1_9786559086429

Page 1

Standard de Prova e Sentença Penal

um diálogo entre prática e teoria

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Diagramação e Capa: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

eduardo Ferrer Mac-GreGor PoiSot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez tavareS

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

luiS lóPez Guerra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

owen M. FiSS

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

toMáS S. viveS antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

N425 Neves, Luiz Gabriel Batista

Standard de prova e sentença penal : um diálogo entre prática e teoria [livro eletrônico] / Luiz Gabriel Batista Neves; prefácio Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. - 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2023.

3.638Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-642-9.

1. Epistemologia jurídica. 2. Processo penal. 3. Suficiência probatória. I. Título.

CDU: 343.1

Bibliotecária responsável: Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778

DOI: 10.53071/boo-2023-08-03-64cbfe417e700

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais.A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Standard de Prova e Sentença Penal

um diálogo entre prática e teoria

Prefácio Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

Apresentação Prof. Sebástian Mello

A Luiz Miguel e Fanny, amores de todas as vidas, razões de continuar a acreditar na existência e na eternidade.

Sou biólogo e viajo muito pela savana do meu país. Nessas regiões encontro gente que não sabe ler livros. Mas que sabe ler o seu mundo. Nesse universo de outros saberes, sou eu o analfabeto. Não sei ler sinais da terra, das árvores e dos bichos. Não sei ler nuvens, nem o prenúncio das chuvas. Não sei falar com os mortos, perdi contacto com os antepassados que nos concedem o sentido da eternidade. Nessas visitas que faço à savana, vou aprendendo sensibilidades que me ajudam a sair de mim e a afastar-me das minhas certezas. Nesse território, eu não tenho apenas sonho. Eu sou sonhável.

(Mia Couto, 2011, p. 14)

aGradeciMentoS

A reminiscência mais remota de minha infância é de mais de uma noite sem conseguir dormir, a ouvir ruídos estranhos e vozes que balbuciavam informações que não conseguia decifrar. Lembro-me também da imensa dificuldade de realizar projetos individuais. Todas as minhas conquistas foram coletivas - no campo pessoal e no profissional. Acostumei-me com as construções do ser-com (o Mitsen de que tanto fala Heidegger). Estes agradecimentos têm um sentido único; deveriam retratar a minha trajetória de vida, os sonhos, as frustações, as vitórias e as muitas lições acumuladas entre as travessuras infantis e as escolhas da vida adulta.

Mas não é uma autobiografia. Só preciso mesmo agradecer! Quero fazer como método, nominando gente e histórias, suportando todos os riscos de um eventual esquecimento.

Ser doutor era um sonho de criança. Aos 7 ou 8 anos, a professora Aidil, do Colégio Antônio Pedreira, distribuiu um formulário a ser preenchido, na qual perguntava-se qual era o grau de formação que cada um desejava ter. Eu marquei “doutorado”, de sorriso largo e sem saber mesmo ao certo o que significava. A professora explicou antes, mas éramos crianças e as respostas tinham por objetivo aguçar a nossa imaginação – só percebi muito tempo depois. Mas eu levei a sério... Aliás, eu sempre levo as coisas muito a sério. Eu sou literal, mesmo com esse espírito sagitariano - que não me deixa perder a fé e a esperança. Esse episódio me marcou e aguardei muitos anos para contar a projeção do meu sonho de criança neste momento tão especial: o de redigir os agradecimentos da tese de doutoramento.

Sou filho de uma professora, Dona Zeni (ou Pró Zeni), como costumo chamá-la. Meu pai foi um operador do polo petroquímico, e chegou ao cargo de supervisor. Minha mãe é formal, obcecada pelos estudos, rigorosa, metódica, esforçada e disciplinada. Ela sempre foi a minha inspiração para estudar sem parar, todos os dias, à exaustão. Meu pai não combina, mas combina, com o estilo operador do polo petroquímico que eu projetava e ainda projeto. Meu pai, seu Luiz (ou Luizão Pressão, como meus amigos o chamam), é uma espécie de último boêmio, o que Manoel de Barros denomina como filósofo de beco. Por onde andei, vi meu pai com um violão debaixo do braço, com sete pedras de dominó nas mãos e percorrendo os jogos de futebol do Esporte Clube Bahia. Meu pai é isso: música, dominó e futebol - suas três paixões.

7

Eu sou a cópia fiel dessa distopia. De uma cartesiana professora primária e de um libertário músico amador dessa Bahia de meu Deus. A maioria das pessoas que me conhece mais de perto experimenta essa contradição, porque à distância e de maneira mais superficial eu sou meu pai: extrovertido, animado e festeiro. No cotidiano, sou a “reencarnação” de minha mãe, do método e da disciplina, o famoso reme-reme, de que eu tanto falo com Cleifson e do que mais me aproxima de Dan Dan, mas chegarei neles dois daqui a pouco; antes, há muita história. Cansei de ouvir, inclusive das pessoas que convivi mais de perto, que eu sou muito diferente do que imaginavam à distância. Eu sempre atribuo a essa distopia da qual sou filho. Os meus pais me deram um irmão, Ruan, que me acompanha com efusividade por toda essa vida, sorrindo, sonhando, chorando, aplaudindo com entusiasmo meus planos, que ele nem bem sabe direito quais são. Aos três, sou grato por tudo!

