

entre a obrigatoriedade e a oportunidade no exercício da ação
Copyright© Tirant lo Blanch Brasil
Editor Responsável: Aline Gostinski
Assistente Editorial: Izabela Eid
Capa e diagramação: Jéssica Razia
Arte da capa: Thais Ribas
Eduardo fErrEr Mac-GrEGor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México
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Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil luis lóPEz GuErra
Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
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Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
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Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S713e
Souza, Bruno Cunha Escassez, eficiência e ação penal pública [recurso eletrônico] : entre a obrigatoriedade e a oportunidade no exercício da ação / Bruno Cunha Souza ; prefácio
Marcia Carla Pereira Ribeiro - 1 ed - São Paulo : Tirant Lo Blanch, 2023 recurso digital ; 1 MB
Formato: ebook Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5908-617-7 (recurso eletrônico)
1 Direito penal - Brasil 2 Processo penal - Brasil 3 Ação penal pública - Brasil 4 Livros eletrônicos I Título
23-84938
CDU: 343 12(81)
Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439
DOI: 10.53071/boo-2023-08-16-64dcf07232bb0
09/07/2023 13/07/2023
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Bruno Cunha Souzaentre a obrigatoriedade e a oportunidade no exercício da ação
Prefácio
Prof.ª Dr.ª Marcia Carla Pereira Ribeiro
O livro Escassez, eficiência e ação penal pública: entre a obrigatoriedade e a oportunidade no exercício da ação, prefaciado pela Prof.ª Dr.ª Marcia Carla Pereira Ribeiro, representa o resultado do meu Mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Paraná – concluído em março de 2020. Trata-se do texto da dissertação – “Obrigatoriedade da ação penal pública: o problema da escassez dos recursos públicos para uma prestação jurisdicional eficiente” – complementado pelas considerações da banca, que foi composta pelos Professores Dr.ª Marcia Carla Pereira Ribeiro, Dr. Jacinto Nelson de Miranda
Coutinho, Dr. Rodrigo Sánchez Rios e Dr. Dennis Almanza Torres.
A dissertação analisa a obrigatoriedade da ação penal pública e seus efeitos na Jurisdição penal. Busca estabelecer uma relação entre a dependência de provocação e as noções de escassez e eficiência.
Aplica-se a Tragédia dos Comuns à persecução penal para evidenciar a relação que há entre esta e a economia. Por meio do método hipotético-dedutivo, adota a análise econômica positiva como a única passível de aplicação com validade científica à persecução. Para chegar às suas conclusões, parte da composição dogmática das noções de obrigatoriedade e de oportunidade, do conteúdo dos dispositivos de direito positivo brasileiro pertinentes, assim como de sua compatibilidade constitucional. Conclui-se que um regime de obrigatoriedade da ação penal pública não é a melhor opção em termos de compatibilidade constitucional e que o regime da oportunidade não é admissível num sistema continental que adote o exercício da ação pública com exclusiva titularidade de um órgão público.
Quem já viveu um pouquinho sabe a diferença que há entre o que o mundo é, o que o mundo deveria ser e seus impactos para a vida que gostaríamos de viver. Num mundo ideal o que a lei chama de interesse público, ou quando se diz que determinada decisão foi tomada em benefício do interesse social, ficaríamos muito satisfeitos, pois, em tese, os interesses social ou público seriam facilmente identificáveis e reais.
No entanto, sabemos que o interesse público é de difícil identificação quando lembramos que ele, na verdade, será expresso por uma pessoa ou um grupo de pessoas. E mais, essas pessoas têm seus próprios interesses, afinidades, expectativas. E como pensam os estudiosos da corrente conhecida como Public Choice, não é porque ocupa um cargo público que eles deixam de ter seus próprios e egoísticos interesses. E esses fatores provavelmente produzirão impactos nas suas escolhas em nome do interesse público.
Há quem proponha que esse interesse transcendente possa ter sua origem identificada num certo direito natural. Inerente ao ser humano. Direitos imanentes à espécie humana. E há apenas uma espécie humana? O que dizer das civilizações extintas ou existentes e seus próprios e peculiares princípios? Quem dirá que determinado princípio é o que deve prevalecer sobre o outro, comparando-se civilizações?
O quanto não conhecemos desse mundo? Tantas coisas não podem ser explicadas, por mais avançadas que estejam a ciência ou as mídias sociais (sempre elas!).
Mas ainda que imperfeitos em seus conteúdos, ou passíveis de alguma contestação em sua efetividade, o estado de direito costuma atribuir a determinadas organizações a defesa dos interesses transcendentes aos individuais.
