Alquimia dos segredos

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Da autora das sér ies Caraval e Era uma vez um coração partido

STEPHANIE GARBER

Da autora das sér ies Caraval e Era uma vez um coração partido

STEPHANIE GARBER

Copyright © 2025 Stephanie Garber

Copyright desta edição © 2025 Editora Gutenberg

Título original: Alchemy of Secrets

Todos os direitos reservados pela Editora Gutenberg. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

editora responsável

Flavia Lago

editoras assistentes

Samira Vilela

Natália Chagas Máximo

preparação de texto

Natália Chagas Máximo

revisão

Claudia Barros Vilas Gomes

projeto gráfico da capa

Rachael Lancaster / The Orion Publishing Group

ilustração da capa

Kelly Chong

adaptação da capa

Alberto Bittencourt

diagramação

Waldênia Alvarenga

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Garber, Stephanie Alquimia dos segredos / Stephanie Garber ; tradução Lavínia Fávero. -- 1. ed. -- São Paulo : Gutenberg, 2025.

Título original: Alchemy of secrets

ISBN 978-85-8235-847-4

1. Ficção de fantasia 2. Ficção norte-americana I. Título.

25-300701.0

CDD-813

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura norte-americana 813

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

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Este aqui é para o meu pai.

Você pediu que eu não te dedicasse este livro, mas dediquei mesmo assim.

Te amo, pai!

Folclore 517

Tudo começou com um cochicho ouvido na fila de algum café, uma história que deveria ter ignorado. Mas o boato ficou na sua cabeça feito uma música, atormentando você feito um enigma não solucionado. Até que, por fim, te trouxe até aqui. Um estacionamento que não se importou com a previsão do tempo, é óbvio.

Disseram que hoje a noite seria estrelada, nenhuma nuvem no céu, mas você pode sentir a chuva nos dedos dos pés. A umidade te atinge em gotículas furiosas enquanto você corre de sandálias pelo pavimento. À sua volta, a luz dos postes pisca, um coro estático para seus passos molhados. Você não perdeu o fôlego, mas diminuiu o passo e parou debaixo de uma marquise. As palavras em breve faíscam em maiúsculas letras vermelhas, projetando sombras em neon na bilheteria retrô, coberta por pôsteres desbotados, anunciando atrações que já vieram e partiram. O nome de Veronica Lake toma conta da parte de cima de um dos pôsteres, escrito em letras amarelas e desbotadas; em outro, uma Loretta Young em preto e branco sorri para você. O pôster com Loretta é de Uma noite inesquecível, e você torce para que esta seja uma dessas noites.

Não sabe ao certo se as histórias são verdadeiras ou não. Mas, quando passa pela porta e entra no saguão do cinema, meio que espera cair em um buraco sem fundo, em uma toca de coelho no melhor estilo Alice no País das Maravilhas.

Sua empolgação cobre tudo com uma camada extra de brilho. À direita, há uma fileira reluzente de telefones públicos, dentro de impecáveis cabines de madeira e vidro. Você nunca viu tantos na vida. Quase fica tentada a tirar uma foto, mas não tira. E não poderia fazer isso nem se quisesse. A esta altura, o celular não funciona mais, só que você ainda não sabe. De repente, está tão distraída pela bombonière antiga à sua esquerda, cuja poeira

tem cara de nostalgia, que mal percebe os pontos descascados na tinta dourada da faixa estilo art déco com sóis geométricos e golfinhos saltando.

Logo acima, uma placa que diz:

pipoca 10 centavos pipoca com manteiga 15 centavos cigarros 25 centavos

Você não sabia que, naquela época, vendiam cigarros no cinema. Mas, por um instante, consegue sentir o cheiro da fumaça e da pipoca. Quase consegue sentir também o gosto da manteiga. Mas não se demora no saguão. Só existe um cinema – uma atração – que deseja encontrar e vai direto até ela.

Sente um aperto no peito. O coração disparado. E você continua torcendo para encontrar a toca do coelho que vai te levar para outro mundo. Quando passa pela porta dupla, está com os óculos cor-de-rosa do otimismo, é uma foto estourada, exposta à luz em excesso.

O cheiro ainda é de fumaça e pipoca, mas também tem algo mais. Talvez seja apenas o aroma de veludo velho misturado com notas persistentes de terra molhada pela chuva, mas algo te faz pensar em sonhos cinematograficamente coloridos quando você espicha o pescoço para admirar o teto daquela sala com o pé-direito absurdamente alto. É puro ouro e marfim, coberto por mais desenhos estilo art déco, que poderiam ser primos do zodíaco.

Sob a abóbada elaborada, uma parte dos assentos já está ocupada. Vinte e cinco? Cinquenta, talvez? Você se sente nervosa demais para calcular direito e se senta mais para o fundo. A poltrona balança, o veludo gasto é macio, mas a sensação é de estar longe demais do palco.