Até o dia 7 de agosto de 2005 eles eram minhas únicas referências de família. Mas eu tive a grata oportunidade de conhecer os Gantois. Foram mais de dez anos convivendo com todos eles e eu tive uma segunda chance de forjar o meu caráter. Marcelo Gantois é um exemplo a ser seguido; Celi e Deni têm na generosidade um ideal de vida. Sobriedade, decisões racionais, escolhas a longo prazo, disciplina, persistência, ética e integridade sem limites são valores que devo especialmente a eles. Sempre serei eternamente grato!

Entre os anos de 1998 a 2003 eu passei pelo Colégio Batista Brasileiro, onde conheci o meu amigo mais antigo: Tiago Neri Souza, o famosíssimo Vovô. Formamos uma grande dupla, no futsal escolar, nas farras, no trabalho, na vida pessoal e agora na criação de Miguel. Considero Vovô uma alma gêmea, que esteve comigo em todos os momentos, bons e ruins. Lá conheci três figuras especiais, que marcaram toda a minha trajetória: Amanda Fiúza, Luciana Sampaio e Rafael Salgado.

Em março de 2006 outro presente chegou até mim: Hermes Hilarião Teixeira Neto, o Galego (ou Herminho). E juntos formamos o que costumamos chamar de partido – uma espécie de grande família de pessoas, de homens e mulheres, que se unem por um único sentimento: o afeto. Hermes é um irmão e com ele divido a vida. É o sócio que todos que militam na advocacia deveriam ter: simples, educado, generoso e honesto. Ele fala pouco; eu, muito. Somos, como diz Tremendão, um velho amigo desta terra, “Cosme & Damião”.

Cursei Direito depois de passar quase um ano em Engenharia Ambiental e de perceber que não tinha qualquer aptidão para as ciências exatas. Caí quase que de paraquedas no curso de humanas, já que meu desejo sempre foi ficar próximo de matemática, de física e de química; quem me conhece desde novo estranha essa guinada. Eu tenho um incômodo muito grande com as profissões jurídicas,

8

que até hoje persiste, conectada à ideia de que é possível construir narrativas dissociadas da verdade. A mentira é irritante, mas a filosofia ajudou a perceber as minhas limitações cognitivas. Por essa razão, o estudo da filosofia da mente tem sido a mim tão caro nos últimos anos (Manoel que o diga!).

Na faculdade conheci muita gente que faz parte de minha vida hoje. Mas, além de Hermes, é impossível não falar de Thiago Borges e de Geovane Peixoto, que desde 2008 adotaram-me como um afilhado. Meu tio e o Gordo são figuras preciosas de um tempo tão nebuloso que atravessamos.

Na advocacia desde janeiro de 2011, tive o privilégio de presidir o Conselho da Jovem Advocacia, a OAB Jovem, ambiente que me aproximou de Fabrício de Castro Oliveira e que me apresentou a Luiz Viana Queiroz e a Luiz Augusto Coutinho. Eles três, cada um a seu modo, são importantes. Amigos que carrego com muito carinho no peito.

Também sou muito grato a Érica de Meneses, com quem partilhei bons momentos e aprendi grandes lições. Foi uma amiga querida e que esteve presente em duros momentos entre 2014 e 2019. Sem as suas contribuições não teria feito uma gestão tão exitosa na OAB Jovem, sem a qual não teria me tornado mestre, não seria aprovado no concurso de Professor Substituto de Processo Penal da FDUFBA e não chegaria à presidência do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP), do qual fui Diretor Secretário e exerci diversas outras funções – como a atual, de membro do Conselho Consultivo.

Ao longo da vida fiz boas amizades e sinto que posso contar com uma rede de pessoas, entre as quais estão Marcelo Marambaia, Luciana Monteiro, Jonata Wiliam, Karla Oliver, Soraia Ramos, Rômulo Moreira, Thaís Salles, Carol Peixoto, Sanzio Peixoto, Marcos Mello, Fábio Lordello, Marta Nunes, Gustavo Brito, Igor Santos, Liz Rocha, Luciana Silva, Firmiane Venâncio, Matheus Moitinho, Armando Mesquita, Misael França, Mônica Antonieta, Lorena Machado, Bruno Valverde, Luís Colavolpe, Maria Brito, Vanessa Nunes, Lavinie Eloah, Tiago Agres, Manoel Bomfim, Aline Gostinski, André Rocha, Sarah Barros, André Nicolitt, Jacinto Coutinho, Márcio Berti, Ana Cláudia Pinho, Daniela Borges, Marcelo Gusmão, Maurício Saporito, Matheus Conceição, Diego Egêa, Daniel Soares, Télio Barroso, Kim Pinheiro, Thiago Almeida, Igor Tupinambá, Felipe

Marcone, Luise Reis, Luara Lemos, Marcos Lourenço, Victor Lisboa, Camila

Victória, Carol Rios, Ciro Soares, todos os amigos e amigos dos coletivos que faço parte, do meu time na liga jurídica – o MADRE (o time do povo), da Revista

Salve! e do movimento Black Ordem, entre tantos outros.

