DO VINIL AO STREAMING
60 ANOS EM
60 DISCOS DO POP INTERNACIONAL outros


60 DISCOS DO POP INTERNACIONAL outros
60
DO POP INTERNACIONAL outros
Copyright © 2025 Daniel Setti
Copyright desta edição © 2025 Autêntica Editora
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora Ltda. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.
Todos os esforços foram feitos no sentido de encontrar os detentores dos direitos autorais das obras que constam deste livro. Pedimos desculpas por eventuais omissões involuntárias e nos comprometemos a inserir os devidos créditos e corrigir possíveis falhas em edições subsequentes.
editora executiva
Rejane Dias
editoras responsáveis
Cecília Martins
Rafaela Lamas
revisão
Lívia Martins
capa
Diogo Droschi
(sobre imagem de Ulrich/Shutterstock)
projeto gráfico
Diogo Droschi
diagramação
Guilherme Fagundes
pesquisa iconográfica
Ludymilla Borges
Marcella Santos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Setti, Daniel
Do vinil ao streaming , vol. 2 : 60 anos em outros 60 discos (do pop internacional) / Daniel Setti. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2025.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5928-599-0
1. Discografia 2. Discos e gravações sonoras - Catálogos 3. Música - Apreciação 4. Música - História 5. Multimídia interativa 6. Tecnologia streaming (Telecomunicação) I. Título.
25-281058
CDD-780.9
Índices para catálogo sistemático: 1. Música : História 780.9
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
Belo Horizonte
Rua Carlos Turner, 420 Silveira . 31140-520
Belo Horizonte . MG
Tel.: (55 31) 3465 4500
São Paulo
Av. Paulista, 2.073 . Conjunto Nacional
Horsa I . Salas 404-406 . Bela Vista 01311-940 . São Paulo . SP
Tel.: (55 11) 3034 4468 www.grupoautentica.com.br
SAC: atendimentoleitor@grupoautentica.com.br
Apresentação
17 Elvis Presley | Elvis Is Back! (1960)
25 Etta James | At Last! (1960)
32 Sam Cooke | Ain’t That Good News (1964)
41 Bob Dylan | Bringing It All Back Home (1965)
50 The Kinks | Face to Face (1966)
58 The Doors | The Doors (1967)
66 The Byrds | The Notorious Byrd Brothers (1968)
73 Sly & the Family Stone | Stand! (1969)
80 The Stooges | The Stooges (1969)
86 The Rolling Stones | Let It Bleed (1969)
99 Van Morrison | Moondance (1970)
106 Neil Young | After the Gold Rush (1970)
112 Marvin Gaye | What’s Going On (1971)
120 Led Zeppelin | Led Zeppelin IV (1971)
129 Yes | Close to the Edge (1972)
136 James Brown | The Payback (1973)
145 Queen | A Night at the Opera (1975)
154 Ramones | Ramones (1976)
161 Stevie Wonder | Songs in the Key of Life (1976)
169 The B-52s | The B-52's (1979)
179 Iron Maiden | The Number of the Beast (1982)
187 Orchestral Manoeuvres in the Dark | Dazzle Ships (1983)
193 New Order | Power, Corruption & Lies (1983)
201 Bruce Springsteen | Born in the U.S.A. (1984)
208 Kate Bush | Hounds of Love (1985)
216 The Smiths | The Queen Is Dead (1986)
224 George Michael | Faith (1987)
232 Tracy Chapman | Tracy Chapman (1988)
240 Pixies | Doolittle (1989)
248 The Cure | Disintegration (1989)
261 Sinéad O’Connor | I Do Not Want What I Haven’t Got (1990)
269 My Bloody Valentine | Loveless (1991)
277 Beastie Boys | Check Your Head (1992)
285 Sonic Youth | Dirty (1992)
292 Sade | Love Deluxe (1992)
300 Wu-Tang Clan | Enter the Wu-Tang Clan (36 Chambers) (1993)
308 Nine Inch Nails | The Downward Spiral (1994)
318 Portishead | Dummy (1994)
325 Belle and Sebastian | If You’re Feeling Sinister (1996)
332 Spiritualized | Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space (1997)
343 Yo La Tengo | And Then Nothing Turned Itself Inside-Out (2000)
349 Coldplay | Parachutes (2000)
356 Missy Elliott | Under Construction (2002)
363 Cat Power | You Are Free (2003)
370 The White Stripes | Elephant (2003)
379 Mogwai | Happy Songs for Happy People (2003)
385 Gorillaz | Demon Days (2005)
392 Kanye West | Late Registration (2005)
400 M.I.A. | Kala (2007)
408 Erykah Badu | New Amerykah Part One (4th World War) (2008)
419 Adele | 21 (2011)
427 Swans | The Seer (2012)
435 Blood Orange | Cupid Deluxe (2013)
442 Beyoncé | Beyoncé (2013)
451 The War on Drugs | Lost in the Dream (2014)
458 D’Angelo & The Vanguard | Black Messiah (2014)
466 Kendrick Lamar | To Pimp a Butterfly (2015)
474 Solange | A Seat at the Table (2016)
481 Billie Eilish | When We All Fall Asleep, Where Do We Go? (2019)
487 Michael Kiwanuka | Kiwanuka (2019)
495 Bibliografia
509 Agradecimentos
Operíodo após o lançamento de Do vinil ao streaming: 60 anos em 60 discos do pop internacional, ocorrido em setembro de 2023, tem sido muito intenso para mim. Gostei bastante da repercussão gerada pelo meu primeiro livro que, em abril de 2024, também virou podcast (em parceria com a produtora AudioInk). No momento em que edito este texto, já temos seis temporadas e mais de trinta episódios no ar.
