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Rali de Comunicação: experiência de produção de comunicação, arte e renda para a juventude
from Economia solidária, Diaconia e Desenvolvimento Transformador
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
As lembranças nem sempre são o que fomos, mas o que sentimos, o que se guardou. Ir aproximando imagens pode ser uma forma de ir reconstruindo o real.
(ARROYO, 2009)
Fabiane Asquidamini1 Edson André Cunha Thomassim2
Senti mos que este texto é um esforço de aproximar as imagens que temos e que vivemos, no intuito de comparti lhar uma realidade que vai sendo construída no coti diano da vida dos/as jovens que estão envolvidos na ONG Trilha Cidadã, em especial no projeto Rali de Comunicação.
A ONG Trilha Cidadã foi criada por militantes e assessores/as da Pastoral da Juventude do Rio Grande do Sul e tem seu trabalho direcionado ao campo das Políti cas Públicas para a Juventude, como marca signifi cati va de seu engajamento sociopolíti co nas comunidades. Tem por princípio a defesa do protagonismo juvenil, possibilitando, comprometendo e valorizando adolescentes e jovens que atuam em diferentes espaços sociais, através de alternati vas coleti vas que superem situações sociais de empobrecimento e de exclusão.
Fazemos parte da Rede Brasileira de Centros e Insti tutos, que trabalha com jovens e, como rede, somos espaço de apoio, assessoria e refl exão sobre juventudes. O trabalho da Trilha Cidadã arti cula-se a parti r de quatro eixos norteadores para a ação: pesquisa, formação, assessoria e linguagens, onde desenvolvemos vários projetos.
1 Secretária da ONG Trilha Cidadã e consultora do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde. Mestra em Saúde Coleti va pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS/RS. 2 Padre da Igreja Católica, membro da ONG Trilha Cidadã. 45
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Aproximando a lente
O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher! (Cora Coralina).
A história foi acontecendo na caminhada, e na arte de caminhar, passo a passo, observamos a trajetória e as singularidades do caminho.
Com o eixo de trabalho Linguagens fomos construindo experiência de produção de comunicação, arte e geração de renda para os jovens.
Os passos iniciais aconteceram em 2006, com a execução do “Consórcio Social da Juventude”. Percorrendo o caminho das políticas públicas, a ONG também evidenciou sua participação em outros programas voltados à realidade juvenil, como o “Juventude Cidadã”, a assessoria à Coordenadoria Municipal da Juventude de São Leopoldo (município onde está sediada a Trilha Cidadã), projetos na área da Segurança Pública através de oficinas de comunicação e arte, além da execução do programa Jovem Aprendiz, visando à inserção de jovens no mercado de trabalho.
Com esse último programa, priorizamos a nucleação de um grupo juvenil de economia solidária na área de comunicação alternativa, pois compreendemos que as temáticas da comunicação são formas de entrelaçamento com os universos juvenis. Os temas da produção de linguagem, a manifestação de ideias e a participação em tecnologias digitais e de informação estão presentes na vida dos/as jovens.
As áreas da comunicação alternativa e da arte são estratégias de aproximação, vínculo e diálogo com a juventude, que segundo Gil (2009) reconhece as diversas expressões culturais e a necessidade de espaço para tais manifestações.
Quando fazemos a escolha de constituir um grupo juvenil de economia solidária, temos uma intencionalidade. Acreditamos que essa é uma tradução possível da sociedade que queremos ver acontecer, onde as atividades de produção geram trabalho com qualidade e valor de vida e espaços onde os/as jovens são protagonistas da comunicação e da arte.
A economia solidária coloca-se como a possibilidade do trabalhador apropriar-se dos meios de produção. Segundo Gaiger (2003) é uma experiência profissional fundamentada na justiça e na dignidade do cidadão, a qual proporciona e integra aprendizagens e autonomia.
Os jovens que fizeram essa experiência participaram de diversos eventos e cursos. Entre esses, o Fórum Municipal de Economia Solidária em São Leopoldo, Feiras de Economia Social Solidária Nacional e Internacional e cursos de qualifi-
cação profissional no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e na própria ONG Trilha Cidadã.
Com o termino do Projeto Aprendiz em 2008, os jovens que permaneceram seguiram as atividades, formando o “Rali de Comunicação”. O nome Rali de Comunicação é uma linguagem “trilheira” (pensada pelos Gestores da ONG Trilha Cidadã) para designar a força de uma “trilha” realizada por jovens, voltada a um determinado grupo de ação. Já tivemos outros ralis, como o de Cidadania e o Rali das Artes, que teve o desafio de implementar uma forma participativa e coletiva da juventude com a ONG e entre os seus pares.
Rali de Comunicação: Trilhando um caminho de comunicação, arte e geração de renda
Força não há capaz de enfrentar uma ideia ou sonho cujo tempo tenha chegado. (Rosa Luxemburgo)
O caminho percorrido até então – qualificação e empoderamento de ferramentas e meios de fazer comunicação – vai construindo o caminho de autonomia e de uma construção participativa e coletiva de um fazer comunicativo mais socializado.
A elaboração de DVDs temáticos produzidos pelos jovens, cobertura de eventos, articulação com diferentes setores e instituições, prestação de serviços, como produção de materiais gráficos, folders, cartazes e informativos, foram ampliando a possibilidade de renda para esses jovens.
