OS INVOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA
ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA II
Eduardo Viveiros de Castro
© Eduardo Viveiros de Castro, 2025
© n-1 edições, 2025
ISBN 978-65-6119-067-1
Embora adote a maioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as convenções das instituições normativas, pois considera a edição um trabalho de criação que deve interagir com a pluralidade de linguagens e a especificidade de cada obra publicada.
Coordenação editorial
Peter Pál Pelbart e Ricardo Muniz Fernandes
Gestão editorial
Gabriel de Godoy
Assistência editorial
Inês Mendonça
Preparação
Ana Godoy
Revisão
Fernanda Mello
Projeto gráfico
Danowski Design
Diagramação
Juliana Cornacchioni
A reprodução parcial deste livro sem fins lucrativos, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio impresso ou eletrônico, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessária a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores.
1a edição | outubro, 2025 n-1edicoes.org
REVIRAVOLTAS
OS IN VOLU NTÁ RI O S
DA P Á TR IA
ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA II
Eduardo Viveiros de Castro
Coleção Reviravoltas
Coordenação:
Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski
Quando o mundo se torna a cada dia mais hostil, é preciso desviar a flecha do tempo, fazer com que ela chegue ao outro lado do futuro. Uma reforma agrária do pensamento: uma outra cartografia dos territórios existenciais, uma outra geologia do transcendental. Os textos da Reviravoltas – uma coleção que, como diria o filósofo, inclina, sem necessitar – convidam os leitores-viajantes a se juntar à tarefa que hoje se impõe a todos nós: a de despredizer a catástrofe e retomar o sentido da terra.
4 | Modelos e exemplos:
9 | Rosa e Clarice: a fera e o fora 205
10 | O matriarcado e o antropófago quase transcendental 231
11 | Esboço de análise de um aforismo de G. Rosa 255
Bibliografia
APÊNDICE “Eu, deleuziano?”
Para Debi, de novo e sempre
Prólogo
Este livro é o segundo de dois volumes de uma coletânea de artigos e outros textos escritos entre A inconstância da alma selvagem (2002) e o mês de julho de 2025. O primeiro volume, A floresta de cristal, veio à luz no final de 2024. Como neste último, quase todos os presentes capítulos já foram ou estão para ser publicados em veículos de circulação relativamente restrita, ou apenas em outras línguas. A maioria sofreu modificações em algum grau, para atualizá-los ou corrigir sua forma ou conteúdo.
As duas advertências feitas no “Prólogo” do primeiro volume valem também para este. Tentei evitar o automatismo gramatical do uso do masculino para me referir a personagens sem gênero definido, ou em plurais que incluem personagens ou palavras femininas; em geral, não consegui. No capítulo que dá título a este livro, distingo entre “índios” e “indígenas”, para indicar dois modos historicamente diferentes mas antropologicamente convergentes de imanência entre um coletivo humano e um território (em seu sentido mais amplo). Mantive ali o termo “índios”, de uso corrente em minha geração e nas anteriores, quando ele não possuía as conotações negativas que hoje lhe estão sendo atribuídas. A óbvia impropriedade do termo para designar os povos originários não é maior que a daquele largamente utilizado para designar seu continente, a “América”. Isto posto, entendo e respeito a recusa do termo “índio”, utilizando exclusivamente o substantivo “indígena” em todos os outros capítulos. Mas no caso de “Os Involuntários da Pátria” isso se revelou impossível. Espero que os leitores compreendam minha intenção. Outra advertência. Decidi ignorar certas regras do acordo ortográfico pactuado pela área lusófona, em especial as regras relativas à utilização do hífen entre certas palavras ou morfemas. Mantive todos os hífens em compostos como “não-lugar, “não-governamental”, “não-identidade-asi”, “não-orgânica”, “contra-o-Estado” e similares. O hífen pretende indicar, por exemplo, que um “não-lugar” é um tipo de lugar, uma ausência da qualidade “lugar” vista como puramente positiva, apontando, ao contrário, para um lugar negativo ; o “contra-o-Estado” é uma forma de organização política, não uma “opinião” contra o Estado; os seres “nãohumanos” são aqueles que, em face dos humanos, são constituídos como manifestando sua “diferença ôntica” em relação aos humanos que assim os categorizam. O hífen modifica o sentido do conceito criado por sua presença entre as palavras assim ligadas. Uma “não-separação
cosmológica” (p. 177), por exemplo, indica que esta não-separação não é mera ausência de separação, mas uma ausência eficaz de separação, com valor constitutivo.
