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Organizador Jorge Bheron Rocha

Processo Penal em PersPectiva Leituras ibero-americanas

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Capa e diagramação: Izabela Eid

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

Eduardo FErrEr Mac-GrEGor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações

Jurídicas da UNAM - México

JuarEz tavarEs

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis LóPEz GuErra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

owEn M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

toMás s. vivEs antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

P956 Processo penal em perspectiva : leituras ibero- americanas [livro eletrônico] / Jorge Bheron Rocha (org.); Prefácio de Fauzi Hassan Choukr. – 1.ed. - São Paulo : Tirant lo Blanch, 2022.

5.927Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-161-5

1.Processo Penal. 2. Direito Penal. 3. Garantias. I. Título.

CDU: 343.10

Elisabete Cândida da Silva Bibliotecária CRB 8/6778

DOI: 10.53071/boo-2023-08-23-64e654e202157

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editoratirantbrasil@tirant.com / atendimento@tirant.com

tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

no Brasil / Printed in Brazil
Impresso

Organizador Jorge Bheron Rocha

Processo Penal em PersPectiva

Leituras ibero-americanas

Autores

Antonio Eduardo Ramires Santoro

Carlos Gómez-Jara Díez

Emerson Castelo Branco Mendes

Fauzi Hassan Choukr

Gonzalo Rua

John Zuluaga LL.M.

