Arquitetura da destruição - Um diário da era Bolsonaro, do palanque à condenação

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BERNARDO MELLO FRANCO

ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO

Um diário da era Bolsonaro, do palanque à condenação

BERNARDO MELLO FRANCO

ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO

Um diário da era Bolsonaro, do palanque à condenação

Copyright © 2025 Bernardo Mello Franco

Copyright desta edição © 2025 Autêntica Editora

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora Ltda. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

editoras responsáveis

Rejane Dias

Cecília Martins

revisão

Luiza Cordiviola

capa

Diogo Droschi

(Sobre imagem de Gabriela Biló/Folhapress)

diagramação

Guilherme Fagundes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Franco, Bernardo Mello Arquitetura da destruição : um diário da era Bolsonaro, do palanque à condenação / Bernardo Mello Franco. -- 1. ed. -- Belo Horizonte, MG : Autêntica Editora, 2025.

ISBN 978-65-5928-635-5

1. Bolsonaro, Jair Messias, 1955- 2. Brasil - Política e governo2019-2022 3. Extremistas de direita 4. Presidentes - Brasil 5. História - Brasil 6. Jornalismo político 7. Brasil - Crônicas I. Título.

25-300297.0

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Política e governo 320.981

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

CDD-320.981

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Introdução

Em 8 de janeiro de 2023, uma multidão em verde e amarelo marchou na direção da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Era um domingo de sol, mas a turma não estava a passeio. Queria forçar um golpe para derrubar o governo, destituir a cúpula do Judiciário e devolver o comando do país a Jair Bolsonaro.

Os extremistas derrubaram grades, quebraram vidraças e invadiram o Congresso Nacional. Em menos de uma hora, também ocupariam o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto.

Os radicais destruíram tudo o que viram pela frente. Estilhaçaram janelas, picharam paredes, vandalizaram móveis e obras de arte. Mais que depredar patrimônio público, a tropa queria destruir a democracia brasileira. O objetivo era impor o caos e forçar um retorno ao passado autoritário. Desta vez, sob as ordens de um capitão.

O ataque aos símbolos da República foi o ato final de uma longa ofensiva contra o Estado de Direito. Ela teve início cinco anos antes, quando um deputado de extrema direita começou a seduzir eleitores desiludidos com o sistema político.

Bolsonaro nunca escondeu o que pensava. Defensor da ditadura militar, sempre desprezou os direitos humanos, o meio ambiente, a liberdade de imprensa. Em sete mandatos, notabilizou-se por insultar mulheres, negros, indígenas e homossexuais. Usou a tribuna para defender torturadores, milicianos e pistoleiros de aluguel.

Ao longo de três décadas, esse perfil o manteve no baixo clero da Câmara. Em 2018, pavimentou seu caminho para a Presidência.

Eleito para governar o país, Bolsonaro deixou claro que não iria mudar. Ao tomar posse, prometeu “restabelecer a ordem” e voltou a descrever os adversários como inimigos da pátria.

Antes de completar três meses no cargo, o novo presidente ofereceu uma síntese de seu projeto. Em visita aos Estados Unidos, disse não ter a ambição de “construir coisas para o nosso povo”. “Nós temos é que desconstruir muita coisa”, explicou.

A prática foi coerente com o discurso. No poder, ele buscou demolir os órgãos de controle, as políticas públicas e os mecanismos de participação social. Militarizou o governo, tentou sufocar a oposição e investiu contra a imprensa, a cultura e as universidades. Quando contrariado, incitou seguidores a atacarem o Legislativo e o Judiciário.

A chegada da pandemia agravaria o pesadelo. Assombrados por um vírus letal, os brasileiros foram obrigados a conviver com um líder que afrontava a ciência, sabotava as medidas sanitárias e mostrava desdém pelas famílias enlutadas.

“Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”, ironizou Bolsonaro quando o Brasil registrava quase 2 mil mortes por dia. Até o fim de seu governo, o país perderia quase 700 mil vidas para a doença e o negacionismo.

Abatida pela tragédia, a sociedade começou a reagir. Com a popularidade em queda, o capitão perdeu apoio no establishment político e na elite econômica, que haviam ajudado a elegê-lo.

Isolado, ele radicalizou os ataques à Justiça e às urnas eletrônicas.

Fabricou crises em série e avisou que só deixaria o poder preso ou morto.

Em 2022, Bolsonaro se tornou o primeiro presidente brasileiro a disputar e perder a reeleição. Inconformado, ele se recusou a admitir a derrota e passou a conspirar contra a posse do sucessor. Seus ataques à urna eletrônica foram o combustível da intentona golpista.

A democracia brasileira balançou, mas resistiu. Em setembro de 2025, o Supremo condenou o ex-presidente a 27 anos e 3 meses de prisão. O julgamento rompeu a tradição nacional de perdoar civis e militares que atentam contra a legalidade.

