
Prints da adolescência
A construção subjetiva do adolescente

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A construção subjetiva do adolescente

Patricia Rivoire Menelli Goldfeld Katya de Azevedo Araújo
Prints da adolescência: a construção subjetiva do adolescente
© 2025 Patricia Rivoire Menelli Goldfeld e Katya de Azevedo Araújo (organizadoras)
Editora Edgard Blücher Ltda.
Publisher Edgard Blücher
Editor Eduardo Blücher
Coordenador editorial Rafael Fulanetti
Coordenadora de produção Ana Cristina Garcia
Produção editorial Ariana Corrêa e Andressa Lira
Preparação de texto Rodrigo Botelho
Diagramação Thaís Pereira
Revisão de texto Ana Maria Fiorini
Capa Laércio Flenic
Imagem da capa iStockphotos
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br
Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 6. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, julho de 2021.
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora.
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Heytor Diniz Teixeira, CRB-8/10570
Prints da adolescência : a construção subjetiva do adolescente / organizadoras Katya de Azevedo Araújo, Patricia Rivoire Menelli Goldfeld. – São Paulo : Blucher, 2025.
192 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-212-2695-6 (impresso)
ISBN 978-85-212-2693-2 (eletrônico - Epub)
ISBN 978-85-212-2691-8 (eletrônico - PDF)
1. Psicanálise. 2. Psicologia da adolescência.
3. Desenvolvimento adolescente. 4. Subjetivação adolescente. 5. Escuta analítica de adolescentes. I. Título. II. Araújo, Katya de Azevedo. III. Goldfeld, Patricia Rivoire Menelli.
CDU 159.964.2
Índice para catálogo sistemático:
1. Psicanálise
CDU 159.964.2
Prefácio 9
Helena Surreaux
1. Adolescência e subjetividade no mundo contemporâneo 13
Helena Surreaux
2. Da puberdade à adolescência. Atualizações clínicas 29
Charo Maroño
3. Particularidades da transicionalidade no processo adolescente 41
Mara L. Horta Barbosa
4. A crise familiar no adolescer 49
Astrid Elisabeth Müller Ribeiro
5. Como sofre o adolescente 59
Caroline Milman
6. Adolescência – Ato e ato antissocial 71
Ane Marlise Port Rodrigues
7. Adolescência e corpo: o que marca o adolescente? 95
Aline Pinto da Silva
8. O lugar das adições no universo adolescente 105
Vera Elisabethe Hartmann
9. Adolescência e assassinatos em massa: uma visão psicanalítica 113
Ester Malque Litvin
10. Consciência geracional, exogamia e subjetivação na adolescência 129
Ana Rosa Chait Trachtenberg
11. Quando o desfecho é o suicídio – Contribuições de Donald Winnicott ao entendimento do tema 139
Fábio Martins Pereira
12. Mexendo no vespeiro 147
Juliana Lang Lima
13. A escuta do adolescente na clínica contemporânea 163
Denise Zimpek
14. Como se sai da adolescência? Da adolescência para a capacidade de adolescer 173
Paula Daudt Sarmento Leite
Helena Surreaux
A adolescência, como uma posição subjetiva que marca a transição entre o mundo da infância e a vida adulta, se constrói sobre uma íntima relação do sujeito com seu contexto social e cultural, de onde recolhe os significantes que possam brindar-lhe novos sentidos identitários.
O distanciamento em relação aos primeiros objetos de identificação empurra o adolescente para fora do ninho e o impulsiona para essa intensa fusão com o laço social, de tal forma que observar os formatos que vão tomando as adolescências permite traçar uma espécie de cartografia de para onde o mundo caminha.
E que podemos dizer sobre esse rumo a partir dos novos formatos que se apresentam e dialetizam com esse sujeito que vive a vulnerabilidade do afrouxamento da identidade infantil e da sensação de proteção advinda da crença no poder dos pais na infância? A delicadeza frágil desse ser, despossuído de suas auto e heteroreferências, empreendendo uma viagem ao desconhecido com pouca bagagem, o conduz por zonas de alto risco. Como se transitasse por uma estrada estreita, cercada por abismos de ambos os lados. E os abismos, é claro, cheios de vazio, são a mais acabada representação da morte. Fundamentalmente, o risco que enseja a passagem adolescente é um risco de morte.