Jorge Bheron Rocha

Juan Mendoza Díaz

Lenio Luiz Streck

Leonel González Postigo

Lorenzo M. Bujosa Vadell

Maria João Carvalho Vaz

Mateus Salles Bittencourt

Pedro Sá Machado

Rodrigo Machado Gonçalves

Thiago Miranda Minagé

Virgínia Afonso de Oliveira Morais da Rocha

sumário sobre os autores ............................................................................................. 9 aPresentação ................................................................................................ 11 Lenio Luiz Streck Prefácio ........................................................................................................ 14 Fauzi Hassan Choukr as dimensões do direito ao silêncio .............................................................. 17 Emerson Castelo Branco Mendes e Jorge Bheron Rocha 1. Introdução 17 2. A dimensão do direito ao silêncio no devido processo penal constitucional: o direito ao silêncio como expressão do direito à defesa 21 3. O direito do acusado de não comparecimento a qualquer ato da persecução penal ... 25 4. Os equívocos da condução coercitiva e a questão da presença pessoal do réu aos atos do processo ............................................................................................................... 33 5. Conclusão 46 Referências bibliográficas .......................................................................................... 47 las medidas cautelares en el Proceso Penal una mirada desde el PrinciPio de ProPorcionalidad ......................................................................................... 50 Leonel González Postigo 1. El debate inacabado sobre el encarcelamiento 50 2. La Reforma Procesal Penal: Impacto en el régimen de la prisión preventiva........... 51 3. ¿Cuál es el estado de situación actual? ................................................................... 53 3.1. Modificaciones en regulación de la prisión preventiva ‘Contrarreforma’ ..... 53 3.2. Persistencia del método escrito y resabios del sistema inquisitivo ............ 54 3.3. Déficit de información de alta calidad para la toma de decisiones 54 3.4. Ausencia de mecanismos de supervisión de las medidas cautelares .......... 54 4. Un análisis desde el principio de proporcionalidad 55 4.1. Dimensión normativa............................................................................. 55 4.2. Interpretación en el sistema interamericano de derechos humanos .......... 56 4.3. Perspectivas teóricas ................................................................................ 58 5. Elementos para construir una política reduccionista.............................................. 62 5.1. Regulación y fortalecimiento de audiencias orales para la discusión de medidas cautelares ......................................................................................... 63 5.2. Instalar una institucionalidad con capacidad para generar información de alta calidad y ejercer una supervisión de las medidas cautelares: Servicios de antelación al juicio ........................................................................................ 64 5.3. Repensar los sistemas de respaldo para las decisiones judiciales ............... 64 6. Consideraciones finales 65
uma análise crítica à Posição do stf em relação à medida de segurança de internamento ................................................................................................ 67 Maria João Carvalho Vaz 1. Introdução ............................................................................................................ 67 2. Análise Crítica ...................................................................................................... 68 a) Às súmulas do STF .................................................................................... 68 b) À posição do STF na matéria 70 3. Considerações Críticas Finais ................................................................................ 72 4. Diplomas Legais 73 5. Jurisprudência....................................................................................................... 74 Referências bibliográficas .......................................................................................... 74 categorias esenciales del debido Proceso: correlación entre acusación y sentencia; cambio de Paradigmas ................................................................... 76 Juan Mendoza Díaz 1. Colocándonos en el problema 76 2. La determinación de objeto del proceso penal ....................................................... 77 3. El problema concreto de la correlación. El imperio de la tradición 80 4. Soluciones concretas en cuanto a la congruencia ................................................... 84 4.1. Necesidad de alertar para desvincularse del fiscal .................................... 85 4.2. Epifanía del iura novit curia: libertad del tribunal para aplicar el derecho ... 87 5. Los cambios de paradigmas ................................................................................... 88 6. Retirada de la acusación y petición de absolución. Dos figuras igualmente impactadas en los nuevos escenarios ............................................................................................ 90 dos Preguntas Para el Procedimiento Penal brasileño contra Personas jurídicas: ¿Puede una Persona física imPutada declarar Por una Persona jurídica imPutada? ¿Puede el abogado de una Persona física imPutada defender a una Persona jurídica imPutada?................................................................... 98 Carlos Gómez-Jara Díez 1. Introducción 98 2. Derechos fundamentales de las personas jurídicas ............................................... 100 2.1. Consideraciones generales .................................................................... 100 2.2. La equiparación de derechos procesales entre personas físicas y jurídicas en la jurisprudencia del Tribunal Supremo español ........................................... 103 3. Conflictos de interés entre personas físicas imputadas y personas jurídicas imputadas: indefensión en la designación del representante procesal ......................................... 105 4. Conflictos de interés entre los letrados de personas físicas imputadas y personas jurídicas imputadas: incompatibilidad ab initio de una misma dirección letrada ..... 108 5. Conclusión ......................................................................................................... 109
del control judicial a las injerencias en derechos fundamentales en el Proceso Penal colombiano .......................................................................... 111 John Zuluaga LL.M. 1. Introducción ....................................................................................................... 111 2. Del control de un concepto jurídico indeterminado............................................ 115 2.1. De la probabilidad como condición de los motivos fundados ............... 115 2.2. Acerca de las inferencias razonables 119 3. ¿Efectivo control judicial de los motivos fundados? ............................................. 122 3.1. Dominio policial de la determinación de los motivos fundados 122 3.2. La insuficiencia evaluativa de los actos de investigación ........................ 126 4. Conclusiones ...................................................................................................... 128 suPremo tribunal federal, racionalidade jurídica e garantias Processuais Penais .......................................................................................................... 129 Pedro Sá Machado 1. Nota introdutória 129 2. As garantias processuais penais ............................................................................ 129 3. O caso concreto como prius problemático 131 4. Instância hermenêutica ....................................................................................... 133 5. A verdade material como limite .......................................................................... 135 6. Argumentos lógico-formais ................................................................................. 136 7. Argumentos retóricos .......................................................................................... 138 8. Argumentos psicológicos 141 9. Nota conclusiva .................................................................................................. 142 las dimensiones Políticas del juicio oral .................................................. 143 Gonzalo Rua 1. La dificultad de establecer en la práctica un modelo de justicia republicano ........ 143 2. El sistema mixto como la forma de mantener el “Ancien Régime” francés 150 3. Pautas mínimas para un Juicio Oral republicano ................................................. 153 a. El Juicio oral comprendido desde la visión del conflicto 156 b. Control estricto sobre la información admitida en Juicio ......................... 158 c. Concretar el litigio sobre hechos controvertidos ....................................... 160 d. Una genuina igualdad de armas ............................................................... 161 e. La comprensión de la litigación desde un escenario político ..................... 161 f. Construir las nuevas formas y escenarios del diseño adversarial 162 g. Una adecuada organización administrativa .............................................. 164 a garantia da imParcialidade post factum no direito Processual Penal brasileiro .................................................................................................... 166 Antonio Eduardo Ramires Santoro, Thiago Miranda Minagé e Rodrigo Machado Gonçalves 1. Introdução .......................................................................................................... 166
2. Adesão dos tratados internacionais sobre direitos humanos ao ordenamento brasileiro e a imparcialidade do juiz como integrante do sistema de garantias processuais brasileiro ................................................................................................................. 168 3. A imparcialidade e os mecanismos para sua proteção .......................................... 170 4. Mecanismos de controle da imparcialidade post factum: a imparcialidade subjetiva e a imparcialidade objetiva ........................................................................................ 174 5. A imparcialidade objetiva na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e os mecanismos para o seu controle 179 6. Conclusão 180 Referências bibliográficas ........................................................................................ 181 a aniquilação de garantias sob um Prisma kafkiano .................................... 183 Virgínia Afonso de Oliveira Morais da Rocha e Mateus Salles Bittencourt 1. Introdução: O iluminismo e a constituição de garantias fundamentais 183 2. O Caminho inverso: a tendência moderna à relativização e supressão de garantias...... 185 3. HC 126.292/SP e ADC 43 e 44: o excesso ao limite interpretativo do Pretório Excelso 188 4. O processo em Franz Kafka e a atualidade da jurisprudência brasileira ................ 194 5. Conclusão........................................................................................................... 196 Referências bibliográficas ........................................................................................ 197 PrinciPios generales del Proceso Penal ante la Persecución de los ciberdelitos: PersPectiva esPañola ............................................................................................. 198 Lorenzo M. Bujosa Vadell 1. Introducción ....................................................................................................... 198 2. La reforma de Octubre de 2015 .......................................................................... 199 3. Los principios rectores de las medidas de investifación restrictivas de derechos 201 3.1. Especialidad 201 3.2. Idoneidad 202 3.3. Expecionalidad 202 3.4. Necesidad ............................................................................................. 203 3.5. Proporcionalidad .................................................................................. 203 4. El control jurisdiccional ...................................................................................... 204 4.1. Presupuestos ......................................................................................... 204 4.2. Solicitud ............................................................................................... 205 4.3. Resolución ........................................................................................... 206 4.4. Secreto ................................................................................................. 206 4.5. Duración .............................................................................................. 207 4.6. Prórroga ............................................................................................... 207 4.7. Información al juez .............................................................................. 208 4.8. Afectación de terceras personas ............................................................. 208 4.9. Uso de la información en otros procesos 209 5. Protección de datos ............................................................................................. 210 Bibliografía ............................................................................................................. 210

