

AMIR HADDAD
a utopia representada
Em 1969, Amir Haddad ensaiava o movimento pendular que marcaria sua carreira como diretor. Em simultâneo, encenava Chá e simpatia, exemplar do realismo psicológico, em palco italiano; e experimentava, em A construção, quebras na dramaturgia e em linguagens cênicas formais no MAM do Rio de Janeiro. Ao longo das décadas, circulou entre extremos, estabelecendo pontos referenciais em cada um dos ativos estéticos, sociais, emocionais e afetivos que configurariam o seu maior projeto teatral, o grupo Tá na Rua.
Os primeiros passos, aqueles que pisavam o chão ainda em acomodação fundadora do Teatro Oficina, se mostravam hesitantes pelas dúvidas sobre o desconhecido de uma arte tateada pelo desejo e impulsionada pelo instinto. A força motora estava fincada em bases que levariam Amir a construir sua linguagem expressiva em encontros, envolvimentos, persuasão e liberdade. Em mais de sessenta anos de carreira, vivenciou os movimentos profissionais do teatro brasileiro (das comédias populares ao besteirol), colecionando autores díspares em gênero (como Feydeau e Shakespeare). Não estabeleceu, propriamente, um método, mas recorreu ao desequilíbrio entre os códigos e o seu desmonte. O público, esteja no espaço fechado da sala de espetáculos ou ao ar livre, é instado a se jogar no palco, enquanto os atores, a se lançarem à plateia.
Na historiografia de seu currículo, Haddad sempre exerceu intenso processo de aceitação/recusa, em que Brecht e Stanislavski nunca são esquecidos, e em que a intuição e a liberdade sempre são exercidas. Palavras como inconsciente, ideologia, afetividade, celebração cabem bem nesse manuscrito de teatralidade nos limites da diluição de convenções e exaltação de possibilidades. Ao longo do tempo, o jogo dos contrários vai perdendo a consistência rígida dos invólucros, ganhando a flexibilidade do lance livre. A pele muda para que aceite nova forma e cor, experimentando-se a cada padrão
ultrapassado. O ponto de referência dessa dramaturgia cênica, improvável como teoria e espontânea como prática, sobrevive do que recolhe das ruas. O que se quer dizer e ressoar como linguagem encontra abrigo a céu aberto, sem intermediações, senão as das fatuidades do evento e demolição de paredes. O caráter professoral de Amir se baseia em didática desconstrutiva da criação solta, em que sentimentos fazem parte da gramática, e o afeto, da caligrafia. Não sem razão, os atores profissionais (na maioria atrizes) têm Amir como persona de culto, a que recorrem como supervisor de seus espetáculos, num papel atribuído para além da função de diretor. O vínculo criado com esse ensaiador de sensibilizações e estimulador de potencialidades é suficientemente forte para que haja tal confiança do ator à entrega e ao diálogo na comunicação de ideias. Essa relação de fidelidade se perpetua no seu grupo de arte urbana, em que a derrubada da pretensão em criar papéis e personagens converte-se em comunhão. As técnicas esquecidas em favor de exteriorizações e liturgias carnavalescas, dos ritos dos cortejos e das máscaras das celebrações, remontam a memórias teatrais. O pêndulo de Amir encontra seu definitivo balanço ao alcançar a suavidade utópica em torno de seu eixo: o grupo Tá na Rua.
Macksen Luiz, sociólogo, jornalista, curador e crítico teatral.
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a utopia representada
thiago sogayar bechara
© Thiago Sogayar Bechara, 2025
© Edições Sesc São Paulo, 2025
Todos os direitos reservados
Copidesque e preparação Mario Tommaso Pugliese Filho
Revisão Vanessa Paulino da Silva, Elba Elisa Oliveira, Thaisa Burani
Capa, projeto gráfico e diagramação Alles Blau / Elisa von Randow e Marina Rigolleto
Coordenação de pesquisa iconográfica Thiago Sogayar Bechara
Pesquisa iconográfica Daniel Marano
Foto da capa Murillo Meirelles (Amir Haddad interpretando Tirésias em Édipo rei)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
H126 Amir Haddad: a utopia representada / Thiago Sogayar Bechara. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2025. –440 p. il.: fotografias.
Índice onomástico
isbN: 978-85-9493-327-0
1. Teatro Brasileiro. 2. Amir Haddad. 3. Biografia. l. Título. ii. Haddad, Amir. iii. Bechara, Thiago Sogayar.
cDD 792
Elaborada por Maria Delcina Feitosa crb/8-6187
Edições Sesc São Paulo
Rua Serra da Bocaina, 570 – 11º andar
03174-000 – São Paulo sP Brasil
Tel.: 55 11 2607-9400 edicoes@sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp
Dedico este livro à minha filha, Cecília –meu novo lar, minha nova forma de ver a vida. À Lia, sua mãe – minha parceria plena de corpo e de alma. E aos meus pais, por terem sempre acreditado em mim. thiago sogayar bechara
Ofereço este livro à minha companheira, Maria Helena da Cruz, e ao meu filho, Sandro Valério de Almeida Haddad (in memoriam)–sem os quais minha biografia não seria o que é. amir haddad
12 APRESENTAÇÃO: AMIR HADDAD E O TEATRO COMO DESTINO POÉTICO Luiz Deoclecio Massaro Galina
14 PREFÁCIO Fernanda Montenegro
16 AMIRAGEM, UMA INTRODUÇÃO Thiago Sogayar Bechara
24 COM A PALAVRA, O PRÍNCIPE FERREIRO Amir Haddad
28 PRIMEIRO ATO (1937-57)
46 SEGUNDO ATO (1958-64)
84 TERCEIRO ATO (1965-79)
182 QUARTO ATO (1980-99)
280 QUINTO ATO (2000-25)
344 EPÍLOGO
350 REFERÊNCIAS
358 ÍNDICE ONOMÁSTICO
368 ANEXO: O TEATRO E A CIDADE – O ATOR E O CIDADÃO Amir Haddad
374 CURRÍCULO
389 MATERIAL DIGITAL
390 AGRADECIMENTOS
391 SOBRE O AUTOR
392 IMAGENS
APRESENTAÇÃO AMIR HADDAD E O TEATRO COMO DESTINO POÉTICO
Luiz Deoclecio Massaro Galina
DIRETOR REgIOnal DO SESC SÃO PaUlO
o ator e diretor teatral amir haddad é, sem dúvida, um dos grandes realizadores das artes cênicas no Brasil. Sua trajetória de mais de seis décadas como encenador e educador, em trânsito por este e por outros países, se assemelha à de um personagem ficcional, graças à liberdade e à curiosidade com que experimenta a vida, tendo o teatro por bússola. É esse espírito que salta das páginas da biografia escrita pelo poeta e dramaturgo Thiago Sogayar Bechara, e urdida em diálogo com Amir. Embasada em depoimentos, bibliografia e vasta compilação de documentos, a obra Amir Haddad: a utopia representada perfaz o arco temporal da infância à vida adulta deste mineiro, de ascendência síria, abrigando divagações e errâncias tão afeitas à matéria da memória – o que dá ainda mais sabor aos relatos. E, mesmo que nenhuma escrita biográfica encerre toda a vida narrada, o livro é um dos mais completos levantamentos já feitos sobre o percurso do artista, colocando em perspectiva suas percepções sobre o tempo vivido e seu pensamento estético.
A experiência deste criador quase nonagenário o faz testemunha de uma parte da história do teatro no país que merece ser conhecida. Alguns exemplos podem ser citados. Em 1958, ao lado de Renato Borghi e José Celso Martinez Corrêa, fundou o Teatro Oficina, em São Paulo, renovando a cena brasileira. Dois anos depois, dirigiu Ruth de Souza na montagem histórica de Quarto de despejo, sobre o livro homônimo de Carolina Maria de Jesus. Na década de 1960, em imersão na Amazônia, ajudou a criar a Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará, marcando sua carreira como professor dali por diante.
Já na década de 1980, radicado no Rio de Janeiro, criou o Grupo Tá na Rua, com o qual vem consolidando uma filosofia existencial imbricada à arte, à educação e à cultura popular. O coletivo tem ancorado inúmeros projetos de formação e experimentação na linguagem de teatro de rua, circulando por todo o país com seu repertório. Não obstante, Amir mantém-se ativo sobre os palcos, assinando a direção de espetáculos de forma inconfundível. Por tudo isso, ele afirma em certo momento: “Quando escolhi o teatro, escolhi a vida”.
Com este título, as Edições Sesc dão seguimento a uma série de livros sobre métodos teatrais de grandes diretores, como Jerzy Grotowski, Tadeusz Kantor, Ariane Mnouchkine e Antunes Filho, para citar alguns, e sobre cenografia. Destacam-se, ainda, as biografias e fotobiografias de grupos como Galpão, Parlapatões e Os Satyros, e de artistas da envergadura de Helena Ignez, Ruth Escobar, Antônio Abujamra, Sérgio Mamberti, Kazuo e Yoshito Ohno. Prefaciada por Fernanda Montenegro, já homenageada com uma fotobiografia, a publicação em torno de Amir Haddad contempla uma figura essencial para a cultura brasileira, que abre seus braços para construir um país melhor sobre sonhos e concretudes.