Em 2020, Gustavo Brito (Guga) mostrou tudo o que todos os seus amigos repetem dele, revelando seu cuidado e lealdade. Foi ele o responsável pela formação do Grupo de Estudos Franco Cordeiro, que reuniu gente de todo o

9

Brasil para estudar as lições do famoso professor italiano - tudo sob a batuta do maior nome de processo penal do Brasil: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Foi nesse grupo que conheci Bruno Cunha Souza, que me enviou vários textos dos professores de processo penal da Itália, responsável pela belíssima tradução da obra de Glauco Giostra.

Jacinto é um gigante. Não tergiversa, mantém-se íntegro aos valores que cultiva desde a época do judô. De 2020 para cá, tornou-se um pai aos seus dois novos filhos baianos, quais sejam, eu e Guga, ajudando-nos em cada escolha difícil que tivemos que fazer nesse período.

É preciso agradecer de maneira muito especial ao meu orientador, Sebastian, que nunca desistiu de mim e me deu inúmeras oportunidades na vida acadêmica e na advocacia. Sebas é único, desapegado da ideia de ser o senhor da razão – para alguém como ele, que chegou no patamar de ser o advogado criminalista mais prestigiado da Bahia, é algo raro.

Daniel Fonseca (Dan Dan) é um desses amores da vida, um amigo cuidadoso e que manteve permanente diálogo para a construção da tese, criticando, sugerindo, enviando textos e livros. Sua trajetória em pesquisar empiricamente serviu-me de inspiração, e as conversas no corredor do escritório, do qual éramos sócios, foi palco de debates intermináveis, de fuxicos e de litros de café. A tese começou a ser escrita ali, e o texto tem um pedaço substancial de seu coração generoso.

Cleifson Dias Pereira foi o irmão que disse repetidas vezes “Cadê a sua tese?”, mas também o que passou dois anos dialogando sobre a teoria crítica racial. Muito do que vai na tese surgiu em conversas que tivemos - ideias revolucionárias que não sei se um dia conseguiremos colocar em prática, até porque não deve ser nada fácil conquistar a lua! O trabalho conta também com sua atenciosa revisão filosófica, campo que exerce amplo domínio.

Felipe Batista e Filipe Alcântara são duas pessoas que devo agradecer permanentemente, pois foram imprescindíveis na pesquisa empírica. Sem eles não seria possível fazer algo com esta extensão. Sou imensamente grato a ambos!

Preciso agradecer à amiga Luíza Guimarães, que tem uma dissertação formidável sobre standard de prova. Lu não economizou tempo, ouviu as minhas angústias, sugeriu a leitura da obra de Toulmin, debateu ideias por horas e horas pelo telefone e falou muito de seu orientador na USP, por quem nutro enorme admiração, o professor Gustavo Badaró.

Agradeço aos amigos do Hilarião & Neves, especialmente a Tainan e a Neidinha, que seguraram as pontas durante todo o período que estive afastado. Não é fácil ser advogado, professor e aluno do doutorado.

10

Nada seria possível sem a proteção espiritual de dona Raquel, de Jonata e tia Lu. Desejo que todos os orixás retribuam em dobro tudo o que vocês sempre fizeram por mim, por amor, pela amizade e com tanto carinho.

Quero agradecer a minha amiga Liu, que cuidou de mim quando ainda era criança e hoje cuida de meu filho, Miguel.

Depois que fiquei distante de Marcelo Gantois, duas pessoas foram fundamentais para que eu pudesse seguir adiante: Thiago Borges e Marcelo Marambaia. Eles dois se tornaram meus grandes conselheiros e representam muito em minha vida. São parecidos; ouvir a um quase significa ouvir a opinião do outro. São rigorosos no campo da ética, não abrem mão de fazer tudo de maneira extremamente correta, não suportam a mentira e, além de corajosos, a maior virtude que possuem é a lealdade. Celo corrigiu a tese até às 2h da madrugada de um certo dia por aí, sacrificando a atenção que sempre dedica a JP e a Lia, e fez várias sugestões. Meu tio é meu tio; não à toa, é o padrinho de meu filho.

