WALTER LONGO

Como a publicidade trocou a fantasia
pela realidade e perdeu seu encanto
Este não é um livro sobre técnicas de marketing, nem um manual de branding.
É uma obra filosófica — e profundamente cultural — sobre o papel da publicidade na construção do imaginário contemporâneo.
Em doze capítulos densos e provocativos, o autor investiga como a migração da publicidade do aspiracional para o identitário afetou não apenas a estética das campanhas, mas a própria lógica do desejo. O que acontece com uma cultura que prefere o real ao simbólico? O ético ao encantador? O testemunho à ficção?
De forma instigante e ensaística, o livro percorre temas como a morte do glamour, a ascensão dos influencers como xamãs contemporâneos, o colapso da narrativa na era do scroll infinito, e a possibilidade de uma redenção simbólica da comunicação .
Mais do que uma crítica à publicidade, este livro é um espelho incômodo da cultura. E talvez também, uma lâmpada acesa — para quem ainda ousa desejar.
Como a publicidade trocou a fantasia pela realidade e perdeu seu encanto
PÁG 04 06
O Vazio Aspiracional e a Ascensão dos Influencers
PÁG 38
02 01
O Totem Perdido: A Função Mágica da Propaganda
PÁG 08
O Espelho Quebrou: Do Sonho à Realidade
PÁG 14
PÁG 44
Storyselling vs. Storybeing: Quando o Contador de Histórias Vira Testemunha Os Novos Templos da Indiferença
PÁG 49
PÁG 26 03 04
A Ditadura da Identidade
PÁG 20
05
Convencer vs. Persuadir
PÁG 56 07 08 09 11 10
O Futuro do Desejo: É Possível Retomar o Aspiracional?
O Nascimento da Cultura do Scroll
PÁG 60
A Crise da Publicidade é a Crise do Imaginário
PÁG 64
A Morte do Desejo: Como o Consumidor Parou de Sonhar
PÁG 32
PÁG 70 12
A Trilha da Irrelevância ou da Redenção?
Agora, ela nos faz lembrar que estamos acordados.
Há algo de estranho acontecendo com a publicidade. Antigamente, ela nos fazia sonhar com o que poderíamos ser. Hoje, parece determinada a nos lembrar apenas do que somos. Se antes a propaganda nos conduzia a um universo idealizado — de carros reluzentes, famílias harmônicas e corpos perfeitamente desenhados — agora ela nos devolve,
com entusiasmo quase militante, o retrato cru do cotidiano: pessoas comuns, roupas desleixadas, ambientes caóticos, e uma estética propositalmente despretensiosa.
Esse livro nasce de uma dúvida, não de uma certeza. E é importante que isso fique claro desde o início. Não se trata aqui de
um manifesto nostálgico ou de um lamento conservador sobre “os bons tempos da publicidade”. Trata-se, antes, de uma investigação crítica sobre uma transformação profunda que redefiniu a linguagem, a estética e a função simbólica da propaganda nas últimas duas décadas — e cujas consequências talvez ainda não tenhamos compreendido inteiramente.
A tese que guia esta obra é simples, mas inquietante: em algum ponto entre o final do século XX e o início do século XXI, a publicidade abdicou do seu papel de construtora de sonhos e assumiu a missão de refletir identidades. Em vez de nos convidar a desejar, passou a nos encorajar a nos reconhecermos. Essa mudança, que à primeira vista pode parecer ética, inclusiva e justa — e em muitos sentidos é —, talvez tenha trazido consigo um efeito colateral inesperado: a perda da vontade de consumir.
Sim, porque o consumo — gostemos ou não — sempre foi movido mais pelo desejo do que pela necessidade, mais pelo imaginário do que pelo espelho. As pessoas compram não para repetir quem já são, mas para experimentar quem gostariam de ser. Ao substituir o ideal pelo real, a publicidade pode ter se tornado, paradoxalmente, mais representativa e menos persuasiva.
Este livro propõe, portanto, um questionamento: ao abandonar o território do aspiracional e adotar o da identidade, a publicidade estaria traçando sua própria trilha rumo à irrelevância? Estaria ela abrindo mão da sua potência simbólica em nome de uma nova ortodoxia politicamente correta? E mais: será que, ao rejeitar o supérfluo como estética e discurso, não está minando as próprias bases emocionais que sustentam o consumo?
A narrativa se desenrolará em doze capítulos que atravessam a história, a semiótica, a antropologia, o comportamento do consumidor e a própria evolução das marcas. Vamos revisitar os tempos em que a publicidade operava como um ritual mágico — transformando objetos banais em amuletos de status e desejo — até chegar ao presente, em que a estética do engajamento parece ter substituído a lógica da sedução.
Mais do que um ensaio sobre propaganda, este é um ensaio sobre a natureza do desejo na cultura contemporânea. Porque talvez a pergunta que mais importa, no fim das contas, não seja sobre o futuro da publicidade, mas sobre o futuro do próprio desejo humano: o que será dele, agora que o espelho substituiu a lâmpada mágica?
CAPÍTULO
Durante grande parte do século XX, a publicidade não vendia apenas produtos — ela vendia mundos. Vestida de ritual simbólico, funcionava como um elo entre o consumidor e seus desejos mais profundos, muitas vezes inconfessáveis. Ancorada na promessa da transcendência cotidiana, ela transformava um cigarro em emblema de liberdade, um carro em sinal de virilidade, um perfume em símbolo de poder de sedução. Ao operar com arquétipos, ela tocava em zonas primordiais da psique humana. Era um teatro moderno das vontades — uma espécie de xamanismo midiático.
Essa função mágica da publicidade — hoje relegada à memória — merece ser revisitada com as lentes da antropologia e da semiótica. Para Claude Lévi-Strauss, os mitos não servem apenas para explicar o mundo, mas para dar forma e sentido às contradições humanas. A publicidade, nesse contexto, não era apenas um mecanismo de consumo, mas uma engenharia simbólica , capaz de reencantar a vida ordinária com a lógica extraordinária do mito.
Em sociedades tribais, o totem representava a ligação sagrada entre um grupo e seu animal ou planta de referência — um emblema que condensava valores, regras e identidade coletiva. No século XX, as marcas tomaram para si esse lugar simbólico.
Marlboro, Coca-Cola, Chanel, Levi’s, BMW — não eram apenas logotipos; eram emblemas totêmicos de pertencimento, aspiração e transformação .
A
publicidade não apontava para o produto, mas para o valor simbólico que ele representava.
A “Terra de Marlboro”, por exemplo, não vendia um cigarro. Vendia o mito da masculinidade autêntica , do homem livre, solitário, viril, fundido à paisagem inóspita do deserto. Não se fumava Marlboro — encarnava-se o cowboy. E isso bastava para que a realidade ganhasse contornos épicos. A publicidade funcionava, então, como um totem contemporâneo: não apontava para o produto, mas para o valor simbólico que ele representava.
Se na tribo o xamã era o mediador entre o mundo terreno e o mundo espiritual, no mundo da mídia o publicitário ocupava posição análoga. Ele não apenas “criava anúncios”, mas mediava significados entre marcas e consciências . Extraía do mundo real os sinais culturais em ebulição e os devolvia reconfigurados como narrativas de consumo. Era um construtor de fábulas visuais. Suas armas: metáfora, arquétipo, montagem, desejo.