Você resolve se aproximar e vai olhando disfarçadamente para as outras pessoas enquanto faz isso. Quer descobrir quem mais conseguiu entrar, se tem alguém conhecido. Mas, dada à escassa quantidade de pessoas que conhece na faculdade, não é nenhuma surpresa o fato de todos os rostos lhe serem estranhos. Algumas pessoas estão cochichando, outras dão uma risadinha, poucas, como você, não dizem nada, mas existe um fio que amarra todos: expectativa.

Tem que ser aqui. As cortinas do palco são de um rosa escuro e intenso e, quando se abrem, você segura a respiração.

“Cavalheiros, por gentileza, tirem o chapéu”, aparece na tela.

Em seguida, essa cartela é substituída por outra: “É proibido assoviar alto e conversar”.

O que, é claro, instiga diversos assovios. Mas, em seguida, tudo fica silencioso, quando a imagem sai da tela e uma estrela minúscula aparece no canto superior direito. Pisca uma, duas vezes. E aí todas as luzes do cinema se apagam.

Fica mais escuro do que a noite lá fora. Dá para ouvir as pessoas pegando o celular, mas nenhum funciona, incluindo o seu. Sem sinal. Sem luz. Sem relógios digitais para dizer quantos minutos estão se passando.

Você não sabe por quanto tempo está ali até ouvir a primeira pessoa ir embora. Deve ter concluído que aquela aula não é para ela, se é que é uma aula. Mais algumas pessoas fazem a mesma coisa.

Você odeia ter a tentação de fazer o mesmo.

Seus dedos dos pés não estão mais molhados, mas a pele está arrepiada de frio. Você tem a sensação de que alguém está te observando, apesar de estar escuro demais para enxergar.

Mais tempo transcorre, e você repassa as histórias que ouviu, os boatos e cochichos a respeito de uma matéria muito específica, que não consta em nenhuma lista de disciplinas on-line, dada por uma Professora-Doutora que não aparece em nenhum site. E, de repente, você pensa que é por um bom motivo. Você pensa que, talvez, devesse ir embora. Você pensa que… Uma luz pisca no palco. É só uma coisinha minúscula, mas o brilho te conquista. Você fecha os olhos, abre em seguida. E, quando é capaz de ver novamente, ela está ali.

Sentada em um banquinho de madeira, no meio do palco.

Você não sabe há quanto tempo ela está ali, mas tem a impressão de que está esperando há horas, assim como as vinte e poucas pessoas que permaneceram no lugar. É mais baixa do que imaginava. As pessoas falam dela de um jeito que sempre a fez parecer alta, escultural, alguém que, literalmente, atrai todos os olhares. Mas ela parece uma avó. O cabelo chanel grisalho emoldura um rosto redondo, que sorri discretamente, enquanto diz as palavras que farão você ficar com a sensação de que todo aquele frio, toda aquela umidade e aquela espera valeram a pena.

– Vocês estão aqui por causa de uma história – diz. – E agora vou contar outra.

Capítulo um

Holland St. James estava contando as horas para aquela noite chegar. Experimentou sete vestidos e cinco pares de sapatos, cacheou os cabelos e até fez uma maquiagem nova nos olhos. E, agora, estava prestes a pôr tudo a perder.

– Achei que a gente ia tomar sorvete – comentou Jake, sendo absolutamente legal. Porque ele devia ser o cara mais legal com quem Holland já saiu na vida.

Quando Jake entrou no Coffee Lab de Santa Mônica pela primeira vez, há umas duas semanas, Holland achou que ele era a coisa mais fofa do mundo. Estava mais para Clark Kent do que para Super-Homem e usava óculos com armação escura que sempre foram seu ponto fraco, uma verdadeira criptonita pessoal. E aí Jake esbarrou nela, derramando parte do café gelado, e Holland notou os livros que o garoto estava segurando.

Jake fazia pós-graduação, se preparava para ser professor de Inglês como língua estrangeira.

Na primeira vez que os dois saíram, Holland também descobriu que Jake era voluntário no abrigo de animais de Los Angeles e no Mercado de Viagem do Tempo de Echo Park – que, na verdade, é uma ONG que ajuda crianças a escreverem de forma criativa. Na segunda vez que saíram, ela descobriu que o rapaz tinha se tornado vegetariano recentemente e andava de bicicleta, não de carro, porque queria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance pelo meio ambiente.

Jake era um cara bonzinho, de verdade.

Talvez, lá no fundo, Holland achasse que ele era um pouco perfeito demais, tipo um e-mail sem nenhum erro de digitação ou uma foto tratada que precisa de uma ruguinha. Mas isso poderia ser apenas Holland procurando sinais de alerta onde não tem.

Aquela era a terceira vez que saíam juntos, apenas, mas fazia dois anos que Holland não conseguia sair com alguém pela quarta vez. Não queria mesmo pôr tudo a perder. E estava com medo de já ter feito isso poucos minutos atrás, quando não conseguiu se segurar e arrastou Jake por aquele beco imundo, depois de ver um pôster que a fez pensar em uma das histórias contadas pela Professora-Doutora.

