


MARJORIE MARONA (ORGS.)
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editoras responsáveis
Rejane Dias
Cecília Martins
preparação de texto
Thaísa Burani
revisão
Anna Izabella Miranda
Carolina Lins
Mariana Faria
capa
Diogo Droschi (sobre imagem de Adobe Stock)
diagramação
Guilherme Fagundes
Waldênia Alvarenga
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Governo Lula 3: reconstrução democrática e impasses políticos / organização Fábio Kerche, Marjorie Marona. -- 1. ed. -- Belo Horizonte, MG : Autêntica Editora, 2025.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5928-541-9
1. Brasil - Política e governo 2. Democracia 3. Desigualdades sociais 4. Economia - Brasil 5. Políticas públicas 6. Silva, Luiz Inácio Lula da, 1945- I. Kerche, Fábio. II. Marona, Marjorie. 25-253840
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Política e governo 320.981
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
CDD-320.981
Belo Horizonte
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Em memória de Charles Pessanha — querido amigo, referência intelectual e exemplo de compromisso com a democracia.
11 Prefácio
Marjorie Marona e Fábio Kerche
Parte I: Lula 3 e a nova conjuntura política brasileira
25 O Sertão vai virar mar? De império escravista a voz do Sul Global, desafios do Brasil sob Lula 3
Bruno P. W. Reis
37 Lula 3: presidencialismo de coalizão em tempos de governo congressual
Cláudio Gonçalves Couto
53 Aprendizados na relação com o Estado e apostas sobre Lula 3: interpretações feministas e antirracistas
Flávia Biroli, Luciana Tatagiba e Isabela Andrade
65 Desafios no governo Lula: o fenômeno Pablo Marçal, extrema direita, juventude e indústria da influência
Thais Pavez, Camila Rocha e Esther Solano
Parte II: Poderes e federalismo
77 A presidência e o Executivo no governo Lula 3
Magna Inácio e Filipe Recch
91 Lula e a “terra incógnita”: a relação Executivo-Legislativo no Brasil sob nova égide institucional
Lucio Rennó e Isaac Sassi
101 Lula 3: a difícil saga de um governo minoritário na Câmara dos Deputados
Carlos Ranulfo Melo
111 Relação entre partidos políticos e governo: de Bolsonaro a Lula 3
Maria do Socorro S. Braga e Leone S. Alexandre
121 Lula e o Supremo: os estertores do presidencialismo de coalizão
Marjorie Marona e Shandor Torok Moreira
131 Os desafios para a cooperação intergovernamental: a relação entre os governos estaduais e o governo Lula 3
Luciana Santana
141 “A casa está aberta, mais uma vez”: o terceiro mandato de Lula e o diálogo com os municípios.
Marta Mendes da Rocha
Parte III: Instituições de Controle, burocracia e militares
153 Accountability
Fabio de Sa e Silva e Iagê Z. Miola
163 O procurador-geral da República não é mais um problema
Fábio Kerche
171 Os sentidos da política na Polícia Federal: entre captura corporativa e institucionalidade
Fabiano Engelmann e Lucas Batista Pilau
181 Reconstrução do estado administrativo: desafios da burocracia
brasileira
Gabriela Spanghero Lotta, Mariana Costa Silveira e Pedro Vianna
Godinho Peria
191 Um balanço das relações civis-militares no Governo Lula
Anaís Medeiros Passos
Parte IV: Políticas públicas
199 Duzentos anos não são duzentos dias: a política externa, sob Lula, retoma o seu curso histórico
Dawisson Belém Lopes
213 As políticas ambientais em disputa
Caio Pompeia
225 A política econômica do terceiro governo Lula: herança do desmonte social e reconstrução em cenário adverso
Frederico G. Jayme Jr.