Este livro reúne textos escritos para o jornal O Globo enquanto a História acontecia e o país era empurrado até a beira do abismo. A leitura das colunas mostra que o projeto do golpe estava claro desde o início. Não viu quem não quis.

Capitão em campanha

Bolsonaro sem retoques1

10/10/2017

Jair Bolsonaro desembarcou nos Estados Unidos para divulgar sua candidatura a presidente. Em segundo lugar nas pesquisas, o deputado tenta suavizar o discurso para parecer menos radical. É um bom momento para ouvir o que ele dizia antes de sonhar com o Planalto.

Em 1999, o capitão reformado expôs suas ideias no programa “Câmera Aberta”, na Bandeirantes. Em 35 minutos, defendeu a ditadura e a tortura, pregou o fechamento do Congresso e disse que o Brasil precisava de uma guerra civil, mesmo que isso provocasse a morte de inocentes.

A entrevista mostra um Bolsonaro sem retoques. À vontade, ele se gaba de sonegar impostos e estimula os telespectadores a fazerem o mesmo. “Conselho meu e eu faço. Eu sonego tudo que for possível”, afirma. Depois, diz que a democracia é uma “porcaria” e conta o que faria se chegasse ao poder: “Daria golpe no mesmo dia. Não funciona”.

O deputado afirma que Chico Lopes, ex-presidente do Banco Central, merecia ser torturado em pleno Senado. “Dá porrada no Chico Lopes. Eu até sou favorável [a que] a CPI, no caso do Chico Lopes, tivesse pau de arara lá. Ele merecia isso: pau de arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura.”

Mais adiante, Bolsonaro defende o fuzilamento do presidente Fernando Henrique e revela desprezo pelas eleições diretas: “Através do voto, você não vai mudar nada neste país. Nada, absolutamente nada. Você só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando 30 mil, e começando por FHC”.

1 Este texto foi publicado na Folha de S.Paulo, onde o autor assinou coluna diária até janeiro de 2018.

O apresentador Jair Marchesini ainda ensaia conter o deputado. Ele insiste: “Matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem. Tudo quanto é guerra, morre inocente”.

Bolsonaro não era um jovem desavisado ao dar essas declarações, que podem ser vistas no YouTube. Tinha 44 anos e exercia o terceiro mandato de deputado – hoje está no sétimo. Era filiado ao PPB (atual PP), o partido de Paulo Maluf.

Os militares no poder 01/03/2018

Em outros tempos, quem quisesse entender o poder no Brasil precisava ter à mão o Almanaque do Exército. A publicação está voltando a revelar sua utilidade nestes meses finais do governo Michel Temer.

Desde o fim da ditadura, os militares não ostentavam tanta força em Brasília. Eles ganharam espaço na Esplanada e estão dando as cartas na intervenção federal no Rio. Em poucos dias, oficiais passaram a ocupar o lugar de políticos no noticiário e no Diário Oficial.

O precursor da tropa foi o general Braga Netto, novo governador de fato do Rio.2 Ele instalou um colega, o general Richard Nunes, no cargo de secretário de Segurança. Agora os dois mandam mais que Luiz Fernando Pezão, eleito para governar o estado com 4,3 milhões de votos.

Na segunda-feira, Temer entregou o Ministério da Defesa, que sempre esteve em mãos civis, ao general Silva e Luna. Ontem foi a vez de o general Santos Cruz ser promovido a número dois do novíssimo Ministério da Segurança Pública.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ofereceu uma explicação para o fenômeno: “Governos, sobretudo quando não são fortes, apelam para os militares”. Faz sentido, mas é preciso observar outras novidades no front verde-oliva.

Ontem o Exército organizou uma despedida para o general Hamilton Mourão, que ficou famoso ao defender um novo golpe militar no Brasil. Ele passou à reserva sob aplausos do comandante da Força, que fez questão de elogiá-lo no Twitter.

2 Em 16 de fevereiro, Temer decretou intervenção federal na segurança do Rio. O general Braga Netto foi nomeado interventor, com plenos poderes sobre as polícias civil e militar.

“Todos te agradecemos, amigo Mourão, os exemplos de camaradagem, disciplina intelectual e liderança pelo exemplo”, escreveu o general Villas Bôas. Na cerimônia, Mourão chamou de “herói” o coronel Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores da ditadura.

Mais tarde, o general disse à revista piauí que vai lançar candidatos fardados às eleições de outubro. Ele promete pedir votos para o capitão Jair Bolsonaro, outro defensor do regime autoritário.

Ao entregar mais poder aos militares, Temer tenta reconquistar o eleitorado mais à direita. É uma estratégia arriscada, como mostram vários exemplos na história brasileira. Ontem o general Mourão afirmou que o presidente precisa ser “expurgado da vida pública”.

