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Viabilidade econômica e gestão coletiva: este projeto é viável?

“Se não fosse a gente agarrar e fazer, não tinha nada disso aqui.”

Isaurina Alzira da Silva, da Cooperativa Univens

Viabilidade econômica e gestão coletiva: este projeto é viável?

Angelique J. W. M. van Zeeland1

O que vamos produzir? Onde vamos vender? Quem vai comprar o material? Como tomamos as decisões? Estas e muitas outras perguntas são comuns para iniciati vas comunitárias de trabalho e renda, para grupos de economia solidária que estão iniciando e também para grupos que já têm um caminho andado.

No acompanhamento das iniciati vas comunitárias de geração de trabalho e renda e de grupos de economia solidária apoiados pela Fundação Luterana de Diaconia (FLD), fi cou claro que muitas iniciati vas nunca ti nham realizado um estudo de viabilidade econômica e associati va e que estas iniciati vas ti nham uma demanda de capacitação nas áreas de viabilidade econômica e associati va, gestão coleti va e na área de comercialização.

Dificuldades, avanços e desafios das iniciativas comunitárias de economia solidária

Vamos olhar alguns itens das difi culdades, avanços e desafi os mais de perto e o que eles têm a ver com a viabilidade das iniciati vas. A cooperati va de costureiras Univens e a cooperati va de alimentação Cooperbom levantaram como difi culdade ou como desafi o o dilema de crescer ou não. A questão de crescimento está direta-

1 Assessora de Projetos da FLD. Doutoranda em Economia em Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. 17

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mente ligara à viabilidade econômica e associativa do empreendimento comunitário.

A Univens identificou como principal problema a questão de manter a gestão coletiva da cooperativa e a participação de todas sócias quando este número cresce. Esta questão refere diretamente à viabilidade associativa. A característica das iniciativas comunitárias é que os grupos são formados por pessoas da mesma comunidade ou de comunidades próximas. Muitas vezes, os grupos surgem por causa de dificuldades de encontrar emprego e como alternativa de obter uma renda para sustentar as famílias. Na medida em que as pessoas se reúnem, começam a discutir outras formas de organização.

Como consta no projeto da Univens:

“Surgimos em maio de 1996. Grande parte das fábricas de confecção faliu. O mercado de trabalho que existe muito dificilmente absorve trabalhadoras com as nossas idades. E a situação de mães que não têm onde deixar seus filhos e quando têm, o valor elevado a pagar não compensa o salário recebido como empregada. Então decidimos que poderíamos trabalhar juntas, ou seja, criaríamos uma nova relação de trabalho, sem patrão. Tudo seria dirigido por nós mesmas. Criamos a cooperativa, sofremos com toda a burocracia, com o nosso desconhecimento do mercado, com a forma de administrar, mas sobrevivemos. Somos mulheres de 24 a 70 anos, e atualmente temos homens também. Dois deles tem 17 anos. Sempre garantimos todas as discussões coletivas, desde a criação do estatuto, do valor do produto. Não existe ninguém que receba por administrar, todas nós fazemos isto de forma voluntária. E todas nós produzimos.”

A Cooperbom, por sua vez, colocou como desafio a questão do crescimento e levanta outras, relacionadas à viabilidade econômica da iniciativa. Como manter e garantir uma renda média igual ou maior para um número maior de sócias e de sócios? Como equacionar o aumento de itens produzidos – e consequente aumento de custos – com um aumento de receita, para garantir a renda das sócias e dos sócios? Estes cálculos podem ser feitos com um estudo de viabilidade econômica e associativa.

Tanto a Univens como a Cooperbom identificaram como dificuldade a administração; e como avanço, a união do grupo, reforçando a importância para a viabilidade da cooperativa as questões relacionadas à administração, às relações de trabalho e à gestão coletiva. Assim sendo, a gestão coletiva é questão principal dos grupos. Quando surge a possibilidade de crescer, será preciso avaliar como preservar esta característica.