241 Governo Lula 3: alguns avanços e muitos impasses nas questões trabalhista e previdenciária
Frederico Luiz Barbosa de Melo e Maria de Fátima Lage Guerra
255 As políticas de saúde no governo Lula 3: o difícil esforço de reconstrução
Michelle Fernandez e Vanessa Elias de Oliveira
265 Os desafios do MEC no governo Lula 3: quando reconstruir não é voltar ao mesmo ponto
Fernando Luiz Abrucio e Fernanda Castro Marques
279 Entre o desarmamento e a liberação? Disputas políticas sobre o controle de armas no Brasil (2003-2024)
Ludmila Ribeiro, Valéria Oliveira e Amanda Lagreca
295 No atual combate à pobreza e à desigualdade, por que a melhora tem teto?
Natália Sátyro
305 O feminismo estatal participativo no governo Lula 3: continuidades, inovações e desafios
Clarisse Paradis
317 As políticas antirracistas no Lula 3
Luiz Augusto Campos
327 A política reconfigurada: gênero, sexualidade e silenciamento em Lula 3
José Szwako e Adrian Gurza Lavalle
Parte V: Cultura política, valores democráticos, representação e participação
341 A cultura política no terceiro mandato de Lula: o desafio da governabilidade mediante as marcas da comunicação digital da extrema direita nos valores dos brasileiros
Luciana Fernandes Veiga
351 Valores democráticos
Ricardo Fabrino Mendonça
363 Lula 3 e a representação: inovação ou reedição?
Debora Rezende de Almeida
375 A política nas ruas: entre inflexões da extrema direita, dilemas do campo progressista e uma pitada de solidariedade
Priscila Delgado de Carvalho
385 Evangélicos e esquerdas: um diálogo difícil
Ronaldo de Almeida
Parte VI: Opinião pública e comunicação política
401 Os 24 meses iniciais de avaliação do governo Lula 3: quando a boca do jacaré se fecha
Arthur Ituassu e Emerson Cervi
411 Lula 3: o persistente desafio da esquerda na arena digital
Marisa von Bülow e Max Stabile
421 Lula 3 e a relação com a imprensa: a difícil retomada de um patamar civilizatório
Ana Paola Amorim
433 Bibliografia consolidada
481 Sobre os autores
Marjorie Marona e Fábio Kerche
Esta coletânea, que você tem em mãos, analisa, sobretudo, os dois primeiros anos do terceiro mandato de Lula como presidente. A obra investiga os desafios da democracia brasileira e a reconstrução das políticas públicas, abordando, entre outros aspectos, a relação do governo com a sociedade civil e a opinião pública. Resultado do trabalho de 55 pesquisadores de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, o livro explora os temas mais relevantes da atual gestão, combinando acessibilidade de linguagem com rigor acadêmico.
Dessa análise, emerge um panorama que caracteriza a primeira metade do terceiro mandato de Lula como um período marcado, de um lado, pelo esforço de reconstrução após o desmonte institucional e a erosão dos valores democráticos promovidos pelo governo Bolsonaro e agravados pela tentativa de golpe de Estado. De outro, evidencia-se um conjunto de desafios políticos e administrativos inéditos, distintos tanto dos enfrentados nos mandatos anteriores de Lula quanto daqueles vivenciados pelos demais presidentes da Nova República. O Brasil não saiu incólume da era Bolsonaro.
Esta obra pode ser vista como uma continuidade do livro Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política, lançado em 2021 e organizado por nós, em parceria com Leonardo Avritzer. Naquela ocasião, praticamente os mesmos pesquisadores que contribuem para este volume analisaram temas semelhantes nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro.
Neste novo livro, a maioria dos pesquisadores, ao investigar seus respectivos campos de expertise no terceiro mandato de Lula, adota uma abordagem retrospectiva, incorporando também uma análise dos dois últimos anos da gestão Bolsonaro. O resultado é que, quando lidos em conjunto, os dois volumes oferecem uma visão sofisticada e abrangente dos acontecimentos políticos recentes no Brasil.
Este livro está estruturado em seis partes e 35 capítulos. A primeira parte examina o governo Lula 3 em uma perspectiva mais abrangente. Em seus respectivos capítulos, Bruno P. W. Reis e Cláudio Gonçalves Couto convergem na
análise de que a crise política deflagrada em 2013, intensificada pela Operação Lava Jato (2014-2015) e culminada no impeachment de Dilma Rousseff (2016) e na eleição de Jair Bolsonaro (2018), representou um desafio profundo à ordem constitucional de 1988. O “presidencialismo de coalizão” mostrou-se vulnerável diante da crescente fragmentação partidária e da redução do controle do Executivo sobre o Legislativo. Durante o governo Bolsonaro, essa dinâmica se intensificou, e o Congresso Nacional ampliou seu poder, consolidando o “orçamento secreto” como um instrumento central de barganha política.