A extrema direita sai do armário

08/03/2018

Uma mistura de culto evangélico e programa policial de TV. Assim foi o ato que selou ontem a filiação de Jair Bolsonaro ao PSL. O presidenciável defendeu a liberação das armas e prometeu combater “vagabundos” e “marginais”. Ele temperou o discurso com menções a Deus e à “família brasileira”.

O deputado encarregou Magno Malta, dublê de senador e cantor gospel, de puxar uma corrente de oração. Em seguida, investiu no culto à própria personalidade. “Eu sou o Messias. Jair Messias Bolsonaro”, disse, para delírio dos seguidores que lotavam um dos plenários da Câmara.

O capitão reformado incitou o sentimento nacionalista da plateia. “Vamos voltar a ter orgulho da nossa bandeira”, prometeu. “Mito! Mito! Mito!”, responderam os aliados, em coro. “Só tem uma maneira de esta bandeira ficar vermelha: com o meu sangue”, emendou Bolsonaro.

“A violência se combate com energia, e, se for necessário, com mais violência”, prosseguiu o pré-candidato. Ele prometeu pedir votos para os colegas da bancada da bala, que se acotovelavam a seu redor. “Quem sabe teremos aqui a bancada da metralhadora”, gracejou.

Dizendo-se defensor da família, o deputado afirmou que que a homossexualidade “não é normal”. “Um pai prefere chegar em casa e ver o filho com o braço quebrado no futebol, e não brincando de boneca”, discursou. “Casamento é entre homem e mulher, e ponto final”, continuou, apesar de o STF já ter reconhecido a união estável de pessoas do mesmo sexo.

Em outra passagem, Bolsonaro prometeu varrer os partidos de esquerda do Congresso. “Quem reza dessa cartilha de esquerda não merece conviver com os bens da democracia e do capitalismo”, disse. “Nós temos que alijá-los”, acrescentou.

Deputado há 27 anos, o presidenciável se apresentou como promessa de renovação na política. Ele ainda citou Donald Trump como “exemplo para nós seguirmos” e atacou a imprensa, a quem acusou de “conivente com a corrupção”.

Antes de ouvir o líder, Magno Malta se ofereceu para o cargo de vice em sua chapa. Ex-aliado de Lula e Dilma Rousseff, ele evitou lembrar o passado ao lado dos petistas. “Agora você é extrema direita. Isso não ofende, não”, disse, olhando para Bolsonaro. “Extrema direita é o que nós somos”, concluiu.

STF julga Lula com baioneta no pescoço

05/04/2018

No julgamento do mensalão, um ministro disse que o Supremo votaria “com a faca no pescoço”. Ontem o tribunal se viu sob a mira da baioneta. Ela foi apontada pelo comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. Na véspera de outro julgamento importante, o general tentou emparedar a Corte. Não precisou de tanques. Sacou o celular e disparou dois tuítes. Em 436 caracteres, disse “à Nação” que apoiava o sentimento “de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”. Acrescentou que o Exército se manteria “atento às suas missões institucionais”.

As mensagens foram a senha para uma noite de alta tensão em Brasília. Políticos, advogados e juízes trocaram ligações e mensagens nervosas. Tentavam entender se o país estava diante de uma ameaça de golpe militar, 33 anos depois de reconquistar a democracia.

Não se sabe se Villas Bôas iria tão longe, mas o comunicado alvoroçou a caserna. “Tenho a espada ao lado, a sela equipada, o cavalo trabalhado e aguardo suas ordens!”, empolgou-se o general Paulo Chagas. Alguns dias antes, ele celebrava o aniversário da quartelada de 1964 – em suas palavras, uma “revolução democrática”.

O deputado Jair Bolsonaro também vibrou. “Estamos juntos General Villas Boas”, escreveu, torturando a legalidade e as regras de pontuação. O capitão é outro nostálgico da ditadura. Na ausência de Lula, ele lidera a corrida presidencial.

A agitação dos coturnos elevou a pressão sobre o Supremo na véspera de um julgamento crucial para a eleição. Os ministros tentaram disfarçar o incômodo com a baioneta. Só o decano Celso de Mello ousou contestar o general, quando a sessão já se encaminhava para o fim.

Como esperado, a decisão ficou nas mãos de Rosa Weber. Ela frustrou a defesa e negou o habeas corpus ao ex-presidente. Disse que seguia a atual jurisprudência da Corte, e não as suas convicções pessoais.3

O resultado seguiu o roteiro desenhado por uma autoridade sem Twitter: a ministra Cármen Lúcia. Contrariando os veteranos da Corte, ela passou o caso de Lula à frente de duas ações genéricas que questionam as prisões em segunda instância. Sem a manobra da presidente do Supremo, o voto de Rosa seria outro, e o petista não estaria a caminho da cadeia.