Outra questão muita presente como dificuldade, desafio e, em alguns casos, como avanço, é a questão de comercialização. A cooperativa Univens levantou a questão de comercialização como dificuldade, mas também como avanço, devido

à abertura de novos espaços de venda, através das lojas de Economia Solidária. Um terceiro grupo, BMBC – Produtos e Biscoitos Caseiros, colocou como desafio o lançamento da marca e de produtos próprios. A questão da comercialização e, principalmente, a questão levantada como dificuldade pela Cooperbom – a montagem de preços – pode ser equacionada através da realização de um estudo de viabilidade.

Viabilidade econômica e gestão coletiva

Através das dificuldades, avanços e desafios levantados, chegamos aos principais motivos para realização de um estudo de viabilidade econômica e associativa. A dificuldade levantada por um grupo comunitário que está iniciando foi: “Todas e todos terem objetivos comuns”. Esse é um dos motivos para se realizar coletivamente um estudo de viabilidade econômica e associativa.

A realização de um estudo de viabilidade econômica e associativa de forma coletiva tem, como objetivo, o conhecimento do projeto por todas as pessoas que integram o grupo e o levantamento de dados acerca dos diversos aspectos e processos que envolvem o projeto. Outro aspecto importante é a avaliação de que tipo de atividade será desenvolvido e de que forma o processo será organizado, a partir dos dados levantados. O estudo também ajuda a identificar fatores que podem contribuir para o sucesso do projeto, assim como fatores que podem dificultar o sucesso do projeto, além de identificar estratégias que diminuam o impacto dos fatores negativos.

O estudo de viabilidade econômica e associativa pretende responder às questões que foram levantadas no início: O que vamos produzir? Onde vamos vender? Como tomamos as decisões?

No estudo de viabilidade econômica e associativa dois aspectos são importantes: de um lado, a análise econômica da atividade produtiva, que envolve o levantamento de custos e de preços e o cálculo do ponto de equilíbrio. Ou seja, quanto o grupo precisa produzir para poder pagar todos os gastos, e a partir daí gerar renda para seus integrantes; por outro lado, as questões de relação de trabalho e a gestão coletiva do empreendimento, que precisam ser respondidas em conjunto, abordando questões como a relação entre as e os participantes, as responsabilidades e compromissos do grupo, os direitos e deveres de cada participante, a forma de gestão da iniciativa, a distribuição de tarefas e a forma de tomada de decisões.

Neste sentido, o estudo de viabilidade econômica e associativa é importante para conhecer a atividade a ser desenvolvida e a forma de como desenvolvê-la e pode ajudar a evitar problemas para o grupo. Muitas vezes, o cálculo de preços é feito de forma empírica, em vez de ser baseada num cálculo de custos. Como resultado, o preço dos produtos pode não cobrir todos os custos e, consequentemente, a receita não será suficiente para pagar todos os gastos, resultando, muitas vezes, numa renda muito baixa para as e os participantes e para a manutenção dos próprios empreendimentos. 19

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Gabriel Kraychete (2007) alerta para que “nos deixemos interpelar pela realidade” e “se o que buscamos são formas de trabalho economicamente viáveis e emancipadoras, a eficiência econômica e o modo de gestão não podem ser pensados separadamente” (2007, 37). De acordo com Paul Singer:

“Toda empresa solidária é ao mesmo tempo uma associação comunitária. Quem se associa a ela não faz um contrato de trabalho mas entra numa união em que o seu destino individual se funde com os de seus companheiros. Por isso, o processo de aprendizado coletivo que vai viabilizar a empresa começa antes mesmo que ela venha a funcionar. Na sua gestação, os futuros sócios interagem. (2000, 22)

Estudo de viabilidade econômica associativa: a experiência do BMBC – Produtos Caseiros

Muitos grupos realizam uma pesquisa antes de iniciar a sua atividade. A partir de uma experiência concreta, vamos conhecer formas de desenvolver coletivamente um estudo de viabilidade econômica e associativa.