sobre os autores

Antonio Eduardo Ramires Santoro - Professor Adjunto de Direito Processual Penal e Prática Penal da FND/UFRJ – Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Direito da UCP – Universidade Católica de Petrópolis. Professor Adjunto do IBMEC/RJ. Pós-doutor pela Universidad Nacional de La Matanza – Argentina. Doutor e Mestre pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre pela Universidad de Granada – Espanha. Coordenador do Grupo de Pesquisa “O Sistema Penal sob Olhar Crítico” UFRJ/UCP. Advogado Criminalista.

Carlos Gómez-Jara Díez - Abogado. Profesor de Derecho penal. Doctor Europeo en Derecho, LL.M. Columbia University y profesor de Derecho penal en la Universidad Autónoma de Madrid, imparte clases y conferencias en diversas universidades y centros, siendo autor de más de un centenar de publicaciones sobre derecho penal económico, entre las que destacan el Tratado de responsabilidad penal de las personas jurídicas (Civitas, 2012) y las monografías La culpabilidad penal de la empresa (Marcial Pons, 2005) y European Federal Criminal Law (Intersentia, 2014). Lista de publicaciones destacadas y de conferencias destacadas. Miembro del Colegio de Abogados de Madrid, la American Bar Association y New York City Bar, forma parte del Legal Experts Advisory Panel de Fair Trials International. Igualmente, es miembro del Comité Técnico de los estándares ISO 19.600 – Compliance Management Systems. Guidelines – e ISO 37001 – Antribribery Management Systems -.

Emerson Castelo Branco Mendes - Doutor em Direito pela Universidade de Fortaleza (2015). Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará (2005). Defensor Público do Estado do Ceará. Professor de pós graduação em Direito Penal da Universidade de Fortaleza (Unifor) e do Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7).

E-mail: emersoncbm@yahoo.com.br/ Lattes: http://lattes.cnpq.br/9814280220475019

Gonzalo Rua - Argentino. Abogado. Especialista en Derecho Penal por la Universidad de Palermo. Miembro de la Junta Directiva del INECIP. Docente de grado y posgrado en la Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires, desde el año 1996. Juez Penal por concurso de oposición y antecedentes en la Ciudad de Buenos Aires desde el año 2003 y miembro del Centro de Formación Judicial del Poder Judicial de la CABA, como Consejero Académico por el estamento de los Jueces (2008-2012).

Jorge Bheron Rocha - Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Ciências Jurídico-criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal, com estágio na Georg-August-Universität Göttingen, Alemanha. Pós-graduado em Processo Civil pela Escola Superior do Ministério Publico do Ceará. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Defensor Público do Estado do Ceará. Professor de Penal e Processo Penal e Civil da Graduação e Pós-Graduação da Unichristus e da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará - ESMEC. Membro do Conselho Editorial da Boulesis e da Emais Editora. E-mail: bheronrocha@gmail. com/ Lattes: http://lattes.cnpq.br/5464447160393013.

John Zuluaga LL.M. - Abogado de la Universidad Antioquia (Medellín-Colombia).

Doctor en Derecho (Dr. iur.) y Master of Laws (LL.M.) de la Georg-August-Universität Göttingen (GAU, Alemania). Actualmente es Profesor Asociado de la Universidad

Sergio Arboleda (Colombia). Es miembro fundador del Centro de Estudios de Derecho

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Penal y Procesal Penal Latinoamericano (CEDPAL) de la GAU. Alumni del Servicio de Intercambio Académico Alemán (DAAD) (2008-2013) y de la Fundación para el Futuro de Colombia (COLFUTURO) (2013-2015). Conferencista y ponente en diversos eventos académicos en Latinoamérica y Europa.

Juan Mendoza Díaz - Profesor Titular de Derecho Procesal de la Facultad de Derecho de la Universidad de La Habana. Maestría en Derecho Público por la Universidad de Valencia y Doctor en Derecho por la Universidad de La Habana. Presidente de la Sociedad Cubana de Derecho Procesal Miembro del Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal.

Leonel González Postigo - Abogado con orientación en Derecho Penal por la Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires (Argentina). Diplomado Latinoamericano sobre Reforma Procesal Penal por la Facultad de Derecho de la Universidad Diego Portales (Chile). Master en Derecho Penal y Procesal Penal por Osgoode Hall Law School, Universidad de York (Canadá), en curso. Director del Área de Capacitación del Centro de Estudios de Justicia de las Américas (CEJA).

