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A Revista Dasartes (ISSN 1983-9235) é uma publicação da Indexa Editora Ltda ME.
Capa: Édouard Manet,
Agenda,
Carlos Garaicoa apresenta , sua primeira individual em São Paulo em seis anos, em cartaz simultaneamente na Almeida & Dale e na Galleria Continua. A mostra reúne obras inéditas e séries consagradas que transitam entre pintura, escultura e instalação, abordando arquitetura, geometria e o tecidosocialurbano.Entreos destaques estão a série , que dialoga com o
construtivismo e o concretismo, e a instalação (2008–2024), que reflete sobre isolamento, escassez e fome nas sociedadescontemporâneas.
• Dubai anuncia seu primeiro museu de arte moderna e contemporânea.OMuseudeArtede Dubai (DUMA), projetado pelo renomado arquiteto japonês Tadao Ando, será erguido às margens do Dubai Creek com apoio do Sheikh MohammedbinRashidAlMaktoum. O projeto, desenvolvido pelo grupo Al-Futtaim, ainda não tem data de inauguração.
• Arqueólogos descobriramemSatala,nonordeste da Turquia, um busto de bronze de Ísis,deusaegípciapopularnomundo greco-romano.Apeça,decercade 20cm,foiachadaemumanecrópole próxima a uma antiga fortaleza romana. A descoberta revela a diversidadereligiosadaslegiõesdo ImpérioRomanonaregião.
• A Sotheby’s vai leiloar (2016), o famoso vaso sanitáriodeouromaciçodeMaurizio Cattelan. A peça de 18 quilates, pesando 100 quilos, será exibida no edifícioBreuerantesdoleilão,em18 de novembro. O lance inicial será baseadonovalordoouro—cercade US$10milhões.
da morte de Modigliani, o documentário estreia nos cinemas brasileiros em 13 de novembro de 2025. Dirigido por Valeria Parisi, o filme revisita a vidaeaartedopintoritalianoapartir da voz de sua esposa, Jeanne Hébuterne, e traz imagens de museus em Viena, Livorno e Washington.
artefatos foram roubados do depósito do Museu de Oakland, na Califórnia. Segundo o museu, o crime,ocorridoem15deoutubro,foi um “ato de oportunidade”, não planejado. Entre os itens levados estão cestos indígenas, joias modernistas, daguerreótipos e objetos históricos. O FBI e a polícia localsegueminvestigandoocaso.
• , diretora do Louvre, em depoimento perante o Senado francês, após ladrões mascarados roubarem joias imperiais em um ousado assalto na instituição. Os danos estão sendo estimados em € 88 milhões (US$ 102 milhões).
Livros,
As histórias aqui contadas pelas filhas de Cícero Alves dos Santos (Véio), Julia e Katiuscia de forma tão verdadeira e ao mesmo tempo fantasiosa mostram que um homem com tantas histórias se torna elas próprias. O mundo criado por Véio e narrado pelas suas filhas neste livro é um mundo que vale a pena, uma existência verdadeiramente gratificante, uma história de amor que mistura realidade e ilusão.
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WMF Martins Fontes • 168 páginas • R$ 99,99
O livro do artista Pedro Vicente reúne composições caligráficas que operam como poemas-imagem, jogos de palavras em aliteração e sentido se desdobram em desenho, geometria e contraste cromático. As páginas funcionam como um dominó de signos em variações que convidam à leitura sonora, ao olhar atento e ao pensamento brincante.
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Editora Laranja Original • 112 páginas • R$ 60,00
A publicação percorre o pensamento gráfico e pictórico de Sergio Fingermann, reunindo ensaio crítico de Agnaldo Farias e entrevista conduzida por Laura Aguiar. Farias destaca a coerência poética do artista, cuja obra se constrói na tensão entre figura e abstração, entre o visível e o velado.
• Editora: Edusp - Editora da Universidade de São Paulo • 192 páginas • R$ 153,00
Édouard Manet (1832-1883) foi, antes detudo, umhomemdeParis – e o pintor que deu à cidade sua imagem moderna. Nenhum artista do século 19 captou com tanta clarezaaenergiaeascontradições da vida urbana. Dos cafés às ruas, dossalõesàintimidadedosateliês, Manet transformou o cotidiano em arteedesafiouasconvençõescom uma elegância que só um verdadeirodândipoderiasustentar.