Barthes, em Mitologias , já havia percebido esse fenômeno quando analisou anúncios como formas modernas de mitologia. Para ele, a publicidade não diz: “Compre este carro”, mas sim: “Seja este homem que dirige este carro”. A linguagem publicitária era a forma mais sofisticada de conotação cultural , onde cada gesto, cada cor, cada silêncio significava mais do que parecia.
Os comerciais de margarina dos anos 70 e 80, por exemplo, não mostravam uma refeição comum. Eram cenas sacralizadas do convívio familiar, iluminadas por uma aura de perfeição. A mulher aparecia como a deusa doméstica — cabelos escovados, sorriso leve, guardiã da harmonia matinal. O marido, um cavaleiro urbano que se despedia para mais uma jornada épica. As crianças, pequenos querubins civilizados. Era a encenação de um ideal, não a documentação de um fato. Um ritual de pertencimento simbólico ao “mundo como deveria ser”.
Os anúncios de perfumes e carros seguiam a mesma lógica. Um carro, especialmente nos comerciais de marcas como BMW, Mercedes ou Mustang, não era apenas um meio de transporte. Era uma extensão do ego, um sinal visível de conquista e potência . Um perfume não era apenas aroma — era a fragrância do sucesso, da sedução, da vitória pessoal. E mesmo os objetos triviais — como uma gilete ou um tênis — ganhavam dimensões míticas quando submetidos ao feitiço publicitário.
Ao atuar nesse campo simbólico, a publicidade construía pontes entre o desejo e o signo . Não era necessário que o produto fosse útil — bastava que ele significasse . O consumo não se dava pelo valor de uso, mas pelo valor de representação. Um carro importado não acelerava melhor — ele falava mais alto . Um relógio suíço não media melhor o tempo — ele enunciava prestígio.
A partir dessa lógica, o ato de consumir não era apenas uma transação econômica, mas um ritual identitário . Cada compra selava um pacto com um ideal de si mesmo. A publicidade, nesse sentido, não era o que nos enganava — era o que nos encantava . E havia um valor nisso.
Com a entrada dos anos 2000, essa função simbólica começou a ser desconstruída. O totem perdeu sua aura. O xamã foi substituído pelo algoritmo. A estética do sonho cedeu espaço à estética da realidade. A publicidade passou a operar sob a lógica do espelho — e não mais da lente. Deixou de criar mundos alternativos para se tornar apenas reflexo do mundo tal como é. E com isso, o poder mágico da propaganda foi gradativamente se diluindo .
Mas ainda é cedo para decretar o fim. Talvez estejamos apenas entre rituais. Talvez a publicidade precise reencontrar um novo tipo de magia. Talvez, como toda boa narrativa mítica, esta também seja apenas o primeiro ato de uma longa jornada de retorno.
Houve um tempo em que os comerciais de margarina pareciam saídos de um conto de fadas. O café da manhã era servido em uma mesa impecável, com talheres reluzentes, suco fresco e pão dourado. A mulher da casa usava maquiagem suave às sete da manhã, o marido beijava-lhe a testa com ternura e as crianças — sempre sorridentes — pareciam ter saído de um catálogo sueco.
Não era real. Nunca foi. E todos sabiam disso. Mas não importava: a função da propaganda era, justamente, mostrar não o que é, mas o que poderia ser. Ela vendia promessa, não documento.
Por décadas, a publicidade se alimentou dessa lógica do ideal: mostrar o mundo não como ele é, mas como gostaríamos que fosse. Era o território da projeção, da elevação simbólica do cotidiano. Não se vendia sabão — vendia-se pureza.
Não se vendia carro — vendia-se status. A propaganda erguia universos possíveis, recortados e estilizados, mas irresistivelmente desejáveis.
No entanto, algo mudou — e mudou rápido.
A partir dos anos 2000, uma nova mentalidade começou a ganhar corpo no universo da comunicação. A palavra de ordem passou a ser representatividade. Os comerciais, antes carregados de glamour e idealização, começaram a ceder espaço para o “realismo publicitário”. De repente, a mulher da margarina apareceu de pantufas e coque malfeito. As crianças já não sorriam — gritavam, se sujavam, brigavam. O marido lia o jornal, apático, alheio ao caos.
A mesa, antes símbolo de harmonia familiar, virou um campo de batalha da vida comum.
A função da propaganda era, justamente, mostrar não o que é, mas o que poderia ser.
Esse novo paradigma se expandiu para todos os segmentos. Marcas de roupas passaram a fotografar modelos “reais”: corpos fora dos padrões, pessoas comuns, diversidade estética como bandeira. A publicidade de cerveja, antes terreno exclusivo de corpos esculpidos e festas artificiais, abraçou a espontaneidade de rodas de amigos desajeitados. Carros deixaram de ser objetos de desejo — passaram a ser utilitários, práticos, funcionais. O luxo se tornou uma culpa. O supérfluo, um pecado.
Em nome da autenticidade, a publicidade substituiu o arquétipo pelo cotidiano, o mito pelo relato, o símbolo pelo literal. E isso alterou profundamente não apenas a estética dos anúncios, mas sua função comunicacional. Onde antes havia convite ao sonho, agora há constatação do real. O slogan não diz mais “seja mais” — diz “você já é suficiente”.
Essa virada não foi aleatória. Ela refletiu transformações culturais mais amplas. O novo milênio trouxe consigo a ascensão de discursos sociais centrados em inclusão, diversidade, combate a estereótipos e desconstrução de padrões de beleza. A publicidade, como espelho cultural por excelência, respondeu — e até se antecipou. O problema não está na intenção (legítima) de ampliar vozes, mas na consequência não prevista: a perda da magia simbólica que sustentava a lógica do desejo.
O novo ethos publicitário prega a naturalização total da imagem. Fotos sem tratamento. Sotaques regionais. Erros intencionais. Cenas espontâneas. Tudo em nome de uma estética da verdade — mesmo que, paradoxalmente, construída de forma tão artificial quanto a antiga idealização.
Aqui se rompe o espelho. A publicidade deixa de ser uma lente que embeleza o mundo para virar um espelho que o reflete. Mas o espelho não seduz. O espelho não convida à transformação. O espelho apenas constata.
Barthes escreveu que “a realidade é um efeito de linguagem”. A nova publicidade acredita o contrário: que basta mostrar o real para que ele convença. Mas o real, isoladamente, não persuade — apenas informa. E no mundo da sedução simbólica, informar é muito pouco.
Na esteira desse realismo publicitário, assistimos à lenta erosão dos grandes ícones que sustentaram a mitologia de consumo no século XX. A mulher poderosa de Chanel deu lugar à garota que “se ama como é”. O homem de Marlboro foi substituído por um pai atarefado e exausto. O casal romântico do vinho virou dois amigos dividindo uma taça em uma sala bagunçada.
Claro, é possível argumentar que essa mudança foi um avanço civilizatório. E talvez tenha sido. Mas o ponto aqui é outro: ao desconstruir os ícones, perdemos os totens. E sem totens, o consumo perde sua carga ritual. O produto deixa de ser uma promessa e vira apenas um objeto.
E sem promessa, não há impulso simbólico de compra.
A publicidade sempre foi, no fundo, uma lâmpada de Aladim. Um artefato simbólico capaz de materializar desejos e projetar identidades idealizadas. Ao abandoná-la em favor de um espelho, a propaganda abandonou também seu papel encantatório.
