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Marco Antônio Preis

Teoria dos deveres FundamenTais

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Capa e diagramação: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

eduardo Ferrer mac-GreGor PoisoT

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez Tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis LóPez Guerra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

owen m. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

Tomás s. vives anTón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

P934

Preis, Marco Antônio

Teoria dos deveres fundamentais [livro eletrônico] / Marco

Antônio Preis; Prefácio José Casalta Nabais. - 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2023.

2.812Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-555-2

1. Direitos fundamentais. 2. Deveres fundamentais. I. Título.

CDU: 342.7

Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778

DOI:

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com

tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Teoria dos deveres FundamenTais

noTa Prévia

O livro aborda a temática dos deveres fundamentais como um instituto jurídico-constitucional com relativa autonomia teórico-dogmática em relação aos direitos fundamentais, sob a perspectiva da Constituição brasileira de 1988. A leitura dos textos normativos e da literatura constitucionalista evidencia que, apesar de positivados, há um escasso desenvolvimento teórico em torno da sistematização do conteúdo específico dos deveres fundamentais, suas características e estruturas comuns.

Objetiva-se, neste trabalho, delimitar e sistematizar o conteúdo dos deveres fundamentais expressos ou extraíveis da Constituição brasileira e sua inserção no âmbito do constitucionalismo contemporâneo, marcado pela centralidade dos direitos fundamentais e visando à construção de um estatuto jusfundamental da pessoa, composto por um complexo de direitos e deveres que situam o indivíduo em relação ao Estado e à sociedade em uma visão equilibrada, do ser humano ao mesmo tempo livre e responsável.

O estudo se dirige, portanto, a todos os interessados no desenvolvimento da ciência jurídica, desde o plano legislativo, aos parlamentares e a suas assessorias, na medida em que analisa o âmbito de incidência dos deveres fundamentais previstos no texto constitucional e que exigem regulação legislativa e são suscetíveis de reforma constitucional. Destina-se também ao plano jurisdicional, voltado a Magistrados, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia, no intuito de auxiliar na interpretação de questões práticas controvertidas no direito constitucional contemporâneo sob uma perspectiva ampliada; até a comunidade acadêmica, Professores, pesquisadores e alunos, por se tratar das primeiras linhas de uma teoria (geral) e de uma dogmática dos deveres fundamentais na perspectiva constitucional brasileira, o que exige a crítica, o debate e o desenvolvimento permanente de sua estrutura e aplicação na ordem constitucional e na vida das pessoas em sociedade.

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A constatação da previsão constitucional de deveres fundamentais, a sua aplicação pela Jurisprudência Constitucional brasileira e seu desenvolvimento teórico pela literatura internacional e nacional tem despertado cada vez mais interessados na leitura, o que exige o emprego de uma linguagem simples e voltada ao público em geral. Justamente por interesse por este tema, constata-se uma profusão de menções a deveres fundamentais em textos, notícias, artigos e até mesmo decisões judiciais com significados dos mais diversos, a exigir definições seguras de seus conceitos e conteúdos a fim de evitar confusões e permitir o seu desenvolvimento técnico-jurídico.

Uma teoria dos deveres fundamentais apresenta importância instrumental para diversas áreas do conhecimento; por exemplo, não se pode estruturar nenhuma tese em Direito Tributário sem ter como pressuposto o dever fundamental de pagar tributos; o mesmo pode ser dito em relação a quem atua ou pesquisa na área do Direito de Família e da Infância e Juventude, no tocante aos deveres de assistência e educação de crianças, adolescentes, jovens e idosos; não se pode pensar uma preservação e promoção do ambiente sem considerar a perspectiva dos deveres etc. Nos diversos exemplos, a quem atua ou pesquisa no âmbito do Direito Penal e Administrativo, imprescindível o estudo dos deveres fundamentais para tipificação de infrações sujeitas a sanções e individualização das penas e assim para cada dever fundamental em espécie.

É, portanto, um convite a pensar e repensar conflitos e problemas jurídicos sob uma perspectiva mais ampliada, não adstrita à lógica dos direitos, mas também sob a ótica dos deveres fundamentais, pois gostemos ou não, concordemos ou não com sua previsão, são normas positivadas e cogentes, de modo que seu estudo jurídico voltado a definir seus contornos e limites constitucionais converge e contribui para a tarefa precípua do Direito Constitucional de limitação do poder.