Charo Maroño
Introdução
É conhecido que cada uma das etapas da vida humana tem suas especificidades, seus desafios e suas “tarefas psíquicas”. O trabalho na consulta clínica psicanalítica com pacientes púberes e adolescentes me permitiu observar suas características e processos psíquicos específicos.
Na puberdade sucedem-se marcadas mudanças somatoinstintuais que se caracterizam por acontecer de maneira acelerada e drástica, produzindo uma defasagem entre sua inscrição e sua representação psíquica.
Falar de mudanças somatoinstintuais na puberdade é, em certo sentido, usar um termo que costuma gerar controvérsias no âmbito psicanalítico. Entretanto, a escolha desse termo não é por acaso, já que, em definitivo, resgata e destaca a noção de soma como fatual e concreta, que indica a existência de um corpo biológico, base de um corpo sensorial, erógeno, pulsional e imaginário não poderia estruturar-se se não fosse sobre essa base.
Portanto, partindo de uma relação indissociável entre psique e soma, destacamos a incidência do somático no psíquico, que leva a mudanças em nível subjetivo.
Mara L. Horta Barbosa
Não há como falar de transicionalidade sem falar em Winnicott. Esse é um conceito cunhado por ele, fundamental na constituição do psiquismo.
Winnicott é um psicanalista da terceira geração de psicanalistas pós-freudianos e representa uma das maiores contribuições para o paradigma objetal na psicanálise. Sua vivência inicial como pediatra, antes de se tornar psicanalista, e a longa experiência com mães e bebês, o levaram a uma visão bastante humanística do indivíduo, priorizando a autenticidade e a singularidade de cada ser humano.
Tem uma obra bastante original, e seu conceito de “transicionalidade” é o mais importante no que se refere à subjetivação do indivíduo, existindo como um fenômeno presente ao longo de toda a vida. Aqui vamos abordar a “transicionalidade” em sua relação com o adolescer.
Começamos revisitando Winnicott, que define o “espaço transicional” como o terceiro espaço psíquico a ser criado, além do espaço existente do mundo interno – o EU – e do espaço externo – o Não EU. Esse terceiro espaço é o lugar compartilhado entre esses dois mundos.
Diz Winnicott (1953/1975) que é por meio do “espaço transicional”
Astrid Elisabeth Müller Ribeiro
No indivíduo que cresce, seu desprendimento da autoridade parental é uma das operações mais necessárias, mas também uma das mais dolorosas do desenvolvimento humano. Freud, Novela familiar dos neuróticos, 1908
A formação de um conflito entre gerações e sua resolução são tarefas da adolescência, e sem isso acontecer não ocorreria nenhuma reestruturação psíquica no adolescente (Kancyper, 1999). O adolescer, portanto, é um momento de uma crise geradora de muitas angústias tanto para o jovem como para a família. É nessa etapa do desenvolvimento normal que se enfrenta uma crise vital, quando tudo se modifica, desde seu corpo desconhecido até o mundo, que lhe exige agora posturas antes não exigidas. Tudo parece muito estranho, como observa Freud no seu clássico texto de 1919 “O estranho” (1996c [1919]), quando refere ser o fenômeno do estranho aquela categoria do que nos é conhecido, tem algo muito familiar, mas ao mesmo tempo é estranho e assustador. Entretanto, nem tudo o que é novo e não familiar é tão assustador como são essas mudanças no corpo e mente do adolescente, se pensarmos no que acontece no sentir desse jovem ao se perceber como um estranho no seu próprio corpo que agora habita. Ao ter um novo corpo o
Caroline Milman
A primeira questão que se coloca é: de que adolescente estamos falando? Estamos tratando do campo da normalidade ou do campo da patologia? Por tratar este livro de uma atualização da adolescência, vamos focar mais no campo da normalidade. E aí entra outra questão: o que podemos falar sobre a adolescência de um modo geral, como fase de vida e que lida com questões que, apesar das mudanças culturais e de épocas, seguem as mesmas, e o que é da ordem do contemporâneo?