O pôster estava colado na lateral de um muro de cimento. Era dos antigos, do tipo que deveria ser um cartão-postal de madeira, daqueles que vendem no píer de Santa Mônica. Palmeiras em tons de marrom e verde desbotados pelo sol emolduravam a silhueta cor de carvão de um homem de chapéu fedora, olhando para o relógio. Sem nenhum logotipo, nenhum nome de marca. Na verdade, não tinha palavra nenhuma para identificar o que exatamente o pôster anunciava. Apenas duas letras nas abotoaduras do homem sem rosto: HH.

Homem das Horas.

Foi a primeira coisa que lhe veio à mente. E aí Holland arrastou Jake beco afora. Ela não conseguiu se conter.

Holland foi criada à base das caças ao tesouro que o pai fazia. Quando criança, ela aprendeu a procurar pistas do mesmo modo que outras crianças aprendem a brincar com blocos de encaixar ou uma com as outras. Talvez fosse por isso que sempre sentiu que não se encaixava em lugar nenhum, até encontrar as aulas de Folclore da Professora-Doutora. As histórias que ela contava faziam com que Holland tivesse a sensação de estar em uma das caças de seu pai.

Na verdade, ela não esperava encontrar nada naquela noite. Tudo em Los Angeles sempre a fazia lembrar-se das histórias da Professora-Doutora, e Holland sempre se sentia compelida a sair à caça dessas histórias. Era uma corrida perpétua por becos que jurava jamais ter visto até então, só para dar de cara com um bar, café ou livraria onde, na verdade, ela já tinha entrado. Mas não naquela noite. Naquela noite, Holland tinha certeza de que nunca havia entrado naquele beco. Teria se lembrado da placa.

Raridades & Relojoaria

Entre para ser atendido

As palavras estavam penduradas por um gancho de cobre que brilhava em contraste com a porta. Holland queria acreditar que a porta era antiga, mas poderia apenas estar suja. Foi só olhar para Jake para perceber que o rapaz estava pensando “suja”. Provavelmente, também repensava a decisão

de sair com Holland. A jovem queria que Jake mudasse de ideia. Também queria muito entrar por aquela porta e convencê-lo a acompanhá-la.

– Você gosta de mitos e lendas urbanas? – perguntou Holland.

– Gosto… na verdade, eu adoro. – Jake lhe deu um sorriso que estava muito mais para Super-Homem do que para Clark Kent. Holland sentiu uma faísca de esperança, achando que poderia ter retornado ao rumo certo.

E apesar disso... ficou em dúvida.

A Professora-Doutora tinha uma regra: os alunos não podiam compartilhar suas histórias com pessoas de fora da turma. Ninguém quebrava essa regra. A matéria exigia tanto esforço que os alunos não podiam simplesmente recontar essas histórias de graça, além disso, a Professora-Doutora sempre os advertia de que fazer isso poderia ter sérias consequências. Só que Holland não era mais aluna da turma de Folclore 517, e era apenas uma história. Mas…

– Antes que eu diga mais uma palavra – ela falou, baixinho –, preciso que jure pela vida do seu cachorro, da sua bicicleta ou daquela planta que você tem se esforçado tanto para que não morra, que não vai contar para ninguém o que estou prestes a dizer.

Jake sorriu ainda mais.

– Eu juro. – Então, ele se inclinou e deu um beijinho de leve nos lábios de Holland, como se quisesse selar a promessa. – É um segredo de família, então?

Holland ficou petrificada.

Forçou-se a lembrar de que Jake tinha uma família grande, que vivia ligando e contando até os detalhes mais corriqueiros do dia. Falar de família era uma coisa normal para ele. Não estava tentando pescar nenhuma informação.

Mesmo assim, a jovem demorou vários segundos para sorrir e torceu para que esse sorriso passasse a impressão de que estava brincando.

– Não é um segredo de família, mas é uma coisa sobre a qual eu não deveria falar. Quando estava na graduação, fiz essa disciplina chamada Folclore 517: mitos locais e lendas urbanas. O curso em si é meio que um mito local. Não dá para se matricular. Não consta em nenhum site. A gente tem que descobrir na base do boca a boca. E aí, no fim do semestre, se a gente passa, aparece no nosso histórico de disciplinas.

Jake fez uma expressão de quem estava por dentro.

– Então é tipo uma disciplina versão sociedade secreta?

Holland assentiu, nervosa, ou talvez estivesse empolgada. Não dava para dizer que contar aquele segredinho faria mal a alguém.

– Toda semana, a Professora-Doutora falava sobre algum mito local ou de alguma lenda urbana diferente, e a gente precisava jurar que não contaria para ninguém. Uma das lendas que ela contou era sobre uma pessoa conhecida como Homem das Horas. Supostamente, tem sinais e placas que levam até ele espalhados por Los Angeles. Se seguir as placas e os sinais e conseguir encontrá-lo, pode perguntar qual é a hora, e o Homem das Horas vai te responder quando você irá morrer.

A expressão de Jake mudou, uma minúscula ruga de preocupação se formou entre as sobrancelhas.