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aGradecimenTos

Este livro é produto de um processo de revisão e concisão das conclusões científicas alcançadas na Dissertação de Mestrado em Direito, sob o título Teoria dos Deveres Fundamentais na Perspectiva Constitucional Brasileira, desenvolvida ao longo dos anos de 2017 e 2018 no programa da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões, em Santo Ângelo, sob a orientação do Professor Doutor José Francisco Dias da Costa Lyra e co-orientação do Professor Doutor Ingo Wolfgang Sarlet, apresentada, defendida e aprovada com conceito máximo em novembro de 2018.

Aos Professores Orientadores há muito a agradecer, desde o convite ao ingresso (sem volta) à vida de estudos e reflexões acadêmico-científicas, até a liberdade para desenvolvimento de um projeto de pesquisa muito distinto do sólito das produções, pela generosidade e gratuidade com que devotaram sua atenção, empenho e seu concorrido tempo para conduzir uma produção com rigor científico.

A vivência desse processo de pesquisa e produção permitiu percorrer lugares, no Novo e no Velho Mundo, garimpar livrarias, sebos e bibliotecas, aprender novos idiomas, pois na literatura especializada quase não há traduções. Dentre estas maravilhosas experiências, foi um privilégio conviver um pouco com a sapiência e sabedoria do Professor Doutor José Casalta Nabais, que se dispôs a se deslocar de Coimbra a Santo Ângelo/RS para integrar presencialmente, na condição de membro externo, a banca da arguição.

Destacada a contribuição do Professor MSc. Júlio Pinheiro

Faro Homem de Siqueira, dos pioneiros pesquisadores dos deveres fundamentais no Brasil, de profícua produção e generosa contribuição, bem como os Professores Dr. Daury Cesar Fabriz e Dr. Adriano

Sant’Anna Pedra, da Faculdade de Direito de Vitória, coordenadores do primeiro e mais importante Grupo de Estudos dedicado à pesquisa sobre os deveres fundamentais no Brasil, o qual me honra integrar.

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Nada, porém, seria possível, sequer o primeiro passo, sem a parceria, críticas e comentários da minha esposa, Marcéli Preis, promotora da sagrada vocação de ser Família e de nossos pontos de contato com a Eternidade, Marina e Roberta.

Novo Hamburgo, março de 2023.

marco anTônio Preis

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PreFácio

Tenho o maior gosto, académico e pessoal, em prefaciar a obra de Marco Antônio Preis –Teoria Geral dos Deveres Fundamentais –que corresponde, depois de ter sido objecto de alguns ajustamentos em processo de revisão e concisão, à Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade Regional Integrada do Alto do Uruguai e das Missões – Santo Ângelo, em novembro de 2018.

E é um gosto que tem, naturalmente, muitas razões, de entre as quais sobressai claramente a decorrente do fato de ter tido a honra de participar da banca e de ter intervindo como arguente. Essa participação me permitiu um diálogo muito interessante com o candidato; sobretudo, proporcionou-me o privilégio de conversar com imenso proveito sobre a candente temática dos deveres fundamentais com o meu amigo, o ilustre Professor Ingo Wolfgang Sarlet. Como é fácil de ver, tendo em conta a estrutura que apresenta, trata-se de uma obra que, começando por revelar como os deveres fundamentais se apresentam e inserem no constitucionalismo contemporâneo, procura desenhar os contornos a partir dos quais é possível recortar, com um mínimo de rigor, uma teoria geral dos deveres fundamentais, que seja minimamente operacional. Teoria que, depois, tenta testar na Constituição Brasileira de 1988. Em toda a exposição é visível um discurso argumentativo que vai no sentido de colocar no mapa da dogmática jurídico-constitucional o relativamente esquecido tema dos deveres fundamentais.

Olhando com um pouco com mais atenção para cada um dos itens referidos, podemos assinalar que, em sede da apresentação e inserção dos deveres fundamentais, o Autor depois de dar conta do discurso jurídico dominado pela “Era dos direitos”, que continua a ser predominante, oferece uma proposta de estudo que, tendo em adequada consideração a necessária articulação entre os direitos e os deveres fundamentais, se foca no estatuto constitucional da pessoa

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humana como um ser livre e responsável, simultaneamente titular de direitos e destinatária de deveres fundamentais.