Lorenzo-Mateo Bujosa Vadell - Doctor en Derecho por la Universidad de Salamanca (España). Catedrático de Derecho Procesal (Full Professor) en la misma Universidad. Presidente del Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal, miembro de la Asociación Internacional de Derecho Procesal y de la Asociación Internacional de Derecho Penal. Coordinador del Programa de Doctorado Administración, Justicia y Hacienda en el Estado Social.

Maria João Carvalho Vaz - Doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Especialização em curso em Direito Penal Económico, Internacional e Europeu no IDPEE. Licenciada e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Editora Assistente na Revista Brasileira de Direito Processual Penal.

Mateus Salles Bittencourt – Advogado Criminalista, graduado pela Faculdade de Direito Milton Campos, pós-graduando pela PUC-MG, membro do Instituto de Ciências Penais Jovem. mateus@afonsoehenriques.adv.br

Pedro Sá Machado - Doutor e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra / Advogado

Rodrigo Machado Gonçalves - Mestre em direito processual penal e criminologia pela UCAM/Centro - Professor da pós-graduação em ciências criminais do CPGD (UCAM/ Centro) - Professor assistente de prática jurídica penal da Faculdade Nacional de Direito - FND/UFRJ - Professor assistente de direito processual penal da Faculdade de Direito da Universidade Candido Mendes/Centro - Professor de direito processual penal do Centro Universitário La Salle/Niterói - Advogado criminalista.

Thiago Miranda Minagé - Pós Doutor em Direito na UFRJ/FND); Professor substituto da FND/UFRJ – Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da Pós Graduação lato senso da ABDConst-Rio. Professor da UNESA/RJ. Doutor em Mestre em Direito pela UNSA/RJ. Membro da ABRACRIM (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) e IAB (Instituo dos Advogados do Brasil e Integrante da Comissão Permanente de Direito Penal. Advogado Criminalista.

Virgínia Afonso de Oliveira Morais da Rocha – Advogada Criminalista, Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar, Mestre pela Faculdade de Direito Milton Campos, Doutoranda em Direito, professora da Faculdade de Direito Milton Campos, conselheira titular na OAB/MG e conselheira fiscal na Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). E-mail: virginia@afonsoehenriques.adv.br

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aPresentação

O combativo defensor publico Jorge Bheron Rocha me convida para apresentar a obra Processo Penal em perspectiva: leituras ibero-americanas, por ele organizada. Reunindo oportunamente atualíssimos estudos acadêmicos, nela estão sofisticadas e instigantes análises aos interessados no tema, a partir de um seleto e regionalizado grupo de autores, dispostos ao redor do globo.

Ao trabalho. Já no primeiro capítulo, o garantismo nos ilumina. No texto, Emerson Castelo Branco Mendes e Bheron Rocha projetam necessária discussão voltada, a partir de uma perspectiva garantista, às dimensões do que põem como direito ao silêncio. Em tempos de crise institucional, como parecem datados estes tempos, nada mais oportuno do que reafirmar a necessária aplicação de filtros constitucionais na obtenção das provas no transcurso do processo, sobremodo, como bem afirmam os autores, em relação aos depoimentos de investigados e acusados.

De igual modo, Leonel Gonzáles Postigo, frente a uma muito bem-vinda perspectiva regionalizada a partir do contexto latino-americano, oferece ao leitor sofisticada leitura acerca da atual situação das medidas cautelares, tendo como ponto de partida a premissa – mesmo reconhecendo avanços a partir de muitos tratados internacionais voltados aos Direitos Humanos – de que justamente é esse tema um dos mais problemáticos nos Sistemas de Justiça em mais de duas décadas.

Considerando igualmente um posicionamento crítico, seguramente avesso à naturalização das práticas cotidianas dos tribunais, Maria João Carvalho Vaz projeta importante análise ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em relação à medida de segurança de internação. Ao recordar a gênese desses mesmos mecanismos a partir das velhas teorias da criminologia positivista, constata que, passado mais de um século da aurora dessas teorias, nosso órgão de cúpula “tende” – nas palavras da autora – “a vislumbrar as medidas de segurança como penas”.

Na sequência, também a partir de um instigante contexto crítico, Juan Mendoza Díaz volta-se aos diferentes posicionamentos verificados, na doutrina e na jurisprudência, sobre a correlação entre acusação e sentença, em perspectiva comparada, a partir de países que compõem, como refere, a nossa “família jurídica”.

De mesmo modo, em seguida, Carlos Gómez-Jara Díez projeta seu argumento a partir de duas interrogações bastante precisas para clarear um significa-

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tivo hiato no Direito Processual Penal Brasileiro: a inexistência de tratamento singular à persecução contra pessoas jurídicas.

Já John Zuluaga oferece ao leitor instigante análise – dentro da proposta da obra – sobre o controle da atuação policial, na Colômbia, diante de procedimentos investigativos dependentes de autorização judicial. Esclarece, com o estudo aqui apresentado, como a questão, no lócus de sua análise, encontra similitudes em relação ao contexto brasileiro, comumente marcado pelas predadoras tentativas de corrigir o Direito pela moral.

