Por que no céu há tantas estrelas?

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por que no céu há tantas estrelas?

O céu estrelado, com sua majestade, sempre impactou os seres humanos. Ele desperta reverência Àquele que se esconde por detrás das estrelas e comanda, soberano, seu curso pelos tempos sem fim.

“Quem colocou aqueles luzeiros lá no infinito?”, pergunta-se sempre. Cada povo projeta sua cosmologia, quer dizer, a imagem do universo pela qual se explica o surgimento do céu e da terra e do seu casamento.

Um indígena Karajá do TocantinsXingu amava a natureza e, mais que tudo, os animais e os pássaros com os quais se comunicava na linguagem deles em suas caminhadas diárias pela floresta.

Certa manhã, olhando um bando de papagaios que voava bem alto, se deu conta de que o firmamento estava vazio. Nenhum astro o embelezava.

O clarão do dia, especialmente sob a canícula, tornava o céu cinzento.

– Por que o céu está assim tão só, tão vazio? – perguntou o Karajá aos pássaros, mas eles fingiram não entender. Uma raposa que por ali passava, respondeu em tom acusatório: – Foi o urubu-rei, rei das alturas, que roubou as estrelas para enfeitar o penacho em sua cabeça e torná-lo, assim, ainda mais resplandecente.

Indignado com a atitude egoísta do urubu-rei, o Karajá convocou os indígenas da aldeia que rápido se aprontaram para cercar o refúgio onde o urubu-rei se aninhava.

Quando o urubu-rei percebeu que estava sendo cercado, se escondeu e disse: – Oras, que pensam esses pequenos homens. Eles desconhecem a força das minhas garras e de meu bico. Em poucos minutos posso abrir suas veias e deixá-los em pedaços.

Quando já estava na iminência de ser capturado, o urubu-rei saiu de seu esconderijo e fez um voo rasante na direção do Karajá. Houve uma luta longa e sanguinolenta. Se o urubu-rei tinha força, o Karajá tinha habilidade para evitar os cortes profundos das garras e das bicadas potentes.

A luta começou com o sol alto e durou até a noite, quando a lua cheia surgiu conferindo ainda mais força ao Karajá que finalmente imobilizou o cansado urubu-rei.

– Se quiser recuperar a liberdade –disse, triunfante, o Karajá –, entregue a luz que escondeu em seu penacho na cabeça e nas plumas do corpo.

O criador colocou as estrelas no firmamento para embelezar a noite, e não para alimentar a sua vaidade.

Mesmo aprisionado, o urubu-rei não quis saber de renunciar às luzes que tornavam sua plumagem tão fascinante. Cansado de esperar uma decisão do urubu-rei, o Karajá começou a tirar as penas de sua cabeça. Cada pena que lançava no ar se transformava numa estrela no firmamento.

O Karajá seguiu puxando as penas e ao retirar um chumaço e lançá-lo ao alto, irromperam as constelações Alfa e Beta do Centauro, que os Karajás denominam “os olhos espantados do peru”. A cada novo chumaço foram surgindo as Plêiades, ou “sete papagaios”, depois o Cruzeiro do Sul, ou “os olhos dos homens” e, ao reunir várias penas e jogar na direção do céu, brilhou em todo seu esplendor, a Via Láctea, “o caminho das estrelas”.

Porém, as penas mais brilhantes permaneciam ainda na cabeça do urubu-rei. Quando o Karajá conseguiu tirá-las e lançá-las ao alto, o céu se encheu de um brilho terno e doce. Era a Lua cheia que agora ganhava uma nova potência luminosa. Logo depois se acendeu um grande tição de fogo que iluminou todo o céu e esquentou os dias. Nascia o Sol.

Aproveitando que todos estavam olhando para as estrelas no céu, o urubu-rei fugiu.

Antes da fuga, para zombar o Karajá, o urubu-rei disse: – Você me tirou as penas, mas conservo ainda o segredo da eterna juventude. Sussurrou-lhe o segredo acreditando que ninguém mais ouvia. O Karajá nada entendeu, mas os pássaros e as árvores escutaram tudo. Por isso, desde então, as aves se renovam de tempos em tempos trocando suas penas e as plantas, suas folhas.

E o Karajá, que tempos depois também virou estrela, segue sendo lembrado quando a aldeia, à noite, se reúne para, ao redor do fogo, ouvir os antigos contarem as estórias do céu e da terra, do sol e da lua, das estrelas e do firmamento. E olham, deslumbrados, para a grandiosidade majestática do céu estrelado.

Quando a fogueira se apaga, os indígenas se calam reverentes. E um a um se recolhem, calmamente, carregando o céu estrelado dentro de seu coração. Deitam-se nas redes e dormem com grande serenidade.