Núcleo central da obra, tanto do ponto de vista do lugar que ocupa como da importância que nela tem, é a parte em que são desenhados os contornos que constituem a base do recorte de uma teoria geral dos deveres fundamentais. De fato, é nesta parte da obra que encontramos o tratamento dos elementos essenciais, que permitem distinguir os diversos tipos de deveres constitucionais e dos elementos estruturais relativos à consagração constitucional, aos destinatários e aos limites de conteúdo dos deveres fundamentais.

Assim como é igualmente nesta específica sede de construção de uma teoria geral dos deveres fundamentais que nos deparamos com o regime jurídico pelo qual se pautam estes deveres, com os contornos da temática relativa aos fenómenos da insubmissão e incumprimento que venham a verificar-se, bem como com a classificação que podem suportar, em que se destaca a distinção entre deveres fundamentais autônomos e não autônomos.

Aplicando, depois, a teorização apurada nos itens anteriores, o Autor aventura-se na análise dos deveres fundamentais na Constituição da RFB de 1988. A este título dá-nos conta dos diversos deveres constantes da Constituição, fazendo uma espécie de radiografia, em que temos: os deveres de alistamento de voto compulsórios, os deveres de defesa e o dever de prestar serviço militar compulsório, o dever de pagar impostos, os deveres de educação, entre os quais se destaca o dever de escolaridade compulsória, o dever de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sua intrínseca ligação aos ditos direitos dos animais e das futuras gerações, os deveres de proteção do património histórico, artístico e cultural, os deveres de proteção das crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência e os de deveres de assistência entre pais e filhos.

A título de conclusão desta telegráfica apresentação da obra de Marco Antônio Preis, diremos que estamos perante um estimável contributo para a teorização dos deveres fundamentais e, sobretudo, para resgatar estes do gueto a que têm sido votados pela generalidade da doutrina constitucional. Resgate que se impõe sobretudo se

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tivermos em consideração que, por detrás dessa visão, esconde-se o erro ou o preconceito de que falar em deveres fundamentais é degradar ou diminuir os direitos fundamentais. Quando é exatamente o oposto o que ocorre.

Como escrevemos há relativamente pouco tempo, a respeito do lugar dos deveres fundamentais na Constituição, os preceitos constitucionais relativos aos deveres fundamentais contêm exigentes diretivas ao legislador no sentido da minimização da concretização do conteúdo dos deveres. Apenas o conteúdo estritamente necessário à realização do conjunto e de cada um dos direitos fundamentais.

O que de todo não se verifica com os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais, os quais, para além de impedirem ou limitarem a acção do legislador no respeitante ao conteúdo constitucional dos direitos, constituem imposições legiferantes de maximização do conteúdo dos direitos fundamentais quando esse conteúdo tenha que ser desenvolvido ou complementado por lei, como acontece em sede dos direitos económicos, sociais e culturais, quando se confrontem com a reserva do possível.

Oxalá o público minimamente atento e preocupado com o efetivo respeito pela dignidade da pessoa humana dispense a este pequeno livro o acolhimento que merece pela importância e, sobretudo, pelo contributo que traz à desmistificação de um tema constitucionalmente tão relevante como é o tema dos deveres fundamentais.

Coimbra, janeiro de 2020.

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aPresenTação

Ter a oportunidade de apresentar uma obra é sempre de novo motivo de alegria, ainda mais quando se trata, como no presente caso, de livro que corresponde, com alguns ajustes, ao texto de uma dissertação de mestrado cuja orientação partilhamos e de cuja banca de defesa pública participaram dois ilustres colegas de academia, designadamente, o justamente festejado Prof. Dr. José Casalta Nabais, da Universidade de Coimbra, que, ademais de um dos mais importantes professores e autores na área do direito tributário e financeiro, é também uma das maiores autoridades mundiais sobre o tema dos deveres fundamentais, além do eminente colega e constitucionalista Prof. Dr. André Leonardo Copetti Santos, Professor do PPGD da URI, Santo Ângelo.