Hoje, vivemos em um mercado saturado de marcas que não prometem mais nada. Não prometem status, beleza, liberdade ou conquista. Prometem apenas pertencimento. Mas o pertencimento, quando não é aspiracional, é um convite à estagnação — não à transformação.
Este é o dilema que se impõe: ao tentar mostrar a vida como ela é, a publicidade corre o risco de matar o impulso de desejar a vida como ela poderia ser. O espelho quebrou. E talvez, junto com ele, tenha se quebrado também o feitiço que sustentava a comunicação de consumo.
CAPÍTULO
O desejo foi substituído pela identificação. O glamour, pela validação. A publicidade — antes operadora de mitologias, construtora de universos idealizados — passou a funcionar como uma plataforma de afirmação existencial . O novo imperativo criativo é: representar todas as vozes, dar visibilidade a todas as formas de ser, amar, viver e consumir.
A propaganda, historicamente moldada para seduzir, tornou-se instrumento de reparação simbólica . Mulheres negras, corpos fora do padrão, pessoas trans, casais homoafetivos, idosos ativos, pessoas com deficiência — todos os grupos invisibilizados passaram a ter lugar na vitrine publicitária.
É um avanço ético, sim. Um movimento civilizatório, sem dúvida. Mas a pergunta que este livro se propõe a fazer não é moral, e sim simbólica:
o quanto dessa nova lógica compromete a função essencial da publicidade, que é persuadir e mobilizar desejos?
O novo brief publicitário não exige mais apenas uma boa ideia, um conceito original ou uma narrativa impactante. Ele exige um check-list identitário. Uma espécie de compliance sociocultural. Representar todas as minorias — e ao mesmo tempo. Equilibrar raças, corpos, gêneros, idades, sotaques. A publicidade tornou-se um território minado, onde o medo de errar supera a vontade de criar.
A consequência estética desse movimento é o surgimento de um padrão paradoxal: o caos como norma. Com receio de hierarquizar, a narrativa se dissolve. Para não excluir, o foco se fragmenta. O storytelling dá lugar ao story-listing — uma sucessão de cenas e personagens que não contam uma história, mas apenas exibem um inventário de presenças.
Essa estética da hiperdiversidade, embora nobre em sua intenção, frequentemente resulta em peças confusas, com excesso de mensagens justapostas, sem clímax, sem tensão simbólica, sem direção emocional. O resultado? Campanhas que engajam no social, mas não convertem no comercial.
Nas últimas duas décadas, muitas marcas passaram a operar como agentes políticos. Não basta mais vender. É preciso se posicionar. Defender causas. Rejeitar silêncios. Vestir bandeiras. E, acima de tudo, performar o tempo inteiro um estado de virtude.
Neste novo cenário, o marketing tradicional — centrado em atributos do produto, diferenciação e apelo simbólico — deu lugar ao marqueting militante, onde o discurso da marca precisa demonstrar consciência histórica, empatia e compromisso social. E isso é, por si só, uma mudança radical.
O problema é que, ao assumir esse papel de consciência social da sociedade, muitas marcas se afastaram daquilo que as tornava desejáveis: sua capacidade de prometer mais, de elevar o consumidor, de fazer sonhar. A comunicação se tornou um ensaio moral. E a marca, um púlpito pedagógico.
Essa nova postura moralizante introduz um ponto-chave: ser ético não é o mesmo que ser sedutor. Uma marca pode ser impecavelmente consciente e, ainda assim, ser esquecida. Pode ser inclusiva e irrelevante. Pode representar o mundo com justiça, mas não criar nenhuma faísca simbólica que mova o consumidor à ação.
O paradoxo é evidente: ao tentar representar todos, a marca corre o risco de não se conectar verdadeiramente com ninguém. Ao tentar incluir o todo, ela dilui o foco, apaga o arquétipo, dissolve o símbolo. A identidade como critério criativo absoluto enfraquece a comunicação como narrativa simbólica.
É fundamental reconhecer os méritos desse novo paradigma. Ele rompe com décadas de invisibilidade. Abre espaço para corpos e histórias que antes não existiam na imaginação midiática. Reposiciona a publicidade como vetor de transformação social. Reforça a noção de que o consumo também pode ser um ato político.
Mas também é preciso ter clareza sobre o que se perdeu nesse processo. Perdeu-se a clareza da promessa simbólica. Perdeu-se a aura, a sedução, a estilização, o jogo do imaginário. Perdeu-se a coragem de criar personagens maiores que a vida, porque agora tudo precisa caber no mundo real — ou no mundo idealizado da correção moral.
A publicidade, ao se tornar um espelho das identidades fragmentadas, deixou de ser uma janela para o extraordinário.
Nenhuma peça publicitária conseguirá representar todas as identidades simultaneamente — e não deveria tentar. A tentativa de inclusão absoluta é não apenas impossível, mas contraproducente. Ela desidrata a narrativa, transforma o criativo em burocrático, e o desejo em estatística.
O valor da representatividade não está na onipresença, mas na profundidade simbólica com que certos personagens são trabalhados. Uma única imagem pode ser mais transformadora do que mil presenças superficiais. A força da inclusão está na potência do arquétipo, não na soma das tipologias humanas.
Se antes a publicidade errava por idealizar demais, hoje talvez peque por normalizar em excesso. O desafio está em encontrar um novo ponto de equilíbrio: onde o discurso social não sufoque o encantamento simbólico. Onde a inclusão não anule a estética. Onde o respeito à diversidade não signifique a morte do desejo.
A publicidade não precisa escolher entre sonho e justiça. Ela precisa aprender a sonhar de forma justa. E talvez esse seja o grande desafio criativo do nosso tempo.
Nenhuma peça publicitária conseguirá representar todas as identidades simultaneamente — e não deveria tentar.
Em Retórica, Aristóteles definiu três caminhos possíveis para que um discurso atinja sua finalidade: logos (a razão), ethos (a credibilidade) e pathos (a emoção). Convencer é, em essência, um trabalho de logos — trata-se de apresentar argumentos racionais, estruturados, verificáveis.
Já persuadir é mais profundo, mais sutil e, por isso mesmo, mais poderoso. A persuasão ocorre quando se ativa o pathos , quando se toca em zonas emocionais e simbólicas do interlocutor, muitas vezes de maneira inconsciente.
Durante grande parte do século XX, a publicidade soube manipular esses três registros com maestria. Mas seu verdadeiro trunfo estava no pathos . Ela não buscava apenas convencer que um produto era bom — ela persuadia que ele tornaria o consumidor melhor . Que o perfume não era apenas agradável — era uma chave de sedução. Que o carro não era apenas veloz — era um símbolo de status. Que o terno não era apenas elegante — era o uniforme de um vitorioso.
Essa era a lógica da sedução simbólica . Uma linguagem oblíqua, ritual, mítica. Um convite a ultrapassar a condição presente em direção a uma versão mais desejável de si mesmo .
O papel do publicitário, nesse modelo, era muito mais do que apresentar um produto: era construir um discurso performativo, uma narrativa que deslocava o espectador da realidade para um universo de possibilidades. Um bom comercial não era informativo — era transformador. Ele não explicava. Ele enfeitiçava.
Essa é a diferença fundamental entre uma comunicação que convence e uma que persuade. A primeira opera pela lógica, pela comprovação, pela razão. A segunda trabalha com símbolos, metáforas, arquétipos. A primeira responde à pergunta “por que comprar?”.
A segunda responde a “quem você quer ser ao comprar isso?”
