I. A MAIS INDISFARÇADA MANIFESTAÇÃO
DO LAWFARE
O Relatório da Polícia Federal causa espanto. Encaixa-se como uma peça política, com o objetivo de desmoralizar um ex-presidente da República (que, quer queiram as autoridades policiais ou não, ainda é um líder político), expondo sua vida privada e acusando-o de fatos tão graves quanto descabidos. Parece incrível, mas boa parte do relatório dedica-se a um disse-me-disse sem qualquer relevância para a investigação.
Transcreve e replica diálogos que não têm a menor relação com fatos em apuração, afinal não parece ter relevância para a investigação o fato de o presidente pretender apoiar o governador Tarcísio ou um de seus filhos como candidato à Presidência da República.
O objetivo do inquérito é proteger o Estado Democrático, mas diversas leis são lançadas ao lixo.
Conversas privadas, movimentações financeiras, pagamentos feitos a profissionais, tudo foi cuidadosamente transmitido à imprensa, como se dados bancários não fossem protegidos por Lei.
O pior é que uma transferência de dinheiro para sua esposa, de valores com origem lícita, foi anunciada, com base “em fontes”, como um indício de lavagem de dinheiro.
É necessário presumir que os investigadores sabem o que é o crime de lavagem, que determina origem ilícita e não se consubstancia com depósitos, via Pix, para familiares. Então, o objetivo é o massacre. A desmoralização. Ou seja, é lawfare em curso.
De acordo com o Collins English Dictionary1, o termo Lawfare pode ser definido como “the strategic use of legal proceedings to intimidate or hinder an opponent”, o que em tradução livre significa o uso estratégico de procedimentos legais para intimidar ou atrapalhar (hinder equivale a levantar obstáculos) um oponente
É o que se verifica desse relatório.
Parece claro que um rascunho de pedido de asilo ao presidente argentino, datado de fevereiro de 2024, não pode ser considerado um indício de fuga.
Seria necessário avisar à Polícia Federal, especialmente ao setor de inteligência, que o processo criminal que originou as cautelares foi proposto um ano depois e, desde então, o ex-presidente compareceu a todos os seus atos, inclusive estando em sua residência quando determinado o uso de tornozeleira por Vossa Excelência
Mas o objetivo, convenhamos, foi alcançado: manchetes no Brasil e no exterior anunciando que o ex-presidente planejou uma fuga. Nada mais falso, mas nada mais impactante, sobretudo há pouco mais de 10 dias do julgamento.
Nada é mais grave, no entanto, que a acusação de descumprimento de medida cautelar pelo ora Peticionário e o general Walter Souza Braga Netto. Diz a Polícia Federal:
“Os elementos probatórios corroboram, portanto, a hipótese de que os réus JAIR BOLSONARO e WALTER SOUZA BRAGA NETO descumpriram as medidas cautelares de proibição de manter contato durante a investigação”.
Isto porque, o Peticionário teria recebido um SMS de um telefone atribuído a Braga Netto, com a seguinte mensagem: “Estou com este número pré pago para qualquer emergencia. Nao tem zap. Somente face time. Abs, Braga Neto (sic)”.
1 https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/lawfare
A polícia não detectou uma resposta. Não aventou um telefonema para este número, mas, ainda assim, afirma que “o descumprimento das medidas cautelares impostas pelo STF menos de 24 horas após a ciência das proibições indicam a um só tempo, manutenção e fortalecimento do liame subjetivo entre os investigados em relação as condutas pretéritas investigadas naquele período, bem como relevação de total desprezo e alienação quanto ao caráter vinculante das decisões emanadas pela Suprema Corte”.
É bem mais do que um acinte. É um método.
Daí em diante, uma nota pública antiga, uma conversa com um advogado e a utilização de um aplicativo de transmissão de mensagens privadas são apontados como descumprimento das medidas cautelares.
Nesse contexto, a Polícia Federal transcreve um pedido para que o Peticionário “motive” pessoas a postarem, mas ele próprio não motivou ninguém.
Ainda segundo a Polícia Federal, a “evidência’ do “modus operandi de utilização de rede de terceiros para burlar a medida cautelar” estaria no fato de o presidente ter enviado a seguinte mensagem, por Whatsapp, para um Deputado: “Obrigado Bahia. Dep. Carlos Alden. Pela liberdade. Jair Bolsonaro”.
Tal mensagem foi postada por terceiro em rede social, o que não pode ser atribuído ao Peticionário, assim como não se pode considerar essa mensagem como um elemento atrelado à obstrução de investigações ou a um golpe de estado!!