Com minha esposa e companheira de vida Maria Helena. 2020. ACERVO PESSOAL
Haddad e Borghi: cantam o teatro, livres em cena. Sesc Consolação, São Paulo, 2025. ACERVO CPA/SESC
FOTógRAFA: LAURA AIDAR


Retratos e conquistas de uma vida. Creio que meus pais, que aparecem no meu colo em registro feito por Thiago Sogayar Bechara, estariam felizes com a minha trajetória. ACERVO PESSOAL


Um dos muitos desenhos que produzo quando falo ao telefone – e não só!
Fonte Elza e Drummond / Blackletra Type Foundry
Papel Capa em papel Supremo Alta Alvura 250 g/m2
Miolo em Pólen Natural 80 g/m2
Impressão Pifferprint
Data outubro de 2025
Esta biografia aprE sEnta E hom EnagE ia a profícua trajetória do grande homem de teatro que é Amir Haddad. Diretor, ator e pedagogo, um dos fundadores do Teatro Oficina e idealizador do grupo Tá na Rua, Amir representa uma das experiências mais radicais, libertárias e democráticas das artes cênicas brasileiras, recuperando o significado ideológico que contrapõe o encarceramento do ato teatral em salas fechadas.
Pensador da horizontalidade cênica, tornou-se mestre de nomes como Renata Sorrah, Ney Matogrosso, Pedro Cardoso e Clarice Niskier, aqui presentes em depoimentos exclusivos.
Fartamente ilustrado com imagens raras e fruto de pesquisa de anos no acervo do artista e em periódicos brasileiros e internacionais, o livro conta com prefácio da atriz Fernanda Montenegro, sua grande amiga e admiradora.
ISBN 978-85-9493-327-0