É muito interessante e prazeroso observar as diferentes reações que Do vinil ao streaming provoca nos leitores. “Que boa surpresa esse álbum”; “jamais pensaria naquele disco para a década tal”; “não imaginava que existia tanta história por trás de um LP”; “e a fulana, por que não entrou na seleção?”.
Comentários como esses são uma constante em minha vida desde então. Unanimidade, mesmo, só ocorreu com relação às seis playlists com músicas do livro, que a Autêntica disponibilizou em plataformas de streaming. E eu acho ótimo. Minha missão, ao elaborar aquela seleção de sessenta álbuns, era mesmo provocar, usando, como expliquei na apresentação, uma “saudável combinação entre tradicionalismo, revisionismo e risco”.
Agora… Talvez a pergunta que mais venho ouvindo seja: “vai ter parte dois?”. E é com grande alegria que respondo a ela da melhor maneira possível, entregando, na bela edição que você tem em mãos, novamente feita com capricho pela Autêntica, Do vinil ao streaming, vol. 2: 60 anos em outros 60 discos do pop internacional.
Tecnicamente, este segundo livro já havia sido iniciado antes mesmo do lançamento do primeiro. Oito dos seus sessenta textos, em suas
versões preliminares, a princípio integrariam o volume 1. Entretanto, por decisão editorial minha, acabaram ficando de fora. Agora, eles finalmente estão prontos. A pesquisa complementar para esses oito álbuns recuperados, bem como todo o levantamento de informações para os outros 52, começou em março de 2023; a redação definitiva de todos, em julho do mesmo ano.
Como no volume inaugural, o segundo reúne dez álbuns internacionais de cada uma das últimas seis décadas. Parto dos anos 1960, quando o mercado de LPs em vinil de 12 polegadas superou o dos compactos de 7 polegadas, até chegar aos anos 2010, era em que o streaming passou a reinar e o conceito de álbum precisou ser explicado aos mais jovens. O volume 2 tem até mais discos campeões de vendas do que seu antecessor, mas também conta com diversos títulos que, talvez, muita gente não conheça tão bem. Com essa mistura, pretendo contar um pouco da história da música pop internacional e retratar as suas inúmeras mudanças nesses sessenta anos. Quem acompanha o podcast Do vinil ao streaming perceberá que alguns dos episódios já publicados tratam de álbuns que estão neste segundo livro.
Incluindo um novo critério, o da não repetição de artistas, mantenho para o volume 2 o padrão normativo que guiou o 1. Ou seja, neste livro você encontrará discos exclusivamente gravados em estúdio, de artistas ligados aos gêneros e subgêneros do pop de predominância anglo-estadunidense: rock, rhythm and blues, soul, funk, rock psicodélico, hard rock, rock progressivo, punk, heavy metal, pós-punk, synthpop, dream pop, indie rock, folk-rock, hip-hop, trip-hop, industrial, neo-soul, pós-rock e por aí vai. Espero, em outro momento, poder dedicar outros projetos semelhantes a tipos de música que considero universos à parte, como a MPB, o jazz, os sons africanos e caribenhos e a eletrônica de pista.
Boa leitura!
Ouça uma seleção de músicas da década em sua plataforma preferida
“O rei acaba de regressar ao seu trono.” Assim terminava uma reportagem publicada em 8 de março de 1960 pelo jornal Memphis Press-Scimitar, sobre o retorno triunfal de Elvis Presley a Graceland, a sua extravagante mansão em Memphis, Tennessee, ocorrido na véspera. Dezessete dias antes de completar dois anos do início de seu serviço militar, o maior astro musical do planeta estava de volta a casa e ao mundo civil, ávido por retomar a carreira abruptamente interrompida.