O grupo BMBC – Produtos Caseiros iniciou em 1998 com um grupo de mais de 20 pessoas que participaram de reuniões na comunidade de Guajuviras, na cidade de Canoas (RS). Este grupo discutiu um projeto de geração de trabalho e renda na comunidade. Quando as pessoas perceberem que precisavam fazer tudo, pois não havia nada pronto, sobraram poucas pessoas. Um grupo de sete pessoas resolveu encarar o desafio. A maioria delas já tinha experiências em trabalho em grupos e organizações, já havia participado de grupos e organizações como a Juventude Operária Católica (JOC), Central Única de Trabalhadores (CUT) ou atuado como promotoras legais populares (PLPs) e agentes de cidadania.

Para iniciar o grupo, as pessoas visitaram os mercados no bairro para verificar quais produtos já estavam sendo vendidos e quais ainda não eram oferecidos. Na pesquisa, as integrantes descobriram que poucos produtos coloniais eram ofertados no bairro. Assim, decidiram produzir um produto diferenciado, escapando da concorrência. O grupo que se denominou BMBC – Produtos Caseiros, Biscoitos e Bolachas, começou produzindo e vendendo bolachas e roscas de merengue.

Depois, passou a produzir outros itens, como broas de milho. Cada integrante procurava novas receitas. Só uma pessoa tinha experiência no trabalho de padaria. As pessoas começaram as atividades aprendendo e ensinando umas às outras.

Assim, foi com uma pesquisa inicial que o BMBC – Produtos Caseiros definiu o seu produto. O principal motivo para a escolha foi o de não ter concorrência, de produzir algo diferenciado na comunidade. O diferencial foi o tipo de produto e não o seu preço. O preço dos produtos foi colocado a partir de um levantamento feito na comunidade e em outros lugares, e não baseado num cálculo de custos.

Em 2002, o BMBC – Produtos Caseiros sentiu a necessidade de realizar um estudo de viabilidade economia e associativa, e procurou a FLD para assessorá-lo. O roteiro do estudo de viabilidade econômica e associativa utilizado é baseado nas publicações da CAPINA (1998 e 1999).

Diversos encontros foram realizados. Nos primeiros, discutiu-se como o grupo se organizaria, as etapas do processo produtivo e de comercialização, as diversas atividades e tarefas do grupo, a distribuição das funções entre as integrantes. Entre os diversos encontros, as integrantes do grupo levantavam e juntavam informações. A maioria das informações já estava disponível, mas cada uma estava anotada em lugares diferentes, em cadernos diferentes e com pessoas diferentes. Era necessário levantar e juntar as informações para que decisões pudessem ser tomadas.

Para realizar um estudo de viabilidade econômica associativa, faz-se necessária a participação de todas e de todos, assim como a formulação de perguntas referentes ao funcionamento da atividade produtiva que o grupo quer desenvolver. Na busca das respostas, podem ser realizadas pesquisas no bairro, visitas a lojas, além de analisar experiências de outros grupos que já estejam trabalhando com uma atividade semelhante.

Para um grupo que está iniciando, uma das primeiras perguntas é: o que vamos produzir e quantos produtos estão sendo ou serão produzidos e em que quantidade? O BMBC começou com poucos produtos, e aos poucos foi ampliando e diversificando.