Nascido em uma família burguesa, filho de um alto funcionário público edeumamãecultaemusical,Manet cresceu cercado por conforto e expectativa social. Depois de fracassar na tentativa de entrar na Marinha, estudou com o pintor Thomas Couture, um mestre do academicismohistórico.Mas,desde cedo,seuolharsevoltavaparaoutro tipo de pintura: a dos mestres espanhóis e venezianos –Velázquez, Goya e Tiziano –, cujas obras copiava no Louvre. Essa educação visual seria decisiva: ao contrário dos impressionistas que viriamdepois,Manetnuncarompeu com o passado, mas dialogou com eleemcadatela.
Seu primeiro quadro rejeitado pelo SalãodeParis, (1859), já indicava o caminho: uma figura marginal, pintada com realismo direto e luz sem idealização. Mas foi em (1863) e (1865) que Manet detonou o escândalo. O nu feminino – até então reservado à mitologia – foi trazido ao presente, com mulheres reais, olhares desafiadores e pinceladas visíveis. O público reagiu com horror, mas, para Manet, o choque era parte da verdademoderna.
Manetnãoseviacomorevolucionário, mas como um artista fiel à sua época. Seu “realismo” não era naturalismo, eraumanovafranquezanapintura.Ele captavaastensõesdeumasociedade em transformação: a emergência da classe média, a vida noturna, o espetáculourbano. Em obras como (1882), ele sintetiza toda uma era: o reflexo ambíguo no espelho, o olhar distante da garçonete, o jogo entre ilusão e realidade – tudo vibrando em cores cortantes e pinceladas rápidas. O observador se torna cúmplice da cena e, ao mesmo tempo,prisioneirodopróprioolhar. Manet permaneceu à margem do grupo impressionista. Enquanto amigoscomoMonet,RenoirePissarro expunham independentemente, ele continuava a lutar no Salão oficial. Via a arena pública como campo de batalha–olugarondeaartedeviaser testada. Ainda assim, foi admirado pelos impressionistas e influenciou profundamente sua estética de luz e cor.
AParisdeManeteraacidadedoscafés,dos , dos teatros e dos cabarés. Ele pintou a metrópole em plena ebulição: os rostos anônimos, os gestos elegantes, o brilho dos tecidos e a densidade da fumaça. Mesmoquandoretratavaotédioouasolidão, suasfigurasemanavampresença.
Diferente de Berthe Morisot, sua cunhada e famosa artista – cuja pintura se voltava para o espaço doméstico e feminino –, Manet viveu e pintou a esfera pública, o espaço masculino por excelência. Ainda assim, nos últimos anos, já enfraquecido pela doença, sua pintura se voltou para o íntimo: flores, retratos femininos e cenas interiores. Nessa transição, aproximou-se curiosamente do mundo de Morisot, trocando a agitação dos caféspelosilênciodossalões.
OquedefineManetnãoéapenasotema,mas o gesto. Suas pinceladas, aparentemente rápidas,eramfrutodecuidadosocálculo.Ele buscava o efeito de espontaneidade, mas trabalhava com método e revisão – um paradoxo que revela sua modernidade: a ilusãodaliberdadeconstruídacomrigor.
Seuscontrastesdepretoebranco–herança deVelázquez–eseuusoradicaldacorplana quebraram a tradição do claro-escuro e abriram caminho para Cézanne, Matisse e Picasso. Como escreveu Baudelaire, amigo e crítico: “O verdadeiro pintor é aquele que sabe ver o herói no homem comum”. Manet fezexatamenteisso.
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Durante o cerco de Paris (1870-1871), Manet serviu na Guarda Nacional. A experiência da guerra e da fome abalou seu espírito, e suas pinturas posteriores revelamumamelancolianova.Elepassou a retratar rostos pensativos, figuras solitárias diante da janela, como se a cidade e o artista compartilhassem o mesmocansaço.
Nos anos seguintes, a saúde se deteriorou – provavelmente devido à sífilis–eeleseviuconfinadoentreoateliê e as casas de veraneio. Mas, mesmo debilitado,nãoabandonouapintura.Suas últimas obras, sobretudo os pequenos buquês de flores e retratos femininos, condensam toda sua sensibilidade: breves,luminosos,cheiosdevida.