Bolsonaro e a fuga de cérebros

22/05/2018

“Se eu fosse rei de Roraima, em 20 anos teria a economia próxima à do Japão” Assim Jair Bolsonaro começou o discurso de ontem na Associação Comercial do Rio de Janeiro. Cerca de 300 empresários pagaram entre R$ 180 e R$ 220 para ouvi-lo. O ingresso dava direito a almoço, com opções de carne, massa e bacalhau.

“Nada pode ser feito lá”, reclamou o deputado, referindo-se à terra que elege Romero Jucá. Ele não explicou a mágica que igualaria o estado de menor PIB do Brasil ao terceiro país mais rico do mundo. No entanto, aproveitou para atacar os alvos de sempre: índios, ambientalistas, quilombolas.

Para Bolsonaro, o problema da Amazônia não é o desmatamento, e sim a proteção da floresta. De olho no voto ruralista, ele prometeu frear a criação de reservas e rebaixar o Ministério do Meio Ambiente, que passaria a ser subordinado à Agricultura. “A questão ambiental dá pra driblar. É ter um ministro que seja patriota”, afirmou.

O capitão acusou a ONU de tramar a criação de “novos países” em território brasileiro. Em seguida, abandonou o tom nacionalista e defendeu parcerias com os Estados Unidos para explorar as riquezas da floresta.

3 Por 6 votos a 5, o STF negou habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, investigado pela Lava Jato. Ele seria preso três dias depois do julgamento.

“Estive duas vezes com autoridades americanas”, disse. E quem seriam seus interlocutores no governo Trump? “Sem entrar em detalhes”, despistou.

Depois da viagem amazônica, Bolsonaro engrenou o discurso radical que o impulsionou nas pesquisas. Prometeu combater a violência “com mais violência ainda”. Ameaçou reprimir ocupações com “chumbo”. Chamou os sem-terra de “marginais” e “terroristas”. Afirmou que pretende invadir o Ministério da Educação “com um lança-chamas, para tirar tudo que é simpatizante do Paulo Freire de lá”. O deputado defendeu mudanças na lei para dificultar a punição de policiais acusados de homicídio. “Matar um vagabundo com um tiro ou 20 tem que ser a mesma coisa”, disse. Ele discursava a poucos metros da Candelária, palco da chacina que matou oito crianças e adolescentes em 1993.

Bolsonaro estava acompanhado por Paulo Guedes, seu favorito para o Ministério da Fazenda. Chegou a apresentar o economista como namorado, “heteramente falando”. “Nossos cérebros estão fora do Brasil. Aqui não é um terreno fértil”, comentou. Pela animação da plateia, o capitão deve ter alguma razão.

Malafaia em campanha

26/06/2018

Protagonista de baixarias em eleições passadas, Silas Malafaia começou cedo em 2018. Ele gravou vídeo em que chama Marina Silva de “dissimulada” e diz que ela “envergonha os evangélicos” por defender um plebiscito sobre o aborto. O pastor não falha: vai pedir votos para Jair Bolsonaro, que defende a tortura e a pena de morte.

O Supremo de Bolsonaro

03/07/2018

Jair Bolsonaro quer aumentar o número de vagas no Supremo Tribunal Federal. Pretende aumentar o número de ministros de 11 para 21. Com isso, teria maioria na Corte caso seja eleito presidente.

A ideia é inspirada no AI-2, baixado pela ditadura militar em 1965. Na versão original, o texto também extinguiu os partidos, acabou com as eleições diretas e autorizou a ditadura a cassar os direitos políticos de qualquer brasileiro por dez anos.

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Bolsonaro bate continência para o PIB

05/07/2018

Há 28 anos, Jair Bolsonaro é pago para elaborar leis e fiscalizar o Orçamento. O deputado está prestes a concluir o sétimo mandato, mas ainda não encontrou tempo para estudar o básico sobre contas públicas. É o que ele mesmo tem repetido quando comparece a sabatinas com os presidenciáveis.

“Sou capitão do Exército, sou artilheiro. Mas de economia… eu não estudei economia”, disse ontem, em encontro promovido pela Confederação Nacional da Indústria. “Será que nós temos que entender de tudo?”, questionou.

Enquanto os adversários apresentavam ideias para resolver o desequilíbrio fiscal, Bolsonaro tentava desconversar. “Quem botou o Brasil nessa situação, se não foram os economistas?”, disse. Em seguida, ele pareceu mudar de ideia. Pediu que as perguntas da plateia fossem encaminhadas ao economista Paulo Guedes, que o apoia: “A pessoa adequada é ele, não eu”.