Menos de duas semanas depois, em 20 de março, o sargento Presley entrava no estúdio B da RCA em Nashville, a três horas de Memphis, para a primeira das duas sessões que resultaram num dos grandes comeback albums da história: Elvis Is Back! Lançado em 8 de abril de 1960, apenas cinco dias após a segunda noitada de gravação – sintoma do tamanho do desespero da gravadora por capitalizar com o ídolo novamente disponível –, ele é o sexto LP de inéditas do Rei do Rock.
Em Elvis Is Back!, um Elvis de voz impecável, tinindo, descarrega a energia artística que vinha represando enquanto manejava fuzis e pilotava tanques. Seu repertório e seus arranjos atestam que o astro tinha percebido o esfriamento da primeira onda do rock’n’roll, da qual era o representante mais popular, e atualizado a sua sonoridade com a incorporação de elementos de country, blues e jazz.
“Se a música mudou, eu não seria bobo de não mudar com ela”, afirmou à época. Elvis bem que tentou, mas a verdade é que ele não lidou bem com os novos tempos, dedicando-se, nos anos seguintes, mais a filmes de relevância discutível do que a álbuns e singles. Enfrentando a competição da segunda geração roqueira, formada por devotos seus vindos dos dois lados do Atlântico, o Rei viveu numa
espécie de bolha, controlada por seu polêmico empresário, o coronel Tom Parker. Só para citar um exemplo de sua desconexão: em pleno fervor psicodélico de 1966, ele lançou um disco gospel. Por isso Elvis Is Back! é especial: corresponde a um dos poucos pontos de excelência desse período. Além disso, o par de sessões que deu origem ao disco rendeu nada menos que três singles na primeira colocação nos Estados Unidos, e que não foram incluídos na sua tracklist: “Stuck on You”, “It’s Now or Never” e “Are You Lonesome Tonight?”.
Bebendo da fonte
Sobrevivente de um parto complicado no qual faleceu seu irmão gêmeo Jesse, Elvis Aaron Presley nasceu em Tupelo, cidadezinha do estado do Mississippi, em 8 de janeiro de 1935. Mesmo vivendo no sul dos Estados Unidos racialmente segregado, o menino de família humilde não conseguia conter o seu interesse pela música negra que escutava perto de casa. Bisbilhotava, maravilhado, os cantos gospel nas congregações afro-americanas, e também importunava os vizinhos que tinham aparelhos de rádio ou vitrolas. Ganhou seu primeiro violão no aniversário de 11 anos e pôde se aprofundar em suas pesquisas quando, aos 13, mudou-se com a família para Memphis, a duas horas de Tupelo. Aquela cidade era muito diversa musicalmente e contava até com uma rádio dedicada aos sons negros, a WDIA. Em inferninhos da rua Beale, o novo morador viu craques como Ike Turner, então praticantes de uma vertente mais incisiva do rhythm and blues, o rock’n’roll. Ele gostava também de grupos gospel brancos, como o Blackwood Singers. Concebeu seu gestual performático inconfundível observando tanto os seus artistas favoritos quanto pastores pentecostais espalhafatosos. Durante o ensino médio na escola Humes, ganhou concurso de calouros cantando o clássico country “Old Shep”, mas ainda tinha que se virar em diferentes empregos, de lanterninha de cinema a operário em fábrica de armas.
Nasce a lenda
Em um dia de 1954, Elvis abordou Sam Phillips, dono da gravadora independente Sun Records, que procurava um intérprete branco
atraído pela musicalidade afro-americana. Na noite de 5 de julho daquele ano, ao lado do guitarrista Scotty Moore e do contrabaixista Bill Black, ele improvisou uma versão de “That’s All Right”, do bluesman Arthur Crudup. Duas semanas depois, a faixa aparecia no lado A de seu primeiro single, tendo o bluegrass “Blue Moon of Kentucky” no lado B. Se o rock’n’roll, naquele ponto, já estava no cardápio dos instrumentistas negros, uma importante fusão daquela novidade com outros gêneros musicais ganhava um veículo naquele jovem de pele clara que, mesmo sem compor, destacava-se pela voz esplêndida e a beleza física magnética.
Nos meses seguintes, Presley passou a se apresentar com frequência em Memphis e Nashville. Nos palcos, revelava-se um performer indomável, que zanzava de um lado ao outro, brincava com o pedestal do microfone e dançava sensualmente, em plena era do puritanismo conservador e racista sul-estadunidense. Sua reputação aumentou num ritmo semelhante ao que gravava novos compactos pela Sun, maravilhas do quilate de “Good Rockin’ Tonight” ou “Blue Moon”, cujos direitos de exploração seriam vendidos à RCA em novembro de 1955 (e posteriormente reunidas, em 1976, na magnífica coletânea The Sun Sessions).