Produtos Produtos

Roscas de milho Bolachas amanteigadas Roscas de merengue Total

Quantidades

500 250 500 1.250

A próxima pergunta é: os investimentos em máquinas e equipamentos precisam ser feitos para implementar ou ampliar a produção e qual é o seu preço? No caso do BMBC, as máquinas foram adquiridas aos poucos, com apoio de diversas organizações, dentre elas a FLD, através de doações ou fundos rotativos, com devoluções em prazo determinado. É importante não comprar equipamentos e máquinas grandes demais ou que o grupo, num primeiro momento, não precisa, pois vão ficar subutilizados, além de exigir um custo maior para o seu funcionamento e manutenção. É melhor adquirir menos equipamentos e máquinas menores, começando pequeno. Quando o grupo e sua produção começarem a crescer, podem ser comprados outros equipamentos e máquinas. 21

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Investimentos

Máquinas

Forno Amassadeira Mesa de inox Embaladora Balança Cilindro Batedeira TOTAL R$

Preço de compra

280,00 1.050,00 200,00 164,00 320,00 1.050,00 49,00 3.113,00

Custos variáveis

Há diversas perguntas que dizem respeito ao processo de produção e se referem aos gastos que serão feitos para realizar a produção. Os custos de produção são divididos em custos variáveis e custos fixos.

Os custos variáveis são os gastos que aumentam ou diminuem conforme a quantidade produzida, por exemplo: matéria prima, embalagens, combustível, energia etc. Se a produção aumentar, os custos variáveis também aumentam. Se a produção diminuir, os custos variáveis também diminuem. Os custos variáveis podem ser calculados por unidade produzida.

Para calcular os custos variáveis, o grupo precisa identificar a quantidade e o preço da matéria prima por produto. No caso do BMBC, os ingredientes das bolachas, as embalagens e energia para produzir o produto. Para chegar ao custo, multiplica-se o preço com a quantidade.

Cada receita produz 15 pacotes de 300g de bolachas. Calculamos o custo para roscas de milho com polvilho.

Custo para fazer 15 pacotes (300gr) de bolachas: roscas de milho com polvilho

Custo variável - Produto: roscas de milho com polvilho

Matéria-prima Preço da matéria prima

Farinha de Trigo 1kg = R$ 0,92 Farinha de Milho 1kg = R$ 0,60 Polvilho 1kg = R$ 0,71 Açúcar 1kg = R$ 0,70 Banha 1kg = R$ 1,80 Fermento 1kg = R$ 4,38 Ovos 1 ovo = R$ 0,06 Embalagem 100 saquinhos = R$ 1,80 Subtotal Outros gastos, incluindo energia, 10%

TOTAL por receita (15 pacotes) TOTAL por pacote (8,65 / 15) Quantidade para bolachas

1 kg 245 gr. 1.150 gr. 2.315 gr. 1.645 gr. 710 gr. 110 gr. 20 ovos 15 saquinhos

Custo

(preço x quantidade) R$ 1,15 R$ 0,69 R$ 1,64 R$ 1,15 R$ 1,28 R$ 0,48 R$ 1,20 R$ 0,27 R$ 7,86 R$ 0,79

R$ 8,65 R$ 0,58

Também foram levantados os custos variáveis dos outros produtos.

Custo variável de diversos produtos Produto

Roscas de milho com polvilho Bolachas amanteigadas Roscas de merengue

Custo variável por pacote

R$ 0,58 R$ 0,46 R$ 0,43

Custos fixos

Perguntas como quanto custa a manutenção de máquinas e equipamentos e quanto é a depreciação das máquinas referem-se aos custos fixos – gastos que são realizados todos os meses, independente da produção. A pergunta referente a quantas pessoas são necessárias para atingir a produção programada, quanto e como será a forma de pagamento, dependendo da resposta, também se refere a custos fixos.

Custos fixos são os gastos que permanecem constantes, independentemente da quantidade produzida. Por exemplo, o aluguel, que deve ser pago todo mês, independentemente da quantidade produzida. Os custos fixos podem ser calculados pelos seus valores mensais.