O presidenciável adotou a mesma tática para fugir de uma questão sobre educação. “Não quero falar daquilo que não domino”, escapuliu. “Quem tem competência pra tudo? Se nós temos de nos socorrer da esposa para administrar uma casa, quanto mais para administrar um país.”

Apesar de admitir que não entende de economia, Bolsonaro não vacila ao dizer que tomará o lado dos patrões em disputas com empregados. “Tem que fazer valer a vontade dos senhores”, disse, diante da plateia de empresários. “A grande mídia tem que parar de ver os senhores como bandidos. Ser patrão no Brasil é ser bandido”, continuou, sob aplausos.

O candidato acrescentou que, se for eleito, os trabalhadores terão que decidir entre ter “menos direitos e emprego ou todos os direitos e nenhum emprego”. O capitão já havia batido continência para o PIB na terça-feira. Em encontro com empresários em São Paulo, ele se comprometeu a manter as reformas do governo Temer e a ampliar as privatizações.

Embora se esforce para vestir a farda de liberal, o deputado ainda tropeça no histórico de defesa das corporações. Na sabatina de ontem, ele disse que os militares merecem se aposentar mais cedo e defendeu que alguns políticos acumulem vencimentos acima do limite constitucional. “Quem tem aposentadoria, dá um extrateto, se for o caso”, afirmou.

A arma do capitão

01/08/2018

As escolas induzem as criancinhas ao homossexualismo. Os portugueses não pisavam na África no tempo da escravidão. A urna eletrônica é mais suscetível a fraudes do que o voto impresso. Não houve golpe militar no Brasil em 1964.

O deputado Jair Bolsonaro despejou seu repertório de mistificações no Roda Viva de segunda-feira. Muito do que ele disse não resiste a uma checagem básica, mas seu eleitorado parece não se importar. O programa registrou, de longe, a maior audiência da série com os presidenciáveis.

Bolsonaro não tenta desviar do estereótipo do milico brucutu. Ao contrário: seu discurso é claramente treinado para reforçá-lo. A principal arma do capitão é a polêmica. Quanto mais barulho, melhor. Foi assim que ele chegou à liderança das pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Lula.

O candidato captou o espírito das redes sociais. Declarações bombásticas geram mais curtidas do que argumentos. Radicalizar nos temas morais é mais atraente que formular programas de governo. Quando o eleitor está furioso, quem fala mais alto tende a vencer a disputa por atenção. Foi a receita da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.

A chave do sucesso é se descolar dos outros políticos. O deputado está no sétimo mandato consecutivo em Brasília, mas tem conseguido emplacar a imagem de que é diferente de tudo o que está aí. Não foi à toa que ele chegou a se dizer “meio maluco” durante a entrevista.

No centro da roda, Bolsonaro jogou em casa ao discursar contra defensores de direitos humanos, sem-terra, quilombolas e outras minorias. Ficou menos à vontade ao ser cobrado a apresentar propostas concretas para temas como saúde e economia.

Num de seus piores momentos, embananou-se quando a jornalista Maria Cristina Fernandes quis saber o que ele faria para reduzir a mortalidade infantil. A resposta mostrou que o preparo do capitão está muito aquém da sua capacidade de gerar memes.4 Os rivais devem pensar nisso se quiserem desconstruí-lo.

4 Numa resposta confusa, Bolsonaro não soube apontar as principais causas da mortalidade infantil no país. “Tem um mar de problemas, né? Tem que ver a questão do passado daquela pessoa, sanitário dela… tem um montão de coisas, alimentação da mãe, um montão de coisas.”

O presidenciável Jair Bolsonaro registrou um programa de governo no TSE. Ou quase. O material entregue pelo capitão lembra uma apresentação escolar feita no PowerPoint. Perto dele, o procurador Deltan Dallagnol parece um ás do design.5

A exemplo do candidato, o programa berra com o eleitor. Usa nada menos que 59 pontos de exclamação. Para gritar ainda mais alto, apela às maiúsculas. Bolsonaro promete defender a FAMÍLIA. Em seguida, exalta a PROPRIEDADE. Faltou a TRADIÇÃO para completar o trinômio da TFP.6 Sem dúvida, um lapso.

As obsessões do presidenciável estão por toda parte. As Forças Armadas aparecem seis vezes. São exaltadas como “espinha dorsal da nação” e “último obstáculo para o socialismo”. A esquerda é citada outras dez vezes, ao lado de termos como “doutrinação ideológica” e “gramscismo”. Curiosamente, o programa não menciona a direita. Outra questão para tratar no divã.

No capítulo da segurança, Bolsonaro repete o discurso da bancada da bala. Propõe soluções populistas, como liberar a venda de armas e reduzir a maioridade penal para 16 anos – o que provavelmente levaria os chefes do crime a recrutar soldados ainda mais jovens.

