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e justiça econômica
from Economia solidária, Diaconia e Desenvolvimento Transformador
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
“Com a Justa Trama, nós mulheres mudamos, acreditamos em nós, nos valores de desenvolvimento sustentável, preservação ambiental e solidariedade, nossa cooperativa mudou, Rondônia mudou.”
Maria Dalvani de Souza, da Justa Trama, cadeia produtiva do algodão agroecológico, no estado de Rondônia
Apoio solidário para processos de transformação e justiça econômica
Angelique J. W. M. van Zeeland1
O depoimento acima mostra a importância do apoio solidário para pequenos projetos, que podem resultar em processos de transformação social. A parti r de pequenos projetos nasce o protagonismo e a autonomia, que são a base do desenvolvimento transformador. Pequenos projetos e pequenos empreendimentos econômicos solidários numa comunidade podem criar espaços de inovação. O apoio solidário a iniciati vas comunitárias signifi ca uma possibilidade de um processo de aprendizagem e de transformação.
Além disso, indica a ocorrência de mudanças signifi cati vas na vida das mulheres, o aumento da autoesti ma e a melhoria nas relações sociais, dimensões que são importantes no processo de desenvolvimento transformador e em sua contribuição para a erradicação da pobreza.
A Fundação Luterana de Diaconia (FLD) tem como objeti vo contribuir de forma ati va e duradoura na garanti a dos direitos e do desenvolvimento transformador, no fortalecimento da sociedade civil, das redes ecumênicas e atores diaconais. Um dos principais programas para ati ngir este objeti vo é o apoio solidário através do Programa de Pequenos Projetos.
O arti go apresenta a compreensão da FLD sobre desenvolvimento transformador, justi ça econômica e economia solidária. Em seguida, apresenta uma análise dos projetos de Economia Solidária, apoiados através do Programa de Pequenos
1 Assessora de Projetos da Fundação Luterana de Diaconia. Doutoranda em Economia em Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. 7
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Projetos. Por fim, são discutidas dinâmicas de processos de desenvolvimento e transformação a partir do apoio a pequenos projetos de economia solidária.
Desenvolvimento transformador e justiça econômica
A concepção do desenvolvimento transformador foi adotada pela Aliança ACT a partir de um processo participativo, partindo das práticas em desenvolvimento dos membros. ACT é uma aliança de mais de 130 organizações, baseadas na fé cristã, que trabalham em 140 países com desenvolvimento, defesa dos direitos humanos e ajuda humanitária. O desenvolvimento transformador tem como objetivo mudanças positivas e duradouras na vida de pessoas afetadas pela pobreza e pela injustiça, identificando-as como os principais atores da sua própria mudança e reconhecendo que todas as pessoas têm o direito e a capacidade de viver de forma justa, humana e digna em comunidades sustentáveis. (ZEELAND, 2012). Esta concepção dialoga com a abordagem das capacidades e o desenvolvimento humano, que, de acordo com o economista indiano Amartya Sen (2011), se concentra na vida humana e propõe um deslocamento da concentração nos meios de vida para as oportunidades reais de vida.
No desenvolvimento transformador, os seguintes conceitos são centrais: participação, empoderamento, desenvolvimento de capacidades, não discriminação, equidade de gênero, sensibilidade cultural e espiritual, reafirmação de direitos humanos e a abordagem baseada em direitos, incidência em políticas públicas, promoção de paz e estratégias de reconciliação pertinentes ao contexto, comunicação efetiva, sensibilização e promoção de mudanças do padrão de consumo e sustentabilidade ambiental, respeitando e aprendendo com os saberes e práticas locais.
A incidência em políticas públicas é voltada para fortalecer as capacidades dos sujeitos sociais e está focada na superação das causas estruturais dos fatores que afetam setores da sociedade que vêem seus direitos violentados e que geram pobreza e degradação ambiental. Adotar uma estratégia de desenvolvimento transformador significa rejeitar qualquer condição, estrutura ou sistema que perpetue a pobreza, a injustiça, o abuso dos direitos humanos e a destruição do meio ambiente.