Outras pessoas merecem atenção especial. Luzita, a irmã (mais velha. Não parece, né?) que eu não tive, que nunca me abandonou e sempre esteve do meu lado, deixando-me participar de sua família em momentos sensíveis. Obrigado, Lu, pelo acolhimento. Você, Jordon e Luquinhas fazem parte disto. Jon Jon, meu irmão mais novo, teve uma paciência franciscana nos momentos de turbulência e seguramos um a mão do outro quando tudo parecia perdido. Tatai é desses encontros necessários na vida, gentil e compreensiva, mesmo em uma UTI de Hospital, cuidando dos seus, tirou um pedaço do tempo para corrigir parte da tese, entre as quais a sugestão de mudar o título que inicialmente havia escolhido - talvez inspirada nas luzes dos girassóis que irradiam dos seus olhos. Tevez é o amigo que nunca diz não para as correções dos meus textos, colocando-se em cada enrascada para salvar este amigo de infância. Além de exímio professor da nossa língua, sempre levou a vida com um sorriso largo no rosto, sem limites para amar e cuidar do outro.

A reta final, os últimos noventa dias, foi escrita dentro de casa, na companhia do carismático Luiz Miguel. Eu pensei muito em desistir quando me dei conta do tempo para concluir e das tarefas que tinha pela frente, mas Marcelo Ruivo me disse algo que nunca me esquecerei “Faça pelo seu filho!”. Obrigado, Ruivo! Não havia outro jeito de convencer um pai apaixonado.

Miguelito, meu filho, sem você nada seria possível. Foram dias intensos. Entre um livro e outro, estava você: sua hora de mamar, suas noites sem dormir, a hora de trocar suas fraldas, mas a verdade é que esse seu cheirinho de inocência me trouxe até aqui. Quando parecia impossível, seu sorriso banguelo enchia a alma de esperança.

11

Por fim, quero agradecer ao novo amor que a vida me deu, a Russa – como Vovô resolveu chamá-la. A primeira vez que saímos juntos foi em um 15 de agosto, depois de muito insistir para ter a sua presença. Ela foi muito paciente e sempre me olhou com a alma, por esses olhos de jabuticaba que ela empresta ao nosso filhote. Bê, sem você e se não fosse por você eu não estaria aqui. Eu nunca pensei que poderia amar novamente alguém. Obrigado por tudo! Vamos juntos até o fim! Uma história que nos marca é a da escolha do nome de Miguel. Nessas coincidências da vida, dia 15 de agosto (dia do nosso 1º encontro) tem início a quaresma de São Miguel. Aprendi a chamar essas coincidências de destino e os pressentimentos que tenho desde quando ouço vozes na infância de mediunidade. Minha vida tem um pouco de fé e de saber, como ensina Habermas.

Eu sou um tantinho de cada uma dessas pessoas. Chegar até aqui significa que não cheguei sozinho. Sou fruto da confluência de muitos amores, amizades, lições, decepções, tropeços, conselhos e exemplos. A tudo, a todas, quero agradecer!

12
SuMário PreFácio ........................................................................................................... 16 Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 1. introdução .................................................................................................. 22 2. MetodoloGia da PeSquiSa eMPírica ............................................................... 29 2.1. Apresentação geral dos dados .................................................................................... 35 2.2. Coleta, preenchimento e análise dos dados ................................................................ 39 2.3. O critério e o método escolhido para a verificação do grau de suficiência probatório (standard de prova) das sentenças pesquisadas .................................................................. 46 3. aS SentençaS PenaiS naS varaS eSPecializadaS de tóxicoS da coMarca de Salvador/ba no ano de 2018: a FaSe Pré-ProceSSual .......................................... 53 3.1. Perfil socioeconômico dos sentenciados 53 3.2. A peculiaridade da investigação criminal e o impacto nas provas ............................... 69 3.2.1. Do início da persecução criminal, prova e sentença .............................................. 70 3.2.2. Localidade, prova e sentença ................................................................................ 72 3.2.3. Entrada em domicílio, acesso ao celular, violência física, prova e sentença 75 3.2.4. Tipo, quantidade, diversidade das drogas, prova e sentença 84 3.2.5. Outros fatores que influenciaram a sentença: armas, munições, apetrechos, sinais de acondicionamento e dinheiro ......................................................................................... 88 3.3. A prisão preventiva e a determinação antecipada dos fatos ......................................... 93 4. aS SentençaS PenaiS naS varaS eSPecializadaS de tóxicoS da coMarca de Salvador/ba no ano de 2018: a FaSe ProceSSual ................................................. 98 4.1. A valoração da prova nos casos pesquisados 99 4.1.1. Hipótese sobre os fatos nos casos pesquisados .................................................... 109 4.1.1.1. Hipóteses da acusação: denúncia e alegações finais ........................................ 110 4.1.1.2. Hipóteses da defesa: defesa prévia e alegações finais ...................................... 113 4.1.1.3. A sentença e a análise das hipóteses apresentadas pela acusação e pela defesa 116 4.1.2. As provas produzidas no processo no crime de tráfico de drogas 118 4.1.3. O fundamento de garantia no crime de tráfico de drogas ................................... 122 4.1.4. O conteúdo da regra no crime de tráfico de drogas ............................................ 124 4.1.5. As provas utilizadas nas sentenças para determinação da autoria do crime de tráfico de drogas ..................................................................................................................... 127 4.1.5.1. A palavra do policial ..................................................................................... 127 4.1.5.2. O interrogatório e o depoimento das testemunhas de defesa 131 4.2. O grau de suficiência probatório (os standards de prova) das sentenças pesquisadas ........ 134 4.2.1. Elevadíssima probabilidade da hipótese fática acusatória e inexistência de suporte probatório para a hipótese fática de inocência do réu ................................................... 147
4.2.2. Para além de toda dúvida razoável e os casos pesquisados 154 4.2.3. O ônus da prova no crime de tráfico de drogas................................................... 157 4.2.4. Atitude suspeita e os critérios de suficiência ....................................................... 158 4.3. Aspectos relevantes na determinação dos fatos das sentenças pesquisadas ................. 160 4.3.1. A busca da verdade nos casos pesquisados .......................................................... 160 4.3.2. A variedade de juízes e juízas e as sentenças pesquisadas: contribuições da dissonância cognitiva ...................................................................................................................... 166 5. o baixo Grau de SuFiciência Probatório naS SentençaS PenaiS daS varaS eSPecializadaS de tóxicoS da coMarca de Salvador/ba no ano de 2018: contribuiçõeS à ForMulação do Standard de Prova Para a Sentença Penal ...... 173 5.1. Proposta da declaração dos fatos provados ............................................................... 180 5.2. A elevadíssima probabilidade da hipótese fática acusatória e o problema das provas testemunhais 182 5.3. Proposta de análise de todas as hipóteses alternativas da defesa e as que decorram dos fatos: a superação da jurisprudência do STJ e STF 185 5.4. Proposta legistativa para o standard de prova da sentença penal no brasil ................. 186 6. concluSão ................................................................................................. 190 reFerênciaS biblioGráFicaS ............................................................................. 194 relação doS ProceSSoS PeSquiSadoS ................................................................ 206

