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Espaço ERPIS

“As sequelas desta imobilização são, assim, muitas vezes irreversíveis, tal como algumas das sequelas pelo Covid-19, nomeadamente as pulmonares e as cardíacas.”

um indivíduo. Envolve também o bem estar dos cuidadores que pelas mesmas razões cada vez mais são necessários porém, infelizmente, começam a escassear para tanta necessidade. O bem-estar destes últimos reflete-se no cuidar do doente com doença crónica.

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Em 2010 a European Association for Palliative Care (EAPC) acrescentou a esta definição a necessidade de envolver a comunidade no cuidar chamando a atenção de que estes cuidados devem ocorrer em vários contextos, isto é, não só no domicilio, mas também em instituições.

Perante a evolução de uma doença cuja cura é cada vez mais longínqua ou mesmo inatingível, o sofrimento humano e a sua fragilidade podem assumir contornos maléficos para a saúde, quer no doente, quer na sua rede social que só podem ser mitigados com a ajuda de uma equipa multidisciplinar, com formação específica. Esta formação exige a aquisição de competências não só na área clínica, mas também no campo relacional, em que a humanização é essencial. Só assim é que os efeitos deletérios de qualquer doença ou ação podem ser minimizados.

Abrem-se por isso, importantes desafios aos serviços de saúde e sociais, nomeadamente nos cuidados de saúde primários e cuidados paliativos que, devido à pandemia por Covid-19 se tornaram numa constante adaptação à medida que os conhecimentos sobre a situação vão surgindo. Assim três novos desafios foram acrescentados aos já existentes: mundo desconhecido, insegurança e necessidade de uma constante adaptação, para além do medo que é transversal a todo este processo.

O doente com uma doença crónica incurável é um doente fragilizado, na maior parte das vezes idoso ou grande idoso, mais suscetível que outros a ser infetado com Covid-19, complicando a sua já precária situação. É um doente de risco, não só pela sua fragilidade física, mas também psíquica e social, agora agravada com a pandemia que o obriga a um isolamento social, e a menor mobilidade. Esta situação provoca angústia e medo, não só ao doente, mas também aos familiares cuidadores, causando insegu-

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rança e mal-estar que deve ser objeto de atenção das equipas de cuidados de saúde primária e de cuidados paliativos.

Com as sucessivas surpresas que desde há cerca de um ano esta pandemia nos traz e com a limitação de respostas que os serviços de saúde podem ter, face ao surto epidémico/pandémico em que os doentes permanecem por longos períodos quer nos cuidados intensivos (ligados a ventilado- “(...) sabe-se que a maior res) quer em internamentos nas enfermarias, bem percentagem de doentes como a rápida acumulação de doentes nos hospi- internados nos cuidados tais, os cuidados de saúde primários começaram a intensivos por Covid-19 ser a alternativa/ complementaridade dos hospitais ou que morrem com este mantendo tanto quanto o possível os doentes Co- diagnóstico são idosos vid-19 no seu domicílio, em prejuízo da assistência portadores de várias ao doente crónico que assim se viu negligenciado e morbilidades.” angustiado, por, em caso de necessidade por outra razão que não o Covid-19, não saber exatamente a quem recorrer.

Por outro lado, sabe-se que a maior percentagem de doentes internados nos cuidados intensivos por Covid-19 ou que morrem com este diagnóstico são idosos portadores de várias morbilidades. A imobilidade a que os doentes estão sujeitos e por tão longa duração podem causar um síndrome geriátrico conhecido como o síndrome de imobilidade que frequentemente conduz a outras doenças crónico-degenerativas e até à institucionalização do doente. As sequelas desta imobilização são, assim, muitas vezes irreversíveis, tal como algumas das sequelas pelo Covid-19, nomeadamente as pulmonares e as cardíacas. Estes doentes deverão assim, ser acompanhados por uma equipa multidisciplinar de cuidados paliativos cujo desafio passa agora também por uma formação relacionada com o Covid-19 e com a Síndrome pós Covid-19, hoje já reconhecido como existente.

O internamento por Covid-19 é por si só, um acontecimento difícil de superar, que interrompe o quotidiano do doente, tendo este consciência (se estiver cognitivamente bem) da gravidade da doen-

Comunidades compassivas: um novo olhar sobre a dimensão social da pessoa com doença grave

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Carla Costa1, Manuela Bertão2

1Assistente social no Centro Hospitalar Universitário do Porto, Mestre em Gestão de Serviços, Formada em Supervisão em Serviço Social, Estratégias de Comunicação na Doença Avançada, Comunicação Positiva. 2Assistente hospitalar de Medicina Interna e com formação avançada em Cuidados Paliativos, Centro Hospitalar Universitário do Porto, Equipa Intrahospitalar de Suporte de Cuidados Paliativos. Membro fundador do Grupo de Estudos e Reflexão em Medicina Narrativa (GERMEN).

Nenhuma pessoa é uma ilha, isolada em si mesma; toda a pessoa é um pedaço do continente, uma parte da terra firme.

John Donne

Cuidar a pessoa de forma integral

A complexidade do mundo atual é transversal a todas as camadas da sociedade pósmoderna. O nosso tempo é a era do vazio de Gilles Lipovetsky, fecunda de narcisismo coletivo. Contudo, há movimentos dentro da Saúde que se opõem a estes valores. A visão unidimensional e biomédica da Medicina está a tornar-se progressivamente caduca e anacrónica. A arte de cuidar nos dias de hoje completa-se num cuidado integral e total da pessoa adoecida. A pessoa não é mais objeto da sua doença; a pessoa é o sujeito da sua doença na relação com o seu corpo, as suas emoções, a sua família, o seu papel na sua comunidade e o sentido que ela mesma tece e transforma ao longo do seu caminho. Quando Cicely Saunders afirmou que Todo o sofrimento é intolerável quando ninguém cuida, já anunciava que uma nova inteligência e uma nova sensibilidade precisavam de renascer nos cuidados de saúde, e consequentemente, na sociedade em geral. Cicely Saunders foi a fundadora do movimento do hospice moderno e uma mulher eclética - pois foi médica, enfermeira e assistente social - o que lhe permitiu integrar a complexidade do ser humano nos cuidados de saúde, especialmente, no âmbito dos cuidados paliativos. Os cuidados paliativos são um exemplo paradigmático de uma medicina que se contrapõe ao individualismo contemporâneo e cuja prioridade é melhorar a qualidade de vida da

“Todo o sofrimento é intolerável quando ninguém cuida (...)”

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