O Brasil é um dos países detentores das maiores desigualdades sociais e econômicas no mundo, mesmo que na última década a desigualdade venha diminuindo lentamente. Esta concentração de renda é uma injustiça com os milhões de pessoas que são excluídas do processo produtivo e que vivem em situação de pobreza. De acordo com ACT (2012), a desigualdade é uma das principais causas da pobreza extrema. Certas pessoas e certos grupos são sistematicamente excluídos de acessar oportunidades e direitos, a fim de viver uma vida que têm razão para valorizar. A desigualdade não constitui apenas um problema de distribuição mais justa da renda
e da riqueza; envolve também o desafio do acesso ao trabalho digno da maioria da população desempregada, subempregada ou vivendo de atividades informais e o desafio de construir formas alternativas de produzir e gerar renda.
A luta pela justiça econômica aponta para a atuação da FLD em diversos níveis. Significa o apoio a projetos de desenvolvimento local com garantia de direito a trabalho digno, apoio para iniciativas comunitárias de economia solidária, apoio para a comercialização solidária, o comércio justo e o consumo consciente, o fortalecimento de organizações populares e movimentos sociais e a incidência em políticas públicas voltadas para a promoção da economia solidária e do desenvolvimento transformador.
Economia Solidária
O termo Economia Solidária refere-se às formas de produção e de troca que visam satisfazer as necessidades humanas, aumentar a resiliência e expandir as capacidades humanas, através de relações sociais com base em diferentes graus de cooperação, de associação e de solidariedade. A partir de uma perspectiva de desenvolvimento e justiça, a economia solidária tem o potencial de desenvolvimento integrado, promovendo o desenvolvimento local, assim como a proteção social e ambiental, a diversidade cultural e o empoderamento. A economia solidária também tem o potencial de enfrentar os desafios nas áreas de segurança alimentar e igualdade de gênero.
Desde a década de 1990, há uma literatura crescente em relação à Economia Solidária. A economia solidária surge como uma resposta à pobreza e a desigualdade. Luis Razeto aborda a racionalidade especial da economia de solidariedade.
“Concebemos a economia de solidariedade como uma formulação teórica de nível científico, elaborada a partir e para dar conta de conjuntos significativos de experiências econômicas – no campo da produção, comércio, financiamento de serviços etc. –, que compartilham alguns traços constitutivos e essenciais de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que definem uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades econômicas”. (RAZETO, 1993, p.40).
Estas iniciativas são desenhadas para atender uma escala de necessidades específicas, como segurança alimentar, moradia, educação, saúde e geração de trabalho e renda. Elas recuperam o papel central do trabalho, em vez do capital, e focam na melhoria das condições de vida dos membros e suas famílias (Razeto, 1997). Paul Singer (2000) reforça que a economia solidária é um processo continuado de criação pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores, na sua luta contra o capitalismo, para mudar as relações econômicas injustas e exploradoras. A solidariedade é o aspecto mais importante dessa práxis econômica, e se expressa, entre outros, na propriedade coletiva dos meios de produção pelas pessoas que os utilizam para produzir; gestão 9
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democrática e distribuição da receita líquida e das sobras entre os membros. José Luis Coraggio define a economia social e solidária como “prácticas econômicas de acción transformadora”. O objetivo principal é criar um sistema socioeconômico, organizado pelo princípio de “reproducción ampliada de la vida de todos los ciudadanos-trabajadores, en contraposición con el principio de la acumulación de capital”, gerado a partir da economia mista atualmente existente. (CORAGGIO, 2007, 37). Ash Amin (2009) destaca o aspecto da comunidade: a economia solidária mobiliza capacidades e recursos locais, com base na mobilização popular para atender às necessidades locais e sociais, bem como o desenvolvimento humano.
A economia solidária visa satisfazer as necessidades humanas e é baseada em valores, como a tomada de decisões democrática e participativa e a coesão social. Uma das principais distinções da economia solidária está associada à organização coletiva, a cooperação e a solidariedade.
Programa de Pequenos Projetos: apoio solidário a iniciativas comunitárias
O Programa de Pequenos Projetos da FLD apóia projetos de grupos populares, iniciativas comunitárias e movimentos sociais e visa promover o protagonismo das pessoas e grupos da sociedade civil para a efetivação dos direitos e do desenvolvimento transformador. Através do Programa de Pequenos Projetos são apoiados projetos nas áreas de Direitos, Diaconia, Justiça Socioambiental e Justiça Econômica. Nesta seção será analisado o apoio solidário aos projetos de justiça econômica e especificamente de economia solidária.