Sem falar que o citado relatório não traz um único fato novo, após sua prisão, a justificar o agravamento da medida cautelar.
Enfim, o relatório da Polícia Federal só demonstra sua parcialidade e faz lembrar que essa mesma Polícia Federal foi responsável pela triagem de todas as mensagens que foram utilizadas pela acusação no processo penal.
Ponto a ponto, passamos a explicar os fatos.
II. O ASILO POLÍTICO
A irrealidade da narrativa se mostra inaceitável, a começar pelo documento que a autoridade policial chama de “minuta de solicitação de asilo político”.
De acordo com o próprio relatório policial, “O documento foi salvo no aparelho celular do ex-Presidente dois dias após a deflagração da Operação Tempus Veritatis” (p. 163), em 10 de fevereiro de 2024. Disto, incrivelmente conclui que:
“Embora se trate de um único documento em formato editável, sem data e assinatura, seu teor revela que o réu, desde a deflagração da operação Tempus Veritatis, planejouatosparafugirdopaís,comoobjetivodeimpediraaplicação deleipenal.” (p. 161)
Como dito, a narrativa causa espécie.
A autoridade policial evidentemente sabe – posto que cediço –que para se aventar de uma prisão preventiva é preciso haver fato contemporâneo. Mas, ainda assim, tem apenas um documento, que reconhece ser mero rascunho antigo enviado por terceiro, além da indeclinável constatação de que o tal pedido não se materializou!
Fato é que, com ou sem o rascunho, o ex-presidente não fugiu. Pelo contrário, obedeceu a todas as decisões emanadas pela C. Suprema Corte, inclusive a que o proibia de viajar ao exterior, respondeu à denúncia oferecida, compareceu a todas as audiências, sempre respeitando todas as ordens deste E. STF.
Sobre o cumprimento da Lei, as autoridades policiais deveriam lembrar que ora Peticionário foi preso em casa. A esta altura, falar em fuga para “impedir a aplicação da lei penal” parece não ter o menor cabimento.
O documento demonstra o contrário do que pretende concluir a autoridade policial: não só não há risco de fuga como essa fuga já não existiu.
III. A MENSAGEM APENAS RECEBIDA DO TELEFONE DE BRAGA NETTO
Ainda mais estarrecedora é a tentativa de tirar alguma conclusão a partir da mensagem de SMS enviada em 2024 ao telefone do Peticionário. Tudo o que o Relatório Final registrou foi que:
“Foi identificada uma mensagem recebida por SMS por JAIR BOLSONARO, por meio de seu telefone 55 61 994037398, enviada pelo usuário do telefone 55 61 999122635, às 00h31 de 09.02.2024 . O contato escreveu: ‘Estou com este numeroprépagoparaqualqueremergencia.Naotemzap.Somente facetime.AbsBragaNetto’ : (...)” (p. 166)
O teor da mensagem não podia ser mais vazio. Contudo, a ausência de resposta é mais do que esclarecedora sobre a perseguição aqui apontada.
A mensagem foi apenas recebida! Sem notícia de resposta.
Sem qualquer reação.
Sem qualquer comunicação por parte do ex-presidente.
Ainda assim, para a Polícia Federal, o recebimento desta mensagem corroboraria “a hipótese de que os réus Jair Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto descumpriram as medidas cautelares de proibição de manter contato durante a investigação realizada pela Polícia Federal no âmbito da Pet 12.100/DF” e revelaria “total desprezo e alienação quanto ao caráter vinculante das decisões emanadas pela Suprema Corte, o que agrava a ilicitude das condutas dos réus”
O ex-presidente teria descumprido as medidas cautelares de proibição de manter contato? Com o seu silêncio??
É incrível ter que dizer que a inexistência de resposta é o exato contrário de manter contato. Eis porque, impressiona muito mal a tentativa de afirmar que a medida cautelar de 2024 havia sido prontamente descumprida... com o silêncio do expresidente.
Estes dois exemplos são suficientes para demonstrar que o relato e as conclusões policiais não se sustentam para além da criação de uma narrativa feita para as manchetes, enquanto ao ex-presidente já foi imposto o silêncio com sua prisão domiciliar.