Quando morreu, em 30 de abril de 1883, aos 51 anos, Manet ainda era visto com desconfiança pelo público francês. Mas os artistas o reconheciam como um mestre. Claude Monet, Edgar Degas e Auguste Renoir o consideravam o verdadeiro“paidapinturamoderna”. Com finalmente adquirida pelo Estadofrancês–graçasaumacampanha liderada por Monet e apoiada por Berthe e seu irmão Eugène Manet –, sua consagração se tornou irreversível. A tela, que outrora provocara escândalo, passou a simbolizar a coragem estética deumageração.
Se Morisot ajudou a libertar a pintura do ateliê, Manet libertou o olhar. Ele mostrou que o moderno não está apenas nos temas, mas na forma de ver. A partir dele, o artista não precisava mais representar o mundo: bastava confrontá-lo.
De Degas a Matisse, de Picasso a Bacon, todos herdaram algo de seu olhar direto e de sua ironia contida. Ele não apenas pintou a modernidade–eleainventou.
Emily A . Beeny é curadora-chefe do Fine Arts Museums of San Francisco, Legion of Honor e do museu Art History and Archaeology, Columbia University.
Kirchner
Kirchner
QuandoErnstLudwigKirchner(18801938) emigrou para a Suíça, em 1917, encontrava-se em má condição de saúde. Foi na comuna de Davos que ele não apenas se recuperou, mas também encontrou novas fontes de inspiração para sua arte, no cenário naturalespetacularenavidaaustera dos camponeses da montanha. Longe do ritmo agitado das grandes cidades de Dresden e Berlim, mas ainda informado sobre os debates artísticos contemporâneos, desenvolveu um rico corpo de obra tardio que dialoga de maneira fascinante comsuaobrainicial.
A mostra revela como o artista, ao selecionar, pendurareatéretocarsuaspróprias obras,buscounãoapenasreformular opercursodesuaproduçãoartística, mas também construir uma experiência espacial pensada como extensão do gesto pictórico. Cerca de65obrasdetodasasfasesdesua carreira – com empréstimos de coleções internacionais de prestígio – compõem um retrato potente do artista que também se reconhecia como ,encenadorecurador desimesmo.
Um dos momentos mais simbólicos de éareunião,pelaprimeiravez,desde1933,das obras e – pinturas monumentais queabriramaretrospectivahistóricadoartista.Exibidas lado a lado, elas condensam a ideia de Kirchner sobre comomonumentalidadeeespaçopodiamdialogarcomo umasócomposição.
Essastelasnasceramdeumdesejo:provarquesuaarte podia existir para além do ateliê, alcançando o espaço
públicoesocial.Essanecessidadesetornavaaindamais urgenteem1933,quandoseugrandeprojetodedecorar o salão principal do Museu Folkwang, em Essen, foi cancelado.
Desde então, as duas pinturas nunca mais haviam sido mostradasjuntas.Aprimeira, ,foiadquirida diretamentepeloKunstmuseumBern–umatosimbólico, por ter sido a única compra de um museu suíço durante avidadeKirchner.Já entrou décadas depois para a coleção da Chancelaria Federal Alemã, que cedeu a obra de forma excepcionalparaessereencontrohistórico.
A exposição mostra o quanto Kirchner tinha consciência do papel do curador –e o quanto o assumiu como parte inseparável de seu gesto artístico. Em 1933,eleorganizousuaretrospectivaem estreita colaboração com Max Huggler, entãodiretordaKunsthalleBern.Kirchner supervisionou tudo: a seleção das obras, odesenhodoespaçoexpositivo,opôster da mostra e até o catálogo, assinado sob opseudônimoLouisdeMarsalle. Mais do que uma exposição, tratava-se de um ato de criação. Kirchner reeditou obras, reordenou fases de sua trajetória e usou o espaço expositivo como parte integral de sua linguagem plástica. Em umacartaaHuggler,datadadedezembro de1932,escreveu:
“Montarumaexposiçãocorretamente, emtermosdecoreforma,éomesmo quecomporumapintura.” Essa visão serve de eixo para , que não pretende reconstruir a mostra de 1933 tal como foi, mas compreender sua estrutura e intenção a partir de uma perspectiva contemporânea. A questão central é: o que significa quando um artista escreve sua própria história? E por que, naquele momento, Kirchner escolheu se representardessamaneira?