No período de 2000 a 2013 foram apoiados 154 projetos de grupos de economia solidária em todo o Brasil, na maioria das vezes privilegiando o primeiro projeto de grupos pequenos, comunitários, muitas vezes de atores emergentes, em busca de uma chance de estruturar melhor seu trabalho. O objetivo é o fortalecimento destes grupos populares, organizações comunitárias e movimentos sociais, bem como do trabalho em rede e da incidência em políticas públicas voltadas para a promoção de justiça e a transformação social. Um dos principais critérios para o apoio é a elaboração e a gestão participativa do projeto com protagonismo do público envolvido.
Dos projetos apoiados, a maioria está localizada na região Sul do Brasil, respectivamente 55%, seguida pela região Sudeste (23%), 10% se encontra na região Norte e nas regiões Nordeste e Centro Oeste, incluindo o Distrito Federal, respectivamente 4% e 3%. Os demais (5%) são projetos de alcance nacional. A concentração dos projetos na região Sul se dá pela proximidade e pela atuação da FLD em espaços de fomento e de incidência em políticas públicas, como no Conselho Estadual de Economia Solidária do Estado do Rio Grande do Sul. Exemplos de projetos de alcance nacional são o apoio à Justa Trama, cadeia produtiva do algodão agroecológico, ao
Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis e ao Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do Brasil (Faces do Brasil).
Dos pequenos projetos apoiados de grupos comunitários e empreendimentos econômicos solidários, 40% são de mulheres. Os jovens também estão começando a criar iniciativas de economia solidária: 5% do total dos projetos de justiça econômica são promovidos pela juventude, muitos na área de produção cultural.
Ksulo é um grupo formado por jovens negros da comunidade periférica – Bom Jesus, Zona Leste de Porto Alegre (RS) – que impulsiona iniciativas culturais, propostas educativas e empreendimentos solidários sustentáveis a partir da cultura Hip Hop. O grupo criou formas alternativas para a produção e confecção de CD’s, calças e camisetas do grupo. Em parceria com a Copearte, Associação Costurando Arte, um grupo de costureiras da mesma comunidade, começaram a confeccionar roupas a partir do estilo Hip Hop (streetwear) e lançaram a confecção “470”, em alusão ao número do ônibus que atravessa a comunidade. Isto resultou numa alternativa de geração de renda para os jovens (FLD, 2010).
Há experiências interessantes de grupos compostos por mulheres e jovens, como, por exemplo, a Cooperativa Mista de Trabalho e Produção Bom Samaritano – Cooperbom, de Viamão (RS). A Cooperbom atua na área de alimentação e tem 56 sócios, entre os quais 36 mulheres e 20 homens, sendo 12 destes jovens. Há uma divisão de trabalho na cooperativa: 20 mulheres atuam na preparação de alimentação e na venda, principalmente de almoços no restaurante e no bairro. Outras 36 pessoas atuam em eventos, principalmente coquetéis. Neste grupo há 16 mulheres que atuam como copeiras, oito homens que são assadores e 12 jovens, homens, que atuam como garçons. A gestão é feita coletivamente, porém na coordenação a maioria é de mulheres. Tanto para os homens quanto para as mulheres isso foi um processo de aprendizagem. A coordenadora Isabel Cristina de Souza Cunha menciona como lições aprendidas, nos 15 anos de existência, o processo de autogestão, o gerenciamento de recursos e a construção de relações de gênero mais tranquilas. De acordo com ela: 11
“Hoje quem está na cooperativa, está porque quer, porque acredita”.
As demais categorias sociais são compostas por mulheres e homens e por jovens e adultos. O grupo de catadoras e catadores de materiais recicláveis representa 18% do total dos projetos apoiados; os/as agricultores/as familiares representam 10%; projetos de povos tradicionais (8%), entre os quais povos indígenas e comunidades quilombolas; 1% de projetos apoiados é de pessoas com deficiência, entre os quais o apoio para uma cooperativa de massagistas cegas e cegos. Ainda há 18% de projetos no qual o público é composto por empreendimentos econômicos solidários e público em geral. Nesta categoria se encontram principalmente projetos de comercialização solidária e de comércio justo, como o apoio a feiras de economia solidária.