aPreSentação

Conheço Luiz Gabriel há muitos anos. Advogado jovem, impetuoso, obstinado, tinha o sonho de fazer mestrado em Direito na Ufba. E o fez. Acompanhei ele nesta primeira aventura como seu orientador. Já mais maduro, encampou o desafio de fazer o doutorado em Direito. Também na Ufba. Também sob a minha orientação. E continuava imbuído no propósito de fazer uma pesquisa relevante. E o fez.

Luiz Gabriel tornou-se doutor em Direito pela Universidade Federal da Bahia desenvolvendo a pesquisa que agora chega em suas mãos. Seu estudo fez um recorte sobre a suficiência probatória necessária para condenar pessoas à prisão, pelos crimes de tráfico de drogas, na cidade de Salvador, Estado da Bahia, no ano de 2018. A escolha por tratar de condenações por tráfico, e não de outros crimes, revela muito sobre a inquietação intelectual de Luiz Gabriel. Homem negro, preocupado com o caráter seletivo e estigmatizante do Direito Penal e Processual Penal, escolheu justamente as infrações penais em que a carga de preconceitos se revela de maneira mais evidente.

A obra se inicia, portanto, com a apresentação dos resultados obtidos. E os dados são apresentados de forma minudente e criteriosa. São abordados aspectos rotineiros de processos por tráfico de drogas: a precariedade dos elementos produzidos na investigação criminal, os locais em que ocorrem as prisões em flagrante, as entradas em domicílio, o acesso aos celulares, a quantidade e a diversidade das drogas, bem como o perfil socioeconômico dos réus.

Há uma investigação detalhada sobre como os denominados standards probatórios são utilizados para condenar e absolver, e os dados obtidos são impressionantes, embora não necessariamente surpreendentes. Os resultados apresentados revelam claramente, para além de discussões herméticas e meramente teóricas, a realidade das condenações por tráfico.

E seu trabalho não se limita a desnudar os fundamentos das condenações, sobretudo aqueles arrimados nas chamadas regras da experiência: o resultado da pesquisa é propositivo, em que se busca estabelecer um padrão epistêmico mínimo para condenações, com propostas de alteração legislativa relevante em matéria probatória no processo penal. Assim, Luiz Gabriel confirma, por intermédio de sua tese, seu compromisso como ser humano, como advogado e como pesquisador.

15
SebaStián borGeS de albuquerque Mello1 1 Advogado. Mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Professor da Graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) da Universidade Federal da Bahia.