– Não é tão mórbido quanto parece – Holland foi logo dizendo. – A Professora-Doutora também disse que a gente pode fazer um trato com ele para conseguir mais tempo, viver mais do que estava previsto.

– E você acredita mesmo nisso? – perguntou Jake.

Tinha um certo tom em sua voz que Holland não conseguiu identificar direito. Mas, de repente, ela ficou com receio de ter sido otimista demais em relação ao interesse que o rapaz tinha por lendas urbanas. Jake era um cara normal que, provavelmente, estava acostumado a ter encontros normais. E, muito provavelmente, queria uma garota mais normal.

Claro que não.

Só acho divertido.

Não… nem um pouco.

Qualquer uma dessas alternativas teria sido uma excelente resposta para a pergunta feita por Jake: eram todas coisas que uma pessoa normal diria.

– Só entra comigo – desconversou Holland.

– Claro – respondeu Jake. E, como ele era um cara legal, espichou o braço e abriu a porta com a placa Raridades & Relojoaria para ela entrar.

Tudo o que havia do outro lado era dourado e de vidro leitoso. Uma fileira perfeita de lustres de vidro leitoso pendurados em fios dourados iluminava um chão perfeito de ladrilhos de vidro leitoso redondos com vários ladrilhos dourados cintilantes que formavam a palavra “tique-taque”.

Não tinha nenhuma pegada, nenhuma mancha, só as palavras reluzentes, que piscavam sob os lustres de vidro, tipo a movimentação do ponteiro dos segundos.

A sensação era quase de mágica. Não uma magia grande e milagrosa, mas uma magia simples, das coisas atemporais. De cédulas de dois dólares e cartas escritas à mão, máquinas de escrever e telefones de discar.

Holland poderia ter dito isso em voz alta. Mas Jake estava com uma expressão de quem não sabia ao certo o que pensar daquele espaço insólito no fundo de um beco estranho. Não era bem isso que tinha em mente

quando sugeriu que os dois fossem tomar sorvete. Queria um encontro que ficasse bonito em um post do Instagram, não um que acabaria na thread de encontros infernais do Reddit.

Holland, de fato, tinha interpretado mal a situação, mas agora não podia mais voltar atrás. Tinha a sensação de que não teria outra oportunidade como aquela de encontrar, na vida real, um dos mitos citados pela Professora-Doutora.

Havia duas portas diante deles, e ambas também eram de vidro leitoso, branco lustroso, com maçanetas douradas e placas simples e retangulares no meio. Uma dizia “Raridades”. A outra dizia “Relojoaria”.

Holland pôs a mão na porta com a placa “Relojoaria”, torcendo para que fosse a do Homem das Horas. Se era para estragar aquele encontro, que fosse por um bom motivo.

A maçaneta nem se mexeu.

Ela insistiu.

– Acho que está trancada.

Jake espichou o braço por cima do ombro de Holland e bateu. Duas batidas altas, com a mão cerrada.

– Posso ajudar? – A voz escapou pela outra porta. A que tinha a placa escrita “Raridades”.

Agora, na porta escancarada, havia uma moça parada. De cabelo platinado, curtinho, pequena argola no nariz, vestido branco e justo, no mesmo tom do vidro leitoso. À primeira vista, parecia jovem, mas algo no seu jeito de ficar parada ali, só observando, fez Holland pensar que a aparência dela poderia enganar.

Holland tentou ver o que tinha atrás da moça, ter um vislumbre do interior de Raridades, mas só enxergou mais luz branca.

A moça tamborilou, impaciente, os dedos de unhas quadradas no batente.

– Estamos procurando pelo Homem das Horas – respondeu Holland.

– Lamento. Não posso ajudar. – A moça deu um passo para trás imediatamente e já começou a fechar a porta.

– Só quero perguntar para ele qual é a hora – disparou Holland.

A moça ficou petrificada.

– Tem certeza, querida? – E acompanhou a pergunta com um olhar que dava a entender que seria prudente Holland ir embora naquele exato momento, levando aquele rapaz bonitinho junto com ela.

– Ela tem certeza – respondeu Jake. – Também quero saber qual é a hora.

– Sério? – perguntou Holland. Jake passou o braço no ombro dela, sua pele calorosa contra a dela.

– Se você vai fazer isso, eu também estou dentro.

Holland sentiu vontade de perguntar o que havia feito Jake mudar de ideia. Mas, de repente, ficou nervosa, de tanta empolgação.

A moça de branco resmungou alguma coisa entredentes. Algo parecido com a palavra “bestas”. Em seguida, fechou a porta e sumiu.

O tempo passou mais devagar dentro do corredor de vidro leitoso enquanto Holland a esperava voltar. O braço de Jake foi ficando mais quente em contato com seu ombro. Desta vez, ela é que ficou se sentindo constrangida, torcendo para que a moça realmente voltasse.

Finalmente, a porta “Raridades” reabriu. A moça surgiu, estendendo canetas e pedaços de papel com carbono grudado atrás. Apertou os lábios e falou:

– Se vocês dois têm certeza disso, escrevam seu nome no papel, com todas as informações solicitadas, que o Homem das Horas entrará em contato.