A publicidade aspiracional era uma forma sofisticada de narrativa totêmica . Ao adquirir um produto, o consumidor se sentia não apenas satisfeito, mas reconfigurado . Um bom comercial funcionava como um espelho mitológico: não refletia o que somos, mas o que gostaríamos de ser.
A virada para o identitário e o politicamente correto trouxe com ela uma mudança profunda na lógica retórica da propaganda. A nova publicidade se apoia menos no pathos e mais no ethos e no logos. O importante agora é parecer confiável, consciente, correto. A retórica da sedução foi substituída pela retórica da autenticidade.
Os comerciais querem mostrar que a marca é ética, engajada, informada, alinhada com as pautas contemporâneas. Tentam gerar empatia, estimular identificação, provocar pertencimento. Mas raramente provocam desejo.
E aqui está o ponto crítico: identificação não é aspiração. A empatia gera conforto, mas não necessariamente movimento.A iden-
Um
comercial
não refletia o que somos, mas o que gostaríamos de ser.
tificação promove reconhecimento, mas não impulsiona transformação. O desejo, por outro lado, nasce da tensão entre o que sou e o que posso ser. E é essa tensão que a nova publicidade parece ter abandonado.
Ao racionalizar a comunicação, a publicidade tornou-se funcional demais. Ao moralizá-la, tornou-se previsível demais. E ao emocionalizar sem erotizar — no sentido amplo do termo —, tornou-se inócua demais.
A marca que tenta convencer com dados, causas, depoimen-
tos ou declarações de valores pode até ser respeitada. Mas dificilmente será desejada. E desejo, vale lembrar, sempre foi a moeda simbólica mais valiosa do universo do consumo.
Por isso, uma publicidade que convence, mas não persuade, está fadada à irrelevância.
Se quisermos reencontrar a potência da publicidade, será preciso reconectar com a arte da persuasão simbólica. Isso não significa voltar ao glamour vazio ou aos estereótipos do passado. Significa apenas relembrar que a função primária da propaganda não é informar, mas transformar.
Transformar o trivial em mágico. O produto em experiência. O consumidor em protagonista de uma narrativa.
Significa aceitar que o desejo não nasce da transparência, mas da sugestão. Que o encantamento não está na realidade, mas na sua estilização. E que a comunicação que realmente mobiliza não é aquela que reflete o mundo como ele é, mas aquela que propõe um mundo como ele poderia ser.
que convence, mas não persuade, está fadada à irrelevância.
CAPÍTULO
Durante o século XX, especialmente em sua segunda metade, o consumo deixou de ser apenas uma resposta a necessidades funcionais. Ele se transformou em uma ferramenta de projeção existencial. O ato de consumir passou a ser, também, o ato de se tornar. A publicidade — como principal operadora simbólica da sociedade de consumo — vendia essa promessa: não compre um objeto; compre uma identidade.
A cultura aspiracional floresceu nesse contexto. O carro era mais do que um veículo: era potência, conquista, liberdade. A casa era mais do que abrigo: era símbolo de status, estabilidade, sucesso. A roupa, mais do que vestimenta: uma declaração de estilo, pertencimento e singularidade.
O consumo era ritualizado. Havia expectativa, desejo, conquista. Um adolescente passava anos sonhando com o primeiro carro. Um jovem casal imaginava, com solenidade, o dia em que teria sua própria casa. As campanhas publicitárias sabiam disso — e amplificavam o sonho. A publicidade não informava: encenava mitologias modernas.
A partir dos anos 2000, como já analisado nos capítulos anteriores, iniciou-se um movimento de abandono do ideal em favor do real. A publicidade deixou de construir arquétipos e passou a valorizar identidades concretas. O glamour deu lugar à autenticidade. A sedução foi substituída pela empatia.
Essa transição, no entanto, teve um custo: a erosão do desejo como força motriz do consumo.
A nova publicidade não desperta vontade — desperta reconhecimento. E há uma diferença fundamental entre se reconhecer e desejar. O desejo, por definição, exige falta, distância, tensão. O reconhecimento, por sua vez, gera conforto, familiaridade, imobilismo.
Como resultado, o impulso de consumir perdeu seu caráter ritual e se tornou utilitário. Compra-se aquilo que se precisa, não mais aquilo que nos transforma. O consumidor moderno não sonha com um carro — quer um meio de transporte eficiente. Não deseja uma casa como símbolo — prefere o aluguel como flexibilidade. Não quer uma marca de roupa para se diferenciar — busca conforto, preço justo e sustentabilidade.
Esse novo ethos é visível nas gerações mais jovens, especialmente os chamados millennials e gen Z . Pesquisas recentes mostram que cada vez menos jovens tiram carteira de motorista. A posse é substituída pelo acesso. O luxo é substituído pela praticidade. O sonho é substituído pela adequação funcional.
Estamos diante do mundo anti-Marlboro: um universo sem glamour, sem heróis, sem rituais iniciáticos.
Byung-Chul Han, em A Socie
dade da Transparência e A Sociedade do Cansaço, nos oferece uma chave poderosa para entender essa mutação cultural. Segundo ele, vivemos num tempo em que tudo precisa ser visível, explicável, rastreável.
Nada pode mais permanecer no domínio do mistério, do simbólico, do ambíguo.
Nesse contexto, a publicidade aspiracional — que operava com metáforas, sutilezas, desejos implícitos — se torna quase indecente. O mundo exige autenticidade radical, sinceridade constante, presença contínua. A sedução, que pressupõe distân-
cia e jogo, perde espaço para a exposição. O sonho morre sufocado pela literalidade.
Lipovetsky completa essa análise ao afirmar que estamos numa era do hipermodernismo, marcada pelo consumo rápido, fragmentado, descartável. O consumidor não busca mais objetos de valor simbólico duradouro — busca estímulos instantâneos. E a publicidade, cada vez mais escrava do engajamento digital, reforça essa lógica: campanhas efêmeras, virais, baseadas em gatilhos momentâneos — mas sem narrativas duradouras, sem mitos fundadores, sem encantamento.
O cenário que emerge é o de um consumidor pós-desejo. Um sujeito pragmático, consciente, cansado e saturado. Um sujeito que não sonha com a lâmpada de Aladim porque já sabe que ela não existe — e talvez nem queira mais sonhar. Um sujeito que consome por necessidade, não por imaginação. Que prefere marcas éticas a marcas encantadoras. Que valoriza mais o propósito do que o símbolo.
Mas esse novo consumidor, embora mais lúcido, talvez também seja menos vivo simbolicamente. Sua relação com o consumo é econômica, não ritual. É funcional, não identitária. Ele está protegido do engano publicitário — mas também está imune ao encantamento.
E aqui reside o risco maior para o mercado: a atrofia do desejo como motor do capitalismo simbólico. Se ninguém mais deseja aquilo que não é necessário, o consumo cai. Se todos se satisfazem com o suficiente, a roda desacelera. A publicidade perde seu papel de catalisadora de impulsos, e se torna apenas uma legenda do presente.
O paradoxo é brutal: ao optar por não mais enganar, a publicidade deixou de fascinar. E, ao abdicar da promessa simbólica, selou sua entrada na irrelevância emocional.
Se, como dizia Lacan, “o desejo é o desejo do Outro”, a publicidade precisa urgentemente recuperar sua capacidade de encarnar esse Outro — aquele que convoca, inquieta, seduz. Porque sem desejo, o consumo perde a alma. E sem alma, o mercado é apenas um estoque.