Diferentemente de Bolsonaro, que pareceu ter abandonado a lógica do presidencialismo de coalizão, Lula 3 busca ativamente restaurá-la, ampliando sua base parlamentar e recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) como aliado estratégico para viabilizar sua agenda. No entanto, o modelo original perdeu eficácia, e o governo adota, na prática, uma política de “redução de danos”, na qual a governabilidade depende de negociações permanentes e concessões significativas. O grande desafio do terceiro mandato de Lula reside, portanto, na busca por um equilíbrio entre a estabilidade institucional e a defesa da democracia em um contexto de tensão entre os poderes e reposicionamento do Executivo. Por outro lado, a transição para o governo Lula 3 gerou expectativas renovadas entre movimentos feministas e antirracistas, que enfrentaram anos de hostilidade sob a administração Bolsonaro. No entanto, como demonstram Flávia Biroli, Luciana Tatagiba e Isabela Andrade, persiste a desconfiança quanto aos limites da democracia brasileira, especialmente diante das barreiras impostas pelas alianças conservadoras. A experiência dos governos petistas anteriores revelou um “pluralismo ambivalente”, no qual avanços parciais em agendas igualitárias coexistiram com silenciamentos estratégicos em nome da governabilidade.
A nomeação de Sonia Guajajara para o Ministério dos Povos Indígenas e de Cida Gonçalves para o Ministério das Mulheres sinalizou um compromisso com a diversidade, mas, no geral, a composição ministerial foi alvo de críticas devido à baixa representatividade plural. Diante desse cenário, a estratégia das lideranças feministas e antirracistas combina ocupação de espaços institucionais com uma postura crítica e pragmática, buscando avançar na agenda da igualdade de gênero e raça sem depender exclusivamente do governo. Na relação com a sociedade civil, Lula enfrenta, portanto, outro desafio crucial para sua administração: equilibrar a ampliação e a diversificação da participação institucional com a necessidade de preservar a autonomia dos movimentos sociais. O cenário político que Lula enfrenta é, ademais, caracterizado pela resiliência de uma oposição conservadora cada vez mais sofisticada em suas estratégias. Thais Pavez, Camila Rocha e Esther Solano destacam que as eleições municipais
evidenciaram o impacto da indústria da influência digital na formação do comportamento eleitoral. A ascensão de Pablo Marçal na corrida eleitoral em São Paulo ilustra uma reconfiguração do bolsonarismo, agora plenamente adaptado ao ecossistema digital e às expectativas de uma nova geração de eleitores. Trata-se de uma transformação significativa, que impõe a Lula o desafio adicional de enfrentar uma direita renovada, altamente conectada e capaz de mobilizar massas à margem das estruturas tradicionais da política.
A preservação da estabilidade democrática exigirá do governo não apenas habilidade política para negociar com um Congresso mais conservador e fortalecido, mas também a capacidade de articular uma agenda inclusiva que dialogue com os movimentos sociais sem cooptá-los ou silenciá-los. Esse desafio se desenrola em um ambiente dinâmico e multifacetado, no qual novas configurações eleitorais e comunicacionais favorecem discursos antissistemas de influenciadores digitais e conferem à mobilização das redes sociais um papel estratégico na disputa política.
Diante desse contexto, a seção de abertura da obra revela um Brasil em transformação, onde o sistema político se reconfigura em múltiplas frentes. No epicentro desse processo, o terceiro mandato de Lula se apresenta como um ponto de inflexão. A eleição de 2022 trouxe consigo a expectativa de restaurar a previsibilidade no processo decisório e de reposicionar a Presidência da República como eixo central da política nacional. No entanto, desde os primeiros meses, o governo Lula 3 deparou-se com uma conjuntura adversa, caracterizada pela persistente polarização política, pelo desmonte das capacidades institucionais herdado da administração Bolsonaro e pela necessidade premente de reconstruir alianças políticas competitivas.
Ao longo da Parte II, torna-se evidente que o governo Lula 3 enfrenta uma configuração institucional inédita na Nova República. A coalizão dilatada, embora tenha ampliado numericamente a base governista, revelou-se instável e onerosa. O Legislativo, fortalecido, impôs ao Executivo a necessidade de constantes negociações e concessões substanciais. O STF emergiu como um ator fundamental na mediação de conflitos e na defesa da democracia. E, no âmbito federativo, apesar dos esforços para reconstruir o diálogo intergovernamental, a autonomia crescente de governadores e prefeitos oposicionistas continua a representar um desafio à governabilidade.
Magna Inácio e Filipe Recch apontam que, para enfrentar os desafios políticos, Lula adotou a “coalizão dilatada”, incorporando partidos historicamente adversários do PT. Embora tenha ampliado sua base na Câmara, indo de 51% para 70%, a aliança mostrou-se instável, com apoios voláteis e altos custos de coordenação. Carlos Ranulfo Melo reforça essa análise, destacando
a fragilidade do presidencialismo de coalizão, evidenciada por oscilações no apoio parlamentar. Apesar das vitórias em pautas econômicas, o governo sofreu derrotas expressivas em temas ideológicos, como o Marco Temporal e o uso de agrotóxicos, recorrendo a decretos administrativos (PADs) para contornar a resistência do Congresso.