Pedro Sá Machado se debruça sobre as interrelações entre o Supremo Tribunal Federal e a racionalidade jurídica dos membros da Corte frente às garantias processuais penais, observa o autor uma “especial vocação” – diz ele – “para encontrar soluções no âmbito dos limites formais e materiais das garantias do processo penal”.

Por sua vez, Gonzalo Rua observa sistemáticos entraves aos alicerces de práticas republicanas em um modelo de Justiça de mesmo tipo, notada e especificamente no contexto do Direito Processual Penal. No recorte de seu argumento, observa este autor a “irracionalidade” de determinados acordos, em muitas circunstâncias voltados tão-somente a evitar as audiências, como produto não apenas das possibilidades previstas para saídas alternativas, mas, sobremodo, devido à falta de uma clara divisão entre as funções meramente administrativas e as estritamente jurisdicionais.

De seca à meca, o garantismo está presente nos autores e nos textos. Assim, Antonio Eduardo Ramires Santoro, Thiago Miranda Minagé e Rodrigo Machado Gonçalves voltam suas análises à garantia da imparcialidade post factum no Direito Processual Penal Brasileiro. Observam didaticamente que os tribunais, entendendo violada tal garantia, declarem a nulidade do processo. Este é um ponto fulcral no Brasil, mormente em tempos de “pandemia de suspeições” provocadas pelo ex-juiz Sérgio Moro, hoje já de conhecimento de todos que, com boa vontade, examinem os fatos que ocorreram de 2015 até 2018. Kafka sempre está presente. Aliás, o sistema jurídico brasileiro pode ser visto a partir das diatribes relatadas pela vasta obra desse fascinante autor. Nessa trilha, Virgínia Afonso de Oliveira Morais da Rocha e Mateus Salles Bittencourt lançam um olhar literário-filosófico para concluir, a partir exatamente de Franz Kafka: o eficientismo não pode ser perseguido a qualquer custo. A democracia impõe freios ao Estado – e eles devem ser respeitados.

Por fim, Lorenzo Bujosa Vadell, lá da bela Salamanca, brinda-nos com a oportuna análise dos princípios gerais do Direito Processual Penal frente à persecução dos “ciberdelitos”. A partir da perspectiva espanhola, observa o autor os entraves temporais próprios do tema, oferecendo sofisticada leitura.

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Assim, diante dessa brevíssima apresentação é que Processo Penal em perspectiva: leituras ibero-americanas, na pluralidade das exitosas análises acadêmicas a que se propõe, oferece oportuna leitura a todos aqueles preocupados não apenas com as contemporâneas questões processuais penais em contexto global, desveladas a partir de perspectiva comparada, mas, acima disso, com o amplo espaço discursivo envolvendo a Democracia e o Estado de Direito, no mundo. Boa leitura. Buena lectura!

lenio luiz streck

Escrito na Dacha de São José do Herval, no alto das montanhas do Rio Grande do Sul, extremo sul do Brasil, no frio antecipado de junho, induzindo em erro os lindos liquidambars, que soltaram suas folhas muito antes do seu tempo.

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Prefácio

A obra “Processo Penal em Xeque” organizada pelo estimado amigo e grande Professor Jorge Bheron Rocha brinda a comunidade acadêmica com uma das mais argutas instigações da literatura processual penal contemporânea. Assim o faz porque traz para o cenário interno reflexões provocadas por pesquisadores internacionais de nomeada, como Leonel Gonzalez POSTIGO, Gonzalo RÚA, John ZULUAGA e Lorenzo M. BUJOSA VADELL, cada qual, em seu respectivo campo, uma grande referência.

O incansável pesquisador Leonel Postigo se ocupa do tema nuclear da cautelaridade pessoal no processo penal, calcanhar de Aquiles de qualquer sistema processual penal, mesmo os solidamente estruturados em bases democráticas e o faz a partir de uma ótica comparada, tão carente de compreensão e utilização no Direito brasileiro, seja na Academia – que agora se volta ao comparatismo latino-americano do processo penal para demonstrar as gritantes fragilidades do direito interno – e menos ainda usada de forma adequada na produção judicial1 e na construção legislativa.

E o comparatismo, em particular no campo processual penal, tem como virtudes “ En primer lugar, proporciona una dimensión del problema. Segundo, plantea cómo se relaciona un aspecto, por ejemplo, la delincuencia, con otros factores y, lo que es más importante, con respecto al diseño de las soluciones propone cómo se pueden formular políticas que se centren en un solo aspecto del problema y den buenos resultados. La tercera ventaja del estudio comparativo es que señala ejemplos de éxito y fracaso, de manera que permite comprender qué hace que algunas políticas específicas sea efectivas o no”2.

E sabem os intervenientes processuais o quão árduo é lidar com o desestruturado arcabouço legislativo sobre o tema no Brasil, cenário que não anima mesmo diante do processo legislativo de reforma global do Código de Processo Penal, que dá suas costas às experiências civilizatórias comparadas.