Assim é que na seara criminal, o Ministério Público é a organização responsável por representar perante o Poder Judiciário o
interesse público de se buscar, ao mesmo tempo, justiça para as vítimas e o estabelecimento de um sistema que desestimule a prática de ilícitos, por meio da ameaça de condenação. A atuação do Ministério Público no sistema brasileiro adota uma configuração que delimita rigidamente a possibilidade de o órgão público decidir pelo avanço ou não avanço da persecução criminal. Expressa certamente um ideal de indisponibilidade do direito de a sociedade dispor de segurança.
Certamente um dia, um titular do poder da estipulação de políticas públicas decidiu (normalmente de forma coletiva, por representação) de que tal configuração da atuação do Ministério Público seria a que melhor atenderia ao interesse da sociedade. E, pode ter efetivamente trazido para o Direito a melhor expressão do desejo da sociedade, ou pode ter atendido também aos interesses do corpo de profissionais que atuam na seara criminal, ou pode ter sido a cópia de um sistema já adotado em diversos países.
E mais, certamente a decisão estava amparada na motivação de seu tempo, e as motivações não são imunes às mudanças típicas de cada tempo.
Logo, quando o autor volta sua pesquisa à escassez dos recursos públicos, à necessidade de se buscar em sua aplicação princípios de eficiência, nada mais está fazendo, e de forma brilhante, do que aceitar o desafio de questionar o status quo, usando como ferramentas algumas categorias da análise econômica do Direito.
E isso é corajoso, porque, numa primeira vista, aceitar que talvez nem todas as ações criminosas devam ser perseguidas segundo os mesmos critérios, ou admitir que o Ministério Público possa dispor de um poder de discricionariedade, e mesmo de negociação de forma mais ampla do que as que são reconhecidas hoje expressamente no Direito brasileiro, pode parecer um ultrage aos valores do Direito, ou, quem sabe, aos valores da sociedade, ou quem sabe o Direito deva se confundir com a sociedade.
Isso certamente vale para uma análise não apenas das persecuções penais, mas das defesas individualistas de direitos, sem qualquer norte extraído dos interesses da coletividade.
Temos inúmeros princípios, inclusive consagrados na Constituição que são suficientemente abertos para gerar uma ilusão de aplicação espontânea. De uma aplicação que não considere os interesses da maioria (e é daqui que se pode extrair o conceito mais firme de interesse da coletividade), maioria em relação à efetiva declaração do Direito e maioria em relação àqueles sobre os quais a declaração do direito irá produzir efeitos indiretos.
Por exemplo, decisões judiciais que obrigam o Estado, hospitais ou planos de saúde à realização de determinado tratamento não ofertado à população em geral. Normalmente pautadas em princípios gigantes como o do direito à saúde ou aquele da dignidade da pessoa humana.
Concedida a tutela individual, não seria o caso de se fazer publicar um edital convocando a todos aqueles em situação idêntica para que possam ter acesso ao mesmo tratamento? Por que assegurar o interesse público de defesa da saúde apenas àquele que ingressou com a demanda?
Porém, como os recursos públicos são escassos, qual seria o resultado da coletivização dos direitos relativos à saúde? Seriam verbas a serem retiradas do orçamento dos postos de saúde, da educação, do transporte, de nenhuma delas ou objeto de endividamento público?
Certamente para o adoentado ou para sua família essa reflexão é irrelevante, pois a proximidade com o problema nos induz a não ampliar a visão para além do problema que nos aflige.
Certamente a posição do Ministério Público e da Magistratura não é nada facilitada.
Tudo isso porque a vida não é exatamente como gostaríamos que fosse e os recursos são escassos, sempre.
Daí que abrir a discussão para questões de eficiência e efetividade no campo das ações penais não é matéria simples de ser enfrentada. Talvez fazer vista grossa à escassez e à eficiência seja mais simples.
Mas aí está o grande mérito do autor e do livro: não ter medo de enfrentar o status quo, propor que se conheça e debata outros modelos de persecução criminal pela lide do Ministério Público.
Buscar dados de realidade para contrapor ao que consideramos que seria o mundo ideal.
Quem disse que não seria possível assumir tal tarefa?