Capítulo dois

Amanhã seguinte chegou devagar, relutando a fazer um trabalho do qual já havia se cansado.

Holland acordou e encontrou um silêncio denso. Nada de passarinhos cantando, nada de carros em alta velocidade pela rua, nada de tábuas do chão rangendo quando sua casa despertou, espreguiçando-se. Por um segundo, a jovem poderia jurar que nem o próprio coração batia.

Sua cabeça girava quando ela, enfim, se sentou na cama. De uma hora para outra, sentiu-se vagamente enjoada. Não era ressaca, pelo menos achava que não.

Tentou se lembrar do que havia feito na noite anterior. Mas, por um instante, não conseguia nem sequer recordar que dia era. Tinha a sensação de ser um pedaço de papel levemente grudado na página anterior.

Holland se espichou para dar uma olhada no celular, meio grogue.

Era quinta-feira.

O dia anterior tinha sido quarta.

O terceiro encontro com Jake.

Os detalhes foram voltando em um lento desfile de fotos granuladas e esbranquiçadas, que a fez pensar em vídeos caseiros antigos. Recordou-se do beco… do vidro leitoso… do braço de Jake em volta do seu ombro… das folhas de papel-carbono… da magia simples das coisas atemporais… do Homem das Horas…

Tudo lhe pareceu tão eletrizante na ocasião.

Mas agora, ao repassar os acontecimentos, ela tinha a sensação de que a noite fora tediosa, de um jeito estranho, e estava distante.

Depois que saíram do beco, Holland e Jake tomaram um sorvete de manteiga de amendoim com bacon, e o rapaz a beijou, no carro dela. Ficaram se beijando por um tempo. Mas, talvez, Jake tivesse outra opinião

a respeito do beijo, diferente da opinião de Holland, porque era a primeira manhã desde que o conhecia em que acordava e não encontrava uma mensagem dele.

Não era tão tarde assim. Ainda dava para ele mandar um Bom dia. O celular apitou, bem nessa hora.

Mas a mensagem não era de Jake.

2:00 Reunião com Adam Bishop

Holland largou o celular na cama.

Adam Bishop era um novo integrante do corpo docente que chegara recentemente, vindo do programa de Folclore da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Holland ainda não o conhecera pessoalmente, mas tinha escutado outros alunos da pós falando sobre ele. Pelo jeito, todo mundo gostava do sujeito.

O e-mail que Adam havia lhe enviado na segunda-feira foi breve, exigindo sua presença naquela tarde. Quando a jovem respondeu e perguntou o motivo, o professor foi enigmático, dizendo que seria mais fácil explicar pessoalmente.

Ela imaginou que Adam Bishop talvez estivesse procurando por um monitor e que a Professora-Doutora tivesse indicado seu nome. Holland podia até estar atrasada para terminar de escrever a dissertação, mas era excelente nisso. Fora assistente da Professora-Doutora por dois anos: um durante a graduação, outro na pós – e todo mundo sabia que isso exigia muita paciência, além de diversas habilidades que, normalmente, não podiam ser encontradas por escrito, em um currículo. Na verdade, ela sentia saudade daquele emprego. Mas agora tinha outro emprego. Um emprego fantástico.

Toda sexta-feira à noite, Holland exibia filmes clássicos no mezanino do Coffee Lab de Santa Mônica, depois fazia um debate a respeito. Era como dar aula sem precisar dar nota, e todo mundo podia beber.

Ela adorava.

Adorava o Coffee Lab. E adorava as pessoas que apareciam por lá toda semana. Mas, mais do que tudo, adorava os filmes antigos.

Holland adorava filmes desde que tinha 4 anos, e o pai apresentou O mágico de Oz para ela e para sua irmã gêmea. Quando terminaram de assistir ao filme, a irmã saiu voando em uma vassoura, e Holland pediu um par de sapatinhos de rubi.

O pai disse:

– Achei mesmo que ia dizer isso, Hollybells. – E aí contou que os sapatinhos já estavam aguardando por ela em algum lugar da casa. Holland só precisava encontrá-los.

Foi sua primeira caça ao tesouro.

O pai sempre associava as caças ao tesouro a algum filme. Apresentar filmes antigos no Coffee Lab agora fazia Holland se sentir mais próxima ao pai. No momento, estava apresentando uma série de filmes noir e adorava a história por trás daqueles filmes. Adorava o fato de esses filmes a fazerem acreditar que havia um canto escondido do mundo em preto e branco, onde havia um escritório de detetive particular atrás do outro na rua, e não espeluncas de fast food. E, pelo menos uma vez por semana, uma femme fatale com aquele penteado típico dos anos 1940 – cabelos longos, ondulados nas pontas, com uma mecha em onda tapando um dos olhos – entrava pela porta e fazia a vida de alguém tomar um rumo sombrio e cheio de reviravoltas.