Ao confrontar a leitura histórica consolidadadesuaobracomavisãoque o próprio artista construiu sobre si, abre uma nova interpretaçãosobresuaprática–erevela o poder criativo de um artista que compreendiaacuradoriacomopartevital doprocessoartístico.
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A retrospectiva de 1933 aconteceu em um momento decisivo, política e pessoalmente. Na Alemanha, o regime nazista começava a difamar e retirar suas obras de museus. Já na Suíça, onde vivia desde 1917, Kirchner encontrou o espaço e a liberdade para apresentar o conjunto de sua produção.
Commaisde290obras,aquela retrospectiva foi a mais abrangentedesuavida.Muitas pertenciam ao próprio artista, mas ele insistiu em incluir empréstimos de coleções públicaseprivadas–umgesto estratégico para se afirmar como criador consolidado. Em cartaaHuggler,escreveu:
Como em 1933, percorreoarcoquevaidosanosiniciais no grupo Die Brücke (1905-1913) até as obras tardias criadas em Davos (19171937). Diferente da mostra histórica, a nova leitura oferece equilíbrio entre as fases de sua trajetória – incluindo trabalhos ausentes da exposição original,sejaporescolhadoartista,seja por indisponibilidade. Essa inclusão torna mais visíveis as decisões que Kirchner tomou, e os motivos por trás delas.
A apresentação se organiza em cinco núcleostemáticos,querevelamtantoos principais grupos de obras quanto o pensamento curatorial do artista. O primeiro é dedicado aos anos em Dresden e Berlim – com nus, cenas de rua e o universo dos cabarés, hoje reconhecidos como o ápice de sua produção. Na mostra de 1933, Kirchner deu preferência a obras já consagradas ouqueevidenciavamrupturasformais. No último núcleo estão as obras tardias –pormuitotempovistascomomenores, mas que o próprio artista considerava o ponto culminante de sua evolução. Sua intenção era clara: exibir a amplitude de sualinguagemenarrarsuatrajetóriapor meiodasprópriasobras,semseguiruma ordem cronológica. Muitas vezes, ele chegou a retrabalhar pinturas antigas para explicitar as linhas de desenvolvimentodesualinguagem.
A exposição atual adota esse mesmo princípio, enfatizando tanto a diversidade estilística quanto o raciocínio conceitual queguiavaacuradoriadoartista.
O grande espaço central é dedicadoàretrospectivade1933, reconstruindo pares de obras, perspectivasvisuaisecontrastes cromáticos que recriam o olhar deKirchner.
As salas adjacentes se concentramemaspectosformais e compositivos: estudos e desenhos que mostram como o artista experimentava incessantementecomcor,plano, linha e movimento – e como sua linguagem se manteve coerente mesmonastransformaçõesmais radicais.
A combinação entre seleção de obras, contexto histórico e reflexãosobreoprópriogestode curar faz de uma experiência singular – uma exposição que não apenas revisitaaobradeumdosgrandes nomes do expressionismo, mas revela o artista como autor consciente de sua própria narrativa.
Nadine Franci é curadora de gravuras e desenhos do Museu de Arte de Berna.
Kerry James
A prática de Kerry James Marshall é fundamentada em um profundo envolvimento com as histórias da arte.Elereimaginaetransformaas convenções e os gêneros da pintura ocidental – do retrato e da paisagem à pintura de história, um gênero que inicialmente tratava de narrativas bíblicas e míticas, mas que também foi usado para representar eventos políticos contemporâneos.Oartistatambém se inspira na arte da África e de suas diásporas – como as figuras de poder , do Congo, e os do vodu haitiano, desenhos usados para invocar espíritos.
Para Marshall, é essencial que um artista conheça profundamente as históriasdaarte,afimdecontribuir para elas de maneiras poderosas, significativaseoriginais.
Muitas das obras apresentadas nesta exposição abordam momentos da história negra –desde a travessia do Atlântico e as rebeliõesdepessoasescravizadas até os movimentos pelos Direitos Civis e pelo Poder Negro, que formaram o pano de fundo da infância do artista. Mais recentemente, ao desafiar representações romantizadas do passado africano, suas pinturas têm enfrentado temas históricos difíceisqueoutrospreferemevitar.