O programa usa números falsos, defasados ou de fontes duvidosas para sustentar a tese do prende-e-arrebenta. Segundo o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na semana passada, o número de policiais mortos caiu de 386 para 367 entre 2016 e 2017. O levantamento usa dados oficiais das secretarias de Segurança.

Segundo o PowerPoint de Bolsonaro, o contingente de policiais mortos teria aumentado no mesmo período. Ele cita números de uma tal Ordem dos Policiais do Brasil (OPB). “A fonte devem ser grupos de WhatsApp”, diz Renato Sérgio de Lima, diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

5 Em 2016, Deltan Dallagnol acusou Lula com um gráfico rudimentar, em que 14 balões apontavam para o nome do petista. Nove anos depois, o procurador foi condenado a indenizar o ex-presidente por danos morais.

6 Conhecida como TFP, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Propriedade foi criada na década de 1960 por católicos de extrema direita. Notabilizou-se por apoiar o golpe e a ditadura militar.

O capitão também alega que a violência cresce mais em estados governados por partidos de esquerda. A tese é ilustrada por um mapa vermelho, decorado com a foice e o martelo. Para o diretor do FBSP, o discurso não faz sentido algum. “O problema real é a chegada do Primeiro Comando da Capital (PCC), que agravou a luta entre facções criminosas.”

Uma eleição fora dos trilhos

07/09/2018

O ataque a Jair Bolsonaro é o episódio mais lamentável de uma eleição que saiu dos trilhos. A violência ronda a campanha desde março, quando dois tiros atingiram a caravana do ex-presidente Lula no Paraná. Ontem o candidato que lidera as pesquisas foi vítima de uma facada em Juiz de Fora7.

O atentado contra Bolsonaro é inaceitável. Numa democracia, as divergências devem ser resolvidas no debate de ideias e no voto. O discurso radical do deputado não justifica o uso da força contra ele.

A facada pode mudar os rumos da eleição. Com o impedimento de Lula, Bolsonaro virou líder da corrida presidencial. No entanto, pesquisas telefônicas que circulam nas campanhas indicavam que ele começava a cair. O desgaste era atribuído ao intenso bombardeio na propaganda de Geraldo Alckmin.

Agora, os comerciais que criticavam o capitão serão retirados do ar. A comoção com o ataque também deve ter consequências eleitorais. Elas serão medidas na próxima rodada de pesquisas, que Ibope e Datafolha vão divulgar depois do feriadão.

Em março, Alckmin desdenhou do atentado contra a caravana lulista e disse que os petistas estariam “colhendo o que plantaram”. Bolsonaro sugeriu, sem provas, que o ataque a tiros teria sido armado.

Ontem ninguém repetiu o erro de culpar a vítima. Os principais candidatos condenaram a intolerância e desejaram pronto restabelecimento ao deputado. É o mínimo que se espera numa disputa civilizada.

Hoje, os presidenciáveis devem se recolher em respeito a Bolsonaro, que se recupera da cirurgia a que foi submetido. É um bom momento para

7 Bolsonaro foi esfaqueado durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG). O agressor, Adélio Bispo de Oliveira, seria considerado inimputável por transtorno mental.

que todos pensem no que podem fazer para esfriar os ânimos e evitar novos atos de violência na campanha.

Dividendos da facada

09/09/2018

Madrugada de sexta-feira, entrada da Santa Casa de Juiz de Fora. Cercado de câmeras e microfones, o deputado Flávio Bolsonaro é questionado sobre o estado de saúde do pai. Ele responde em cinco segundos e emenda uma mensagem política: “Vocês acabaram de eleger o presidente. Vai ser no primeiro turno”.

Passado o susto, a campanha do PSL parece viver um momento de euforia. O atentado a Jair Bolsonaro abriu uma nova fase na corrida ao Planalto. No cálculo frio da política, já ficou claro que o ataque renderá dividendos eleitorais ao capitão.

O presidenciável era criticado por abusar de gestos agressivos e declarações irresponsáveis, como “invadiu, é chumbo” e “vamos fuzilar a petralhada”. Agora, o candidato que prega a violência virou vítima da violência. Na hipótese mais conservadora, a metamorfose tende a reduzir seu índice de rejeição. Bolsonaro também ganhou uma trégua dos adversários. Os comerciais que desgastavam sua imagem já sumiram do ar. Os marqueteiros não tiveram escolha. Atacar um candidato hospitalizado significaria desferir uma facada na própria campanha.

O atentado ainda resolve outro problema do capitão. Filiado a uma sigla nanica, Bolsonaro surfava nas redes sociais, mas sofria com a subexposição na TV. Tinha direito a uma pequena fração da propaganda obrigatória, além do registro de sua agenda nos telejornais. Desde quinta-feira, ele domina o noticiário. Seus oito segundos se multiplicaram em horas de cobertura jornalística.