PreFácio

“1. TO HAVE GOOD HEART IS THE FIRST,” (MAHÃGANDHÃYON MONASTERY rules, Mandalay, Myanmar)

Mandalay é uma cidade de mais de um milhão de habitantes no centro-norte de Mianmar, antiga Birmânia. A cidade é muito – muito! – linda, se vista pelo aspecto espiritual. Quase que integralmente budista, conserva, de forma espetacular, templos pelos quais giram milhões de pessoas. Neles, há um inabalável respeito, mesmo que se não tenha uma repressão visível. Perguntado sobre a razão de tal comportamento, o guia Soe Aung, sempre tão gentil e respeitoso, não respondeu na hora, dizendo que depois poderia responder melhor. A pergunta era um convite ou, quem sabe, a expressão de um desejo. Por isso, em seguida, estávamos em um Mosteiro Budista (um dentre vários que a cidade comporta) e, justo na entrada do amplo espaço para as refeições, chamava a atenção um grande cartaz azul, escrito com letras em branco, em inglês. Era um decálogo, com as regras do Monastério. Como parecia ser a hora do almoço, havia duas filas, com monges e noviços, ambas dentro do mesmo respeito que vimos nos templos. Soe, aparentemente, fez de propósito, conjugando os momentos, ou seja, o conhecimento das regras e o respeito demonstrado nas filas. Com isso, parecia não ter muito mais para explicar, mas Soe, com uma paciência budista e o inglês mais simples que encontrava, começou dizendo que a pessoa, individualmente, é o que mais importa, razão por que a regra primeira é “ter bom coração”, seguindo-se as demais. Afinal, “não adianta ter boas regras se as pessoas, sem um bom coração, não as respeitam”. Ele ainda disse outras coisas e, dentre elas, que todos, ainda crianças, deixam suas famílias e vão morar nos Mosteiros, onde têm uma disciplina rígida e estudam muito, preparando-se para a vida. A maioria não fica ali depois da formação (ele ficou 5 anos!), mas, para o resto de sua vida, carrega os fundamentos que recebeu. Estava explicado, de forma clara, quem eram as pessoas que tinham um comportamento respeitoso nos templos.

Para mim, por outro lado, aquele modelo serviu para começar a tentar entender por que falamos – ou temos que falar – do “pensamento da civilização ocidental” (em detrimento de outro, o oriental) e também, e assaz importante, por que o neoliberalismo, com seu individualismo extremado, provocou a debacle da ética no ocidente, o que, em definitivo, não é algo simples, dado atingir gente que metida em uma competição extrema, precisa vencer a qualquer custo e, sendo assim, não tem olhos para o outro, muito menos “precisa ter bom coração”. Safam-se, como se sabe, aqueles que, per fas et nefas, conquistam para si algo

16

que se poderia chamar de “ter bom coração”; e fazem dessa conquista, talvez sem saber ou mesmo querer, a regra primeira de seu comportamento.

Meu estimado amigo Luiz Gabriel Batista Neves é, sem nenhuma chance de errar, uma dessas pessoas.

Eis a razão pela qual é, para mim, uma honra e uma alegria poder fazer esse pequeno prefácio ao livro que decorre de sua tese de doutoramento na Universidade Federal da Bahia – Standard de prova e sentença penal: um diálogo entre prática e teoria –, aprovada com louvor e da qual foi orientador o ilustre Prof. Dr. Sebastian Borges de Albuquerque Mello. Participaram da banca, por seu turno, junto com o qualificado orientador, professores doutores de imenso prestígio, ou seja, Maria Auxiliadora Minahim, Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado, André Luiz Nicolitt e Fernanda Ravazzano Lopes Baqueiro. Uma banca assim, como se sabe, abona o trabalho do autor e, de certa maneira, ele próprio. Quem chega nesse ponto da atividade acadêmica é obrigado a oferecer um trabalho monográfico e defendê-lo, mas – não poderia ser diferente – carrega consigo uma história de vida que se espelha na tese e, queira-se ou não, alonga a avaliação para muito além dela, na qualidade e no tempo. É por isso que ganha grande significado um parágrafo apresentado pelo autor já no início dos Agradecimentos: “Ser doutor era um sonho de criança. Aos 7 ou 8 anos, a professora Aidil, do Colégio Antônio Pedreira, distribuiu um formulário a ser preenchido, no qual perguntava-se qual era o grau de formação que cada um desejava ter. Eu marquei ‘doutorado’, de sorriso largo e sem saber mesmo ao certo o que significava. A professora explicou antes, mas éramos crianças e as respostas tinham por objetivo aguçar a nossa imaginação – só percebi muito tempo depois. Mas eu levei a sério... Aliás, eu sempre levo as coisas a sério. (...).”

A tese – e agora o livro –, como o título enuncia, trata do standard de prova e, mais particularmente, sobre ele na sentença penal. Enfim, questiona como o tema aparece nela, a sentença penal, já ex ante em razão de uma fragilidade teórica –quem sabe na dogmática toda –, a qual dificilmente seria possível superar sem uma pesquisa adequada, de campo, documental. Para tanto, o autor – como aparece no livro – com a referida pesquisa, visita nada menos que 380 (trezentos e oitenta) processos, tudo a fim de verificar “como os juízes aplicam os standards de prova”. E isso é feito em 3 (três) varas especializadas de tóxicos na comarca de Salvador/BA. O tema, como se vê, é muito rico; e a opção metodológica foi acertada porque, em tal matéria – sempre tão sensível para gente que se leva pelos pruridos –, não teria como ser diferente. A estrutura opinativa da dogmática jurídico-penal, da sua parte, caso usada, levaria qualquer um – mesmo os mais atentos – ao risco de fraudar as conclusões. Era necessário, então, ir adiante; e foi o que aconteceu. Ora, quando o assunto são as substâncias estupefacientes que causam dependência física ou psíquica, a extragrande maioria das pessoas tende a carregar consigo algum preconceito,