Procuraremos abordar essas duas dimensões.
Antes de tudo, é preciso que se fale um pouco sobre o sofrimento. Na psicanálise essa palavra tem todo um sentido e é amplamente utilizada para muitas situações, tanto normais como patológicas, com suas nuances e graduações. É comum falarmos em “evitar o sofrimento”, defesas para não sofrer. O sofrimento pode ser visto como a primeira reação emocional diante de uma falta, a primeira fome, por exemplo, a primeira vez em que o bebê sente que precisa de algo. Freud (1987 [1895]), tentando articular uma explicação sobre as origens do psiquismo em seu “Projeto para uma psicologia científica”, entende que, embora o sofrimento seja necessário, ele deve ser experimentado em níveis mínimos, permitindo que o bebê possa recolher seus registros
Ane Marlise Port Rodrigues
A psicanálise foi concebida por Freud como a ciência que estuda e trata do inconsciente. Descreve as formações do inconsciente: os sonhos, os chistes, os atos falhos, os sintomas e o que se manifesta por meio de lembranças encobridoras, das repetições e da transferência (Freud, 1974 [1901], 1974 [1915]). Introduz a cura pela palavra, sendo por meio do ato de fala do analisando e do analista que podemos reconhecer e elaborar os desejos recalcados (inconsciente do recalcado) ou os excessos traumáticos que ficaram cindidos (inconsciente do cindido), ainda sem tramitação simbólica.
O ato falho é concebido como um equívoco na fala, na memória ou na ação; algo do inconsciente escapa ao recalcado e ao nosso controle consciente, mostrando algum desejo reprimido. Lacan (1999 [1957-1958]) dirá que o ato falho é um ato bem-sucedido, pois deixa transparecer uma tendência do inconsciente.
Acting out ou atuação são traduções para o ato no sentido do agir no lugar de recordar ou falar, o agieren descrito por Freud (1974 [1914]).
1 Versão revisada e ampliada de aula online ministrada no curso “Prints na adolescência”, da SBPdePA, em 9 de agosto de 2023
7. Adolescência e corpo: o que marca o adolescente?
Aline Pinto da Silva
O corpo para a psicanálise
O corpo para a psicanálise conta a história das primeiras relações do sujeito com o mundo. Para Christophene Dejours (2019), a partir do corpo biológico constrói-se gradativamente o corpo erótico por meio da interação entre o corpo do bebê e os cuidados dispensados pelos pais, os jogos corporais. Portanto, esse diálogo é marcado pelo funcionamento psíquico dos cuidadores, suas fantasias, sexualidade, suas histórias e pela cultura na qual estão inseridos. Sabemos que os elementos culturais e sociais participam da construção da função parental, se misturam e se unem aos elementos individuais e familiares de maneira profunda e precoce. Cada cultura representa o bebê à sua maneira, desenvolve suas práticas de cuidados infantis e interações entre as mães e seus bebês. Portanto, a qualidade dos cuidados, os afetos despertados, o desenvolvimento do corpo biológico da criança irão construindo o corpo erótico e progressivamente a subjetividade. “A colonização subversiva do corpo fisiológico pelo corpo erótico tem sempre um caráter inacabado e que, além das falhas inevitáveis que podem sobrevir ao longo do desenvolvimento, o corpo erótico precisa ser sempre reconquistado” (Dejours, 2019, p. 20). Na adolescência essa
Vera Elisabethe Hartmann
As adições são um fenômeno bem vivo que, de uma maneira ou de outra, toca de perto a experiência de cada um de nós. Estamos constantemente expostos aos seus efeitos. Decio Gurfinkel, 2022
“Adolescer” vem do latim adolescere, que significa “crescer” ou “desenvolver-se”. Daí derivam as palavras “adolescência” e “adolescente”.
O universo adolescente, para ser entendido, necessita ser definido. O conceito de adolescência, pode-se dizer que nasceu no século XIX. No século XX adquire seus fundamentos médicos. Certamente, porém, desde a Antiguidade sempre houve uma juventude e um problema da juventude. Os gregos limitavam o problema da passagem pubertária por meio do recrutamento militar (a efebia), ao passo que entre as meninas os ritos matrimoniais faziam as vezes de ritos de passagem. Já entre os romanos, o início da idade adulta é marcado pelo dia da tomada da toga viril, aos 17 anos (Delaroche, 2008, p. 3).