A primeira parte de Os Involuntários da Pátria traz três capítulos breves sobre questões da atualidade, já que, embora escritos anos atrás, não a perderam. A segunda trata de tópicos de teoria antropológica, do ponto de vista de sua relevância em face do evento do Antropoceno. Na terceira estão um ensaio sobre a obra de Pierre Clastres e um artigo que propõe uma definição indígena do conceito de cosmopolítica. Na última parte, arrisco-me fora de minha seara, com dois comentários sobre três autores-chave do pensamento brasileiro. Nessa parte, incluí também um texto escrito no remoto ano de 1973, apresentado como “trabalho final” (um TCC, como se diria hoje) para um curso de Luiz Costa Lima, na PUC-Rio. Ele entrou aqui, com seu português tosco e tudo, apenas para sublinhar que, assim como as de Oswald de Andrade e de Guimarães Rosa (mais tarde, a de Clarice Lispector), a obra de Lévi-Strauss me acompanha desde muito cedo.
Como no caso de A floresta de cristal, os leitores e leitoras que me honram com sua atenção certamente vão notar as muitas repetições que atravessam os ensaios. Falta de ideias, ou preguiça de dizer de outro modo o já dito antes, sou o primeiro a lamentar todos esses autoplágios, e a não tentar me exonerar com a desculpa de que “não custa repetir”. Custa. De repente, encontro em César Aira:
El ensayista escribe sobre los distintos temas de su interés, relacionado entre sí en razón de ese interés… Luego, hay argumentos que se solapan, y no ve razón para escribir de modo distinto ese argumento, es decir para no utilizar un pasaje ya escrito para otro ensayo. Con el tiempo, estas reutilizaciones o autopréstamos van en aumento, y sus ensayos se vuelven en una combinatoria o recombinatoria de fragmentos ya escritos, un mosaico cambiante de las mismas piezas.1
Somos todos bricoleurs de nós mesmos. E dos outros.
1 Aira, Continuación de ideas diversas. Cidade do México: Jus, 2017, pp. 24-25.
Versões originais dos textos e agradecimentos
Capítulo 1
Publicado em Sopro 51 (maio / 2011), sob o título “Desenvolvimento econômico e reenvolvimento cosmopolítico: da necessidade extensiva à suficiência intensiva”. Na advertência inicial do capítulo, dou notícia de suas fontes e contextos. Agradeço ao Instituto Sociambiental (ISA) – minha segunda “casa”, depois da UFRJ – por me colocar diante da obrigação de responder aos devaneios etnocêntricos de um ministro de Estado.
Capítulo 2
A primeira versão deste texto foi lida durante o ato “Abril Indígena”, na Cinelândia, Rio de Janeiro, em 20 de abril de 2016. Agradeço a Ana Paula Morel pelo convite a falar na praça. Ele foi relido no colóquio “Questões indígenas: ecologia, terra e saberes ameríndios”, realizado no Teatro Maria Matos, Lisboa, no dia 5 de maio de 2017. Foi publicado em português no Caderno de Leituras 65 / Série Intempestiva (Belo Horizonte: Chão da Feira, 2017), e em francês na revista Multitudes horschamp # 69, 2017 (pp. 123-128).
Capítulo 3
Intervenção oral no evento “TerrAterra”, junho de 2012, na Fundação Casa de Rui Barbosa, como parte dos eventos paralelos à Rio+20. Falei como membro da #ATOA, organização/movimento perpetuamente temporário (in)fundado por Déborah Danowski, Flavia Cera, Marcos de Almeida Matos, Alexandre Nodari e eu mesmo. No texto há uma soletração do acrônimo, bem como referências às falas dos outros membros da #ATOA, companheiros no pessimismo alegre.