Marcia carla PErEira ribEiro Professora Titular de Direito Empresarial na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e na Universidade Federal do ParanáAgradeço aos meus pais, Fernando Cunha Souza e Jeanine Sponholz Cunha Souza, pela educação e suporte que me deram. Especialmente à minha mãe, que se dispôs a digitalizar todos os textos que precisei enquanto estive na Itália. Ao meu irmão, Fernando Cunha Souza Filho, e aos demais membros da minha família, em especial aos meus primos Theóphilo e Cristiane. Aos meus amigos, Daniel Gallo Pilger, Thais Hadlich, Lucas Dalmolin, Lucas Iurk, Lucas Antoniacomi Dal’lin, Daniel Belotto Céllio, Ricardo Krug, Rubens Passos de Freitas, Alani Figueiredo, João Bettega, Gabriela Grupp, Giovani Guaragni, Emanuele Toma, Flora Romano e Vincenzo Gramuglia.
Aos professores que, de diferentes maneiras, marcaram minha formação, bem como àqueles que auxiliaram direta ou indiretamente na realização, revisão e publicação deste trabalho. Especialmente, Alexandre Franco de Sá, Álvaro A. C. Mariano, Amélia do Carmo Sampaio Rossi, Bruno Girade Parise, Priscilla Placha Sá, Renata Melfi de Macedo, Flávio Antônio da Cruz, Marco Aurélio Nunes da Silveira, Mario Borges, Miguel Nicolau Abib Neto, Luiz Gustavo Pujol, Joe Tennyson Velo, Jacson Luiz Zilio, Gilson Bonato, Ronaldo dos Santos Costa, Victor Cezar Rodrigues da Silva Costa, Carlos Koller, Aknaton Toczek Souza, Leonardo Costa de Paula, Camilin Marcie de Poli, Giovani Frazão Della Villa, Tiago Dias de Meira, Leonel Postigo, Paulo César Busato, Décio Franco David, Vladimir Passos de Freitas e Valerio Aiuti.
Aos meus orientadores, Marcia Carla Pereira Ribeiro, autora do prefácio do livro, e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, por todo o apoio, orientação e sugestões, que foram imprescindíveis não apenas para a publicação deste trabalho, mas para minha formação acadêmica e pessoal.
Al Professore Pasquale Bronzo, che mi ha invitato a venire come visiting researcher all’Università degli Studi di Roma ‘La Sapienza’
mentre facevo la ricerca per questo libro, e al Professore Glauco Giostra, che mi ha permesso di seguire il suo corso di procedura penale mentre ero a Roma.
À Pontifícia Universidade Católica do Paraná e à CAPES, àquela pela formação que me deu e a esta pelo auxílio financeiro prestado para a realização da minha pesquisa. Por fim, à Aline Gotinski e à Tirant Lo Blanch, pela publicação da minha dissertação de mestrado, corrigida e integrada com as considerações da banca avaliadora.
ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CNMP Conselho Nacional do Ministério Público
CP Código Penal Brasileiro de 1940
CPP Código de Processo Penal Brasileiro de 1941
CPPM Código de Processo Penal Militar Brasileiro de 1969
CR Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
IPC-Jus Índice de Produtividade Comparada da Justiça
MP Ministério Público
MPF Ministério Público Federal
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PIC Procedimento Investigatório Criminal
A dificuldade de aproximar o Direito e a Economia está justamente em não esquecer quando se está tratando daquele ou desta. É inegável que o Direito traz consequências econômicas. Entretanto, a identificação dessas consequências nada diz sobre a valoração que delas se pode fazer. Nesse sentido, erram aqueles que pretendem valorar uma determinada opção legislativa tendo seus custos para o Estado como critério preponderante. Percebe-se certa pretensão colonizadora do Direito por uma “economia” que, na verdade, não passa de rasteira interpretação de números descontextualizados através de posicionamentos políticos travestidos de científicos. Sobre isso, o seguinte trecho consegue ilustrar perfeitamente esse fenômeno:
O Juiz de “Garantias”, sob o ponto de vista deste economista é, assim como falou Luciano Timm, “um contrassenso nas atuais circunstâncias orçamentárias do País”. Porém, com o custo de transação que Juiz de “Garantias” incentiva, além de gerar desconfiança institucional, vai afetar, para pior, sobretudo uma variável que deveria figurar entre os maiores temores quando um delinquente realiza uma atividade ilegal, qual seja, a intensidade da pena. Em se considerando a existência de uma pena hipoteticamente justa com o Juiz de “Garantias”, certamente serão muitos os futuros questionamentos de “advogados” contra o processo em si, seja incitando uma provável assimetria de informações entre os dois juízes, seja incitando quebra de imparcialidade etc. Com o Juiz de “Garantias” há um aumento da burocracia dos custos para o processamento, para se chegar a um mesmo lugar, isto é, a condenação ou não da pessoa julgada por um crime1
Assim, convém estar atento para não deformar o instrumental econômico. Seja para afirmá-lo, como faz o autor do texto citado acima, atribuindo-lhe uma capacidade valorativa que de fato não possui, seja para rechaçar as contribuições que ele pode trazer ao pensamento dogmático, confundindo condenar mais com eficiência. Tenta-se durante o texto evitar deformações como essas.