Diz esse mesmo autor que é clássico dizer que, nas adolescências primitivas, a adolescência não existia, porque fora substituída pelos ritos de iniciação. Esses ritos servem para resolver problemas
Ester Malque Litvin
Desde o final dos anos 1990, chacinas em escolas tornaram-se uma triste realidade nos Estados Unidos e vêm ocorrendo com cada vez mais frequência no Brasil.
A violência, sobretudo exercida por jovens adolescentes de classe socioeconômica elevada, tem sido, na atualidade, reiteradamente divulgada pela mídia.
Em 20 de abril de 1999, na Columbine High School, nos Estados Unidos, aconteceu o primeiro massacre em escola que chocou o mundo. Um tiroteio em massa que resultou na morte de treze pessoas, incluindo um professor e os atiradores. O crime foi transmitido em tempo real em muitos canais de televisão norte-americanos, o que levou ao questionamento sobre a influência negativa da mídia nesse tipo de crime.
O massacre foi cometido por dois estudantes do 3º ano do ensino médio do colégio, Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17 anos. Eles entraram na biblioteca do colégio e protagonizaram um dos maiores terrores vividos por estudantes. Em seguida, Eric e Dylan retornaram à cafeteria da escola, onde beberam água, descansaram e conversaram tranquilamente antes de voltar a matar.
Ana Rosa Chait Trachtenberg
De esportista a intelectual, de religioso a agnóstico, de roqueiro a barroco, de científico a empirista, em todo caso um sonhador: o adolescente não sabe onde ou como aterrisará seu Ego. Daí deriva seu grande interrogante e seu grande desafio. Até a infância a identidade se completava bastante com as afirmações “eu pertenço a esta família”, “eu sou filho de papai e mamãe”. Desfeita esta “pertença”, por dizer de algum modo, o adolescente necessita sair para conquistar novos territórios, diferentes “famílias”, novos enunciados em relação aos que o acompanharam e o sustentaram até a irrupção da sua necessidade . . . de ser e de querer ser, construtor ou co-construtor de si mesmo. . . Lerner, 2006
Desde sua primeiríssima migração, do ventre materno para o mundo externo, até a morte, o sujeito terá que cruzar os mais diferentes mundos na busca de espaços de subjetividade. A travessia adolescente é,
1 Versão revisada do capítulo “Consciência geracional, exogamia e subjetivação na adolescência”. In A. Trachtenberg, A. R. C. et al. (2018). Por que psicanálise vincular? Criação Humana.
Fábio Martins Pereira
O suicídio no Brasil e no mundo mostra-se um problema de saúde pública. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que mais de 700 mil pessoas morreram por suicídio em 2019, sendo esta a quarta causa de morte na faixa etária entre 15 e 29 anos. Várias ações realizadas no intuito de reverter esse quadro foram efetivadas; mas, infelizmente, nas Américas, a taxa subiu 17% no mesmo período. Além disso, para cada suicídio consolidado estima-se cerca de vinte tentativas não computadas (World Health Organization, 2021). No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, ocorrem cerca de 14 mil casos consumados por ano.1
Fenômeno complexo e de abordagem multidisciplinar, o suicídio possui inúmeros estudos com várias perspectivas desenvolvidas neles. Dentro da psicanálise, segundo Elisabeth Roudinesco, o tema remonta aos primórdios da disciplina, quando, em 20 de abril de 1910, Alfred Adler organizou uma reunião dedicada ao suicídio de crianças e adolescentes, sendo que em 1883 Sigmund Freud já se dedicara a analisar o tema em uma carta à sua noiva Martha (Roudinesco & Plon, 1998).
1 Disponível em: https://www.abp.org.br/setembro-amarelo
Juliana Lang Lima
Deve renunciar à prática da psicanálise todo analista que não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. Jacques Lacan, 1953
Poucas vezes me sinto hesitante quanto a algo que me proponho a escrever. Aliás, escrever, para mim, sempre ocupou o lugar de permissão –um espaço para elaborações diversas, em especial quando se trata da clínica, essa zona desafiadora que, com frequência, tensiona nosso corpo teórico e aquilo que tomávamos como convicções.