Capítulo 4
Publicado originalmente como “On models and examples: engineers and bricoleurs in the Anthropocene”, (Current Anthropology, volume 60, suplemento 20, agosto 2019: pp. S296-S308). O número especial da revista reúne as comunicações ao simpósio Wenner-Gren “Patchy Anthropocene: frenzies and afterlives of violent simplifications” (Sintra, setembro de 2017), organizado por Anna Tsing, Nils Bubandt e Andrew Mathews. A versão aqui publicada modifica alguns trechos e atualiza parcialmente as referências. Entre os trabalhos que deveriam, nesta versão atual, ter sido mencionados e não foram, destaco o livro de Mauro Almeida, Caipora e outros conflitos ontológicos (São Paulo: Ubu, 2019) – especialmente sua noção de “acordo pragmático” –, e as passagens da monografia de Marisol de la Cadena (citada mas não devidamente comentada) sobre a frase“y no sólo”, um princípio de excesso que é a outra face do princípio de exceção que proponho a partir do artigo de Irving Hallowell.
Déborah Danowski é coautora (aqui e em vários outros capítulos) de muitos dos argumentos expostos, em particular aqueles tirados de nosso livro Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins.
Capítulo 5
Dedicado a Bruno Latour, esse texto, escrito em coautoria com Déborah Danowski, saiu em inglês na revista eletrônica e-flux journal #114 (dezembro 2020), no número “You and I Don’t Live on the Same Planet”, publicado por ocasião da Bienal de Taipei do mesmo ano. Em 2023, a n-1 edições publicou a presente versão como livreto autônomo.
Capítulo 6
Palestra keynote ao xvi Seminário Internacional de Estudos de Literatura, PUC-Rio, em 23 de janeiro de 2023. Agradeço a Karl-Erik Schøllhammer o convite e a acolhida. Este capítulo foi publicado em português na revista eletrônica Aion: Journal of Philosophy and Science 1(1), 2024. O texto retoma uma ideia esboçada durante o ciclo de palestras sobre o perspectivismo ministrado em Cambridge, em 1998.
Capítulo 7
Publicado como introdução à segunda edição em inglês da Archeology of Violence de Pierre Clastres, dada à luz em 2010 pela editora Semiotext(e). Sylvère Lotringer (in memoriam) me convidou a escrevê-
lo, assim como acolheu com entusiasmo a ideia de vê-lo incluído como posfácio à edição da Arqueologia da violência que a Cosac Naify publicou em 2011. O ensaio foi publicado em francês como livro autônomo (Politique des multiplicités. Pierre Clastres face à l’État. Paris: Éditions Dehors, 2019).
Capítulo 8
Original em francês em Jérôme Baschet e Laurent Jeanpierre (orgs.), Dictionnaires des mondes post-capitalistes (Paris: La Découverte, no prelo). Agradeço aos organizadores pela autorização para incluir a versão em português na presente coletânea, e especialmente a Jérôme por sua inspiração, seus preciosos comentários e por não ter desistido de me fazer entregar o artigo a tempo.
Capítulo 9
Este capítulo começou como uma palestra na Unicamp em abril de 2013, depois outra (a mesma) em Stanford, em junho do mesmo ano. Agradeço a Eduardo Sterzi pelo primeiro convite, e a Marília Librandi pelo segundo. Ela se transformou em artigo-palestra, publicado na revista da UFPR Letras no 98 (julho-dezembro de 2018). Agradeço a Alexandre Nodari e João Camillo Penna, organizadores desse número especial (“As muitas coisas de Clarice Lispector”). O texto que aqui vai é uma versão bastante modificada do artigo.
Capítulo 10
Apresentado no Colóquio Internacional “Na Semana que vem: história e futuro da Semana de Arte Moderna de 22”, realizado no IEL da Unicamp em 23-29 de agosto de 2022. Agradeço aos três organizadores, João Bittencourt, Laura Cabezas e Tomás Amorim, pela generosa autorização em publicar aqui este capítulo, que também constará do volume dedicado ao colóquio, em preparação pela Editora da Unicamp.
Capítulo 11
Publicado originalmente em Luiz Costa Lima, A metamorfose do silêncio (análise do discurso literário). Rio de Janeiro: Eldorado, 1974, pp. 67-72.