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Em relação ao tipo de apoio há certo equilíbrio entre as categorias. Em torno de 29% de projetos têm como principal atividade a capacitação. Nestes, encontram-se organizações sociais que oferecem cursos de profissionalização, como o Centro de Referência da Cultura Afro-indígena Quigemm de Araçuaí no Vale de Jequitinhonha, em Minas Gerais, via cursos de artesanato, principalmente para as comunidades quilombolas, numa região com uma tradição cultural de produção de artesanato. Outro exemplo é o projeto Conquistando o Direito ao Trabalho e à Moradia da Organização de Auxílio Fraterno (OAF) da cidade de São Paulo (SP), que oferece acompanhamento e cursos para a população de rua, catadoras e catadores, entre outros, na área de reaproveitamento e produção de artesanato a partir de material reciclável. O projeto da Associação dos Amigos do Projeto Missão Vida em Porto dos Gaúchos, no Mato Grosso, oferece cursos de corte e costura para mulheres da comunidade.
Aproximadamente 34% dos projetos são voltados para a melhoria e qualificação da produção. Estes são projetos de associações, cooperativas e empreendimentos econômicos solidários. O apoio consiste muitas vezes na aquisição de máquinas e equipamentos, combinado com oficinas de qualificação técnica ou na área de gestão democrática. Nesta categoria, se encontra projetos como o de qualificação da Coope-
rativa Alternativa de Alimentos Vida Saudável de Canoas (RS), voltado para a aquisição de equipamentos, qualificação dos processos produtivos e aprimoramento da gestão coletiva. Outro exemplo é o projeto para a aquisição de equipamentos para ampliar a capacidade de produção de sorvetes da Associação de Mulheres Solidárias da Zona Norte de Porto Alegre (RS) - Beijo Frio. O projeto fortalecimento sócio-econômico da Cooperativa Agroindrustrial e Extrativista das Mulheres do Município de Cametá em Pará (Coopmuc) – visa à qualificação das pessoas no cooperativismo, administração e produção de artesanato, além da compra de equipamentos e capital de giro para a compra de frutas. O projeto da Cooperativa de Confecções e Artes – Coonarte – de Belo Horizonte (MG), combina a aquisição de equipamentos, qualificação da gestão e ampliação de espaços de comercialização.
A porcentagem de projetos que se enquadram na categoria de comercialização solidária e comércio justo têm aumentados nos últimos anos, no período de 2000 a 2013 representam 18% do total dos projetos de justiça econômica. Exemplos são os apoios a feiras de economia solidária e a espaços de comercialização coletiva, como por exemplo, a Contraponto, entreposto de saúde, cultura e saber de Porto Alegre (RS) e a Arte Mostra Solidária, uma loja coletiva de economia solidária administrada pelos empreendimentos econômicos solidários, localizada no Centro Público de Economia Solidária em Belo Horizonte (MG).
Os projetos na categoria articulação, mobilização, incidência em políticas públicas também vêm crescendo e são responsáveis por 19% do total apoiado.
Projetos de Economia Solidaria por tipo de apoio
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Na categoria articulação, mobilização e incidência em políticas públicas encontram-se projetos como o fortalecimento do comércio justo e solidário, como estratégia para o desenvolvimento da economia solidária no Brasil e apoio para a realização da V Plenária Estadual de Economia Popular Solidária do Rio Grande do Sul, ambos voltados para a incidência em políticas públicas de economia solidária. Muitos projetos abordam os diversos aspectos: capacitação, melhoria da produção, comercialização, articulação, mobilização e incidência em políticas públicas.
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Outra característica é que cada vez mais projetos apoiados são de redes de empreendimentos econômicos solidários que atuam juntos na produção e na comercialização.
A partir da experiência do Programa de Pequenos Projetos da FLD, dos encontros da Articulação Nacional de Fundos de Pequenos Projetos, que ocorreram no período de 1996 a 2006, e dos encontros dos Fundos de Pequenos Projetos de América do Sul, desde 2008, promovidos por Pão Para o Mundo, podemos afirmar que os Programas de Pequenos Projetos são uma ferramenta importante de transformação social e uma forma expressiva de solidariedade popular-comunitária. A dimensão solidária dos Programas de Pequenos Projetos é expressa na sua acessibilidade para grupos de base que não encontram outros apoios com facilidade, no apoio solidário a iniciativas inovadoras de caráter local, na promoção de processos de aprendizagem e produção coletiva de conhecimento, bem como no estímulo de articulação entre experiências locais e na formação de redes de incidência em políticas públicas. De acordo com o encontro dos Fundos de Pequenos Projetos de America do Sul realizado em 2011, os Fundos de Pequenos Projetos estão no início da cadeia de efeitos exitosos. Esta cadeia parte do enfoque diaconal, com o apoio para projetos de pessoas em situação de pobreza. Os processos de capacitação e de conhecimento dos direitos levam ao empoderamento e criação de estruturas. Estes resultam em um desenvolvimento que incorpora atividades sociopolíticas e forma redes de reivindicação de direitos. O efeito é uma sociedade civil fortalecida, atuando politicamente. (ZEELAND, 2013).