IV. CONVERSA COM O ADVOGADO MARTIN DE LUCA
É neste vazio de indícios que também surgem as mensagens com o advogado norte-americano Martin de Luca. Antes mesmo de apresentar as mensagens, a Polícia Federal entendeu mais importante destacar “uma contextualização fática sobre o interlocutor do ex-presidente Jair Bolsonaro”:
“Martin de Luca é um advogado norte-americano, sócio do escritório BOIES
SCHILLER FLEXNER, com atuação destacada em litígios internacionais, sanções econômicas, investigações anticorrupção e defesa de clientes de alto perfil. Emfevereiro de2025 , ganhou notoriedade no Brasil ao representar a Trump Media e a plataforma RUMBLE, em ações judiciais perante à justiça estadunidense, contra o ministro ALEXANDRE DE MORAES, alegando censura e violação de tratados internacionais. Foiexatamentenesseperíodoqueoadvogadocriouseu perfilsocialnaplataformaX , conforme consta na imagem abaixo: (...)” (p. 94) (destaques do original)
O que importa, a priori, seria o interlocutor. Bem porque, conforme se vê do restante do relatório, as falas propriamente ditas passam longe de sustentar as conclusões lançadas pela Polícia Federal.
De início, é pertinente lembrar que todas as trocas de mensagens são anteriores às cautelares.
Depois de destacar postagens do advogado, a Polícia Federal narra algumas poucas mensagens trocadas entre o causídico e o ex-presidente. O teor: o recebimento de petições públicas então já protocoladas nos EUA e o pedido de aconselhamento na nota à imprensa publicada pelo Peticionário.
O advogado americano não é investigado em nenhum feito. E não há qualquer proibição de contato do Peticionário com o advogado.
O relatório segue na narrativa de postagens do advogado e mensagem do ex-presidente solicitando assessoramento: “Logo após o envio da imagem acima, JAIR BOLSONARO manda uma mensagem de áudio ao advogado, solicitandoassessoramento para a produção de uma nota para que o ex-Presidente pudesse divulgar em suas redes sociais” (p. 111) (destacamos).
O texto colocado sob análise não tem qualquer relação com a ação proposta pelo defensor, para cliente independente, em outro país. No mais, trata-se de nota pública, postada ainda no dia 13 de julho.
Mas é a partir destes eventos que a Polícia Federal pretende criar “um cenário de ações previamente ajustadas entre o investigado Jair Bolsonaro e o representante judicial da empresa Rumble, Martin de Luca. Nesse sentido, a circunstância fática de encaminhamento ao ex-presidente de petição subscrita pelo representante da empresa Rumble na mesma data de apresentação à justiça americana (14.07.2025), constitui indício relevante que evidencia desvio quanto a real finalidade das pretensões deduzidas pela empresa em face da litigância contra Ministro do Supremo Tribunal Federal”.
Previamente ajustadas?? Qual seria o indício a sustentar tal alegação? Receber uma cópia de uma ação judicial?
Ora, tais fatos não podem indicar atuação criminosa, nem muito menos desrespeito às cautelares!
Há, na inclusão desta troca de mensagens com o advogado, uma pouco disfarçada tentativa de proibir quaisquer conversas com pessoas que possam compartilhar o mesmo matiz político e, portanto, as mesmas críticas.
Eis porque, o relatório traz salto (i)lógico que nem mesmo o recorte de mensagens da Polícia Federal é capaz de sustentar.
V. AS CONVERSAS DE WHATSAPP
Por fim, é necessário registrar de forma clara e expressa que o ex-presidente nunca esteve proibido de utilizar o WhatsApp, de trocar mensagens ou de se manifestar.
Até o último dia 17 de julho, o Peticionário podia conversar livremente com seu filho, Eduardo Bolsonaro, inclusive sobre a sucessão nas eleições presidenciais que estão por vir.
De fato, as conversas recortadas pela Polícia Federal, inclusive de desavenças que desmentem a ideia de uma “atuação coordenada”, servem mais às manchetes do que aos autos.
Afinal, a participação nas eleições dos personagens políticos citados nas mensagens é lícita. A participação do ex-presidente neste debate, também. Ainda assim, a desavença entre o Peticionário e seu filho sobre este tema mereceu destaque no trabalho policial e ganhou a manchete dos jornais.
O relatório quis destacar o Peticionário falando de pesquisas de intenção de votos, seu filho criticando o outro pré-candidato, os desencontros de opiniões e mesmo a briga – íntima e privada – entre pai e filho. Tudo muito prontamente publicizado e publicado.
Nada disso deveria importar no relato sobre a investigação. E a Polícia Federal, tão acostumada a grandes operações que partem de amplas interceptações telefônicas, sabe que conversas privadas e temas da intimidade não devem ter qualquer destaque. Afinal, bem sabe que a investigação deve começar e terminar na apuração dos fatos, não na criação de notícias.
Ainda assim, não é coincidência que os jornais de hoje já destaquem a influência direta das revelações destas conversas privadas nas articulações políticas pré-eleitorais.