As obras dessa seção retratam cenas de escolas de arte, ateliês e museus – lugares como a Royal Academy, onde artistas estudam, criam e exibem seus trabalhos. Há uma profunda fascinação, na tradição da arte ocidental, pelo ateliê como espaço de criação e pelo museu como repositório de maravilhas. Ampliando essa tradição, Kerry James Marshall a transforma ao colocar figuras negras no centro – tanto como produtoras quanto como consumidorasdearte.
Os pintores que ele representa são mestresemseusmeiosemateriais. O modelo em adota uma pose que remete aos atletas americanos Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos de 1968.Sobreamesadoestudantede pintura, vê-se um esboço preparatóriodamodeloeumafigura depoder .
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Marshall utiliza diferentes pigmentos pretos para representar os tons de pele – sobrepondo ou justapondo , e ,emisturandooutras coresparatornaropretoplenamentecromático.Comoele afirma: “se você diz preto, deve ver preto.” Embora seus pretos sejam complexos, Marshall raramente tenta reproduzir os tons marrons da pele real. Suas figuras são, ao mesmo tempo, personagens individuais e exemplos de uma – real e retórica – que provoca reflexõesmaisamplassobreapresençaearepresentação defigurasnegrasnaarte.
A família de Marshall se mudou de Birmingham para Los Angeles em 1963,efoiláqueeleseaproximouda arte, visitando museus e, em 1968, ingressando em um curso de verão no Otis Art Institute, onde conheceu o trabalho de Charles White, e decidiu seguir carreira artística. Formou-se em 1978, em meio a um cenárioartísticoturbulento,marcado peloabandonodapinturaeporobras políticas do Movimento de Artes Negras.
Inspiradopeloromance (1952), de Ralph Ellison, Marshall começou a criar obras em que figurasnegrassurgemsobrefundos escuros,quaseinvisíveis,explorando estereótipos e caricaturas raciais. A partirdesseprimeirograndecicloem têmpera de ovo, suas figuras passaram a atuar de forma retórica, questionando a ausência e a presença de pessoas negras na sociedadeenahistóriadaarte.
No século 19, artistas franceses como Édouard Manet e Georges Seurat transformaram o gênero da pintura histórica ao representar cenas da vida modernaemescalaépica.
As pinturas dessa seção feitas sobre telas sem moldura e fixadas à parede com ilhoses,datamdoinícioameadosdosanos 1990–períodoemqueMarshall,jáinstalado em Chicago e com estúdio próprio, começou a criar suas próprias cenas do cotidiano: crianças brincando, casais dançando,famíliasaproveitandoumdiano parque.
(1993), que retrata um grupo de homens negros em uma barbearia, foi a primeiraobradeMarshalladquiridaporum museu. Ela combina diferentes estilos da história da arte e funciona também como ummonumentoao“estilonegro”.
Umano após concluí-la,Marshalliniciouas obras de sua série . Elas remetem aos conjuntos habitacionais públicos norte-americanos chamados , cujos primeiros moradores incluíam famílias como a do próprio Marshall – migrantes do Sul que se estabeleceram no Norte e no Oeste dos EstadosUnidosapartirdadécadade1940.
As cinco pinturas dessa seção foram realizadas no início dos anos 1990 e constituem a primeira tentativa de Marshall deabordarahistóriadaPassagemdoMeio–a perigosa travessia do Oceano Atlântico durante a qual muitos africanos cativos morreram antes de chegar aos mercados de escravosnasAméricas.
Trata-se de uma história compreendida em fragmentose,porisso,emvezdecriarobras que funcionem como dramas históricos com figurinos, Marshall compõe pinturas com imagens, motivos e texturas díspares, incorporando símbolos e diagramas derivados da religião iorubá, do vodu e de outras religiões sincréticas praticadas pela diáspora africana – tanto como atos de resistência quanto como formas de manter conexõescomaÁfrica.
Para Marshall, todo gênero e estilo histórico dapinturaestáprontoparaserreinventadoe, em uma série aberta e de longa duração, ele revisita as pinturas românticas, desafiandose a criar obras profundas e complexas a partirdetemasaparentementeleves.
Aprimeira ,datadade2003,erauma paisagem ao estilo de Henri Rousseau, ambientada em um parque americano, mostrando um casal nu usando joias ligadas ao movimento afrocentrista. Nas posteriores, Marshall reelaborou composições de artistas do rococó francês,
comoJean-AntoineWatteaueJean-HonoréFragonard. Ao pintar cenas românticas, Marshall produz imagens de resistência. Isso porque, durante a escravidão, o “cruzamento” ( ) – e não o casamento – era incentivadoporalgunsproprietáriosdeescravoscomouma formadeaumentarsuariquezaesuaforçadetrabalho.