Quando a publicidade abandonou sua vocação simbólica, abriu mão também do papel de totem cultural. Durante décadas, as marcas construíram universos mitológicos — Marlboro, Dior, Nike, Absolut, Jaguar — símbolos que encarnavam valores arquetípicos como liberdade, poder, conquista, rebeldia, sedução. O comercial era um portal para esses mundos — cuidadosamente cenografado, roteirizado, iluminado, narrado.
Mas ao optar por espelhar o real em vez de projetar o ideal, a publicidade esvaziou seu próprio capital simbólico. As campanhas passaram a girar em torno do cotidiano, da normalidade, da diversidade factual. E, com isso, deixaram de produzir encantamento.
O resultado foi uma lacuna. O desejo não desapareceu — apenas migrou. E nesse vácuo, surgiram os influencers digitais. Não se trata aqui de uma mera substituição de mídia ou formato. Trata-se de uma transferência de autoridade simbólica.
Os influencers não vendem produtos — vendem estilos de vida. São eles que, hoje, personificam o glamour, o inacessível, o aspiracional. São eles que vestem a grife com naturalidade, que viajam para onde poucos vão, que almoçam em rooftops, que vivem a vida com filtros — mas também com fascínio. Enquanto as marcas se contentaram em parecer “normais”, os influencers ocuparam o espaço do exagero encantador, da vida-desejo.
Diante dessa nova configuração, as marcas passaram a fazer algo curioso — e revelador: pagam para estar ao lado daquilo que abandonaram.
Pagam para influencers fazerem por elas o trabalho de construção simbólica que antes era feito pelas próprias campanhas. Investem milhões em publiposts, collabs, vídeos patrocinados e ativações com creators que têm o que as marcas perderam: poder narrativo sobre o desejo alheio.
TEM
1. PERDA DE CONTROLE SOBRE A NARRATIVA: o influencer é, por definição, um agente autônomo. Ele filtra, adapta e reinterpreta a mensagem da marca. A aura que se cria não é mais da empresa — é do indivíduo.
2. RISCO DE REPUTAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO: a dependência de figuras públicas sujeita as marcas às crises de imagem alheias — cancelamentos, incoerências, escândalos.
O capital simbólico deixa de ser construído internamente e passa a ser alugado .
3. INFLAÇÃO DO DESEJO E EROSÃO DO VÍNCULO: quanto mais uma marca investe em influencers para parecer desejável, menos ela é, de fato, autora do próprio desejo. O público reconhece a artificialidade da associação. O desejo vira encenação.
É a contradição definitiva: marcas que abandonaram a ficção do glamour publicitário agora precisam da ficção glamourosa dos influencers para continuarem relevantes.
O influencer é o novo xamã da era digital. Ele cria rituais simbólicos por meio do lifestyle. Ele transforma o consumo em narrativa pessoal. Ele simula autenticidade com uma estética controlada — o bastidor cuidadosamente espontâneo. Mas, ao contrário dos publicitários do século XX, ele não trabalha para o coletivo — ele trabalha para si . E isso muda tudo.
Ao transferirem sua função simbólica para essas figuras, as marcas abandonaram seu
papel de criadoras de universos para se tornarem satélites da imagem alheia . Perderam protagonismo simbólico. Em vez de serem referência, passaram a ser coadjuvantes no teatro de outros.
O mais irônico é que o público sabe disso. O cinismo digital já reconhece o “post pago”, o “recebido”, a “parceria”. O feitiço do influencer já não tem o mesmo efeito ritual de antes. E isso coloca as marcas diante de um dilema existencial: sem publicidade aspiracional, e com influencers saturados, quem conduzirá o desejo no futuro?
O vazio aspiracional ainda está aberto. Os influencers ocuparam o espaço — mas não resolveram o problema. Apenas ofereceram uma resposta temporária, rentável, mas precária . Porque o desejo coletivo precisa de mitos coletivos. E isso é algo que nem o algoritmo, nem o creator, nem o conteúdo gerado por usuário é capaz de construir sozinho.
Para recuperar seu lugar simbólico, a publicidade terá que voltar a imaginar . Ou continuará sendo refém — de criadores, de modas, de plataformas — e, sobretudo, de sua própria renúncia.
sem publicidade aspiracional, e com influencers saturados, quem conduzirá o desejo no futuro?
CAPÍTULO
A publicidade sempre foi, antes de tudo, uma forma de contar histórias. E, como toda boa narrativa, ela não lidava com o que é — mas com o que poderia ser. Era um exercício de mitopoese: transformava objetos banais em amuletos, situações triviais em rituais, consumidores em heróis.
A função do storytelling publicitário era oferecer uma narrativa de elevação simbólica . Um sabonete não lavava — purificava. Um carro não transportava — transformava. Um jeans não vestia — empoderava.
Essa tradição, herdada do cinema, da literatura, da religião e do teatro, constituiu durante décadas a espinha dorsal da comunicação de marca. Mas nas últimas duas décadas, esse modelo narrativo mítico deu lugar ao relato do real . As marcas deixaram de criar personagens arquétipo e passaram a apresentar pessoas reais, com histórias reais, em contextos reais . O storytelling publicitário tornou-se uma espécie de jornalismo emocional. Uma crônica publicitária da vida cotidiana.
A transição do storytelling para o storyselling foi uma tentativa legítima de manter viva a força narrativa dentro do universo comercial. A ideia era simples: não venda um produto, venda uma história. Marcas passaram a criar mininarrativas emocionais, com arcos dramáticos, reviravoltas e protagonistas com os quais o público pudesse se identificar. O produto deixava de ser o centro e passava a ser um elemento coadjuvante — quase um talismã que ajudava o herói a vencer seu desafio.
Esse modelo foi amplamente adotado e trouxe resultados notáveis. Algumas campanhas tornaram-se verdadeiros curtas-metragens de alto impacto simbólico. A publicidade, durante algum tempo, voltou a ser narrativa. Mas algo começou a mudar.
A ascensão da cultura da transparência, da naturalidade e da hiperexposição forçou o storytelling a ceder espaço para um novo modelo de narrativa: o que chamaremos aqui de storybeing.
No storybeing, não se conta uma história — vive-se uma história diante do outro. A narrativa se torna um fluxo constante de testemunho. Não há mais personagem, nem roteiro, nem dramaturgia. Há apenas a performance de si mesmo. O sujeito não representa um papel dentro de uma narrativa — ele é o enredo. A fronteira entre personagem e pessoa desaba.
Influencers são o epicentro desse novo modelo. Eles não fazem propaganda — eles “compartilham a rotina”. Eles não interpretam — apenas “mostram”. O storybeing é o império da suposta autenticidade: tudo precisa parecer real, instantâneo, não roteirizado, não planejado. Mas justamente por isso, perde-se a tensão mítica que move o desejo.
A história sem construção simbólica vira apenas testemunho. E o testemunho, embora gere empatia, raramente produz transcendência.
sujeito não representa um papel dentro de uma narrativa — ele é o enredo.
A exigência do “real” tornou-se uma norma estética. “Gente de verdade”, “histórias reais”, “nada ensaiado” — essa busca por veracidade dominou o imaginário publicitário. Mas há um paradoxo: quanto mais se busca o verdadeiro, mais se afasta o encantamento.
O verdadeiro é plano. O verdadeiro é imediato. O verdadeiro é literal. E o desejo não nasce do literal — nasce do alegórico. O mito é sempre mais potente que o fato.