E do comparatismo nasce o texto de Gonzalo Rúa, envolvido que está nas discussões sobre o amadurecimento de um modelo adversarial de processo

1 Como nos mostra progressivamente a doutrina. Exemplificativamente, a tese de LUCCHESI, Guilherme Brenner. A punição da culpa a título de dolo: o problema da chamada” cegueira deliberada”. 2017, com sua posterior edição comercial.

2 Frühling, Hugo, Joseph S. Tulchin, and Heather A. Golding, eds. Crimen y violencia en América Latina: seguridad ciudadana, democracia y Estado. Bogota: Fondo de Cultura Económica, 2005, também citado por CARBONELL, Miguel; OCHOA REZA, Enrique. El derecho comparado frente a las reformas legislativas. El caso de Chile. Revista de Derecho, n. 32, 2010.

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penal3 e, por conseguinte, a oralidade como seu eixo central, algo absolutamente distante da realidade brasileira, inclusive no modelo de participação popular na administração da Justiça, aqui historicamente decantado como exemplo maior de “democracia” judicial e da oralidade nos procedimentos quando, rigorosamente falando, nada mais é que um simulacro de ambas as coisas.

O grande pesquisador John Zuluaga ilustra a Obra com sua experiência germânica na análise do seu direito interno (colombiano) para enfrentar o delicado tema da atuação policial e seu controle judicial nas medidas investigativas que dependam de autorização judicial, tema tão essencial naquele país quanto no nosso, onde as atuações policiais cada vez mais se apresentam envoltas em questionamentos de legalidade e, mesmo legitimação social.

O texto de Carlos Gómez-Jara Díez põe a nu uma das mais evidentes lacunas do processo penal brasileiro: a inexistência de um tratamento processual específico para a persecução contra pessoas jurídicas, tema relegado ao descaso desde a lei brasileira que regulou a singular hipótese de ocorrência dessa persecução e totalmente ignorado em reformas parciais posteriores e, mesmo, na previsão de uma reforma global do CPP. Apenas este artigo, por si só, já responderia pela grande inteira do presente livro a tomar o que subjaz ao artigo: a inexistência de legalidade estrita é a porta evidente do arbítrio de qualquer persecução.

E, numa ótica ainda comparada, o trabalho de Juan Mendonza Dias sobre a correlação entre acusação e sentença, reflete sobre um dos elos mais forte da persecução no Estado de Direito, algo que, em nossa estrutura legal, tem precário tratamento e com muitos hiatos, conhece reflexões profundas sobre suas dimensões teóricas e consequências práticas.

De caráter marcante pela atualidade e escassez de tratamento no cenário pátrio, o texto de Lorenzo M. BUJOSA VADELL explicita o enfrentamento do tema dos princípios gerais da persecução penal da cibercriminalidade desde uma perspectiva espanhola colocando em evidência as inúmeras nuances de dificuldade no tratamento da matéria, sujeita pela sua própria natureza a uma evolução tecnologia que desafia a temporalidade própria do espaço jurídico-normativo.

Os textos de Maria João Carvalho Vaz, Antonio Eduardo Ramires Santoro , Thiago Miranda Minagé e Rodrigo Mach, Gonçalves Virgínia Afonso de Oliveira Morais da Rocha, Mateus Salles Bittencourt, Pedro Sá Machado, Emerson Castelo Branco Mendes e do próprio organizador, Jorge Bheron Ro-

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A ver RUA, Gonzalo. Examen directo de testigos. Didot, 2015. Ver, também, em http://www.juicioporjurados. org/2015/10/comenzo-debatirse-el-juicio-por-jurados.html

cha constituem a elite de uma reflexão intelectual contemporânea sobre o sistema criminal brasileiro, inscrevendo-se desde um primeiro momento como obras referenciais para a literatura de alta envergadura.

Ao final, cabe a menção ao apoio editorial da Editora Tirant (Brasil) que soube entender o significado de uma obra desse quilate, que abarca direito comparado e interno, com autores de nomeada e novos escritores em suas primeiras letras, abrindo as portas para a experiência e para o novo pois, como pontuou Guimarães Rosa em sua obra “Grande Sertão Veredas”, tudo o que muda a vida vem quieto, no escuro, sem preparos de avisar.

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as dimensões do direito ao silêncio1

The dimensions of the right to silence

1. introdução

Historicamente, o efetivo exercício do direito de defesa no Brasil teve como um dos seus desafios mais significativos o cumprimento mínimo dos direitos e garantias individuais do acusado, confundido com a mera presença da defesa técnica, isto é, presença de advogado constituído ou nomeado, ou, ainda, de um defensor público. Esta defesa formal, estática, parte dos ritos do processo e pode configurar-se como uma “peça de decoração” e tornar-se um gargalo difícil na realização do ideal normativo: uma defesa técnica eficiente e envolvida nas necessidades do defendente.

Esta crise de efetividade no tocante à materialização do direito de defesa no Brasil conduz à reflexão das razões pelas quais não se consegue superar este obstáculo presente no sistema de justiça penal brasileiro, com déficit democrático, repleto de ritos sem densidade constitucional e, por vezes, conduzido por atores desprovidos de compromisso com a normativa constitucional, e influenciado pelo populismo, pelo Direito Penal simbólico, pelo moralismo arcaico e pelo processo penal do espetáculo.