Nos anos 2010, Marshall continuou a construir cenas poderosas do cotidiano, ambientadas em parques, casas noturnas, residências, ruas da cidade e galerias de arte. Ele frequentemente reelaborava arranjos e elementos de pinturas famosas, sendo o exemplo mais notável atransformação dacaveira anamórfica de Hans Holbein, em (1533), em uma Bela Adormecida distorcida, perturbando o espaço de um salão em , obra irmã de sua pintura anteriorembarbearia, . Algumas pinturas fazem referência a momentos específicos do passado,comoacoroaçãodeGloria Smith como a segunda , no auge do movimento ,em1969.
Outras obras provocam reflexões sobre a própria época de Marshall: (2015) foi criada logo após o início do movimento , quandomanifestantesdefendiama ideiade“desfinanciarapolícia”. Juntas, essas pinturas expressam uma ampla gama de experiências e atitudes negras em relação à América,quevãodesdeumaalegria profunda até uma ambivalência intensaeinquietante.
Marshall utilizou as cores da UNIA ( ) ou da Bandeira Pan-Africana, criadaporMarcusGarvey,em1920,assimcomoaimagética eos dosPanterasNegrasdofinaldosanos1960.
Mas, em vez de simplesmente celebrar o Nacionalismo Negro, Marshall constrói trabalhos irreverentes e complexos, que também fazem referência às histórias interligadasdapinturaedaerótica.
Artistas como Ticiano, Goya e Manet tornaram famosas as telascomnusfemininosreclinados.Marshallsubstituiessas figuras femininas por um homem negro que esconde seus genitaiscomumabandeira.
Da mesma forma, ao se deparar com a ausência de mulheres negras nas revistas americanas, Marshall decidiu criar suas próprias imagens. Uma das modelos
imaginadas se transforma em uma “Estrela Negra”. Na pintura há referência à “ ” – a companhia de navegação fundada por Marcus Garvey, em 1919, para estimularocomérciocomaÁfricaeoretornovoluntáriode afro-americanosaocontinente.
Segurandoumaestrelacomosefosseolemedeumnavio, a mulher olha para trás como uma modelo em sessão fotográfica.Ficamosentãodiantedapergunta:ascriações de Garvey servem hoje apenas para imagens estilosas e sensuais,ouseuprojetopolíticoaindaérelevante?
A artista colombiana Beatriz Gonzalez nasceu em Bucaramanga, Colômbia, em 1938. Iniciou seus estudos em arquitetura, mas os abandonou para se graduar em BelasArtes,em1962.
Gonzalez cresceu em um período muito conturbado politicamente - na Colômbia dos anos 1940 e 1950, períodoconhecidocomo"LaViolencia",emquecercade 200 mil pessoas foram mortas em conflitos políticos. Segundo a artista, esse contexto acabou refletindo em partedesuaprodução.
Nos anos de 1960, a artista começou a movimentar sua pesquisaparaumaplanificação das formas e das cores e, a partirdeentão,acríticapassou aolhá-la,mesmoacontragosto de Gonzalez, como artista da pop arte. Em contrapartida, a crítica de arte Marta Traba estabeleceu que não havia condiçõesparaaexistênciado pop nesse período, até porque não havia nessa época uma sociedade de consumo em grandeescala,comoemoutras nações. Posteriormente, ela escreverianosseusartigosque se estabelece uma noção de "pop local", conectando os trabalhos da artista com os de Carlos Rojas e Judith Márquez - portanto, esse termo ganhou cadavezmaisrecorrência.
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Independentemente de quais rótulos afixar à produçãodeBeatrizGonzalez,éimprescindível analisar algumas de suas características marcantes. A partir dos anos 1960, sua pintura parte de apropriação de imagens midiáticas de notíciasdejornais,íconesdetelevisãoedaarte. Comonocasodaemblemática"TheSuicidesof Sisga", em que ela retrata um casal que apareceu no noticiário depois de cometer suicídio ao pular no rio de Sisga. O interessante desse processo é que, ao utilizar de imagens midiáticas (ou "imagens técnicas", segundo o filósofo Vilém Flusser), temos uma natureza de reprodutibilidade e circulação - refletindo o sensacionalismo e a criação de ícones através daimprensanacional.