Desde 2013, a relação Executivo-Legislativo passou por transformações estruturais. O “presidencialismo de coalizão”, antes funcional, perdeu força diante da crescente autonomia orçamentária e legislativa do Congresso. Lúcio Rennó e Isaac Sassi destacam que reformas institucionais ampliaram o poder do Legislativo, fortalecendo emendas impositivas e reduzindo a influência presidencial. No governo Lula 3, essa dinâmica se consolidou. O Congresso assumiu protagonismo no processo legislativo, e a taxa de sucesso do Executivo caiu.
O Legislativo não apenas expandiu seu controle sobre o orçamento, mas também se tornou mais independente. Na Câmara, a média de votos nas vitórias governistas foi de 329, caindo para 120 nas derrotas, sendo que parte dos votos contrários veio de partidos da base, como MDB, PSD e União Brasil. Maria do Socorro S. Braga e Leone S. Alexandre exploram o conceito de “hiperpresidencialismo” de Arthur Lira, ressaltando que o governo precisou intensificar negociações e concessões para aprovar sua agenda, apesar de uma base teórica de 360 deputados, mas efetiva de apenas 150.
O fortalecimento do Congresso também ampliou o papel do STF, conforme analisam Marjorie Marona e Shandor Torok. Se no governo Bolsonaro o Supremo foi alvo de ataques da extrema direita, no governo Lula 3 tornou-se peça-chave da governabilidade. A proximidade entre Executivo e Corte, reforçada pelas nomeações de Cristiano Zanin e Flávio Dino, consolidou essa aliança. O STF atuou na mediação de disputas orçamentárias, na contenção do “orçamento secreto” e na responsabilização dos envolvidos nos atos golpistas de 2023. Assim, o equilíbrio institucional hoje depende não só da relação Executivo-Legislativo, como também da capacidade do STF de arbitrar conflitos e garantir estabilidade democrática.
Outro eixo de análise da seção aborda o federalismo. Durante o governo Bolsonaro, a centralização e o confronto com estados e municípios fragilizaram o federalismo cooperativo, agravando a crise da pandemia de covid-19. A ausência de coordenação fortaleceu os governos locais e expôs a fragilidade do Executivo na gestão de crises, como demonstra Luciana Santana. Desde 2023, Lula busca reconstruir relações federativas. Marta Mendes da Rocha destaca a criação do Conselho da Federação, em abril de 2023, como um avanço no diálogo intergovernamental, reunindo ministros, governadores e prefeitos para
negociações de políticas públicas. Além disso, programas como o “Novo PAC Seleções” reafirmaram o compromisso com o financiamento de obras municipais.
Entretanto, desafios persistem. A polarização, a autonomia crescente dos municípios por meio de emendas parlamentares e a dificuldade de consolidar apoio nos estados seguem como entraves. As eleições municipais de 2024 fortaleceram a centro-direita e a direita, reduzindo o espaço político da esquerda e exigindo maior habilidade de articulação do governo. Para alcançar a governabilidade e avançar em sua agenda, o governo Lula 3 precisará tanto reforçar suas bases parlamentares quanto aprofundar o diálogo federativo e manter o STF como um aliado institucional. O desafio reside em equilibrar a manutenção da estabilidade política com a implementação de reformas estruturais e políticas inclusivas, navegando entre as antigas e novas tormentas da política brasileira.
A Parte III examina os desafios estruturais da reconstrução do Estado no governo Lula 3, com foco na reforma das instituições de controle, no fortalecimento da burocracia e na reconfiguração das relações civis-militares. Fabio de Sa e Silva e Iagê Z. Miola, baseando-se na concepção de accountability de Taylor e Da Ros (2021), traçam a evolução do controle democrático no Brasil pós-1988. O fortalecimento inicial, impulsionado pelo combate à corrupção e pela transparência institucional, foi seguido por um período de enfraquecimento (2014-2022), marcado pela Operação Lava Jato e pela ascensão do bolsonarismo, que comprometeram os mecanismos de fiscalização. No atual momento de reconstrução, Lula 3 reverteu medidas como o sigilo de 100 anos e a extinção de conselhos participativos, mas enfrenta obstáculos como a resistência do Congresso à transparência orçamentária e os desafios na responsabilização dos envolvidos no golpe de 8 de janeiro de 2023. O sucesso desse processo será decisivo para a solidez da accountability e a prevenção de novos retrocessos institucionais.