Induvidosamente, o aumento massivo das situações de violência e de criminalidade no Brasil, com a acentuação dos conflitos penais, dramatiza a questão, o que se constata pelo número alarmante de prisões provisórias, in-

1 Artigo publicado inicialmente na Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 28, n. 112, out. / dez. 2020.

2 Doutor em Direito pela Universidade de Fortaleza (2015). Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará (2005). Defensor Público do Estado do Ceará. Professor de pós graduação em Direito Penal da Universidade de Fortaleza (Unifor) e do Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7). CPF: 521.224.173-15. Avenida Pinto Bandeira, 1111, Bairro Engenheiro Luciano Cavalcante, CEP: 60811170 – Fortaleza, CE – Brasil. Telefone: (85) 9988980942. E-mail: emersoncbm@yahoo.com.br/ Lattes: http://lattes.cnpq.br/9814280220475019

3 Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (início em 2017). Mestre em Ciências Jurídicocriminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal (2015), com estágio na Georg-AugustUniversität Göttingen, Alemanha. Pós-graduado em Processo Civil pela Escola Superior do Ministério Publico do Ceará (2007). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2005). Sócio fundador do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia – ILAEDPD. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPro. Defensor Público do Estado do Ceará. Professor de Penal e Processo Penal e Civil da Graduação e Pós-Graduação da Unichristus e da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará –ESMEC. Membro do Conselho Editorial da Boulesis e da Emais Editora. CPF: 699.555.653-49. Endereço: Rua Frei Mansueto, 422, apto 202, Bairro Meireles, Fortaleza-Ceará, CEP: 60.175-070. Telefone: (85) 996629293. E-mail: bheronrocha@gmail.com/ Lattes: http://lattes.cnpq.br/5464447160393013 https://orcid.org/0000-00026673-7174

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vertendo-se a regra da presunção de inocência para a adoção de uma postura de presunção de culpabilidade; no excesso de prazo que atinge quase todas as situações processuais; na execução antecipada da pena; execução de pena em regime mais gravoso, entre outras situações comuns que maculam o processo penal brasileiro como mecanismo de justiça penal na ordem constitucional vigente.

Nesse contexto, o direito ao silêncio, de fato, não passa de ornamento, porque raramente é respeitado em toda a sua dimensão constitucional. Enquanto não se concretiza um novo Código de Processo Penal, mais consentâneo com o Sistema Acusatório e com as garantias do acusado, os dispositivos do atual são interpretados com carência de concretização constitucional, e abundância de pragmatismo, instrumentário, e dentro da lógica de que “os fins justificam os meios”, e de que a função do juiz é o combate à criminalidade e por meio da busca de uma suposta verdade real.

No Brasil, a efetivação do Processo Penal como garantia é falha e se perde em meio ao mito da busca ilimitada pela verdade, que se coloca acima de preceitos constitucionais como o exercício da defesa e do contraditório, da presunção de inocência, da prova idônea e de uma decisão justa. Na prática processual, raramente a dúvida propicia absolvição. Existe uma clara opção pela presunção de culpabilidade – ou do famigerado in dubio pro societat – em meio a uma pressão gerada sobre os atores do sistema penal de justiça para que a tutela penal exerça uma missão simbólica de instrumento de redução de criminalidade e de diminuição da violência. De fato, as respostas penais exigidas pelo Direito Penal simbólico e pelo expansionismo penal são incompatíveis com a ideia de garantismo no processo.

A postura no processo penal brasileiro é de um ativismo que pende para os anseios de uma coletividade aterrorizada por discursos populistas irracionais que clama pela aplicação da “vingança” por meio do Estado, com a utilização do processo como um instrumento para tanto, ao invés de pender para o lado da própria natureza política do direito e do processo penais de contrapoder frente ao Estado, por exemplo, no asseguramento da tipicidade das formas.

Afinal, quem seria contra um juiz protagonista, investigador, capaz de garantir condenações e prisões? Estranho seria o contrário no imaginário popular, porque, no Brasil, absolvição ou qualquer decisão que contemple pedidos da defesa do acusado sofrem repulsa e são tidos como exemplo de impunidade. Apenas a condenação e a prisão, de preferência acompanhadas pela mídia como um espetáculo, pairam na mentalidade comum como a concretização da lei penal e da justiça.

A busca de soluções eficientes ou respostas rápidas, ao sabor do populismo irracional, traz somente a falsa sensação de segurança, com sérios prejuízos para a credibilidade na Justiça, especialmente para o devido processo penal

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constitucional e para o próprio regime democrático, que só se concretiza se os direitos e garantias individuais do acusado forem respeitados e efetivamente materializados.

Nestes tempos sombrios, com o propósito de defender o direito de defesa, é necessário pontuar o óbvio: o direito ao silêncio é expressão do direito de defesa, e, como tal, não pode sofrer limitação ou relativizações em nome de uma suposta – e duvidosa – eficiência. O exercício do direito ao silêncio precisaria, portanto, ser analisado sob o prisma do exercício de um direito que assiste à defesa em busca da obtenção de uma decisão justa, porque, ao final, não interessa, ou não deveria interessar, uma condenação, mas sim a concretização dos ideais de justiça.