Se Adam Bishop quisesse contratá-la como monitora, Holland achava que não estava interessada. Mas, ainda assim, ficou curiosa. Sempre ficava curiosa. Levantou-se e depois foi dar uma corrida, tentando imaginar o que mais Adam Bishop poderia querer dela. Mas, à medida que a corrida foi se transformando em caminhada e a manhã foi sumindo, dando lugar à tarde, seus pensamentos não paravam de voltar para Jake.

Que ainda não tinha mandado mensagem.

Holland queria se arrepender de tê-lo arrastado por aquele beco. Queria pensar que tudo teria sido diferente e que teria acordado e encontrado uma mensagem de bom-dia se os dois tivessem, apenas, ido tomar sorvete, e ela não tivesse posto tudo a perder indo atrás de uma lenda urbana relacionada à morte.

Mas o que Holland realmente queria era que Jake gostasse dela apesar – ou talvez até por causa – da lenda. A ironia é que o Homem das Horas nem sequer era uma de suas lendas urbanas preferidas. A jovem não fazia a menor questão de saber quando iria morrer, só queria saber se a lenda era verdadeira ou não.

E agora estava quase na hora da reunião. Holland deu uma última olhada no celular.

Nada.

Sabia que isso não significava que tudo tinha chegado ao fim. Mas, naquele momento, a sensação era de que não chegaria a lugar nenhum. Holland até pensou em mandar uma mensagem para Jake, mas tinha sido ela a última a enviar mensagem, na noite anterior, quando chegou em casa.

Bem que a January podia estar ali.

Holland sabia que a irmã gêmea diria algo do tipo: “Pode esquecer qualquer cara que não te quiser”. Só que, em vez de “cara”, empregaria um palavrão começando com a letra “c”.

As irmãs até podiam ser idênticas na aparência. Mas, em todos os outros aspectos, não poderiam ser mais diferentes. E, apesar disso, January era a melhor amiga de Holland. A única pessoa para quem ela contava tudo. Holland desceu correndo a escada de casa para ir à reunião. Como tantas outras coisas que adorava, a casa era antiga, construída nos anos 1940, com muita madeira de verdade, paredes brancas e um monte de janelas que deixavam a claridade entrar. Lá pela metade dos degraus, ligou para a irmã.

Normalmente, Holland e January se falavam todos os dias. Mas, desde o começo de outubro, a gêmea andava mais ocupada do que o normal, por causa do trabalho. Nas últimas três semanas, só mandava uma ou outra mensagem ou foto da Espanha.

Logo depois de terminar a faculdade, January conseguiu um emprego de caçadora de livros raros para colecionadores. As pessoas estão dispostas a pagar quantias exorbitantes para ter algo que ninguém mais tem, e o trabalho dela era localizar esses itens. Era o trabalho perfeito para ela, de verdade. A jovem sempre quis viajar pelo mundo e, como Holland, fora criada à base de caças ao tesouro do pai. Mas, sempre que January viajava, Holland ficava com saudade da irmã.

O telefone de January tocou uma vez e caiu na caixa postal.

– Olá. Você ligou para January St. James. Estou fora do país no momento…

A gravação foi interrompida, porque a gêmea atendeu.

– Oi… – Ela parecia ofegante, mas bem acordada.

– Te liguei numa hora ruim? – perguntou Holland.

– Não, mas só tenho um segundo. – O trânsito fazia barulho ao fundo, dando a impressão de que estava mais para o meio-dia do que para a meia-noite.

– O que você está fazendo?

– Coisas chatas do trabalho. Acabei de sair de uma reunião com um cliente que realmente gosta de ouvir o som da própria voz. – January sempre tentava passar a impressão de que o trabalho era muito menos interessante do que de fato era, para Holland não ficar com inveja, provavelmente. Mas, naquela noite, January parecia mesmo estar um pouco exausta. – Saudade de você, menina.

January nunca falava “Saudade de você”.

– Eu também – disse Holland. – Minha casa anda limpa demais, já que você não tem aparecido por aqui. Quando vai terminar essa viagem?

– Depois do que deveria… – Fez-se silêncio por um segundo. Por alguns instantes, Holland pensou que a irmã poderia ter desligado, mas aí ela falou: – Eu queria estar aí com você… – O tom foi tão delicado, nem parecia January.

– Está tudo bem? – perguntou Holland. – Você está meio melosa.

Normalmente, Holland era a mais melosa das duas.

– Só estou cansada – respondeu January. E deveria estar mesmo, porque nem soltou uma risada debochada por ter sido chamada de “melosa”. –Está tarde aqui, e eu gostaria de poder falar mais, mas preciso correr. Eu…

A campainha de Holland tocou, abafando as últimas palavras de January.

E aí a irmã sumiu.

Holland olhou pela janela que ficava ao lado da porta. Ninguém nunca tocava a campainha, a não ser as pessoas que apareciam de vez em quando para vender dedetização ou painéis solares. Mas aquele cavalheiro não dava a impressão de que queria vender alguma coisa.