Barthes já dizia que a mitologia moderna é construída com base no uso conotativo dos signos. Quando a publicidade abandona a conotação e aposta tudo na denotação, ela perde sua carga simbólica. O vídeo da pessoa que venceu um câncer pode ser emocionante — mas dificilmente será aspiracional. Ele toca, mas não transforma. Ele emociona, mas não convoca.
O maior dano causado pelo storybeing é a demonização da ficção. Como se o que é roteirizado fosse manipulador, como se o que é idealizado fosse opressor, como se toda construção
simbólica fosse uma forma de engano. Mas a ficção, ao contrário, sempre foi a forma mais profunda de verdade. A ficção dá forma ao indizível. Organiza o caos. Revela o invisível.
Ao renunciar à ficção, a publicidade renuncia também à sua capacidade de organizar o imaginário social. Ela se transforma em espelho — e não mais em lente. Não guia, apenas mostra. Não promete, apenas retrata. Não simboliza, apenas relata.
O testemunho é pessoal. A história é universal. A boa publicidade sempre transformou o particular em arquétipo. O novo modelo faz o oposto: transforma o arquétipo em particularismo, em relato individual, em microconfissão. E o público, em vez de se ver no personagem, vê apenas o outro vivendo sua história. É empático, mas não é mobilizador. É comovente, mas não é transformador.
Nesse processo, a publicidade abandonou o contador de histórias e abraçou o influencer como testemunha. Mas esqueceu que, sem ficção, não há projeção. E sem projeção, não há desejo.
Se o storytelling aspiracional criava heróis e jornadas, o storybeing atual apenas exibe pessoas e rotinas. E aqui reside o colapso simbólico: sem narrativa, não há sentido; sem sentido, não há memória; sem memória, não há marca.
A publicidade não precisa apenas de histórias — precisa de narrativas com mitos, tensões, arquétipos, símbolos. Precisa, de novo, fazer sonhar.
Durante o século XX, os grandes mercados — automóveis, moda, beleza, turismo, imóveis, tecnologia — não vendiam apenas produtos ou serviços. Vendiam mundos. Vendiam status, identidade, projeção, poder simbólico. E a publicidade era a linguagem que estruturava esses mundos. Era ela quem transformava o carro em um fetiche masculino, a casa em promessa de futuro, o destino turístico em fantasia de escape, o vestido em símbolo de desejo.
A propaganda era o cimento simbólico dessas categorias. Cada segmento era um templo — e a publicidade, sua liturgia. Era ela quem dava forma aos rituais: a conquista do primeiro carro, a compra da casa própria, o uso do perfume em um encontro, a viagem que “muda sua vida”.
Os setores não cresciam apenas pela utilidade do que vendiam, mas pela potência do que representavam. A publicidade, nesses casos, era muito mais do que ferramenta de marketing. Era uma estrutura de sentido cultural.
A
Com a queda do modelo aspiracional, esses setores perderam seu principal trunfo: a capacidade de criar desejo coletivo. A comunicação passou a girar em torno de atributos técnicos, compromissos sociais, funcionalidades racionais, posicionamentos politicamente corretos. A narrativa se tornou informativa, linear, direta. E, com isso, emocionalmente estéril.
Os comerciais de automóveis, antes terrenos épicos de velocidade, liberdade, sedução e poder, passaram a enfatizar economia de
combustível, conectividade, segurança, sustentabilidade. Nada contra esses valores — o problema é quando eles substituem a carga simbólica em vez de complementá-la.
O mesmo aconteceu com o setor imobiliário. A casa, que já foi promessa de conquista e estabilidade, passou a ser anunciada como “um espaço otimizado, com bom custo-benefício, área de coworking e painel solar”. O lar deixou de ser sonho e passou a ser planilha.
Na moda, o glamour cedeu lugar ao conforto e à representatividade. A roupa deixou de comunicar desejo e passou a sinalizar consciência. No turismo, o destino paradisíaco deu lugar à experiência autêntica e sustentável. E na tecnologia, o fascínio pelo futuro foi substituído pela funcionalidade do presente.
O mercado deixou de encantar para começar a convencer. Mas o consumo, como vimos, não nasce da lógica — nasce da paixão simbólica .
O resultado desse esvaziamento simbólico é a proliferação de campanhas neutras, previsíveis, esteticamente insossas, emocionalmente anêmicas. O discurso publicitário tornou-se homogêneo. Todos dizem o mesmo: somos éticos, acessíveis, diversos, preocupados com o mundo. Mas ninguém promete mais nada.
Sem promessa, sem tensão, sem estética sedutora, o mercado entra num estado de indiferença emocional coletiva.
O mercado deixou de encantar para começar a convencer.
Mas o consumo, como vimos, não nasce da lógica — nasce da paixão simbólica.
O público assiste aos comerciais como quem lê bula de remédio. Informa-se, mas não se envolve. Sabe, mas não sente. Reconhece, mas não deseja.
É o triunfo do funcional sobre o simbólico.
Setores inteiros passaram a operar nessa zona de apatia estética. Não por incompetência — mas por opção estratégica. Uma opção que se pretendia consciente, ética, atualizada, mas que, no fundo, custou às marcas sua principal função cultural: a de inspirar.
Vivemos, portanto, a paradoxal era da hiperconexão publicitária com baixa vibração emocional. Nunca se produziu tanto conteúdo. Nunca houve tanta preocupação com propósito, inclusão e responsabilidade. Mas também nunca foi tão difícil encontrar campanhas memoráveis, imagens icônicas, slogans inesquecíveis, personagens simbólicos.
Os templos do desejo tornaram-se escritórios de boas intenções. E o mercado, que antes era movido pela excitação do consumo, agora se move pela inércia da obrigação funcional.
Depois de anos sob o domínio da autenticidade, da representatividade e da hiperexposição, parece quase herético falar em “desejo aspiracional”. O conceito foi tachado de elitista, opressor, colonial, capacitista, gordofóbico, racista — como se o ato de aspirar fosse, em si, um gesto violento. Mas será que o problema está no aspiracional em si — ou em como ele foi praticado no passado?
Talvez o desejo deva ser repensado, mas não negado. Talvez o erro tenha sido confundir exclusão com idealização, opressão com encantamento, padrão com símbolo. Porque aspirar não é negar quem se é — é vislumbrar quem se pode vir a ser.
O aspiracional não está morto. Está camuflado, diluído, deslocado — mas segue presente. Ainda desejamos. Desejamos autoestima, reconhecimento, conforto, prazer, sucesso, beleza. O que mudou foram os códigos de acesso ao desejo. O que precisa mudar agora é a coragem de reinterpretar esses códigos com novos símbolos e novas estéticas.
A tensão entre inclusão e desejo é, na verdade, uma falsa dicotomia. Não há nada que impeça uma marca de ser ao mesmo tempo sedutora e representativa. De ser diversa e encantadora. De operar a magia simbólica sem deixar de lado a responsabilidade ética.
O desafio está em abandonar os dois extremos:
• De um lado, o glamour excludente, datado, centrado em padrões eurocêntricos e corpos editados.
• Do outro, o realismo engajado, literal, com estética neutra e storytelling sem tensão simbólica.
O caminho do meio é a reinvenção do arquétipo. Não precisamos voltar à “mulher perfeita da margarina” — mas podemos imaginar uma nova deusa doméstica, múltipla, potente, poética. Não precisamos ressuscitar o cowboy de Marlboro — mas podemos criar novos heróis urbanos, plurais, afetivos, modernos.