Coordenação

Eder Chiodetto e Milton Montenegro

Plataforma de Inteligência Artificial

Midjourney V4 e V5

Design gráfico

Rafael Simões

Fotógrafos

Acácio Marques

Ângela Agra

Beth Machado

Bruno Scharfstein

Charly Techio

Cristina Hamelmann

Cristina Vaz Guimarães

Daniel Taveira

Dariane Souza

Ed Beltrão

Fabio Mattos

Fernanda Aidar Iunes

Fernando Santos Helena Bach

Ilan Kelson

Josiane Dias

Lauro Andrade

Leonardo Pacheco

Leonardo Ramadinha

Margot Rodriguez

Maria Christina Santos

Maria Silvia Erivanete

Mariangela Ratto

Marília Rezende

Marina Alves

Mazé Martins

Michel Arghirachis

Míriam Ramalho

Patrícia Abreu

Rafaela Gabani

Sandra Beatriz Zarur

Silvia Alcântara

Tania Kherdaji Hayfaz

Tuca Paoli

A geração de imagens por meio de plataformas de Inteligência Artificial vem sendo otimizada e difundida pelo mundo, alcançando um grande contingente de fotógrafos e outros interessados em conhecer melhor essa surpreendente e ainda polêmica novidade. A fim de avaliar os recursos e possibilidades dessa tecnologia, que abala as estruturas da fotografia contemporânea, nada melhor do que experimentá-la.

Essa foi a proposta que fiz aos integrantes dos dois grupos do meu curso “Fotografia: Curadoria, Edição e Repertório”. O fotógrafo Milton Montenegro, profissional com grande experiência na interface entre fotografia e tecnologia, e um dos pioneiros no uso de IA em trabalhos autorais de cunho artístico no Brasil, foi convidado para ser o instrutor deste módulo.

Entre março e abril de 2023, os 63 participantes do curso mergulharam no oceano de possibilidades da plataforma Midjourney, instigados pelas ferramentas mostradas por Montenegro. Após a assimilação de alguns processos de geração de imagens, os grupos de fotógrafos foram desafiados a criar uma crônica visual para dois contos do livro “O Casamento entre o Céu e a Terra” (Editora Planeta), do teólogo Leonardo Boff.

Narrativas da tradição oral indígena amazônica, vertidas em literatura pelas mãos de Boff, agora ganham uma versão imagética com os efeitos da inteligência algorítmica. Em tom fabular e mitológico, as lendas dos habitantes nativos do Brasil mostraram-se um terreno fértil para a livre criação de imagens em contexto surrealista.

Em determinadas situações do nosso estudo, os participantes do projeto perceberam algumas dificuldades do sistema de aprendizado de máquina (machine learning) para conseguir que a plataforma gerasse imagens com as feições de indígenas brasileiros ou paisagens com a floresta amazônica.

Espelhando o predomínio econômico e político do Hemisfério Norte, a plataforma de IA parecia desconhecer as pessoas e a natureza das áreas mais ao Norte do Brasil e abaixo da Linha do Equador. Nos diálogos durante os encontros, decidimos deixar que o trabalho final apresentasse essas discrepâncias para pontuar esse poder hegemônico responsável pela disseminação de processos de exclusão, apagamentos, preconceitos e divisão desigual de renda, entre outros problemas que se arrastam na história da humanidade.

Seremos eternamente gratos a Milton Montenegro pela generosidade e paciência em nos mostrar caminhos antes nunca imaginados para a criação desse projeto coletivo. Um profissional que sabe extrair poesia de onde imaginávamos que houvesse apenas a frieza dos algoritmos é, com certeza, um modelo de pensador e criador que devemos exaltar nesses novos tempos.

Agradecemos ao escritor Leonardo Boff por trazer à tona contos dos povos indígenas do Brasil, facilitando assim nosso acesso às histórias dos povos originários.

Fazer a ponte entre novas tecnologias e a mitologia dos indígenas da Amazônia foi também nossa forma de manifesto em prol da ancestralidade e da sabedoria dos povos originários que tanto têm nos ensinado nesses tempos obscuros em que a vida precisa ter seus valores revisados.

Agradeço imensamente a forma como as duas turmas de fotógrafos e entusiastas da fotografia se entregaram nessa imersão por vezes fantástica, outras perturbadora, mas que sem dúvida nos ampliou a visão crítica sobre as mudanças do status da imagem na contemporaneidade.

Os 184 anos de história da fotografia provam que não devemos temer novos suportes e ferramentas que chegam para ampliar o repertório de possibilidades expressivas da linguagem. O ser humano, no fim de tudo, será sempre o principal vetor da criação.

Eder Chiodetto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha elaborada segundo a AACR2r P832

Por que no céu há tantas estrelas? [livro digital] / fotografias Cristina Hamelmann [et al.] ; coordenação Eder Chiodetto e Milton Montenegro — São Paulo : Fotô Editorial, 2023.

151,9 Mb ; PDF (165 p.)

ISBN 978-85-63824-52-3

1. Fotografia. 2. Natureza. 3. Cosmogonia. 4. Cultura indígena. 5. Inteligência artificial. I. Hamelmann, Cristina. II. Chiodetto, Eder. III. Montenegro, Milton.

IV. Título

CDD 770

Renata Baralle — Bibliotecária — CRB-8/10366

ISBN 978-85-63824-51-6

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