1 SHIKIDA, Pery Francisco Assis. A Economia e o Juiz de “Garantias”. Diário do Observador, 07 jan. 2020. Disponível em: https:/// www. diariodoobservador. com. br/ post/ a- economia- e- o- juiz- de- garantias/ 1866. Acesso em: 13 jan. 2020.
O ponto de partida de qualquer problema jurídico deve ser a Constituição e o direito positivo. Sendo o fundamento de validade de todo o direito positivo, ela estrutura as regras do jogo de um determinado país. Por outro lado, as normas infraconstitucionais dão concretude aos mandamentos constitucionais. A análise econômica deve ser feita sobre as formas de cumprimento das normas, pois nada tem a Economia a dizer sobre quais normas devem ser adotadas. A dissertação parte disso.
Feitas essas considerações de caráter metodológico, importa fazer uma delimitação conceitual que permita ao leitor a compreensão daquilo que se está a tratar. Já se firmou posição2 no sentido de que os princípios da ação penal são dois: um define a quem se atribui o poder de exercitar a ação penal (oficialidade) e outro, como será o exercício da ação penal (obrigatoriedade). Esclarece-se, porém, que a abordagem feita aqui será diversa da que normalmente se encontra na doutrina. Tenta-se oferecer um refinamento conceitual a respeito da principiologia da ação, especificamente na parte referente ao como de seu exercício.
Como qualquer princípio, a obrigatoriedade deve ser extraída do direito positivo. Para poder avaliar se vige ou não, deve-se saber o que ela significa. Não havendo uniformidade na doutrina nacional e estrangeira sobre o que significa, parte-se da apresentação daquilo que se está a tratar, para tentar reduzir a confusão possível. Obrigatoriedade está entre as formas do exercício do agir da parte acusadora. Se referida apenas à ação penal em seu conceito plúrimo, considera-se obrigatoriedade em sentido estrito; se referida à persecução penal, obrigatoriedade diz com o agir na investigação e na propositura da ação penal, bem como com as formas de controle deles. Assim, podem-se identificar: obrigatoriedade, legalidade em sentido estrito, discricionariedade e oportunidade.
(1) se vigora obrigatoriedade em dado ordenamento, há (a) dever de completude investigativa para esgotar as possibilidades de obtenção das condições de admissibilidade da ação penal em sentido estrito; (b) diante delas, a propositura da ação penal em sentido estrito é via única e devida; (c) o arquivamento está autorizado quando justificado com a ausência de condições exigidas para com propor a ação penal em sentido estrito; (d) existem controles sobre a investigação, a propositura e o pedido de arquivamento; (e) o desarquivamento pode se dar a qualquer momento de forma incondicionada; (f) há mecanismos de responsabilização por inação.
(2) se vigora legalidade em sentido estrito, (a) a necessidade de investigação se dá por critérios legais que não deixam alternativa diante das mesmas situações fáticas; (b) diante das mesmas condições, há apenas uma via permitida; (c) o arquivamento tem hipóteses autorizadoras específicas; (d) podem existir controles previstos para garantir o cumprimento da legalidade; (e) o desarquivamento adquire estabilidade, provisória ou definitiva; (f) pode haver mecanismos de responsabilização por inação.
(3) se vigora a discricionariedade, (a) a completude investigativa vem mitigada pelo interesse público, devendo ser dispensada quando não houver razão político-criminal para seu prosseguimento; (b) diantes das mesmas condições, colocam-se mais de uma via possível; (c) o arquivamento é admissível por razões de política criminal ou com base em critérios de grande abstração; (d) podem existir controles para garantir o cumprimento da legalidade; (e) o desarquivamento pode ser provisório ou definitivo; (f) pode haver mecanismos de responsabilização por inação.
(4) ao contrário dos outros casos, se vigora o princípio de oportunidade, (a) a completude investigativa é facultativa; (b) fica facultada ao legitimado a propositura da ação penal quando presentes as condições de admissibilidade da ação; (c) o arquivamento também é facultativo; (d) não há controle sobre a investigação e sobre as vias possíveis à ação; (e) o desarquivamento pode se dar a qualquer tempo; (f) não há mecanismo de controle sobre a inação.