A publicidade precisa reaprender a usar a linguagem simbólica, mas agora com outras referências, outras vozes, outros corpos. Isso não significa deixar de seduzir. Significa seduzir com mais inteligência, mais sofisticação simbólica, mais coragem cultural.
A retomada do aspiracional não virá com o retorno de antigos estereótipos. Virá com a reconstrução de uma linguagem que una ética e estética, sonho e consciência, desejo e representatividade.
Talvez estejamos prontos para entrar em uma nova era: o desejo 2.0. Um desejo menos ligado ao consumo ostentatório e mais associado à identidade expandida. Não é sobre ter — é sobre se tornar. Não é sobre exclusividade — é sobre potência simbólica. Não é sobre parecer — é sobre sentir-se em movimento.
NESSE NOVO CENÁRIO, O PAPEL DA PUBLICIDADE SERIA:
• Criar mitos contemporâneos que incluam o diverso sem apagar o simbólico.
• Retomar a estética ritual, mas com novos protagonistas.
• Reencantar o cotidiano sem infantilizar ou simplificar a experiência.
• Propor sonhos plurais, esteticamente sedutores, emocionalmente verdadeiros.
Talvez o futuro da publicidade esteja não em voltar a ser o que era, mas em lembrar por que existiu: para provocar desejo, criar sentido, articular símbolos, conduzir a imaginação coletiva.
Se a publicidade quiser voltar a ser relevante, precisará fazer uma aposta cultural: acreditar que o ser humano, mesmo em meio ao cansaço contemporâneo, ainda deseja. E que esse desejo pode ser ético sem deixar de ser sedutor. Inclusivo sem ser literal. Real sem ser banal.
Porque no fim das contas, o desejo não precisa morrer para que a justiça simbólica nasça. Eles podem — e devem — caminhar juntos. Como aliados. Como linguagem do futuro.
CAPÍTULO
Com a chegada das redes sociais, o tempo da publicidade mudou. Deixamos para trás o tempo narrativo — com início, meio e fim — e entramos no tempo fragmentado, circular, repetitivo. O novo tempo é o do scroll infinito: um fluxo de imagens, vídeos e frases que se sucedem incessantemente, sem pausa, sem clímax, sem conclusão.
O usuário não assiste — desliza . Não contempla — varre. A atenção se tornou intermitente, volátil, compulsiva. E nesse ambiente, a publicidade perdeu seu tempo simbólico. Deixou de ser história e virou estímulo. Deixou de ser ritual e virou input. O comercial virou post, o slogan virou hashtag, o arquétipo virou meme.
Essa lógica do scroll não é apenas um novo formato — é uma nova gramática cultural. Ela não permite profundidade, desenvolvimento, construção simbólica. Ela exige impacto imediato, estética chamativa, linguagem reduzida, e recompensas dopaminérgicas instantâneas. E isso destrói a narrativa como forma de persuasão.
A publicidade clássica se organizava em torno de grandes histórias. Campanhas emblemáticas como “Just Do It” da Nike ou “Think Different” da Apple não eram apenas frases — eram estruturas narrativas condensadas, com personagens, mitos, valores e uma promessa simbólica.
No mundo do scroll, essas estruturas se desintegraram. A publicidade se vê obrigada a produzir conteúdo em alta frequência e baixa densidade simbólica. Tudo precisa ser “snackable”, viral, curto, adaptável à tela vertical. E, com isso, perde-se o elo entre emoção e memória. Porque sem narrativa, não há jornada. E sem jornada, não há identificação nem pertencimento.
O scroll não permite que a mensagem se deposite. Ele exige que ela se dissolva.
A consequência é brutal: o público esquece o que viu antes mesmo de terminar de ver. O conteúdo é devorado, não experienciado. O anúncio é apenas mais um frame no feed. A marca, apenas mais uma entre centenas. A publicidade, uma notificação entre outras.
Byung-Chul Han fala da sociedade do cansaço como uma era de excesso de positividade, hiperexposição e autoexploração. O sujeito moderno está saturado de estímulos e esvaziado de sentido. Nesse cenário, a publicidade — que antes criava pausa, contemplação, fascínio — entrega velocidade, ruído e tédio disfarçado de conteúdo.
O scroll nos treina para não permanecer. Ele transforma toda narrativa em interrupção. Toda promessa em distração. Toda ideia em ruído. E assim, a publicidade desaprende a construir laços emocionais duradouros.
A função do tempo — tão essencial à construção de símbolos — é abolida. E, com isso, entra-se na era da publicidade não narrativa: pós-linear, pós-contemplativa, pós-ritual.
O resultado é a erosão progressiva da memória simbólica das marcas. Pergunte a qualquer consumidor de 25 anos: qual foi o último comercial inesquecível que você viu? Qual foi o slogan que o tocou? A resposta será, quase sempre, o silêncio.
A cultura do scroll não apenas fragmentou o tempo — fragmentou o desejo. E uma publicidade sem tempo e sem desejo é, por definição, irrelevante.
Algo que está presente durante todo o transcorrer deste livro é a hipótese de que a publicidade, ao trocar o aspiracional pelo identitário, o arquétipo pelo real, e o desejo pela empatia, teria se tornado menos eficaz. Mas talvez a crise da publicidade seja apenas a ponta visível de uma crise mais profunda: a crise do imaginário coletivo.
Não é apenas a propaganda que perdeu sua força de encantamento — foi a própria sociedade que perdeu a capacidade de sonhar.
Vivemos em uma era que exalta o real, o visível, o mensurável. A ficção é suspeita. O glamour, ofensivo. A promessa simbólica, politicamente inadequada. Nossos mitos foram desconstruídos, nossas imagens idealizadas dissolvidas, nossas metáforas soterradas sob o peso do “conteúdo autêntico”. A publicidade apenas reagiu — talvez até tardiamente — a esse novo regime de percepção.
Mas a pergunta que precisa ser feita é: o que perdemos nesse processo?
O que acontece com uma civilização que abdica do encantamento simbólico? Que transforma o marketing em militância, a estética em utilidade, a narrativa em scroll, o desejo em culpa?
Será que evoluímos — ou será que, sem perceber, estamos involuindo emocional e simbolicamente?
A publicidade do século XX era, em muitos aspectos, uma forma de arte popular. Ela criava ícones, frases, imagens, sons — tudo cuidadosamente coreografado para gerar memória e fascínio. Era superficial? Às vezes. Era exagerada? Sim. Mas também era encantadora, memorável, poderosa.
A publicidade atual é muitas vezes correta, empática, ética. Mas também é, com frequência, anêmica, moralizante e esquecível.
Essa troca entre potência simbólica e virtude narrativa produziu o que podemos chamar de uma estética da planura. Uma comunicação lisa, segura, sem picos, sem contrastes. Uma publicidade que tem medo de prometer, receio de brilhar, pavor de ofender — e por isso se esconde atrás da normalidade.
Em nome da inclusão, apagou-se o mito. Em nome da autenticidade, renunciou-se à ficção. Em nome da verdade, esqueceu-se da beleza.
E aqui voltamos a um ponto essencial: a beleza, o mito e o desejo são componentes estruturais da experiência humana. Não são luxo — são linguagem. Não são ornamento — são alimento simbólico. Uma cultura que despreza seus próprios mitos está fadada à perda de vitalidade. E o mercado, enquanto parte dessa cultura, não está imune.