Uma primeira pergunta se refere ao local de produção. No caso do BMBC - Produtos Caseiros, naquele momento, a produção era realizada na casa de uma das integrantes. Portanto, o grupo não precisava pagar aluguel. Os grupos que pagam aluguel devem incluir este valor nos custos fixos mensais. 23

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Manutenção de máquinas

O custo com manutenção de máquinas e equipamentos pode ser calculado na base da experiência do grupo, informações do fabricante ou pode se estipular um custo entre 0,5% e 1% do valor das máquinas e equipamentos.

No caso do BMBC - Produtos Caseiros determinou-se que o custo da manutenção das máquinas é de 0,5% do valor das máquinas.

Manutenção de máquinas Porcentagem Valor das máquinas

0,5 % R$ 3.113,00

Custo manutenção

R$ 15,57

Depreciação de máquinas

As máquinas e os equipamentos funcionam bem durante um determinado período, e eventualmente será preciso fazer uma troca dos equipamentos. Para que isso ocorra, o grupo precisa ter uma reserva. O cálculo desta reserva, feita mensalmente, é chamado de depreciação.

Primeiro foram listadas as máquinas e os equipamentos e seus valores, conforme a tabela de investimentos acima. Depois, foram estipulados os anos de funcionamento de cada máquina – tempo chamado de vida útil, que pode variar para cada equipamento. A seguir, foi projetado o valor de venda da máquina no fim da sua vida útil, o qual é chamado de valor residual.

A perda de valor é a diferença entre o preço de compra e o valor residual. Quando se divide esta diferença pelo número de anos que a máquina funciona bem (vida útil), chega-se a perda de valor anual. Dividindo este valor por 12 meses, tem-se a perda de valor mensal - este valor é chamado de depreciação.

Abaixo, segue uma tabela com os dados levantados pelo grupo BMBC - Produtos Caseiros.

Depreciação das máquinas e equipamentos Máquinas Preço de Valor Perda Vida Útil compra residual de valor (anos)

Forno Amassadeira Mesa de inox Embaladora Balança Cilindro Batedeira

TOTAL R$

280,00 1.050,00 200,00 164,00 320,00 1.050,00 49,00

3.113,00

40,00 150,00 20,00 0,00 0,00 150,00 0,00 240,00 900,00 180,00 164,00 320,00 900,00 49,00 12 12 15 10 10 12 10

Perda de valor anual

20,00 75,00 12,00 16,40 32,00 75,00 4,90

235,30

Perda de valor mensal depreciação

1,67 6,25 1,00 1,37 2,67 6,25 0,41

19,62

Assim, o grupo BMBC - Produtos Caseiros deve reservar R$ 19,62 por mês, para que em um período de 10 a 12 anos os equipamentos atuais possam ser substituídos por novos.

Retiradas

Um dos principais motivos para se formar um grupo de economia solidária é a geração de renda para suas sócias e seus sócios. Para um grupo que está iniciando, é importante perguntar: quantas pessoas são necessárias para atingir a produção programada, quais são as funções, como será a forma de pagamento (salário fixo, por hora de trabalho, por produção etc.) e quanto vai ser pago a cada uma.

Em geral a retirada é a sobra dividida entre seus membros. Os gastos são tirados da receita gerada após a venda dos produtos, e a sobra é dividida entre os membros.

Em 2002, o grupo BMBC - Produtos Caseiros contava com cinco membros. Em média, as pessoas ganhavam um salário mínimo, o qual naquela época era de R$ 200,00. Portanto, mensalmente, havia uma retirada mínima de R$ 1.000,00. No estudo de viabilidade econômica associativa, foi decidido colocar este valor de R$ 1.000,00 como custo fixo. Este é o valor mínimo que o trabalho tem que gerar. O que sobra da receita após pagar todos os gastos e inclusive os R$ 200,00 por pessoa é uma renda extra. O objetivo do grupo é gerar uma renda maior e incluir mais pessoas no grupo.