De toda a forma, o que está presente nas trocas e mensagens, ainda que não tenha sido destacado pelo trabalho policial, é que a conversa com Eduardo termina quando Vossa Excelência proíbe o Peticionário de falar com o filho, em mais uma demonstração de obediência às decisões desta C. Suprema Corte
Discordância e críticas não podem ser confundidas com desobediência e, muito menos, com o cometimento de um crime!
E vale lembrar que, nem quando da troca de mensagens com o filho, nem depois das novas medidas cautelares, o ex-presidente foi proibido de se manifestar ou mesmo dar entrevistas. Assim como não foi proibido de utilizar o WhatsApp, que um aplicativo de mensagens de uma rede pessoal e não social.
Em nenhuma das decisões há qualquer menção ao uso de WhatsApp ou restrição ao envio de mensagens à lista de contatos privados – o que não se confunde com rede social, pois esta “pressupõe um design estrutural direcionado para a construção de novas relações virtuais, principalmente pela forma que o perfil do indivíduo é exposto na plataforma e ofertado a outros usuários dela. A cada nova amizade, outras são ofertadas por similaridades em comportamentos, preferências e gostos entre eles. E esses novos contatos constroem uma cada vez maior teia relacional, muito pelos algoritmos da aplicação, justificando o rótulo aqui dado”2
2 https://www.conjur.com.br/2022-set-27/academia-policia-terminologia-conceito-redes-sociaiscrimes-ciberneticos/
De forma absolutamente diferente, o WhatsApp é um aplicativo de troca de mensagens privadas protegidas por criptografia ponta a ponta. Não conta com algoritmo, não apresenta novos contatos, não entrega mensagens para fora da rede privada e cadastrada no celular.
Tanto não há confusão entre o aplicativo de mensagens e as redes sociais que, em outras situações, essa diferença acabou por ser registrada nas decisões judiciais. É o que aconteceu, por exemplo, no INQ 4.921, quando Vossa Excelência determinou “a oitiva de especialistas em monitoramento de grupos de apoiadores de Jair Bolsonaro nas redes sociais e nas plataformas de mensageria Whatsapp e Telegram” – duas coisas absolutamente diversas, portanto.
Assim, não há que se falar ou mesmo supor qualquer ilegalidade e descumprimento nas mensagens enviadas por meio de “listas de transmissão” – o que a própria Polícia Federal esclarece estar limitado aos contatos salvos pelo Peticionário em seu aparelho.
E não há que se falar em desrespeito às cautelares quando o ex-presidente atendeu às ligações e chamadas de vídeo durante as manifestações realizadas no último dia 03 de agosto.
Conforme já demonstrado no agravo regimental interposto pela defesa contra a decisão que decretou a prisão domiciliar – e que ora se reitera, requerendo seu urgente julgamento –, nem o ex-presidente estava proibido de manifestarse, nem a mera saudação, sem qualquer pronunciamento, poderia ser sequer remotamente confundida com a produção de conteúdo ilegal para ser usado em milícias digitais.
A tentativa de incriminar o envio de mensagens privadas para sua lista de contatos é, de um lado, dar uma interpretação elástica às medidas cautelares impostas que, pelo contrário, deveriam ter sempre leitura restrita e precisa.
De outro, demonstra o que já foi apontado no agravo regimental interposto pela defesa: que as medidas cautelares receberam novos contornos e fundamentos com as sucessivas decisões, permitindo uma errônea interpretação que atinge a liberdade de expressão do Peticionário, devendo ser levadas a referendo pelo colegiado.
Por fim, mais uma vez se aproxima perigosamente de uma punição por atos de terceiros. Outros escolheram publicar mensagens – de mera saudação – em suas próprias redes sociais, mas não há uma só mensagem do Peticionário assim orientando. Bem ao contrário, ele ressalta que não poderia falar para não se “complicar”.
No mais, e para além da ausência de fatos novos ou mesmo contemporâneos, é certo que não há qualquer notícia de descumprimento de nenhuma das cautelares já impostas neste último um ano e meio.
Estes os esclarecimentos cabíveis.
Razão pela qual, prestados os esclarecimentos solicitados, aproveita-se para requerer a reconsideração no que toca à decisão que determinou a prisão domiciliar, ou caso Vossa Excelência assim não entenda, o julgamento urgente do agravo regimental interposto pela defesa no último dia 06 de agosto
Termos em que, Pede deferimento.
De São Paulo para Brasília, em 22 de agosto de 2025.
CELSO SANCHEZ VILARDI
OAB/SP 120.797
PAULO A. DA CUNHA BUENO
OAB/SP 141.616
DANIEL BETTAMIO TESSER
OAB/SP 208.351