A floresta de cristal, de Eduardo Viveiros de Castro (Prólogo)

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A FL O RE S T A DE C RI S TA L

ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA

A FLORESTA DE CRISTAL

ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA

Eduardo Viveiros de Castro

© Eduardo Viveiros de Castro, 2024

© n-1 edições, 2024

ISBN 978-65-6119-033-6

Embora adote a maioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as convenções das instituições normativas, pois considera a edição um trabalho de criação que deve interagir com a pluralidade de linguagens e a especificidade de cada obra publicada.

Coordenação editorial

Peter Pál Pelbart e Ricardo Muniz Fernandes

Gestão editorial

Gabriel de Godoy

Assistência editorial

Inês Mendonça

Preparação

Ana Godoy

Revisão

Fernanda Mello

Projeto gráfico

Danowski Design

A reprodução parcial deste livro sem fins lucrativos, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio impresso ou eletrônico, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessária a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores.

1ª edição | 1ª reimpressão | fevereiro, 2025 n-1edicoes.org

REVIRAVOLTAS

A FL O RE S T A

DE C RI S TA L

ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA

Eduardo Viveiros de Castro

Coordenação:

Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski

Quando o mundo se torna a cada dia mais hostil, é preciso desviar a flecha do tempo, fazer com que ela chegue ao outro lado do futuro. Uma reforma agrária do pensamento: uma outra cartografia dos territórios existenciais, uma outra geologia do transcendental. Os textos da Reviravoltas — uma coleção que, como diria o filósofo, inclina, sem necessitar — convidam os leitores-viajantes a se juntar à tarefa que hoje se impõe a todos nós, a de despredizer a catástrofe e retomar o sentido da terra.

Para Peter Gow, in memoriam

Agradecimentos

De uma maneira ou outra, ou de várias maneiras ao mesmo tempo, muitas pessoas estão na origem, no meio, e às vezes no fim de todos os textos aqui publicados. Distinguir essas maneiras seria uma tarefa tão comprida como delicada. Prefiro apenas, então, dizer os nomes daqueles graças a quem, ou para quem, os textos aqui reunidos foram escritos: Bruce Albert, Mauro Almeida, Oiara Bonilla, Gabriel Catren, Flávia Cera, Rafael Damasceno, Déborah Danowski, Irene Danowski Viveiros de Castro, Marisol de la Cadena, Philippe Descola, Jean-Christophe Goddard, Marcio Goldman, Rondinelly Gomes Medeiros, Peter Gow, Ghassan Hage, Martin Holbraad, Michael Houseman, Stephen Hugh-Jones, Casper Jensen, José Antonio Kelly, Eduardo Kohn, Ailton Krenak, Mariana Lacerda, Bruno Latour, Luiz Costa Lima, Patrice Maniglier, Marcos de Almeida Matos, Alexandre Nodari, Peter Pál Pelbart, Morten Pedersen, Carlos Alberto Ricardo, Marshall Sahlins, Anthony Seeger, Peter Skafish, Eduardo Sterzi, Veronica Stigger, Tânia Stolze Lima, Marilyn Strathern, Renato Sztutman, Anne-Christine Taylor, Marco Antonio Valentim, Roy Wagner. Decerto terei esquecido alguém.

Rio de Janeiro, 8 de agosto de 2024

Prólogo

A floresta de cristal é o primeiro de dois volumes de uma coletânea de ensaios e outros textos escritos entre A inconstância da alma selvagem (2002), e o dia em que entro estas linhas no computador. A maioria dos textos já foi publicada em periódicos de circulação relativamente restrita, alguns apenas em outras línguas. A maioria, igualmente, foi modificada, para melhorar deficiências de estilo, corrigir ou disfarçar asneiras que me pareceram óbvias, e acrescentar referências novas ou originalmente omitidas. Dois dos artigos do presente volume são uma combinação de trabalhos que, por sua redundância, não justificavam republicação como capítulos autônomos. Há ainda uma quantidade de remissões entre os capítulos, para não falar nas inevitáveis repetições, bem como ao livro Metafísicas canibais, escrito em 2009, já que este aproveitava ideias (e trechos inteiros) de textos incluídos aqui. Juntar todos estes textos em dois livros foi o modo que encontrei para me livrar deles e poder passar a outras coisas. A segunda coletânea, Os involuntários da pátria, deve ser publicada em 2025.