Dava para notar algumas mechas de cabelo grisalho saindo do chapéu e rugas nas bochechas douradas. Usava uma camisa branca, calça cáqui e suspensórios cintilantes, com estampa xadrez em vermelho e branco, que faziam tudo o mais parecer sem graça naquela rua tranquila onde Holland morava.

A jovem não podia desperdiçar nem um minuto se quisesse chegar pontualmente à reunião. Mas, quando olhou pela janela, foi tomada por uma sensação de déjà vu. “Já vi esse homem antes”, pensou. Só não conseguia identificar onde.

Podia ser o fato de os suspensórios a fazerem se lembrar de uma foto antiga do avô, que morreu antes de ela nascer.

Seja lá o que fosse, bastou para fazê-la abrir a porta.

– Olá, Holland. – O cavalheiro sorriu, um sorriso espontâneo que a fez pensar em bala embrulhada em papel cintilante e histórias para dormir exageradas.

– Por acaso lhe conheço? – perguntou ela.

– Receio que não. – O sorriso do homem permaneceu, mas os olhos castanhos perderam um pouco do brilho quando estendeu um pacote embrulhado com papel pardo e barbante.

– O que é isso?

– Encontrei na sua porta.

Holland olhou de novo para o pacote. Não tinha endereço do remetente, só um carimbo laranja no canto, escrito “Feliz Halloween”, e seu nome completo, Holland St. James, datilografado no meio, com letras borradas, em estilo antigo.

Devia ser da Professora-Doutora. Ela adorava mandar pacotes e, é claro, nunca colocava o próprio nome no endereço do remetente porque gostava que os pacotes fossem misteriosos.

A palma das mãos de Holland formigou quando segurou a caixa embrulhada em papel pardo. Estava curiosa para ver o que a ProfessoraDoutora havia lhe enviado desta vez. Normalmente, eram livros esotéricos ou manuscritos a respeito do demônio, coisas que, na sua opinião, poderiam ser úteis para a dissertação de Holland.

Infelizmente, a jovem não tinha tempo de abrir nada naquele exato momento. Colocou o pacote no chão do corredor.

– Obrigada por me entregar – disse para o homem. – Mas receio ter que…

– Sei que não tem muito tempo, mas é só um minutinho – prometeu ele, entregando um cartão de visitas cor de creme com letras cintilantes verde-esmeralda.

MANUEL VARGAS

Bancário Sênior e Especialista em Sucessões

Banco Oficial de Cidade Centenária

E, na sequência, tinha um número de telefone.

O verso do cartão continha um mapa com a localização do banco marcada com uma estrela e, embaixo, as palavras “Apenas com hora marcada”.

– Nunca ouvi falar desse banco – disse Holland.

A Professora-Doutora tinha contado uma história na aula a respeito de um banco que também atendia “só com hora marcada”. Mas essa era a única história da qual Holland nunca conseguia se lembrar e, por algum motivo, em vez de ficar empolgada com a ideia de que aquele homem pudesse ser daquele banco, a jovem foi tomada por um ceticismo incomum.

Cidade Centenária, onde o banco daquele homem supostamente ficava, nem sequer era uma cidade de fato. Holland nunca havia estado lá, mas sabia que era um bairro muito antigo e muito rico, dentro de Los Angeles, que consistia em um exclusivo condomínio fechado e um parque enorme, onde pessoas ricas faziam coisas de pessoas ricas, tipo jogar polo. Ouvira dizer que, muito tempo atrás, Cidade Centenária abrigava um

hotel-butique, mas os moradores do bairro tinham usado sua riqueza e força de vontade coletivas para obrigá-lo a fechar as portas.

– A senhorita não recebeu minhas cartas? – perguntou o homem. Holland arqueou as sobrancelhas.

– Nunca recebi nada deste banco.

– Sinto muito. Devem ter se perdido. Mil perdões. Pensei que a senhorita estava simplesmente as ignorando e foi por isso que resolvi passar aqui hoje, numa espécie de última tentativa. – O sr. Vargas tirou o chapéu, com ar pesaroso, deixando à mostra um pouco mais do cabelo branco e volumoso. – Quinze anos atrás, um de meus clientes alugou um cofre. Pouco depois, essa pessoa faleceu. Como o cofre já havia sido alugado e pago, permaneceu intocado desde então. Mas agora o contrato está prestes a se encerrar. – O sr. Vargas parou de falar e olhou para o relógio. – O contrato se encerra dentro de 24 horas. Se ninguém reclamar o cofre antes disso, nos termos do contrato assinado com o proprietário original, o cofre será incinerado, bem como todo o seu conteúdo.

– E deixe-me adivinhar – disse Holland –, você vai me dizer que posso reclamar este cofre misterioso?

O sr. Vargas assentiu, com ar grave, e secou o suor da testa.

– É uma excelente história, sabe? – E era mesmo. Exatamente o tipo de mistério ao qual Holland, normalmente, teria dificuldade de resistir. Mas, de repente, ela se deu conta do porquê estava tomada por aquele ceticismo.

Parecia uma coincidência dos diabos o fato de ter fornecido seus dados para uma pessoa estranha na noite passada, depois de ter saído à caça de uma das lendas urbanas contadas pela Professora-Doutora, e aí, no dia seguinte, outra lenda urbana aparecer à sua porta.