O filósofo francês Gilles Lipovetsky, ao falar sobre o esvaziamento da cultura contemporânea, disse que vivemos na era do “hiper-realismo sem alma”. Tudo está visível, tudo está acessível, tudo está em tempo real — mas nada é verdadeiramente desejável.
A publicidade, nesse cenário, se tornou um espelho partido. Reflete tudo, mas não convoca ninguém. Informa, mas não instiga. Representa, mas não eleva. Substituiu o encantamento pela performance de virtude. E, com isso, desaprendeu a fazer sonhar.
Este livro não é um manifesto contra a diversidade, a inclusão ou a autenticidade. É uma interrogação sobre o preço simbólico de uma comunicação que se tornou literal, transparente e excessivamente realista. É um convite a repensar o lugar do desejo na cultura — e na comunicação.
Se as marcas não retomarem sua função totêmica, seus mitos fundadores, sua coragem estética, elas continuarão sendo meras comentadoras do mundo — e não mais criadoras de mundo.
A publicidade não precisa voltar ao passado. Mas precisa reaprender a sonhar o futuro.
Porque uma sociedade que não deseja é uma sociedade que não se move. E onde não há movimento simbólico, há estagnação estética, emocional e econômica.
A pergunta final, portanto, não é sobre a publicidade. É sobre nós.
O que nos faz desejar? O que nos faz sonhar? O que nos faz mover?
Talvez seja hora de deixarmos o espelho e voltarmos a procurar a lâmpada de Aladim.
Este livro não pretendeu apresentar uma denúncia, tampouco um lamento nostálgico. Ele se oferece como uma interrogação. Uma tentativa de entender se a publicidade, ao abandonar o sonho em nome da realidade, não teria abandonado também a sua própria alma.
A tese aqui defendida não é dogmática, mas inquieta: talvez a publicidade esteja, aos poucos, trilhando um caminho de irrelevância emocional e simbólica. Não por incompetência, mas por excesso de zelo. Não por falta de técnica, mas por excesso de correção. E, paradoxalmente, por medo de errar, ela deixou de arriscar — e, portanto, de encantar.
Mas isso não é uma sentença. É uma escolha. E como toda escolha, pode ser revista. O que está em jogo não é apenas o futuro da comunicação mercadológica, mas algo maior: a capacidade da cultura de mobilizar desejo, produzir sentido e projetar futuros.
A publicidade, nas últimas décadas, cumpriu um papel relevante ao incluir, diversificar, dar visibilidade e quebrar estereótipos. Mas na ânsia de fazer tudo isso, confundiu identificação com sedução. E mais grave: passou a acreditar que espelhar o real era suficiente para mobilizar o consumo. Mas não é.
O ser humano não consome apenas para afirmar quem é. Consome para se tornar quem deseja ser. A identidade, por si só, é estática. A projeção é dinâmica. E é essa tensão entre o ser e o vir-a-ser que move o desejo, e com ele, o mercado.
O que faz alguém comprar um perfume, um carro, uma viagem,
uma peça de roupa ou um imóvel? É, em alguma medida, o desejo de transcendência simbólica. Mesmo que modesta. Mesmo que temporária. Mesmo que inconsciente.
Negar isso em nome da realidade é um erro estratégico. Ignorar isso em nome da moralidade é um erro cultural.
Redimir-se, no entanto, é possível. E mais: é desejável. Basta que a publicidade retome sua função poética. Que volte a ser uma linguagem que propõe mundos, que articula mitos, que encena desejos.
Isso não significa voltar aos estereótipos de antes. Significa imaginar novos arquétipos, mais plurais, mais sofisticados, mais conectados com os dilemas do presente — mas sem abrir mão do encantamento.
A publicidade pode ser politicamente consciente e esteticamente sedutora. Pode ser inclusiva sem ser literal. Pode ser ética sem ser entediante.
Para isso, precisa apenas lembrar de uma verdade esquecida:
E a função da propaganda é, desde sempre, dar forma a esse “ainda não”. Convidar o sujeito a atravessar o espelho. A vestir um papel. A sonhar uma cena. A ensaiar uma nova versão de si mesmo.
Mesmo que por 30 segundos.
Este não é um livro sobre publicidade. É um livro sobre o papel simbólico da imaginação na cultura contemporânea.
A trilha da irrelevância não é um destino — é um alerta. Mas ao lado dela, existe outra trilha: a da redenção estética, simbólica, narrativa e emocional.
Cabe às marcas, aos criadores, aos comunicadores e aos consumidores escolher qual caminho seguir.
Afinal, sem desejo, não há sonho.
Sem sonho, não há consumo.
Sem consumo simbólico, não há cultura do extraordinário.
E sem cultura do extraordinário, resta-nos apenas a banalidade repetitiva do presente.
A publicidade ainda pode ser aquilo que ela sempre foi em seu melhor momento: uma das linguagens mais potentes para contar a história do que ainda não aconteceu.
A única pergunta que importa é:
Como a publicidade trocou a fantasia pela realidade e perdeu seu encanto
WALTER LONGO
Com mais de três décadas de atuação no universo da publicidade e da comunicação, o autor desta obra é uma das vozes mais experientes e respeitadas do mercado brasileiro. Ocupou cargos de liderança em grandes agências de publicidade, comandou importantes grupos de mídia e influenciou gerações como professor universitário de destaque em escolas de negócios e instituições de ensino superior.
Ao longo de sua trajetória, acompanhou de perto a transformação simbólica da propaganda — do apogeu da era aspiracional à ascensão do discurso identitário — e se tornou uma referência crítica na análise das mudanças culturais, estéticas e éticas da comunicação contemporânea.
É autor de mais de uma dezena de livros sobre marketing, comportamento do consumidor, branding e cultura midiática, sempre combinando clareza conceitual, visão estratégica e uma rara sensibilidade filosófica.
A Trilha da Irrelevância – Por Que a Publicidade Pode Estar se Suicidando é, talvez, sua obra mais ousada: um ensaio que não apenas observa o mercado, mas o interroga em seu âmago simbólico. Um chamado à consciência — e à imaginação.
E
se a publicidade, ao abandonar o sonho, tivesse esquecido como se faz desejar?
Durante o século XX, a propaganda foi a grande fábrica de mitos do mundo moderno. Criava narrativas, forjava arquétipos, produzia desejo. Vendia muito mais do que produtos: vendia versões idealizadas de quem poderíamos ser.
Mas no início do novo milênio, algo mudou. Em nome da representatividade, da autenticidade e da correção política, a publicidade deixou de projetar futuros para apenas espelhar o presente. Substituiu o glamour pelo cotidiano. O símbolo pela literalidade. O arquétipo pela normalidade.
Do sonho ao espelho é um ensaio provocador sobre essa virada simbólica. Uma jornada crítica — mas não nostálgica — pelas escolhas estéticas, culturais e estratégicas que transformaram a propaganda de operadora do desejo em comentarista da realidade.
Com referências que vão de Aristóteles a Byung-Chul Han, de Barthes a Zygmunt Bauman, este livro propõe uma reflexão urgente: a publicidade ainda pode encantar? Ou resignou-se à sua própria irrelevância?
Não se trata de um ataque — mas de um convite à dúvida. Porque onde não há mais desejo, talvez não haja mais consumo. E onde não há mais consumo simbólico, talvez estejamos todos apenas sobrevivendo ao real.