Retirada Membros

5

Retirada mensal de cada membro

R$ 200,00

Retirada mensal do grupo

R$ 1.000,00

Custos de administração

Quais são os custos de administração? Nos custos fixos estão incluídos os custos de administração. Esses custos se referem aos gastos administrativos, tais como material de escritório, telefone e contabilidade. No início do BMBC - Produtos Caseiros os custos com materiais de escritório eram baixos, pois funcionava como um grupo informal. Depois se formalizou como microempresa solidária e em um estágio posterior o grupo se juntou a outros grupos de alimentação, fundando a cooperativa Vida Saudável. Após sua formalização, a contabilidade do empreendimento começou a ser realizada por um contador. Neste caso, nos custos fixos foi incluído o pagamento mensal do contador. O custo de pagamento do contador foi estipulado em R$ 150,00 mensais. 25

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Custos de comercialização

Onde e como serão vendidos os produtos? Quem vende os produtos, as pessoas do grupo, uma vendedora, um vendedor? Como será o pagamento da vendedora, do vendedor? Como serão transportados os produtos e quais são os custos de transporte? Quais são os preços de produtos semelhantes ao nosso nos locais onde queremos vender? Temos custos com a divulgação?

No caso de BMBC – Produtos Caseiros, as bolachas são vendidas nas lojas na comunidade e nas lojas de economia solidária em Porto Alegre (RS), além das feiras na cidade de Canoas, em Porto Alegre e em cidades na Região Metropolitana de Porto Alegre. As integrantes do grupo transportam e vendem as bolachas nos espaços de comercialização. Portanto, o transporte é um custo a ser levado em consideração. Foi estipulado que o custo mensal com transporte, a maioria via transporte público, é de R$ 50,00.

Outra pergunta é se o grupo tem custos tributários. No momento em que foi realizado o estudo de viabilidade econômica, o grupo funcionava informalmente, portanto, não era o caso. Após a formalização do empreendimento, tal gasto deve ser calculado. Os custos tributários, assim como comissão pela venda de produtos, são chamados de custos proporcionais ao preço. Esses custos têm de ser tirados do preço de venda para se definir o preço de venda líquido.

Listamos abaixo todos os custos fixos do grupo BMBC - Produtos Caseiros.

Custos fixos Item

Manutenção de máquinas Depreciação de máquinas Retiradas Contador Transporte

Total Custo Mensal

R$ 15,57 R$ 19,62 R$ 1.000,00 R$ 150,00 R$ 50,00

R$ 1235,19

O ponto de equilíbrio define quantos produtos, no caso de BMBC - Produtos Caseiros, quantos pacotes de bolachas precisam ser minimamente produzidos e vendidos para que todos os custos fixos e variáveis sejam pagos. Acima desta quantidade, o grupo terá sobras.

Margem de contribuição

A venda dos produtos contribui para pagar os custos, a diferença entre o custo variável de produzir um pacote de bolachas e o preço de um pacote de bolachas é chamado margem de contribuição. A margem de contribuição ajuda pagar os custos fixos. Numa

empresa capitalista, esta margem contribui também para o lucro, o qual é apropriado pelos donos. Nos grupos de trabalho e renda, a margem contribui para a renda das pessoas que trabalham no grupo e pode contribuir para um fundo de reserva.

O grupo BMBC - Produtos Caseiros estabeleceu os preços dos produtos a partir de uma pesquisa de preços no bairro. Todas as bolachas são vendidas por um preço de R$ 1,50. Para calcular a margem de contribuição de cada produto, será observada novamente a tabela acima, referente aos custos variáveis por produto. A diferença entre o preço e o custo variável é a margem de contribuição.

Margem de contribuição de diversos produtos Produto Preço Custo por pacote

Roscas de milho com polvilho R$ 1,50 R$ 0,58 Bolachas amanteigadas R$ 1,50 R$ 0,46 Roscas de merengue R$ 1,50 R$ 0,43

Margem de contribuição

R$ 0,92 R$ 1,04 R$ 1,07

Através deste quadro, pode-se verificar quais são as bolachas que têm uma margem de contribuição maior. No caso em que todos os produtos são vendidos numa mesma proporção, a média da margem de contribuição pode ser calculado, somando as margens de contribuição, dividindo pelo número de produtos. No exemplo acima seria R$ 3,03 divido por três produtos = R$ 1,01. Em média, ganha-se R$ 1,01 por pacote de bolachas vendidas.