Embora tudo indique que o agressor é um desequilibrado que pensava agir por ordem divina, os bolsonaristas não se constrangeram em dar tom político ao episódio. “Eu não acho, eu tenho certeza: o autor do atentado é do PT”, acusou o vice Hamilton Mourão, sem apresentar qualquer prova. “Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”, emendou o general.

O pastor Silas Malafaia, veterano em baixarias eleitorais, divulgou boatos na mesma linha. “O criminoso que tentou matar Bolsonaro é militante

do PT e assessora a campanha de Dilma ao Senado”, afirmou. Dupla mentira: o criminoso esteve filiado a outra sigla, o PSOL, que também não tem responsabilidade pela agressão.

O atentado aumenta a tensão de uma campanha que já estava radicalizada. Os rivais de Bolsonaro reagiram no tom adequado, solidarizando-se com a vítima e condenando a violência. Ele ensaiou moderar o discurso, mas emite sinais contraditórios. Ontem posou no hospital fazendo o gesto de atirar.

Enquanto se recupera, o capitão deve ser representado pelos filhos e pelo general Mourão. Na noite de sexta, o vice mostrou que está alinhado ao companheiro de chapa. Em entrevista à GloboNews, ele chamou um torturador da ditadura de “herói” e admitiu a hipótese de um golpe militar em caso de “anarquia generalizada”. O oficial mencionou a figura do “autogolpe”, expediente usado por presidentes autoritários em repúblicas bananeiras.

Que ninguém se engane: depois do atentado, o bolsonarismo continuará a ser o que já era. Só que com mais chances de chegar ao poder.

Bolsonaro questiona sistema que o elegeu

18/09/2018

Jair Bolsonaro voltou a fazer campanha do leito do hospital. Num vídeo transmitido na internet, ele chorou e lançou suspeitas sobre a urna eletrônica. Em tom conspiratório, alegou que haveria um complô em curso para evitar sua eleição.

“A grande preocupação realmente não é perder no voto, é perder na fraude”, disse, sem apresentar qualquer indício de manipulação. Ele criticou os institutos de pesquisa, o PT, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal, que já barrou duas tentativas de retorno ao voto impresso.

O discurso de Bolsonaro pode convencer seus seguidores mais fanáticos, mas tropeça na lógica. O Brasil adotou o voto eletrônico há 22 anos. Desde então, o deputado conquistou cinco mandatos consecutivos. Ao questionar a lisura da urna, ele põe em dúvida o sistema que sempre o elegeu.

O capitão também sugeriu uma conspiração entre o PT e o Tribunal Superior Eleitoral. Outra tese sem pé nem cabeça. A Corte acaba de frustrar o partido ao sepultar a candidatura do ex-presidente Lula. A decisão obrigou o petismo a substituir o líder das pesquisas por um aliado que aparecia em quinto lugar.

Esta não é a primeira vez que um presidenciável questiona a urna eletrônica. Dias depois da derrota em 2014, o senador Aécio Neves pediu ao TSE uma auditoria no sistema de votação. Um ano depois, o PSDB reconheceu que não havia indício de fraude. A ação do tucano era choro de perdedor. Bolsonaro inovou ao questionar a urna antes da votação. O discurso sugere que ele já começou a buscar uma desculpa para justificar seu eventual fracasso no segundo turno. É uma atitude irresponsável, porque estimula uma revolta dos eleitores vencidos contra os vencedores.

A estabilidade da democracia depende do respeito aos resultados. Quem vence governa, quem perde vai para a oposição. Ao questionar o sistema, o capitão volta a se comportar como o dono da bola. O jogo só vale quando ele ganha.

Moedas diferentes

23/09/2018

No programa eleitoral de quinta-feira, Geraldo Alckmin disse que o bolsonarismo e o PT são “dois lados da mesma moeda: a do radicalismo”. O tucano tem motivos para estar aflito, mas o discurso soa como puro desespero. Para quem considera a democracia um valor absoluto, é fácil notar que as moedas são diferentes.

Jair Bolsonaro nunca escondeu que não faz parte deste time. Deputado há sete mandatos, ele se notabilizou por elogiar a ditadura, exaltar torturadores, defender o fechamento do Congresso e pregar o fuzilamento de adversários. Na votação do impeachment, homenageou um militar condenado por sequestro e tortura de presos políticos.

O discurso do presidenciável falsifica o passado, mas o pior é ouvi-lo falar do futuro. Ao longo da campanha, ele e seu vice têm dado vários sinais de que, se eleitos, não respeitarão as regras do jogo democrático.

Bolsonaro já propôs ampliar de 11 para 21 o número de ministros do Supremo Tribunal Federal. A ideia é inspirada no regime de 1964, que cassou três juízes e instalou mais cinco cadeiras para encher a Corte de amigos. Hugo Chávez repetiu a manobra na Venezuela ao inflar o Tribunal Supremo, que tinha 20 juízes e passou a ter 32. Nos dois casos, o objetivo foi o mesmo: fabricar uma maioria artificial para submeter o Judiciário ao governo.