Fábio Kerche analisa a mudança na nomeação do procurador-geral da República (PGR) no governo Lula 3. A substituição de Augusto Aras por Paulo Gonet, sem seguir a lista tríplice, reforçou a proximidade entre o Ministério Público, o Executivo e o STF. A lista tríplice, que garantia maior autonomia ao PGR, também resultou em excessos, como na Lava Jato. Por outro lado, a nomeação direta pelo presidente pode moderar o órgão, mas reduz sua independência. O posicionamento de Gonet nos processos contra Bolsonaro e aliados testará os limites da accountability e da estabilidade democrática.
Fabiano Engelmann e Lucas Batista Pilau examinam a trajetória da Polícia Federal (PF), oscilando entre autonomia e instrumentalização política. No governo Bolsonaro, interferências diretas e alinhamento ideológico de parte da corporação resultaram em investigações seletivas e no aumento de candidaturas
de policiais federais a direita e extrema direita. Lula 3 busca reverter essa politização por meio da nomeação de Andrei Augusto Passos Rodrigues e da proposta da Lei Orgânica da PF, que prevê mandato fixo para o diretor-geral e restrições à participação política de seus membros. No entanto, a resistência interna evidencia os desafios de consolidar uma PF técnica e independente.
Gabriela Spanghero Lotta, Mariana Costa Silveira e Pedro Vianna Godinho
Peria analisam os impactos do governo Bolsonaro sobre a burocracia federal, que sofreu desmonte institucional, militarização e assédio contra servidores técnicos. Como legado, Lula 3 herdou um funcionalismo desmotivado e fragmentado entre aqueles que resistiram e aqueles que aderiram ao bolsonarismo. Para reverter esse quadro, o governo aposta na revalorização do Estado, reintegrando burocratas à formulação de políticas, retomando programas descontinuados e ampliando concursos públicos. No entanto, enfrenta desafios como a recomposição lenta do funcionalismo, a fragmentação interna do governo e restrições fiscais. O sucesso da reconstrução dependerá da capacidade de fortalecer as capacidades institucionais sem sobrecarregar servidores ou gerar instabilidade organizacional. Anaís Medeiros Passos analisa a influência militar no sistema político, que atingiu seu auge sob Bolsonaro, com a ocupação de cargos estratégicos e o envolvimento de parte da corporação em tentativas de golpe. Em resposta, Lula 3 adotou uma estratégia de contenção, promovendo mudanças no Ministério da Defesa, investigando militares envolvidos nos atos de 8 de janeiro e reduzindo sua presença no Executivo. Porém, o orçamento da Defesa segue elevado, e a anistia de militares golpistas ainda está em debate no Congresso, demonstrando que a influência política das Forças Armadas não foi totalmente neutralizada. A consolidação do controle civil sobre os militares exige reformas estruturais, como a revisão dos currículos das academias, a reforma do artigo 142 da Constituição – eliminando a justificativa para intervenções militares sob a “garantia da lei e da ordem” – e a regulamentação da participação política de militares. O êxito dessas medidas será decisivo para conter a ingerência castrense e fortalecer a democracia brasileira.
Em conjunto, os capítulos da terceira parte mostram que a reconstrução do Estado sob Lula 3 ocorre em um ambiente de resistência institucional e polarização política, tornando a governabilidade um exercício complexo de articulação. O sucesso desse processo dependerá da capacidade do governo de fortalecer a accountability – revigorando as instituições de controle –, recompor a burocracia e limitar a influência militar sobre a política. Se bem-sucedidas, essas reformas consolidarão avanços democráticos e mitigarão riscos institucionais. Caso contrário, o país permanecerá vulnerável a novas crises, comprometendo a estabilidade política e a governança democrática.
A Parte IV do livro examina as principais políticas públicas do governo Lula 3, destacando sua reconstrução após os desmontes da era Bolsonaro e os desafios impostos pelo atual cenário institucional. As análises estruturam-se em três eixos centrais: (1) a retomada do papel do Estado na política externa, na agenda ambiental, na economia e no mundo do trabalho; (2) a reconstrução de políticas estruturantes em saúde, educação e segurança pública; e (3) a retomada de iniciativas voltadas à redução das desigualdades de classe, raça, gênero e sexualidade.
O primeiro bloco de capítulos analisa a reconfiguração da política externa, a agenda ambiental, a economia e a regulação do mercado de trabalho. Dawisson Belém Lopes argumenta que o governo Lula 3 resgatou a diplomacia multilateral e reposicionou o Brasil como ator global relevante, adotando uma estratégia de “não alinhamento ativo” para evitar submissão a potências. No campo ambiental, Caio Pompeia destaca os esforços para reverter a devastação promovida pelo governo Bolsonaro e reduzir o desmatamento. No entanto, um Congresso dominado pelo agronegócio e uma base governista fragmentada colocam limites em políticas mais ambiciosas.