No caso em que os produtos são vendidos em proporções diferentes, deve-se calcular a margem de contribuição média. Na primeira tabela, elaborada pelo grupo BMBC – Produtos Caseiros, foram levantados os produtos e as quantidades produzidas, onde consta o seguinte: 500 roscas de milho, 250 bolachas amanteigadas, 500 roscas de merengue, num total de 1.250 bolachas. Se dividirmos o número de cada bolacha pelo total e multiplicamos por 100, chega-se à porcentagem de cada bolacha: 40% de roscas de milho, 20% de bolachas amanteigadas, 40% de roscas de merengue. A margem de contribuição média é calculada da seguinte forma:

Margem de contribuição média de diversos produtos Produto Margem de Porcentagem contribuição

Roscas de milho com polvilho Bolachas amanteigadas Roscas de merengue

Total

R$ 0,92 R$ 1,04 R$ 1,07 40% 20% 40%

Margem de contribuição média

R$ 0,37 R$ 0,21 R$ 0,43

1,01

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Nesse caso, com margens de contribuições próximas de cada produto, percebe-se que, independentemente da forma de cálculo, a média da margem de contribuição é de R$ 1,01.

Ponto de equilíbrio

A partir da margem de contribuição pode ser calculado o ponto de equilíbrio. O cálculo do ponto de equilíbrio é feito da seguinte forma. Primeiro é calculada a margem de contribuição. A seguir, o custo fixo mensal é dividido pela margem de contribuição, o resultado é o ponto de equilíbrio – a quantidade de produtos a ser produzida e vendida para poder pagar todos os custos fixos e variáveis. Acima desta quantidade, o grupo terá sobras.

Ponto de equilíbrio

Custo fixo mensal Dividido pela margem de contribuição Ponto de equilíbrio

R$ 1.235,19 R$ 1,01 1.223 pacotes

O ponto de equilíbrio significa que para poder pagar todos os gastos fixos, manutenção e depreciação de máquinas, retiradas mensais de R$ 1.000,00 para cinco pessoas, pagamento da contadora ou do contador e pagamento de transporte, além dos custos variáveis, os ingredientes, embalagens e energia, o grupo deve produzir e vender 1.223 pacotes de bolachas por mês. O que é vendido acima desta quantidade é sobra e contribui para aumentar a renda das e dos integrantes ou para aumentar o número de integrantes do grupo ou para montar um fundo de reserva.

Resultado da produção

O resultado da produção é calculado da seguinte forma. Primeiro, é calculada a receita, multiplicando a quantidade de produtos vendidos pelo preço. Após, é calculado o custo variável, multiplicando a quantidade de produtos pelo custo variável de um produto. A seguir, é calculado o custo total, somando o custo variável e o custo fixo mensal. Por fim, é tirado o custo total.

No caso de BMBC – Produtos Caseiros é calculado o resultado da produção de 1.250 pacotes de bolachas, sendo 500 pacotes de roscas de milho, 250 pacotes de bolachas amanteigadas e 500 pacotes de roscas de merengue.