Nos dois livros, os capítulos estão divididos em blocos temáticos, e, dentro de cada bloco, ordenados conforme o ano de redação de suas versões originais. A floresta de cristal traz um conjunto de artigos que tratam de problemas de teoria antropológica geral, e outro de questões mais diretamente relacionadas com a etnologia dos povos indígenas sul-americanos. (Há capítulos que poderiam estar em qualquer um dos dois conjuntos.) Os involuntários da pátria traz, em sua primeira parte, textos sobre temas cosmopolíticos suscitados pela conjuntura presente, e, na segunda parte, dois miniensaios sobre três pensadores brasileiros.

O último capítulo de Os involuntários (“A vida é nunca e onde”) é um exercício escolar escrito em eras remotas; ele foi incluído como um apêndice, apenas para fazer eco ao quinto capítulo do presente volume (“Dualismo radical”), este um mero divertissement pseudomatemático, quase uma conversa de bar — depois de algumas.

Sobre a linguagem dos textos, há duas decisões que devo tentar, ao menos, justificar. A primeira diz respeito ao gênero de personagens como “o antropólogo”, “o nativo” etc. Não sei se já existe uma convenção estável para a neutralização da flexão de gênero no português. Assim, terminei por usar o gênero pelo qual sou identificado linguisticamente.

A segunda diz respeito ao substantivo comum que designa a população indígena do continente. Estes povos têm recusado a palavra “índio(s)”, por eurocêntrica e racista, em favor de “povos indígenas”, ou “povos originários”. O termo “índio” era, até muito pouco tempo atrás, despido de conotações pejorativas, e usado por todos os autores que se distinguiram na defesa da causa desses povos — isso no português do Brasil, sublinhe-se. Em vários outros países da América Latina, “índio” é, há muito, considerado insultuoso, e em geral substituído por “campesino ”, “indígena ”, ou por vocábulos das línguas americanas. Já em francês — por exemplo — “indigène ” tem fortes conotações colonialistas, e o gentílico “amérindien” é costumeiramente empregado para se referir aos povos indígenas do continente. Ele passou para o português, especialmente nos textos antropológicos: “ameríndio”, palavra que não deixa de ser duplamente imprópria, já que tanto “índio” como “América” são significantes da invasão europeia do (verdadeiro) hemisfério ocidental.

O capítulo VIII da Constituição Federal de 1988, que marcou um avanço decisivo no reconhecimento dos direitos indígenas, intitula-se justamente “Dos Índios”. Esta é uma, mas não a melhor, das razões por que continuo a usar a palavra “índio”, sempre que possível entre aspas, sabendo que corro o risco de ser criticado por essa escolha. Outra razão se liga ao fato de que o português distingue sem qualquer ambiguidade, ao contrário do inglês ou do francês, “índio” de “indiano”. Mas sobretudo, a noção de “indígena”, sem maior precisão, é um conceito geográfica e historicamente subdeterminado: há povos indígenas no mundo todo. Assim, a distinção antropologicamente possível, mas talvez não mais politicamente possível, entre “índio” e “indígena”, está no centro do capítulo “Os involuntários da pátria”, e a palavra “índio” é usada por mim — malgrado meu — no capítulo “Os dois ‘índios’”.

Dois dos textos que existiam apenas em inglês (capítulos 2 e 3) foram traduzidos por Alexandre Nodari e revistos por mim, oportunidade que aproveitei para modificá-los. A versão francesa do capítulo 9 foi traduzida por Daniel Calazans Pierri. A versão inglesa do capítulo 11 foi traduzida por Beatriz Perrone-Moisés. Outros foram traduzidos (reescritos) por mim mesmo, ignorando traduções já existentes.

Para evitar, enfim, um prólogo ainda mais longo, que situasse os trabalhos aqui reunidos em seus muitos contextos, abundasse na sua suposta relevância, acrescentasse o que deveria ter sido acrescentado a tal ou tal capítulo e que não foi, os dois volumes da coletânea são

acompanhados de um Apêndice (“Jogando conversa fora”) com as conversas informais tidas com meu editor Peter Pál Pelbart, em julho de 2023 e julho de 2024, sobre o projeto da publicação, as circunstâncias da redação original dos textos, suas influências intelectuais e assuntos conexos.