No plano econômico, Frederico G. Jayme Jr. aponta que o governo tem buscado equilibrar crescimento e responsabilidade fiscal em um cenário de forte restrição orçamentária herdada dos governos Temer e Bolsonaro. O novo arcabouço fiscal trouxe maior flexibilidade, mas ainda mantém certos limites ao investimento público. Na política trabalhista, Frederico Luiz Barbosa de Melo e Maria de Fátima Lage Guerra indicam que, embora o governo tenha priorizado a valorização do salário mínimo e a reconstrução de direitos, enfrenta um Congresso hostil que impede revisões significativas das reformas trabalhista e previdenciária, mantendo a precarização do trabalho e enfraquecendo os sindicatos. A reconstrução das políticas sociais também enfrenta desafios. Na saúde pública, Michelle Fernandez e Vanessa Elias de Oliveira ressaltam que o governo tem trabalhado para reverter os cortes no SUS e reorganizar o sistema após a descoordenação da resposta à pandemia, mas a falta de financiamento e as desigualdades no acesso persistem como entraves. Na educação, Fernando Luiz Abrucio e Fernanda Castro Marques destacam a retomada de políticas inclusivas, como o Pé-de-Meia e a reforma do Novo Ensino Médio, embora a resistência de estados e de setores bolsonaristas, que defendem as escolas cívico-militares, represente um obstáculo à sua implementação. Na segurança pública, Ludmila Ribeiro, Valéria Oliveira e Amanda Lagreca analisam a reversão parcial da flexibilização do porte de armas promovida por Bolsonaro, observando que o governo tem adotado uma postura moderada para evitar confrontos diretos com setores armamentistas, o que mantém o país com altos índices de circulação de armas.
No eixo das políticas voltadas à redução das desigualdades, Natália Sátyro avalia que a retomada do Bolsa Família gerou impactos positivos na recuperação econômica, mas o governo enfrenta restrições estruturais, como a concentração do orçamento sob controle do Congresso e um sistema tributário regressivo. Clarisse Paradis argumenta que as políticas de igualdade de gênero avançaram com a criação da Política Nacional de Cuidados e o fortalecimento do Ministério das Mulheres, mas esbarram na forte resistência da direita no Legislativo. No campo da agenda antirracista, Luiz Augusto Campos aponta avanços, como a ampliação das cotas e o Plano Juventude Negra Viva, embora persistam desafios estruturais, como a desigualdade racial no mercado de trabalho e a violência policial contra a população negra. José Szwako e Adrian Gurza Lavalle, por sua vez, destacam os limites políticos e institucionais enfrentados pelo governo ao abordar questões de gênero e sexualidade, exemplificados pelo silenciamento desses temas no Plano Nacional de Educação. Esse caso ilustra como a política brasileira continua fortemente moldada por disputas morais, exigindo do governo um equilíbrio constante entre compromissos com diferentes setores.
De forma geral, as análises demonstram que, apesar dos avanços na reconstrução do aparato estatal e das políticas públicas desmontadas nos últimos anos, o governo Lula 3 ainda enfrenta barreiras institucionais que dificultam mudanças estruturais mais profundas. O grande desafio reside na conciliação entre disputas no Congresso e a necessidade de promover transformações capazes de garantir um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável.
A quinta parte desta obra examina as transformações na cultura política brasileira na última década e seus impactos sobre a governabilidade, a dinâmica democrática e a relação entre Estado e sociedade civil. Luciana Fernandes Veiga inaugura a seção abordando a crise da cultura política no Brasil contemporâneo, destacando a ascensão da extrema direita, impulsionada pelas redes sociais e pela disseminação de desinformação. A sociedade brasileira encontra-se dividida entre valores progressistas e conservadores, o que se reflete na fragmentação da opinião pública e no enfraquecimento da confiança nas instituições. O legado do governo Bolsonaro consolidou uma base política mobilizada digitalmente, sustentando discursos antissistema e ampliando a desconfiança no Judiciário, na imprensa e no Congresso. Em contrapartida, o governo Lula 3 enfrenta dificuldades na construção de uma narrativa digital coesa, dada a fragmentação de seu eleitorado e os desafios de comunicação em um ambiente dominado por bolhas informacionais. A disputa pela cultura política ocorre, assim, tanto no campo institucional quanto no espaço simbólico e digital, tornando-se um fator central para a governabilidade.