Resultado para uma produção de 1.250 pacotes de bolachas Itens Receita (500 x 1,50 + 250 x 1,50 + 500 x 1,50)

Custo Variável (500 x 0,58 + 250 x 0,46 + 500 x 0,43) Custo Fixo Mensal Manutenção de máquinas Depreciação de máquinas Retiradas Custos administrativos – contador Transporte

Custo Total Saldo R$ 1.875,00

620,00

15,57 19,62 1.000,00 150,00 50,00

1.855,19 19,81

O resultado da produção mostra que com a produção e a sua venda prevista de 1.250 pacotes de bolachas será gerada uma receita com a qual é possível pagar todos os custos fixos, incluindo uma retirada mensal de R$ 1.000,00 para as cinco integrantes, assim como todos os custos variáveis, ficando uma sobra de R$ 19,81. Como consta acima no cálculo do ponto de equilíbrio, o BMBC – Produtos Caseiros tem de produzir e vender no mínimo 1.223 pacotes para poder pagar todos os gastos.

Decisões coletivas

A partir da realização do estudo de viabilidade econômica associativa e o cálculo dos custos variáveis e fixos, o grupo pode tomar decisões como verificar se o preço da bolacha cobre todos os custos, calcular quantos pacotes de bolachas têm de ser vendidos para cobrir todos os custos e também avaliar se o ingresso de outras pessoas no grupo é viável, a partir de aumento de custos e aumento de produção. Assim, o grupo também pode calcular os impactos do registro, incluindo os custos extras com administração e contabilidade e pagamento de impostos. Após a realização do estudo de viabilidade econômica e associativa, integrantes do BMBC – Produtos Caseiros começaram a ensinar nos cursos, além da produção de bolachas, como calcular os custos. O grupo entende melhor o processo de produção. O entendimento destes processos, principalmente como calcular e obter os dados para poder tomar novas decisões, fortalece o grupo. O grupo tem mais informações e é mais preparado para tomar decisões. O estudo de viabilidade econômica e associativa é importante para o domínio dos processos do grupo e para a autogestão. 29

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Gestão coletiva

A questão da gestão tem a ver com as relações de trabalho. Para uma boa administração, as participantes e os participantes têm de conhecer bem o empreendimento, registrar os dados e saber interpretar e tomar decisões a partir dos dados e resultados do empreendimento. Um estudo de viabilidade ajuda a iniciativa a organizar os dados e os resultados da sua atividade.

Uma vez decidida a área de atuação, inicia-se a parte de organização e o desafio da gestão coletiva. Nesse contexto, existem várias perguntas a ser respondidas: quem vai participar do projeto, em que condições e quanto tempo cada uma e cada um vai dedicar a ele; quais são os compromissos e responsabilidades de cada pessoa; como será a divisão de tarefas; quais são os registros que devem ser feitos e quem vai cuidar das tarefas de administração; como serão tomadas as decisões.

A gestão democrática é um processo contínuo de construção coletiva. O planejamento, o monitoramento e a avaliação realizados de forma participativa são importantes elementos neste processo. Um estudo de viabilidade econômica realizado de forma participativa fornece os dados e ajuda na construção de um processo coletivo de tomada de decisões, portanto faz parte da gestão democrática.

A fala abaixo reflete bem os desafios e possibilidades de construção coletiva da economia solidária.

“É um desafio organizar a produção de tal forma que consegue atender a todos os pedidos. Todos nós juntos somos a cooperativa e a responsabilidade para as coisas darem certo é de todas nós, do grupo inteiro.” Isaurina Alzira da Silva, da Cooperativa Univens.

Referências

CAPINA – Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa. Puxando o fio da meada: viabilidade econômica de empreendimentos associativos I, Rio de Janeiro: CAPINA, 1998. ______. Retomando o fio da meada: viabilidade econômica de empreendimentos associativos

II, Rio de Janeiro: CAPINA, 1999. KRAYCHETE, G. “Economia popular solidária: sustentabilidade e transformação social.” Em Gabriel Kraychete e Katia Aguiar (orgs.), Economia dos Setores Populares: Sustentabilidade e

Estratégias de Formação. São Leopoldo: Oikos, 2007. SINGER, P. “Economia solidária: um modo de produção e distribuição.” Em Paul Singer e André

Ricardo de Souza (orgs.), A Economia Solidária no Brasil: A Autogestão como Resposta ao

Desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.

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