Talvez tenha sido por isso que a moça da noite anterior resmungou “bestas”. Não porque Holland e Jake fossem bobos por brincar com lendas e magia de verdade, mas porque o fato de acreditar nesse tipo de coisa fez os dois serem burros ao ponto de fornecer dados pessoais.

– Eu adoraria acreditar no senhor – prosseguiu Holland. – Mas tudo isso meio que me dá impressão de ser uma versão ao vivo daqueles e-mails do príncipe nigeriano, em que alguém me diz que tenho um tio há muito perdido, com uma fortuna bloqueada, e que, para receber essa fortuna, só preciso mandar o número do meu CPF, a senha da minha conta bancária e cinco litros de sangue.

O sr. Vargas franziu o cenho.

– Não sou golpista.

– Foi o senhor que disse “golpista”, não eu. – Holland fez que ia fechar a porta.

O sr. Vargas se agarrou à beirada da porta com uma velocidade surpreendente.

– É prudente desconfiar. Mas a senhorita sabe tão bem quanto eu quem você e sua irmã perderam de fato há quase quinze anos.

Pela segunda vez naquele dia, Holland poderia jurar que o próprio coração parou de bater.

Este homem é uma fraude.

Um golpista.

Ele é um mentiroso.

Holland tentou se convencer.

A maioria de seus amigos sabia que ela tinha uma irmã. E muita gente morreu quinze anos atrás. O tal sr. Vargas poderia simplesmente ter escolhido esse número de anos para fazer um drama. Não significava que de fato sabia quem Holland havia perdido.

A jovem quase conseguia ouvir a voz da gêmea falando bem séria para ela jogar o cartão fora e deixar queimar o que quer que estivesse dentro daquele cofre – se é que existia mesmo um cofre. “Deixe os mortos quietos, em seu devido lugar”, diria January.

O problema é que Holland nunca achou que o devido lugar dos pais fosse entre os mortos. Talvez aquele homem fosse um mentiroso, um golpista e uma fraude. Mas Holland não pôde deixar de perguntar:

– Se eu fosse até o banco onde você trabalha, o que seria necessário para conseguir abrir este cofre?

– Só precisarão identificar a senhorita. Contudo… – O sr. Vargas ficou alguns instantes em silêncio e falou mais baixo: – Se realmente marcar uma hora, por obséquio, faça-me um favor. Não conte para mais ninguém. Ainda que não ligue para este número, é melhor não comentar com ninguém a respeito da minha visita nem desse cofre.

O Banco Oficial de Cidade Centenária não tinha site. E Holland tampouco conseguiu encontrar o endereço de e-mail do sr. Vargas.

A jovem ficou andando de um lado para o outro na entrada de casa, sabendo que precisava sair para ir encontrar Adam Bishop, mas estava distraída demais para dirigir.

Normalmente, era super a favor de seguir pistas, mas aquilo, com certeza, tinha cara de golpe. Por que outro motivo aquele tal de sr. Vargas

pediria para não comentar com ninguém a respeito da visita? E, se fosse verdade, ele só precisaria ter dito o sobrenome verdadeiro de Holland, o nome do pai ou da mãe, em vez de aludir a uma morte misteriosa.

Ela nunca dizia o nome dos pais em voz alta. Para todo mundo de Los Angeles que a conhecia, seu nome era Holland St. James. O verdadeiro sobrenome era seu segredo mais bem guardado.

Quando os pais morreram, há quase quinze anos, a tia e o tio sugeriram que ela trocasse de sobrenome. Todos sabiam quem eram os pais dela. A morte deles foi o tipo de história sensacionalista que as pessoas comentam até hoje. Se alguém descobrisse quem eram os pais de Holland e de January, só pensariam nisto quando as conhecessem – em como haviam morrido e o que a morte deles deveria ter causado àquelas garotas. As irmãs nunca teriam a própria identidade. Seriam apenas histórias para os outros ficarem repetindo ou assunto para reportagens especiais.

Holland pensou de novo na noite anterior, o quanto foi tola a ponto de passar o nome e o número do celular para a moça do beco. Talvez ela fosse uma ex-aluna da Professora-Doutora e, depois de ouvir a lenda do Homem das Horas, teve a ideia de montar um golpe e vender dados pessoais para pessoas que lucram com isso. Faz sentido universitários que acreditam em mitos e lendas acreditarem também em desconhecidos que aparecem na porta de casa dizendo que alguém lhes deixou um cofre misterioso de herança.

A jovem não queria ser ingênua. Se o pai ou a mãe tivessem lhe deixado alguma coisa de herança, ela teria descoberto isso antes daquele dia. Não iria ligar para o sr. Vargas, mesmo que ficasse tentada a fazer isso. Holland se conhecia muito bem. Quando caía em uma toca de coelho, não conseguia se conter antes de chegar ao fundo do poço. Sempre teve menos medo de cair do que de não conseguir descobrir a verdade.

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