Durante este tempo, o Rali foi articulado por três jovens entre 20 a 23 anos. Com vistas à ampliação do grupo, foi implementado em parceria com a Fundação Luterana de Diaconia o curso “Trilhando Comunicação”, com duração de nove meses. Nesse curso, os próprios jovens foram educadores de outros jovens, outros/as jovens foram integrando-se ao Rali.
Mas o caminho que vamos trilhando também apresenta dificuldades e desafios permanentes. O processo vivido desde 2006 promoveu a participação de muitos jovens da comunidade local e arredores, mas houve inúmeras desistências, causadas pela necessidade imediata de geração de renda, interesses em outros ambientes de participação, oferta de cursos e programas governamentais e também novos projetos de vida.
Em 2009, sente-se a necessidade de qualificação e da aquisição de equipamentos profissionais, para oferecer e produzir um trabalho com maior qualidade. Novamente, a parceria com a Fundação Luterana de Diaconia, em 2010, possibilita a aquisição destes equipamentos. 47
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O grupo vai produzindo e tornando-se conhecido na cidade de São Leopoldo e em diferentes grupos, organizações e instituições com as quais a ONG Trilha Cidadã articula-se. Entre os trabalhos que foram sendo realizados, recentemente, em 2013, a produção de um documentário Movimento Pro Dique São Leopoldo, do Fundo Municipal de cultura.
Houve sempre um processo de reconhecimento e aposta no projeto, tanto dos parceiros como dos gestores e sócios da ONG Trilha Cidadã.
As escolhas e outras trilhas
O vento é o mesmo, mas a resposta é diferente em cada folha; somente a árvore seca fica imóvel entre pássaros e borboletas. (Cecília Meireles)
O vento que sopra toca em nós com sensibilidade e realismo. Somos uma ONG formada por jovens que vivem uma condição juvenil. Para Marialice Foracchi (1965), “A juventude sintetiza uma forma possível de pronunciar-se diante do processo histórico e de constituí-lo” (p.302, 303).
O Rali de Comunicação foi, ao longo de sua trajetória, se movendo de forma autônoma e com os próprios pés, traduzindo em trabalhos visuais, vituais e artísticos a realidade destes/as jovens comunicadores, artistas e protagonista de seu trabalho.
Mesmo sendo pensado, planejado e sonhado lá no início para ser uma produtora cooperativada de comunicação, o tempo trouxe outras expectativas, um modo de projetar e pensar o caminho que foi trilhado e que vai sendo trilhado, sentindo mais a força do vento e a singularidades do processo.
É preciso perguntar: O Rali de Comunicação é um projeto para um tempo longo na vida dos/as jovens? Ou é um projeto ponte, que une possibilidades, curiosidade e sonhos de muitos/as jovens? Será que o projeto já cumpriu seu propósito ou precisa se (re)desenhar, (re)colorir?
Sabemos que esse espaço permitiu e permite que os/as jovens sejam protagonistas, sujeitos, e, justamente por isso, provoca vôos e olhares desejosos de horizontes mais amplos.
Durante este tempo, o projeto teve a habilidade de despertar o potencial criativo destes/as jovens, de fazer com que eles/as pensem e reflitam o que significa produzir comunicação alternativa, caracterizando-a como um novo modo de pensar comunicação para e com jovens. O acesso a ferramentas de tecnologias no mundo da comunicação é tão restrito que a produção deste grupo juvenil – os que estão e os que já buscaram novos caminhos – tem um significado importante
e permite pronunciar outras maneiras de fazer comunicação, que vão representando exercício de cidadania.
Ainda não sabemos dizer quais as novidades que vem com o vento, mas o caminho acontece com o desejo de caminhar, com a constância e com o acreditar que é possível fazer diferente.
No horizonte da ONG Trilha Cidadã está à dinâmica do apoio e do suporte para constituições de experiências juvenis, que organizadas em grupos, coletivos ou núcleos sejam respostas às inúmeras questões, desafios e proposições que a juventude faz e se faz constantemente.
O Rali foi um começo, um ensaio de oportunidades e de novos caminhos que fomos descobrindo conjuntamente. Com certeza, esse espaço ainda representa possibilidades de oportunidades, aprendizagens e proximidade com a realidade da vida dos/das jovens.
Referências
ABRAMO, HW; BRANCO, PM (Orgs.). Retratos da juventude brasileira: análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. BRISTOT, D. O Profissional de Relações Públicas atuando nas Organizações Não-Governamentais. Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social - Hab. em Relações Públicas.
Orientador: Jane Rech. Universidade de Caxias do Sul: UCS, 2008. CIDADANIA, Instituto de. Perfil da Juventude Brasileira. Pesquisa de opinião pública. Brasília:
Sebrae, Instituto de Cidadania e Instituto de Hospitalidade, 2003. DICK, H (Coord.). Às margens juvenis de São Leopoldo – dados para entender o fenômeno juvenil na região. São Leopoldo: Cadernos IHU (Instituto Humanitas Unisinos), 2005;3(11). FORACCHI, M. M. O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965. GAIGER, LI. Empreendimentos econômicos solidários. In: CATTANI, Antonio David (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003. GIL, CZV. Jovens e Participação: a experiência da ONG Trilha Cidadã. Tese de Doutorado em
Educação. Orientador: Nilton Bueno Fischer. Porto Alegre: UFRGS, 2009. SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. 49