17

pelos motivos mais variados, em geral pela manipulação midiática mantida pelos norte-americanos há décadas, a qual produziu efeito no mundo inteiro e sempre prejudicou as necessárias discussões sem prejulgamentos. Eis, então, por que visitar os processos e, em especial, as sentenças, serviu para opinar de modo mais fundado e, a partir daí, concluir de modo seguro: “(...) os processos analisados indicam como sendo indispensável na formulação do standard de prova da sentença penal: um capítulo obrigatório em que o juiz declare os fatos provados; a urgente implementação do juiz de garantias; a vedação a condenações baseadas exclusivamente em provas testemunhais; a necessidade de o juiz enfrentar todas as hipóteses fáticas alternativas à acusação, aquelas alegadas pela defesa e as que decorram dos fatos, verificando-se quais têm suporte probatório, superando-se inclusive a jurisprudência do STF e STJ.”

O tema é instigante e assaz complexo. Aqui, por evidente, não seria o caso de entrar no assunto e opinar sobre ele, mesmo porque a pesquisa de campo – se fosse o caso – serviria, em qualquer circunstância, para defender a tese, quem sabe dispensando o autor de formular uma – antecipada – defesa dos seus fundamentos, contra possíveis críticas, na Justificação que oferece ao Anteprojeto de Lei que propõe como “(...) padrões probatórios a serem observados para condenação em processo penal”. É possível, sem embargo, apontar alguns pontos que ajudariam a perceber como o trabalho mexe com quem o lê, da mesma forma que pode colocar a pensar sobre outras possibilidades, desde outros ângulos. Ademais, o autor diz, expressamente, ser meu filho adotivo na Bahia e, se assim é, tenha-se por certo que um bom pai, de regra, não é aquele que provê e sim aquele que exercendo, se for o caso, a sua função, limita. O limite, não se pode duvidar, é fundamental ao crescimento, inclusive do ponto de vista epistemológico. Por isso, resolvi ir um pouco além, para não deixar que se feche o assunto.

A questão, então (do standard de prova), talvez pudesse apontar para a inafastável opção, na sentença, pela observação restrita daquilo que vem estabelecido no texto e na regra, mesmo em um processo metido no sistema inquisitorial que se conserva no Brasil. Ora, o art. 381, do CPP, ao dispor sobre a sentença, faz o verbo aparecer no imperativo, para não deixar dúvida, inclusive sobre eventual relativização: “A sentença conterá:”. Em termos de dicção processual penal, seria o mesmo que dizer: “Sem o que será descrito nos incisos abaixo, a sentença será inadmissível, logo, ato absolutamente nulo”. Pois. Sendo assim, deve-se observar que o supracitado art. 381 tem, por preceito, nos seus incisos II e III, o seguinte: “II – a exposição sucinta da acusação e da defesa”; e “III – indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão”. Logo, ao expor as teses da acusação e da defesa, deve (ou deveria?) restar claro aquilo que foi discutido pelas partes, por seus fundamentos, portanto, tudo. Inclusive, o adjetivo “sucinto” (succintus, do Latim), além de significar “escrito com poucas palavras” pode

18

ser, também, “aquilo que se limita ao essencial”, ou seja, admite, na mais ampla interpretação possível, que se vá até o limite do essencial, mas nunca – nunca! –que se deixe algo fora, da acusação e da defesa. Em suma, tertium non datur! Uma pergunta tão só para esclarecer: na prática isso se dá assim? Doutra parte, quando o inciso III fala em “indicação dos motivos de fato e de direito” está dizendo, na conjugação dos dois incisos, que se deve explicitar todas as teses arguidas pela acusação e defesa, ou seja, accountability, como aparece nos autores de língua inglesa; ou mesmo livre convencimento, como se vê da evolução do conceito na Europa e no resto do mundo que adota o sistema de civil law, ninguém devendo se enganar pelo nome, como sempre demonstraram os melhores processualistas. No fundo, trata-se sempre de fundamentar a decisão para prestar contas sobre o que está em julgamento, responsabilizando-se pelas escolhas em favor das teses da acusação e da defesa, em face dos motivos de fato e de direito. Outra pergunta, só para esclarecer: na prática isso se dá assim?

