suas comunidades e houve um resgate da autoestima de todas as integrantes. 57
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De acordo com o relatório de outubro de 2011, quando o grupo participou na Feira de Economia Solidária em Santa Maria (RS), as mulheres levaram em suas malas produtos e muita sede de conhecimento e trouxeram de volta muitas experiências e vivências. Esta experiência mostra que o acompanhamento diaconal numa perspectiva de economia solidária pode trazer conquistas importantes de autogestão, autonomia econômica e autoestima, e parcerias e participação em fóruns podem ajudar a encontrar soluções para os desafios da sustentabilidade.
A Cooperativa Mista de Trabalho e Produção Bom Samaritano (Cooperbom), na cidade de Viamão (RS), foi fundada em 2000 e surgiu a partir da parceria com a Casa da Criança Bom Samaritano, ligada a Comunidade Evangélica de Porto Alegre. Em 1997, a coordenadora da Casa da Criança realizou uma reunião com 50 mães e 30 pais das crianças atendidas, e durante um ano este grupo fez estudos sobre cooperativismo, elaborou o estatuto e participou de formação na área de gestão e de alimentação. A proposta inicial era uma cooperativa na área de prestação de serviços de limpeza, porém as mulheres escolheram a área de alimentação. No final do primeiro ano 20 pessoas, 13 mulheres e sete homens continuaram no grupo. Em 1998, o grupo funcionava na cozinha da creche e vendia na comunidade. O grupo tinha uma divisão de tarefas, algumas pessoas produziam, outras vendiam, outras trabalhavam na divulgação. De 1999 até 2004, a cooperativa tinha um espaço cedido dentro de uma escola municipal, onde fornecia a alimentação. A partir de 2005, a Cooperbom conseguiu um espaço próprio, perdeu a alimentação da escola e começou a oferecer alimentação na comunidade. A Cooperbom também montou um serviço de coquetéis para eventos. Atualmente, a Cooperbom conta com 56 cooperadas e cooperados: 36 são mulheres, 20 são homens, entre os quais 12 jovens, que atuam como garçons nos eventos. A renda média flutua entre um e cinco salários mínimos, e na média atinge 2½ salários mínimos. A gestão é feita coletivamente e uma vez por mês as cooperadas e os cooperados realizam uma reunião. A Cooperbom participa nos fóruns e feiras da economia solidária, tem parcerias e presta serviços para a prefeitura. Ao longo da sua existência, as principais lições aprendidas foram a autogestão, o gerenciamento de recursos e o estabelecimento de relações justas de gênero. Os desafios continuam na área da legislação e financiamento, principalmente em relação aos serviços prestados para órgãos públicos. A coordenadora da Cooperbom, Isabel Cristina de Souza Cunha, reconhece que a parceria com a Casa da Criança foi e continua sendo decisiva para a sustentabilidade da cooperativa.
Considerações finais
Os diversos projetos de economia solidária apoiados pela FLD mostram que as instituições assumiram o apoio continuado da diaconia institucional, realizando
práticas sociais diárias, com o compromisso de transformação da vida das pessoas, promovendo a justiça social.
O avanço para além da capacitação, o estímulo para a criação de grupos e o fortalecimento da sustentabilidade dos empreendimentos da economia solidária que praticam a autogestão, trabalhando para a autonomia econômica de seus integrantes, é um processo de aprendizagem contínua. Através das parcerias e da participação nos fóruns e conselhos de economia solidária podem ser encontradas soluções para os desafios de viabilidade dos grupos. A partir do trabalho em rede entre estas iniciativas, atendendo as necessidades e demandas das comunidades, começa ser desenhada uma economia comprometida com a vida. No diálogo entre diaconia e economia solidária são construídas propostas inovadoras de desenvolvimento transformador e tecidas novas relações sociais entre as pessoas.
Referências
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Viver na Criação. São Leopoldo: Oikos, 2013. BOCK, C. G., MENEZES, M. N. Diaconia Institucional. Anais do Congresso Internacional da Faculdades EST. São Leopoldo: EST, v. 1, p.610-620, 2012. CORAGGIO, J. L. Econonomia Social, Acción Pública y Política (Hay vida después del neoliberalismo). Buenos Aires: CICCUS, 2007. MENEZES, M. N. e BUCHWEITZ, S. (Org.) Diaconia transformadora. Balanço Sociodiaconal do
Sínodo Sudeste 2008-2010. Porto Alegre: FLD, 2011. NORDSTOKKE, K. (Org.) Diaconia em Contexto: Transformação, reconciliação, empoderamento.
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