Outrotrabalhorelevantenasua carreiraéo ,um dos primeiros em que a artista utilizou a intervenção em objetos e móveis. Nessa obra, Gonzalez se apropriou de uma mesa,enotampodelacolocou umareleiturasimplificadade , obra icônica de Leonardo da Vinci, apresentandoumaapropriação da cultura ocidental dentro de umaperspectivadeumpaísda AméricadoSul.
Na época em que esses trabalhos estavam sendo criados, havia uma predileção paraoexpressionismoabstrato norte-americano. Apesar de sua participação na Bienal de SãoPaulo,em1971,aprodução de Beatriz Gonzalez não era relevada pela crítica e mesmo Marta Traba, uma das críticas de arte responsáveis pelo posterior reconhecimento da artista, enxergava aqueles objetos e pinturas como uma artemarginal.
Recentemente, exposições retrospectivaspelomundovêm se esforçando para enxergar a produção de Gonzalez através de outra epistemologia; não mais pela ótica da história da arte ocidental, mas pela forma como sua produção se insere e sintomatiza todo o contexto histórico social da Colômbia –ao refletir essas imagens de guerra, cotidiano, violência circuladaspelamídia.
Parafraseandoaprópriaartista, que afirmava que "a arte diz coisas que a história não pode dizer", as novas curadorias convidamapercebernaartede Gonzalez um testemunho históricodeseutempo.
AllanYzumizawaébacharel em Artes Visuais pela Unicamp,atuacomocurador independenteepesquisador emartecontemporânea.
“Quando eu era estudante de artes na Escola Guignard, a Piti (Maria Angélica Melendi) nos deu como tarefa fazer um livro de artista. ‘O que seria um livro de artista?’, pensei. O que é um livro? O que é uma artista? Com os livros, eu tinha intimidade. Era leitora. Artista,aindanão. Lembrei de um conto de JorgeLuisBorgeschamado , "porque nem o livronemaareiatemprincípioou fim."Apersonagemtopacomum livro que vai sendo descrito como sagrado, diabólico, impossí-vel, monstruoso-umlivrocujaspáginasnunca serepetem.Fiqueicheiadeperguntas:nãoseriam todos os livros infinitos, uma vez que toda história muda a cada novo leitor, a cada leitura, releitura, a cada contexto? Borges conversava com Heráclito sobre a ideia de impermanência? Por que areia, essa matéria dura que escorrepelasmãos?Agoraeutinhaumproblema:comodar materialidade a algo tão abstrato, como transformar pensamentoemmatériaquefazpensar? Fizumlivrocujaspáginaseramespelhos.Foiomeuprimeiro trabalho. Encontrei ali algumas questões que apontavam o que viria a ser minha obra: relações com a literatura, a palavra,comotempo,comooutroeoentorno.Acheientão quepodiaserartista.”
“Criado inicialmente para uma exposição temporária no Museu de Arte da Pampulha, o trabalho brinca com conceitos do texto homônimo de Heidegger: Terra, mundo, instrumento, obra de arte. Na sala, antesdedicadaaoeducativo,dispustodasasletrasdoalfabeto em forma de vasos, terra, sementes e instrumentos de jardinagem.Ofereciaaosvisitantesapossibilidadedeescrever, tomarseutempoesujarsuasmãosdeterra.‘Seráqueelesvão participar?’,perguntou-meocurador.‘Éumaaposta’,eudisse. ‘Mas será que vão escrever coisas interessantes?’
Quando penso em um trabalho quepropõeaparticipaçãodooutro, estou aberta, não existe fracasso (mesmo que a participação não se dê, isso também significa). Onomepróprio,odafilha,daamada,daempresa;asfrasesde protesto, versos, palavrões: tudo o que for escrito ali me interessa porque revela algo do outro, do mundo em que vive, daquela época. As plantas quando crescem verdes, quando morrem secas, revelam sobre o cuidado ou a falta dele, sobre a estação, o clima, sobre o tempo. E significam os vasos colocados vazios, sem plantio, pelo visitante apressado.”