Nesse contexto de erosão da confiança democrática, Ricardo Fabrino Mendonça analisa os esforços do governo Lula 3 para restaurar os valores democráticos, em contraste com o enfraquecimento institucional promovido por Bolsonaro. A reconstrução democrática envolve a ampliação da participação política, a redução das desigualdades sociais e o fortalecimento da transparência governamental. Medidas como a Lei da Igualdade Salarial, a retomada de políticas de igualdade racial e o combate à pobreza indicam avanços concretos, mas não eliminam desafios estruturais da democracia brasileira. A reestruturação da participação política, por meio da reativação de conselhos e da criação de novos mecanismos de consulta, como o Plano Plurianual Participativo (PPA 2024-2027), representa um avanço, ainda que seu alcance continue limitado pela influência do Congresso e de grupos econômicos. A polarização e a desinformação permanecem como obstáculos à construção de uma democracia mais inclusiva e participativa.
Debora Rezende de Almeida e Priscila Delgado de Carvalho aprofundam essa discussão ao analisar as relações entre representação e participação política e os desafios da reconstrução dos canais de interlocução entre Estado e sociedade. Almeida explora as diferenças entre a abordagem plebiscitária e personalista do governo Bolsonaro e a tentativa de Lula de fortalecer a democracia participativa. A reativação de conselhos e fóruns de diálogo reflete esse esforço, porém ainda enfrenta barreiras institucionais e resistência no Congresso. A digitalização da participação, por meio da plataforma Brasil Participativo, surge como inovação, ainda que seja necessário algum aprimoramento capaz de garantir deliberações mais substantivas e evitar consultas públicas superficiais.
Priscila Delgado de Carvalho complementa essa análise ao examinar as relações entre governo, movimentos sociais e protestos. Historicamente, o PT manteve forte conexão com os movimentos sociais, contudo esse vínculo foi abalado pelas jornadas de junho de 2013 e pelo avanço do bolsonarismo. No governo Lula 3, os canais de diálogo foram reabertos, enquanto setores progressistas – como indígenas, feministas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – seguem pressionando por mudanças mais profundas. Enquanto isso, a extrema direita mantém sua capacidade de mobilização, organizando protestos em defesa da anistia aos presos do 8 de Janeiro e contra o STF. A disputa pelo espaço público segue como elemento central da política brasileira. Por fim, Ronaldo de Almeida examina um dos desafios políticos mais relevantes para o governo Lula 3: a ascensão dos evangélicos e seu impacto no cenário eleitoral. Apesar de serem frequentemente tratados como um bloco homogêneo, os evangélicos formam um grupo diverso, com distinções entre pentecostais, neopentecostais e protestantes históricos. Desde 2010, o antipetismo
e o alinhamento conservador se consolidaram nesse segmento, tornando-se pilares da base bolsonarista a partir de 2018. No entanto, há disputas internas que podem ser exploradas pelo governo, especialmente por meio do diálogo com evangélicos progressistas e do foco em políticas sociais e segurança pública, temas prioritários para esse eleitorado. O desafio do governo é reconstruir pontes com tal segmento sem abrir mão de suas pautas progressistas, ao mesmo tempo que enfrenta uma Bancada Evangélica fortemente conservadora no Congresso. O conjunto dessas análises revela que a reconstrução democrática no terceiro governo Lula ultrapassa as esferas institucionais: trata-se de uma disputa de valores no campo da cultura política, da representação e da participação. O governo precisa reconstruir a confiança nas instituições, fortalecer a participação popular e ampliar sua base de apoio em um ambiente de extrema polarização.
A resiliência da democracia brasileira dependerá da capacidade do governo de consolidar esses avanços e de enfrentar os desafios impostos por um cenário político em constante transformação.
A parte final da obra é dedicada à opinião pública e à comunicação política no governo Lula 3, analisando o declínio da popularidade presidencial e os desafios estruturais impostos pelas transformações digitais. O foco recai tanto no uso das redes sociais pela direita e pela esquerda quanto na relação do governo com a grande imprensa. Os capítulos demonstram que, mais do que crises pontuais, há um realinhamento profundo na disputa pela hegemonia do espaço público.
Arthur Ituassu e Emerson Cervi argumentam que a queda na aprovação de Lula 3 – de 35% (dezembro de 2024) para 24% (fevereiro de 2025) – reflete um padrão global de desgaste presidencial. A volatilidade da opinião pública não se explica apenas por fatores econômicos, mas sim por mudanças estruturais na cultura política e no ecossistema midiático. A ascensão de valores pós-materiais e identitários, a radicalização do debate político e a fragmentação informacional tornaram a avaliação do governo menos sensível a indicadores clássicos, como desemprego e crescimento econômico, enquanto a polarização e a guerra cultural ganharam protagonismo.