Do paraíso aos quartéis
A transação entre gravadoras operou como um dos cartões de visita do poder do coronel Tom Parker, o agente que cuidaria implacavelmente da carreira de Presley de 1955 até a sua morte, em 1977. Pela RCA e sob a tutela de Parker, Elvis atingiu as grandes massas como um meteoro. Em janeiro de 1956, conquistou o seu primeiro número 1 nos Estados Unidos graças a “Heartbreak Hotel”, repetindo a dose outras três vezes no mesmo ano com “Don’t Be Cruel”, “Hound Dog” e “Love Me Tender”. 1956 marcou também sua estreia no formato álbum (com os números 1 Elvis Presley, de março, e Elvis, de outubro) e suas inesquecíveis aparições televisivas.
O país todo entrava em contato com aquele fenômeno cultural-comportamental e os diretores de TV, não sabendo lidar com o teor sexual das investidas espasmódicas dos quadris de Elvis, optaram por mostrá-lo apenas da cintura para cima. Para vê-lo por inteiro, só mesmo ao vivo. Ou no cinema: em novembro de 1956 estreou Ama-me
com ternura (tradução de Love Me Tender), o primeiro dos 31 filmes protagonizados por ele até 1969.
Após emplacar, em 1957, um novo quarteto de hits no topo da parada com “Too Much”, “All Shook Up”, “(Let Me Be Your) Teddy Bear” e “Jailhouse Rock”, nada parecia ser capaz de deter Elvis Presley. Até que, em dezembro daquele ano, ele recebeu uma carta convocando-o para o exército. Em pânico pela perda de sua galinha dos ovos de ouro, o coronel Parker e a RCA ainda cuidaram para que ele pudesse terminar a rodagem do longa Balada sangrenta e gravar a sua trilha sonora, além de prepararem compilações de material antigo.
Em 24 de março de 1958, dois meses e meio após o compacto “Don’t” abocanhar o nono número 1 em seu país, o soldado raso n.º 53.310.761 Elvis Aaron Presley se apresentou em Memphis, sendo designado à 2a Divisão Blindada do Exército dos EUA, em Fort Hood, no Texas. Sofreu bullying no começo, mas se adaptou e teve o seu desempenho elogiado por colegas militares. Em 1 de outubro de 1958, foi transferido a Bremerhaven, na então Alemanha Ocidental. Nos 17 meses que passou em solo germânico, a única vez em que pisou fora da América do Norte, adquiriu o hábito de tomar anfetaminas para aguentar o frio e as noites de guarda, e conheceu a sua futura companheira Priscilla.
O retorno do Rei
Quando reapareceu, em quepe e impoluto traje militar azul, na estação de trem Union, de Memphis, em 7 de março de 1960, Elvis Presley manifestou seu desejo de descansar. Faltou combinar com o monte de gente que cuidava de seus próximos compromissos, entre os quais um programa de TV, marcado para o dia 26 do mesmo mês, no qual seria homenageado por Frank Sinatra – um notório crítico da geração roqueira –, e as rodagens do filme Saudades de um pracinha, no qual ele interpreta… um soldado. O projeto que mais o atraía, porém, era o seu aguardadíssimo novo álbum de gravações inéditas. Escritas por outrem, como de praxe na carreira de Elvis, um astro não compositor.
Para o coronel Parker, tratava-se de uma oportunidade para reposicionar seu protegido como uma espécie de ícone jovem adulto,
nos moldes de Dean Martin ou do próprio Sinatra; para a RCA, significava simplesmente voltar a encher os cofres; mas, para Elvis, era a chance de provar que ele ainda estava em plena forma e dava conta de um repertório e um estilo interpretativo ecléticos, ambos forjados no isolamento europeu. Elvis Is Back!, com seu mais do que justificado ponto de exclamação ao final, refletia a proposta de seu autor para uma convivência harmoniosa entre rock’n’roll, blues, baladas, country e gospel. E aproveitava a rebarba do imaginário militar relacionado a Elvis: fotos dele em Saudades de um pracinha, incluindo dentro de um tanque, foram incluídas no encarte da primeira edição.