O general Hamilton Mourão defendeu que o presidente da República tenha poderes para dar um “autogolpe” com apoio das Forças Armadas.

Segundo o militar, isso ocorreria em caso de “anarquia generalizada, em que não há mais respeito pela autoridade”. Quem decidiria a hora de baixar uma nova ditadura? O próprio Bolsonaro, é claro.

O vice do capitão também sugeriu que a Constituição seja substituída por uma nova, que “não precisa ser feita por eleitos pelo povo”. Ao promulgar a Carta de 1988, Ulysses Guimarães afirmou que “traidor da Constituição é traidor da pátria”. O general Mourão deve se considerar um patriota, mas sua ideia equivale a rasgar a lei maior do país.

Agora o economista Paulo Guedes pôs na mesa outra proposta tóxica. Em nome da “governabilidade”, o guru de Bolsonaro quer dar superpoderes aos partidos, eliminando a possibilidade de divergência nas bancadas. Ele também defende uma redução drástica no número de legendas, o que provavelmente confinaria a oposição numa só sigla – outra solução adotada pelos golpistas de 1964.

É possível argumentar que o PT não merece ganhar a Presidência como prêmio por mau comportamento. O partido se lambuzou na corrupção e foi responsável pela crise econômica. Agora tenta fingir que não tem culpa pela recessão deixada por Dilma Rousseff.

Outra coisa é forçar o discurso de que o petismo representa uma ameaça à democracia. Em 13 anos no Planalto, o partido cometeu muitos erros, mas nunca ofereceu risco às instituições. A tese de que o PT e Bolsonaro seriam “dois extremos” só ajuda a normalizar o autoritarismo do capitão.

Ameaça à democracia

30/09/2018

Foi-se o tempo em que as democracias só tombavam sob a mira de tanques e baionetas. No século passado, golpes clássicos derrubaram governos eleitos em quase toda a América Latina. Agora a ameaça não depende mais do uso da força. “O retrocesso democrático hoje começa nas urnas”, afirmam os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como as democracias morrem.

Os professores de Harvard mostram como líderes eleitos podem conduzir seus países ao autoritarismo. O livro foi escrito sob o impacto da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. No entanto, é impossível atravessá-lo sem pensar na encruzilhada do Brasil em 2018.

“Demagogos extremistas surgem de tempos em tempos em todas as sociedades, mesmo em democracias saudáveis”, escrevem os autores. O desafio, dizem, é evitar que eles explorem os sentimentos de ódio e ressentimento para chegar ao poder.

A decisão não é só do eleitor. Para ascender, os outsiders buscam se aliar ao establishment. Foi assim que Alberto Fujimori e Hugo Chávez abriram caminho para subverter as instituições no Peru e na Venezuela. “Em cada caso, as elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos. Contudo, seus planos saíram pela culatra”, afirma o livro. Num recuo na História, os autores lembram que Hitler e Mussolini também chegaram ao poder sem apelar à força. Na Alemanha dos anos 1930, líderes experientes pensaram que poderiam domar o chefe do Partido Nazista, um populista de discurso radical. Num ambiente de revolta contra a política tradicional, ele encantava multidões com um penteado exótico e a promessa de restaurar a ordem e combater o comunismo. Qualquer semelhança…

Levitsky e Ziblatt listam quatro sinais de alerta para identificar um aspirante a ditador: “Devemos nos preocupar quando políticos: 1) rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo; 2) negam a legitimidade de oponentes; 3) toleram e encorajam a violência; 4) dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia”.

O líder das pesquisas no Brasil gabarita o teste, mas há quem pense que ele não oferece risco à democracia. Segundo essa visão, Congresso e Judiciário seriam capazes de conter um presidente autoritário, mesmo que ele demonstre desprezo pela Constituição e pelos adversários políticos.

“Isso é um erro histórico semelhante ao cometido pelos conservadores alemães em 1932”, escreveu Levitsky, em artigo na Folha de S.Paulo. “Para justificar seu apoio a um autoritário, muita gente diz que Bolsonaro talvez não seja tão ruim”, observou. Segundo o professor, esse argumento se baseia em três ideias enganosas: “Ele não fará o que diz”, “Ele é incompetente demais para ameaçar a democracia” e “Somos capazes de controlá-lo”.

“Apoiar um candidato autoritário é um jogo perigoso que raramente termina bem”, avisou Levitsky. O texto foi publicado na sexta-feira. No mesmo dia, o capitão ressurgiu na TV com uma ameaça: “Não aceito um resultado eleitoral diferente da minha eleição”.

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