Portanto, se se tem preceitos e regras de regência – em que pese passíveis de manipulação na via da interpretação – não serviriam eles como standard de prova? Desde este ponto de vista, donde se encontram tais preceitos e regras com o preceito proposto pelo autor no anteprojeto precitado, no qual se diz, na oferta de um novo art. 155 (e é sempre do CPP atual que se trata): “(...) cabendo ao acusador provar, no caso concreto, a elevadíssima probabilidade da hipótese fática tipificada penalmente”? Como se vê, quando o assunto é padrão (e standard é isso), como se fosse “o nível do sarrafo no salto com varas” (com sugeriu o excelente Alexandre Morais da Rosa), e o mecanismo para o estabelecer é a palavra, sempre haverá um modo delas deslizarem, escorregarem e, assim, dizerem algo diverso – não raro absolutamente diferente –, deixando aos viventes fórmulas aparentemente mágicas (tipo: BARD – beyond a/any reasonable doubt), para tentar estabelecer um compromisso nem sempre (ou quase nunca?) acolhido e aceito.

Se assim é – e parece ser mesmo – um pequeno giro demonstraria logo que se está a carecer de um mais eficaz mecanismo de controle das decisões. Elas –as decisões – são atos humanos que, pautadas por elementares e circunstâncias, sempre encontram espaços – se se quiser ou mesmo inconscientemente – para enveredar na direção de caminhos não previstos, não raro contra legem. Daí o sistema recursal, para que se tenha controle. Assim, se de antemão se sabe que pode haver equívoco, o controle é necessário, antes, imprescindível, não raro porque as decisões são ou podem ser de vida e morte. Agora, porém, mais uma pergunta seria pertinente: ele, o controle, tem funcionado a contento?

A tese apresentada é, de fato, um inegável esforço na direção de um processo penal democrático, mesmo porque, ao invés do BARD, indica “(...) a elevadíssima probabilidade da hipótese fática acusatória e a inexistência de suporte probatório nas hipóteses alternativas da defesa e as que decorrem dos fatos”. Por trás de significantes assim, tomados como fundamento, há um fundamento do

19

fundamento; e ele se assenta na questão da verdade. Como se sabe, não se trata de um conceito qualquer, muito menos para ser esmiuçado em um simples e curto prefácio despretensioso, algo que a tese fez com proficiência, embora reconhecendo que “Não é objeto da tese aprofundar o tema da prova e da verdade (...)”. De qualquer forma, parece inevitável que se se quiser sair da armadilha oferecida pela linguagem – com uma palavra/significante (verdade) que não encontra o seu significado, a não ser na fé – há de se fugir do jogo linguístico que ela oferece. Afinal, é um jogo – e isso se sabe bem e a tese reconhece – no qual todos jogam do mesmo lado (os perdedores são os de sempre, isto é, os mais frágeis e que de regra, menos têm), ou seja, trata-se de uma “ideia [que] coloca garantistas e antigarantistas em um mesmo grupo”. Então, ficar dentro dele – o dito jogo –, seja porque é conveniente, seja porque é mais fácil, pode ajudar a se ter um lugar no lugar-comum, mas pode construir um paradoxo do qual não se consegue mais sair, mormente para quem tem olhos para os outros, todos os outros, começando pelos mais pobres, pelas minorias. Como dizem os italianos, “Chi va con lo zoppo, impara a zoppicare”. Enfim, se há algo que se deva esperar de um doutor é que ele não se deixe iludir, dado que tem a expertise necessária para andar com as próprias pernas e, a partir daí, formar outros experts.

Faz-se hora de terminar. A tese, com sua extraordinária pesquisa, é tão rica que a cada passagem, a cada assertiva, a cada mirada, abrem-se uma infinidade de questões, uma mais rica que a outra.

Meu querido amigo Luiz Gabriel trabalhou bem. Honrou seu orientador, o Prof. Dr. Sebastian Borges de Albuquerque Mello, o Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFBA, seus parentes e amigos, todos lembrados em Agradecimentos que devem ser lidos para se ter certeza, ao final, de que ele esqueceu – como sói acontecer – de muitos outros que, quem sabe, deveriam ali estar. Os amigos que um homem assim (“de bom coração”), tem, sem qualquer dúvida, não cabem em poucas páginas. Eles, porém, sabem que estão ali porque, como diz ele, “Sou fruto da confluência de muitos amores, amizades, lições, decepções, tropeços, conselhos e exemplos”.

A tese – e o livro – é dedicada ao Luiz Miguel e à Fanny, “amores de todas as vidas, razões de continuar a acreditar na existência e na eternidade”. Não é pouco. Mas ele sabe o que diz. Fanny é a engenheira que ele não foi (embora tivesse tentado) e constrói edifícios de amor para agasalhar esses dois Luizes: o grande, nasceu de novo; o pequeno (dito, Miguelito), nasceu como símbolo desse amor tão profundo de pai e mãe. E assim, que levem a luz que volta dessa distribuição de amor que fazem pela existência afora.

Comecei com as regras do MAHÃGANDHÃYON MONASTERY, de Mandalay, Mianmar. Elas, as regras, em geral se voltam para a fundação individual. Agora, para terminar, vale voltar ao tema para mostrar que a penúltima delas, a nona, mostra a relação com o mundo externo, a sociedade, e diz: TO OBEY THE

20

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.