No estudo de caso de quatro programas de pequenos projetos em América do Sul, realizado por Pão para o Mundo, foi elaborado um mapa que demonstra as dinâmicas de processos de desenvolvimento e transformação a partir do apoio a pequenos projetos de economia solidária. Este mapa foi adaptada para também demonstrar o processo de sustentabilidade da economia solidária. O mapa mostra que simultaneamente há dois processos operando, o processo social e organizativo e o processo produtivo econômico. O primeiro processo passa pelo aspecto de empoderamento e nesta fase podem ser constatados os resultados. Em seguida, as novas experiências e processos de aprendizagem levam a um aumento da autoconfiança e à nova liderança; nesta fase os efeitos podem ser detectados. Por fim, o processo pode resultar na incidência em políticas públicas, a fase na qual aparecem os impactos. Em relação ao processo produtivo e econômico, num primeiro momento passa por ideias e propostas, com o surgimento de resultados, a segunda fase é da implementação e de aprendizagem, quando já se podem detectar efeitos, e a próxima fase aponta para processos de viabilidade, formalização e comercialização dos grupos e empreendimentos da economia solidária, que podem resultar em um aumento de renda. Nesta última fase, os impactos podem ser identificados.
A metodologia de apoio a projetos, que começa com vários apoios “pontuais”, muitas vezes acaba apoiando e formando um processo, onde se estabelece uma relação de confiança entre o Programa de Pequenos Projetos e o projeto/grupo/comunidade, sem “assumir” o projeto, respeitando sua autonomia e fortalecendo seu protagonismo. Neste processo acontece a construção de propostas que podem virar referências para políticas públicas e, portanto, incidir em políticas públicas, levando a processos de transformação, onde as pessoas são protagonistas da transformação. O apoio a diversos projetos de catadoras e de catadores de materiais recicláveis demonstram este processo. Ao longo da sua existência, através do Programa de Pequenos Projetos, a FLD apoiou mais de 30 projetos de organizações de catadores e de catadoras, em diversos estados do Brasil. Desses apoios pontuais nasceu a parceria entre a FLD e o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis - MNCR. Analisando os projetos constata-se uma evolução do tipo de projetos apoiados. Os primeiros foram na área de melhoria de produção, através de aquisição de equipamentos, assim como de capacitação, muitas vezes propostos isoladamente por uma única associação. Em seguida vieram os projetos de articulação e mobilização propostos pelo MNCR, realizados nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Nos últimos anos são frequentes os projetos que visam incluir as catadoras e os catadores de materiais recicláveis em políticas públicas de gestão de resíduos através da Coleta Seletiva Solidária e a efetivação de contratos com os Governos Municipais. O projeto Rede Logística de Catadoras e de Catadores da Cootracar em Gravataí (RS) e o projeto 15
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Coleta Seletiva Solidária em Santa Cruz do Sul (RS) da Coomcat são ambos voltados para a inclusão de catadoras e de catadores na política de gestão de resíduos, atendendo, em primeira instância, respectivamente, 108 e 100 catadoras e catadores. Muitas e muitos trabalhavam com catação na rua, de forma individual, na economia informal. Estes projetos mostram que com o acesso a políticas públicas é possível incluir uma ampla parcela de catadoras e catadores informais na economia solidária. Ainda destaca o potencial da economia solidária para assumir importantes setores na economia, como a gestão integrada de resíduos sólidos, e começar a construir outra economia, com justiça econômica e justiça socioambiental, criando um processo de desenvolvimento transformador garantindo os direitos e a cidadania das pessoas envolvidas e promovendo mudanças significativas e duradouras na vida das pessoas.
“Ser catador não é ser lixeiro é um trabalho digno. O Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis é a minha família. Tudo que a gente conquistou INSS (previdência social) etc., coisas que a gente não tinha, foi tudo na união das pessoas. A cooperativa me apoiou muito. Cada um tem seu problema, a gente tenta resolver esses problemas, e ajudar, seja financeiramente ou na alimentação, para não deixar a pessoa cair. É o melhor meio de trabalho, para tudo, espero que a sociedade um dia reconheça isso e que a gente possa crescer mais!” Denise Vargas, Cootracar, Gravataí (RS).
Referências
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