Imensa parcela dos acusados sequer consegue ter informações sobre a acusação, e, quando tem, é um acesso apenas formal, uma vez que lhe é passada em linguagem jurídica ininteligível. Há óbice no acesso a uma defesa eficiente, porque a própria condução do processo dificulta a materialização de seus direitos. Existe um culto ao autoritarismo, compreendido como um conjunto de práticas que limitam a materialização de princípios constitucionais. A ofensa ao direito ao silêncio é um exemplo claro destas práticas autoritárias. Não é levado a sério. Maior prova disso é a cultura da tortura no Brasil, desenvolvida por aqueles que recorrentemente a praticam de modo direto ou indireto, ou mesmo por aqueles que lhe são indiferentes, contraditoriamente por órgãos que deveriam rechaçá-la.

Em determinadas posições processuais, nada resta ao acusado senão o exercício de seu direito ao silêncio como o maior trunfo de sua defesa técnica, como expressão da defesa e, por isso mesmo, não se resume ao direito de calar, tornando-se assim, a um só tempo, liberdade de expressão, direito a não se incriminar e exercício da garantia de ampla defesa4. Sua diretriz é a de não permitir qualquer tipo de constrangimento indevido ao acusado para coagi-lo de qualquer modo a se manifestar, ou a produzir prova contra si mesmo.

Qual o sentido de se obrigar uma pessoa a comparecer a uma audiência na condição de investigado ou de acusado, contra a própria vontade, se lhe compete exclusivamente decidir silenciar ou não acerca dos fatos e das imputações que lhes são atribuídas? Nos casos em que não há intimação prévia, qual o sentido de se compelir moral e fisicamente uma pessoa a comparecer a um ato sem lhe oportunizar o comparecimento espontâneo? Procedimentalmente, até mesmo uma testemunha tem a oportunidade de comparecer espontaneamente

4 O silêncio possui sentidos distintos, explica Rivera Ramos: “Pueden ser indicios de indiferencia, perplejidad, descreimiento, extrañeza, acatamiento, desprecio, arrogancia, prepotencia, desobediencia o desafío. Los silencios pueden manifestar tanto autoridad como falta de poder” (RAMOS, 2017, p. 182).

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a um ato da investigação criminal ou a uma audiência criminal sem sofrer constrição indevida a sua liberdade por meio de uma condução forçada.

Acrescente-se que a própria investigação criminal é autoritária, porque é realizada sem a presença da defesa e sem a fiscalização dos órgãos de controle constitucional. Aliás, o interrogatório durante a investigação criminal é procedimento bastante estranho. Não se impõe a presença da defesa, do juiz e do Ministério Público, ao argumento, pasmem, de que se trata de um procedimento inquisitivo. Esse formato de investigação criminal sempre esteve em xeque. Ademais, a defesa técnica não dispõe dos mesmos meios investigatórios, daí a necessidade de fortalecer e aperfeiçoar cada vez mais a ideia de investigação defensiva como meio de garantir equilíbrio na fase pré-processual investigatória.

As razões apresentadas anteriormente demonstram a relevância da investigação acerca do direito ao silêncio na perspectiva garantista do devido processo penal constitucional, especificamente no tocante à não-recepção da medida de condução coercitiva pela ordem constitucional vigente, que, para o Supremo Tribunal Federal, na recente decisão das Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 385 e nº 444, abarca apenas a dimensão do interrogatório do investigado/acusado, olvidando a exigência da presença pessoal do acusado nos demais atos da persecução penal, que encerram outras dimensões do princípio da proibição da autoincriminação.

Investiga-se a necessidade da aplicação do filtro constitucional às normas vetustas do Código de Processo Penal, uma vez que os direitos fundamentais servem como parâmetro hermenêutico com status jurídico reforçado e diferenciado (RUDOLFO, 2012), sob pena de representar constrição ilegal aos direitos e garantias individuais da pessoa humana e de respaldar episódios de autoritarismo em pleno Estado Democrático de Direito.

Inicialmente, busca-se compreender a amplitude do direito ao silêncio, como um direito humano e fundamental, inserido no devido processo penal constitucional e expressão do direito à defesa, consistente na (i) liberdade de a pessoa sob investigada ou acusada permanecer silente quando questionado pela polícia ou pela autoridade judicial, (ii) liberdade de responder apenas às perguntas que entenda não serem potencialmente incriminadoras; (iii) aplica-se inclusive às questões relacionadas à sua qualificação pessoal; (iv) dever de as autoridades policiais e judicias de informarem ao investigado ou acusado acerca deste direito; (v) garantia de que o exercício do direito ao silêncio não acarretará a violação de outros direitos; (vi) dever de o Estado garantir através de medidas positivas o exercício deste direito ao silêncio, evitando torturas; (vii) proibição de se fazer inferências adversas ao exercício do direito ao silêncio.

A seguir, investiga-se o direito do acusado de não comparecimento a qualquer ato da persecução penal como corolário do direito ao silêncio e a não

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