Tendo isso como pressuposto à leitura do texto, resta apresentar os objetivos, a estrutura do trabalho e os resultados.
O objetivo geral fixado foi demonstrar que a obrigatoriedade da ação penal pública gera uma subutilização dos recursos do sistema penal e contribui para uma prestação jurisdicional deficiente. Para isso, dividiu-se a dissertação em três capítulos.
O primeiro, que é predominantemente metodológico e contextualizante do objeto central, tem como objetivos específicos relacionar escassez e concretização de normas constitucionais, delimitar um critério de eficiência válido segundo o direito positivo de um dado país e aplicar a tragédia dos comuns à persecução penal, ilustrando o problema com exemplos de sistemas penais existentes (Brasil, Chile e Uruguai).
O segundo trata propriamente do princípio de obrigatoriedade da ação penal pública, verticalizando a discussão, tem como objetivos específicos conceituar obrigatoriedade da ação penal pública, analisar se é possível inferir do direito positivo o referido princípio e discutir sua compatibilidade constitucional.
Por fim, o terceiro, que se ocupa do princípio de oportunidade da ação penal, tem como objetivos específicos conceituar oportunidade da ação penal, apresentar sua fundamentação desde a intervenção mínima e discutir sua compatibilidade constitucional.
Segundo Orlandi, exige-se do processualista contemporâneo, que tem diante de si um campo amplo e variado a cultivar, habilidades exegéticas enriquecidas por análises comparativas, sensibilidade às intepretações constitucionais-convencionais, consciência do caráter político do processo, além de atenção aos problemas práticos e às questões organizativas da justiça penal, o que requer predisposição ao trabalho interdisciplinar3. Ou melhor, transdisciplinar, o que significa dizer, construir um discurso sobre uma disciplina desde o lugar de outra, por isso “[...] a Filosofia, a Sociologia, a Psicanálise (entre outros) e, hoje, principalmente, a Economia, são campos que exigem do jurista um conhecimento, pelo menos, mínimo”4.
Nessa linha, a abordagem que se pretende estabelecerá algumas aproximações entre Direito e Economia, partindo das noções de eficiência e escassez5 aplicadas à persecução penal para orientar a discussão sobre a obrigatoriedade da ação penal pública e sua relação com a qualidade da prestação jurisdicional.
3 ORLANDI, Renzo. Il metodo della ricerca. Le istanze del formalismo giuridico e l’apporto delle conoscenze extranormative. In: Criminalia Annuario di Scienze Penalistiche. Pisa: Edizioni ETS, 2014. p. 619- 636. p. 634.
4 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Dogmática crítica e limites linguísticos da lei: ainda! In:
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Observações sobre a propedêutica processual penal. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2019. p. 221- 239. p. 230- 231.
5 A opção pelos dois conceitos para a análise não foi arbitrária, pois: “Economia é o estudo de como as sociedades utilizam recursos escassos para produzir bens valiosos e distribuí- los entre diferentes pessoas. Por trás dessa definição se escondem duas ideias chave da economia: os bens são escassos e a sociedade deve utilizar seus recursos com eficiência. De fato, a economia é uma disciplina importante devido à escassez e ao desejo de ser eficientes.” (tradução nossa), texto original: “Economía es el estudio de cómo las sociedades utilizan recursos escasos para producir bienes valiosos y distribuirlos entre diferentes personas. Tras esta definición se esconden dos ideas clave de la economía: los bienes son escasos y la sociedad debe utilizar sus recursos con eficiencia. De hecho, la economía es una disciplina importante debido a la escasez y al deseo de ser eficientes.” SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economía. 18. ed. Tradução María Guadalupe Cevallos Almada, et al. Madrid: MacGraw- Hill, 2013. p. 4. Por outro lado, justificando a escolha e a ordem de abordagem dos conceitos de escassez e eficiência: “Para que exista uma discussão econômica profissional, deve haver um problema econômico, e mais particularmente, uma escassez ou privação recorrente.” (tradução nossa), texto original: “Perché esista una discussione economica professionale, deve esserci un problema economico, e più particolarmente una scarsità o privazione ricorrente”. GALBRAITH, John Kenneth. Storia dell’Economia. 6. ed. Tradução Fausto Ghiaia. Milão: BUR Saggi, 2018. p. 116.