Versões originais dos textos

Capítulo 1

Publicado em Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 8, n. 1, 2002, pp. 113–148, com o mesmo título.

Capítulo 2

Tradução modificada de “Perspectival Anthropology and the Method of Controlled Equivocation”, publicado em Tipití – Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, v. 2, n. 1, 2004, pp. 3–22.

Capítulo 3

Tradução modificada de “Zeno and the Art of Anthropology: Of Lies, Beliefs, Paradoxes, and Other Truths”, publicado em Common Knowledge (Symposium: Comparative Relativism), v. 17, n. 1, 2011, pp. 128–145.

Capítulo 4

Publicado originalmente no site do Hemisferic Institute (https://hemisphericinstitute.org/pt/emisferica-101/10-1-essays/e101essayeduardo-viveiros-de-castro-some-reflections-on-the-notion-ofspecies.html).

Capítulo 5

Traduz um folheto publicado em inglês e alemão: 100 Notes – 100 Thoughts / 100 Notizen – 100 Gedanken n. 056: Eduardo Viveiros de Castro, Radical Dualism: a Meta-Fantasy on the Square Root of Dual Organizations, or a Savage Homage to Lévi-Strauss / Radikaler Dualismus. Eine Meta-Fantasie über die Quadratwurzel dualer Organisationen oder Eine wilde Hommage an Lévi-Strauss. Kassel: Documenta e Museum Fridericianum, 2012.

Capítulo 6

Adaptação de parte do artigo “‘Transformação’ na antropologia, transformação da ‘antropologia’“, publicado em Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 18, n. 1, 2012, pp. 151–171.

Capítulo 7

Adaptação de parte do artigo supracitado e de partes de mais dois outros: “Metaphysics as mythophysics, or, why I have always been an anthropologist”, in Pierre Charbonnier, Gildas Salmon e Peter Skafish, orgs., Comparative Metaphysics: Ontology after Anthropology (Londres, New York: Rowman & Littlefield, 2017, pp. 249–273), e “Who Is Afraid of the Ontological Wolf? Some Comments on an Ongoing Anthropological Debate”, The Cambridge Journal of Anthropology, v. 33, n. 1, 2015, pp. 2–17.

Capítulo 8

Tradução ligeiramente modificada de “The Gift and the Given: Three Nano-essays on Kinship and Magic”, in Sandra Bamford e James Leach, orgs., Kinship and Beyond: The Genealogical Method Reconsidered. New York, Oxford: Berghhahn Books, 2009, pp. 237–268.

Capítulo 9

Originalmente publicado por Anne-Christine Taylor e Eduardo Viveiros de Castro, sob o título “Un corps fait de regards (Amazonie)”, in Stéphane Breton et alii, Qu’est-ce qu’un corps?. Paris: Musée du Quai Branly / Flammarion, 2006, pp. 148–199. A tradução aqui reproduzida com ligeiras modificações apareceu na Revista de Antropologia, v. 60, n. 3, 2019, pp. 769–818.

Capítulo 10

Publicado originalmente como “The Crystal Forest: Notes on the Ontology of Amazonian Spirits”, Inner Asia 9, 2007, pp. 13–33. Sua tradução em português foi publicada em Cadernos de Campo, 14/15, 2006, pp. 319–382.

Capítulo 11

Publicado originalmente na Revista de Antropologia, v. 54, n. 2, 2011, pp. 885–917.

Capítulo 12

Originalmente lido na aula magna do CTCH da PUC-Rio, em março de 2019. Uma versão em francês foi publicada como “Aucun peuple n’est une île”, in Geremia Cometti, Pierre Le Roux, Tiziana Manicone e Nastassja Martin, orgs., Au seuil de la forêt: hommage à Philippe Descola, l’anthropologue de la nature. Mirebeau-sur-Bèze: Tautem, 2019, pp. 1063–1080.

Capítulo 13

Inédito. Seu contexto original de produção está indicado no inicio do texto.

Os capítulos 1, 2, 3, 8 e 11 foram republicados em inglês em Eduardo Viveiros de Castro, The Relative Native: Essays on Indigenous Conceptual Worlds. Chicago: Hau Books, 2015.

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