Contudo, o contexto desta escrita me colocou em dúvida por diversos momentos, e explico: não sou uma psicanalista especialista em infância e adolescência e tampouco em questões de gênero, embora seja uma curiosa contumaz, além de ter grande apreço pelo estudo da psicanálise em qualquer de suas aplicações. Pude avançar um pouco em minhas elaborações quando pensei que sou uma psicanalista clínica, que escuta a adolescência em seus analisandos adultos, atravessados pela sexualidade perverso-polimorfa descrita por Freud. Assim, parece-me que inicio este texto advogando em favor de duas
Denise Zimpek
A adolescência é o período devidamente marcado pelo contemporâneo, e nossa escuta nos leva para esse mundo atual em que o sujeito em formação procura um lugar. Dessa forma, não podemos pensar o adolescente sem levar em conta o vértice do espaço psíquico transubjetivo em que o sociocultural compõe a subjetividade do indivíduo, juntamente com os espaços intrapsíquico e intersubjetivo.
Esses espaços existirão desde a concepção, desde o desejo dos pais pelo bebê, e será no primordial vínculo mãe-bebê que o erotismo terá início. A partir do encontro do bebê com o seio que o alimenta, surgirá um caso de amor – a díade mãe-bebê. O desamparo do recém-nascido traz a necessidade de um invólucro protetor e simbiótico, possibilitando que, do ponto de vista do bebê, ele e a mãe sejam um só.
A identificação é um dos mecanismos constitutivos do Eu, e é demandada por um outro e pelo bebê, baseando-se na semelhança.
Para Aulagnier (1975), o discurso materno em relação ao bebê está matizado pelo discurso sociocultural, e se soma ao que o bebê representa para o inconsciente da mãe, apresentando-se na sua voz como uma espécie de sombra falada, que será projetada sobre ele, sobre
Paula Daudt Sarmento Leite
Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não imaginei: eu existo. Clarice Lispector, 1999
O capítulo final desta obra carrega o desafio de refletir sobre as possíveis transformações e processos subjetivos que representam o término da adolescência. Uma das etapas mais marcantes do desenvolvimento humano, por um lado carregada de excesso pulsional, conflitos e lutos, mas, por outro, de muito crescimento emocional, a adolescência ganha destaque no campo teórico da psicanálise acerca de seu ponto de partida e travessia. Porém, quanto ao seu desfecho, os escritos são mais escassos e reservados. A etapa final da adolescência não é uma constituição universal, sendo relativizada conforme os discursos de cada época. Da mesma forma que a vida do homem está mais longeva, a adolescência tem se prolongado na modernidade.
Sabemos que a cultura contemporânea favorece e gera expectativas sobre a saída da infância e a entrada na puberdade, em função das marcantes mudanças corporais e comportamentais esperadas para se alcançar o ideal de juventude que vigora em nosso tempo. Mas o

O adolescer é uma fase de transição no processo de desenvolvimento do sujeito que envolve tanto aspectos psíquicos como corporais. Abrir mão da infância, lidar com o luto dessa fase e com a despedida do corpo que até então existia, para enfrentar as transformações orgânicas e psíquicas, fruto dos efeitos hormonais que levam o adolescente a se desconhecer e a se reconhecer diante do novo que se apresenta, não é tarefa fácil. É uma fase da vida cheia de interrogantes, de desconhecimento, ao mesmo tempo que tem a onipotência e a coragem como marcas significativamente fortes. Diante das transformações socioculturais ocorridas nos últimos anos, os profissionais que cuidam da saúde mental, em especial nós, psicanalistas, fomos provocados a estudar cada vez mais, a atualizar os conhecimentos para compreender as alterações advindas de um sujeito em constituição. Este livro nos convida a percorrer caminhos que, de alguma forma, todos já trilhamos, para que, utilizando referenciais teóricos e clínicos, possamos aprofundar nossa capacidade de escuta e intervenção diante dos nossos pacientes.