“No início de 2015, fui fazer uma residência na CasaWabi,emumapraiadoMéxico.Projetada peloarquitetojaponêsTadaoAndo,acasaera cortada por um extenso e alto muro de concreto, atravessado por uma única porta. Do lado de lá, as cabanas onde dormíamos e uma enorme sala de estar aberta, com vista para a piscina, o mar, o horizonte. Do lado de cá, de quem vinha da estrada ou do povoado, os ateliês, a cozinha, os espaços de trabalho. Aquele muro me pareceu uma tentativa de barrar o que acontecia no mundo lá fora, como se do outro lado pudesse existir o paraíso. No dia seguinte à minha chegada, uma mensagem no celular me fez abrir o computador e checar os jornais. ‘Doce muertos en un atentado en la revista
Charlie Hebdo en París’, dizia a manchete de 8 de janeiro.Apartirdaí,comecei umarotinadiária,repetidapor 23 dias: de manhãzinha, lia os principais jornais mexicanos, então escolhia uma manchete. Depois,euaescreviacomáguasobreo muro,gravandoaaçãoemvídeo.Aspalavras se apagam logo que são escritas, materializandoaefemeridadedeseuimpacto. A notícia do último dia, coincidentemente, conecta-se com a primeira: ‘Atentado contra mezquitadejamásde40muertosenPakistán.’ Mas ninguém disse ‘Je suis Pakistán.’ ”
“Fui convidada a participar da XIII Bienal de Havana. Ciente da precariedade econômica do evento, pensei: vou fazer um trabalho que dependa apenas da minha presença. Naquelaedição,partedaBienalaconteciaemMatanzas,cidade famosaporseusmúsicoseescritores.LánasceuCarildaOliver Labra,poetaquealiviveutodaasuavida.Lendoseuspoemas, encontrei um verso que me lembrava um dos ‘lemas’ da Revolução Cubana (Hasta la victoria siempre) e, de alguma maneira, refletia o meu estado de espírito depois de ter passado alguns anos, desde 2015, focada em narrativas jornalísticas e más notícias: ‘A la esperanza vuelvo.’ Como certo contraponto a , apresentei a performance : escreviacomáguaoverso de Carilda sobre uma desgastada parede azulclara, às margens do rio que cruza a cidade. Enquanto o sol apagava as palavras, continuava escrevendo o mesmo verso repetidas vezes, até acabar a água. O esforço contínuo de construção da esperança, quereencontreinapoesia.”
“Sonho vivido desde sempre -realbuscadoatéosangue.”
“DeOridesFontela,esteé umdosdeztrechoscom a palavra "sonho" que pintocombastãoaóleo sobre linhos coloridos que se agitam, dependurados das paredes e do teto, na série .
É preciso pensar com as mãos, não apenas com a cabeça, disse Jean-Luc Godard.
é pintura, e não pintura.Nogestodepintarcadaletra,experimentoo tempo de sua execução, e o que essa ação produz no meu corpo: o cansaço dos dedos e a cor complementar que meu olho vê na parede branca, certotransemeditativo.Mashátambémousodacor pronta e industrial dos tecidos que vibram. Pensar com as mãos, manufaturar os sonhos. Como se, ao pintar, o que escrevo entrasse em mim, e me possuísse. Como se o sonho me encarnasse.”
, Coluna do meio
Amália Giacomini
Maneco Müller: Múltiplo Galeria
São Paulo
Luiz Dolino
Galeria Contempo
São Paulo
Sergio Lopes
Sergio Gonçalves
Galeria
São Paulo
Lili Kemper, Amalia Giacomini e Ernesto Neto
Amalia Giacomini e Ana Hocke
Fred Coelho, Luiz Zerbini, Luiz Camillo Osorio e Antonio Tostesr
Jayme Bernardo e Guilherme Polini
Patricia Paganin e Mariangela Bizelii
Renato Machado, Sergio Goncalves, Jose Eduardo Machado e Hilda Araujo
Ana Durães, Luiz Dolino e Marcia Prates
Bia Sampaio e Evandro Angerami
Carlos Marchi, Mônica Waldvogel e Luiz Dolino
Beth Jobim, Amalia Giaomini e Gustavo Prado
Sergio Lopes e Sergio Goncalves
Fotos: Sonia Balady
Gabriel Botta e Lais Leiros
Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990.
Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site , o portal de artes visuais mais visitado do Brasil.
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