As fardas recém-aposentadas do sargento mais famoso do planeta mal haviam secado nos varais de Graceland quando ele chegou ao estúdio B da RCA em Nashville, no dia 20 de março de 1960. Além de seus velhos comparsas Scotty Moore na guitarra e D. J. Fontana na bateria, compareceram ao encontro secreto o grupo vocal The Jordanaires e os participantes de sua última sessão de estúdio até então, realizada em junho de 1958, quando tivera licença do exército: o pianista Floyd Cramer, o guitarrista Hank Garland, o contrabaixista Bobby Moore e o percussionista Buddy Harman, todos integrantes da nata de músicos de Nashville. O pedigree e a confiança eram altos também na sala técnica, com as presenças de Steve Sholes, o produtor que acompanhava o Rei desde seu primeiro disco, e o grande guitarrista Chet Atkins, também veterano na produção de trabalhos anteriores dele.
Duas noites históricas
Havia tensão no ar na noite inaugural, mas pouco a pouco a magia começou a fluir. Primeiro veio, depois de dezenove tomadas, a agitada “Make Me Know It”, composta pelo craque do rhythm and blues Otis Blackwell, a primeira das doze faixas do disco. Em seguida, passaram a “Soldier Boy”, a primeira do lado B, uma balada de influência doo-wop. Atenção para os backing vocals dos Jordanaires e o fraseado melódico de Scotty Moore, apurados nos quinze takes necessários para se chegar à versão definitiva.
A maratona de gravações só terminaria na manhã do dia 21 de março, com o blues roqueiro e sexualizado “It Feels So Right”, de
coautoria de Fred Wise, um dos compositores favoritos do astro, a segunda do lado B. Antes, porém, concluíram o primeiro número 1 de Presley pós-Alemanha, o rhythm and blues “Stuck on You” e seu lado B romântico, “Fame and Fortune”, editados como single só incríveis três dias depois. Gravaram, ainda, “A Mess of Blues”, de outra dupla de seu círculo de colaboradores, Doc Pomus e Mort Shuman.
A segunda e última sessão, ainda mais antológica e reforçada pela fera do sax Homer “Boots” Randolph, ocorreu duas semanas depois, em 3 de abril, e também durou a noite toda. A primeira canção finalizada foi a monumental releitura de “Fever”, outra com DNA de Otis Blackwell (ainda que assinando com o pseudônimo John Davenport), que previamente havia sido sucesso nas vozes de Little Willie John e Peggy Lee. Amparado pelo contrabaixo de Bob e os estalos de dedo de D. J. e Buddy, Elvis destilou todo o seu poder de sedução, obtendo um clássico que não perde a validade, e que acabou posicionado como segunda faixa na ordem do álbum.
A seguir, completaram o repertório do lado A, com a suingada “The Girl of My Best Friend”, de Beverly Ross e Sam Bobrick, “Dirty, Dirty Feeling”, um insinuante rock gospel do duo Jerry Leiber e Mike Stoller – os compositores-fetiche de Presley – e a balada “Thrill of Your Love”, de Stan Kesler, outro velho conhecido do cantor. Depois, atacaram mais um rhythm and blues de grande interpretação vocal, “Such a Night”, de Lincoln Chase, e o blues “Like a Baby”, de Jesse Stone, um dos vários autores afro-americanos prestigiados por Elvis.
Antes de, já ao amanhecer, liquidar a fatura com outro blues, “Reconsider Baby”, a última das doze músicas do LP, ainda houve tempo para imortalizar quatro canções. Duas entraram em Elvis Is Back!: o bonito lamento country “I Will Be Home Again”, cantado com seu amigo de armas Charlie Hodge (quarta do lado A), e “The Girl Next Door Went A’Walking”, balanço sugerido por Scotty (penúltima do lado B). As outras eram as eternas “It’s Now or Never”, versão de Wally Gould e Aaron Schroeder para a peça operística napolitana “O Sole Mio”, que Elvis aprendera a apreciar na Europa, e “Are You Lonesome Tonight?”, uma balada dos anos 1920 que ele ressuscitou às 4 da manhã, com as luzes do estúdio B apagadas, apoiado só por violão, contrabaixo e bateria.
Publicados respectivamente em julho e novembro de 1960, “It’s Now or Never” e “Are You Lonesome Tonight?” contribuíram para o histórico avassalador do cantor na parada estadunidense de compactos, que ele liderou em dezoito ocasiões. Até a edição deste texto, quase 48 anos após a morte de Presley, somente os Beatles, com vinte números 1, e Mariah Carey, com dezenove, o superam (embora haja controvérsias sobre a contagem da segunda colocada). Em ranking da Billboard de junho daquele ano, Elvis Is Back!, apareceu como a segunda bolacha mais vendida nos Estados Unidos, calando quem ainda duvidava do poder de fogo do ex-soldado Elvis Presley.
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