O desgaste da presidência, antes associado a crises de governança, agora se insere em um ciclo natural e acelerado, impulsionado pela descentralização da construção da opinião pública e pelo enfraquecimento dos filtros tradicionais de informação. O crescimento dos evangélicos como força política e sua rejeição crescente à esquerda, somado à consolidação de um ecossistema digital conservador, impõe desafios adicionais à comunicação do governo.
Marisa von Bülow e Max Stabile demonstram que o avanço da direita nas redes sociais foi um processo gradual, iniciado em 2013 e consolidado com o
bolsonarismo. Bolsonaro estruturou um modelo de mobilização digital contínua, enquanto a esquerda oscilou entre momentos de maior e menor engajamento, sem construir uma presença digital permanente. A campanha de 2022 provou que a esquerda pode competir na arena digital, mas a vantagem estrutural da direita permanece evidente.
Os algoritmos favorecem conteúdos polarizadores e emocionais, nos quais a extrema direita se sobressai, enquanto a esquerda ainda depende de figuras institucionais, como Lula. O modelo descentralizado da direita, baseado em redes de influenciadores e militância espontânea, tem se mostrado mais eficaz na manutenção do engajamento contínuo. Para reduzir essa disparidade, a esquerda precisa expandir sua presença digital, investindo em comunicação popular e na formação de lideranças digitais, sem depender exclusivamente do período eleitoral.
No entanto, o governo Lula 3 obteve avanços na liberdade de imprensa, revertendo parte dos retrocessos ocorridos no governo Bolsonaro e elevando a posição do Brasil nos rankings internacionais, como aponta Ana Paola Amorim. Ainda assim, a relação entre o PT e a grande mídia segue marcada por desconfiança mútua. A cobertura da imprensa tradicional tende a ser mais crítica ao governo Lula do que à direita, especialmente em pautas econômicas, evidenciando a permanência de uma perspectiva liberal e fiscalmente austera nos grandes veículos.
Além disso, o governo enfrenta dificuldades na regulação da desinformação e das redes sociais. A criação da Secretaria de Políticas Digitais e o apoio ao PL das Fake News (PL n.º 2.630/2020) encontram forte resistência de big techs e do campo conservador, o que limita avanços concretos no combate à disseminação de informações falsas.
Outro desafio estrutural é a concentração midiática, que restringe a democratização da comunicação. O governo aposta na reconstrução da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) como instrumento para fortalecer a comunicação pública, mas evita embates diretos com os grandes conglomerados midiáticos. A retomada da comunicação institucional representa um avanço; porém, sem um debate mais amplo sobre regulação da mídia e a criação de alternativas informativas, o país continuará refém do oligopólio midiático e da extrema direita digital.
A comunicação política no governo Lula 3 enfrenta, portanto, três grandes desafios: a erosão acelerada da popularidade presidencial, a dificuldade de competir com a direita na mobilização digital e a relação tensa com a grande imprensa. A interseção entre opinião pública, redes sociais e mídia tradicional exige que o governo desenvolva novas estratégias para disputar narrativas políticas em um ambiente fragmentado.
Para evitar um desgaste ainda maior, é essencial que o governo consolide uma presença digital orgânica e contínua, fortaleça sua base de apoio sem depender exclusivamente da figura de Lula e amplie o diálogo com diferentes setores da sociedade. A comunicação política deixou de ser apenas uma ferramenta de governo e tornou-se um elemento essencial da governabilidade em tempos de polarização e disputa de narrativas.
As análises desta obra convergem na identificação de avanços importantes do governo Lula 3, mas ressaltam os desafios estruturais e conjunturais que persistem. A escassez de recursos, a necessidade constante de negociações políticas e a complexidade do cenário internacional exigem do governo uma articulação sofisticada e uma capacidade de adaptação permanente. Além disso, o equilíbrio entre demandas de movimentos sociais e de grandes setores econômicos reforça o caráter desafiador da governabilidade no Brasil atual.
A abordagem crítica adotada ao longo da obra evidencia que, para consolidar a democracia e efetivar a reconstrução institucional, o governo Lula 3 precisará não apenas navegar pelas dinâmicas políticas complexas, mas também inovar nas estratégias de articulação com diversos atores sociais, políticos e econômicos. Em um cenário de mudanças aceleradas e disputas intensificadas, a capacidade de adaptação e a inovação na comunicação política serão determinantes para o futuro da governabilidade no Brasil.
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