Mas é o autor, o Magistrado e Mestre MARCO ANTÔNIO PREIS, e sua obra, que devem ocupar o centro dessas breves notas, breves posto que nada – ou muito pouco – poderia ser acrescido ao excelente e mesmo caloroso prefácio da lavra do nosso admirado colega e amigo, Prof. Casalta Nabais.

O texto, desde logo, apresenta méritos inquestionáveis, seja pelo fato de discorrer sobre temática tratada de modo rarefeito no direito constitucional brasileiro (ainda que, como já havia destacado – e também nisso segue substancialmente atual – o ilustre prefaciador na sua obra seminal sobre a matéria, se cuide de um fenômeno amplamente disseminado), seja pela busca corajosa da construção de uma teoria geral dos deveres fundamentais constitucionalmente adequada, tanto mais difícil de ser levada a efeito, quanto mais parca a literatura sobre o tema.

Não bastasse isso, calha enfatizar que precisamente dadas as dificuldades referidas, em especial no que diz com as fontes bibliográficas, a pesquisa realizada por ocasião do Mestrado, que tivemos a honra de orientar em conjunto, revela a dedicação e tenacidade de Marco na superação de tais deficiências, ademais de uma dose

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de criatividade e proatividade no trato da matéria e na escolha e desenvolvimento dos exemplos, o que não significa – como é absolutamente normal e saudável num ambiente acadêmico genuíno – que se esteja a sufragar integralmente as posições do autor.

Aliás, tudo o que não se deve fazer em matéria de ciência é retirar do pesquisador, guardadas as proporções e exigências de cada nível em que se situa e as correlatas expectativas, é pura e simplesmente impedir a leitura de determinadas obras e mesmo interditar o senso crítico, sufocando o pensamento próprio e, com isso, até mesmo a autonomia.

Da mesma forma, importa registrar a organicidade e estruturação do texto dotado de fio condutor e vazado em linguagem adequada e escorreita.

Assim, não sendo o caso de adentrar aqui a matéria dos deveres fundamentais em si, para não afastar, de plano, o leitor da obra, desejamos ao Magistrado e ora Mestre MARCO ANTÔNIO

PREIS, além do pleno sucesso com a publicação do livro, muita felicidade e êxito na sua trajetória acadêmica e profissional futura.

Munique, Alemanha.

ProF. dr. inGo woLFGanG sarLeT Professor Titular e Coordenador do PPGD da PUCRS

Santo Ângelo, Brasil.

ProF. dr. José Francisco dias da cosTa Lyra Professor do PPGD da URI, Santo Ângelo

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sumário noTa Prévia ................................................................................... 5 aGradecimenTos ............................................................................ 7 Marco Antônio Preis PreFácio ........................................................................................ 9 José Casalta Nabais aPresenTação .............................................................................. 12 Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet e Prof. Dr. José Francisco Dias da Costa Lyra 1. inTrodução ............................................................................. 16 2. a Posição dos deveres FundamenTais no consTiTucionaLismo ..... 19 2.1. A Era dos Direitos 19 2.2. Perspectiva Histórica ......................................................................... 26 2.3. Principais Marcos de Positivação ....................................................... 28 2.4. Razões e Efeitos da Atrofia Teórica .................................................... 33 2.5. A Solidariedade no Direito ................................................................ 36 2.6. O Estatuto da Pessoa ......................................................................... 40 3. conTornos de uma Teoria GeraL dos deveres FundamenTais ..... 45 3.1. Relevância Teórica ............................................................................. 45 Resposta à Crítica .............................................................................. 47 3.2. Conceito ........................................................................................... 54 3.3. Distinção de Figuras Jurídicas Próximas ............................................ 57 3.3.1. Tarefas do Estado e Deveres Organizatórios ................................. 57 3.3.2. Estado de Sujeição e a Controvérsia sobre a Saúde 58 3.3.3. Deveres Constitucionais e a Controvérsia do Voto Obrigatório .... 61 3.3.4. Deveres Legais 65 3.3.5. Limitações a Direitos Fundamentais ............................................ 66 3.3.6. Ônus e a Controvérsia em torno da Função Socioambiental da Propriedade ........................................................................................... 66 3.3.7. Obrigações ................................................................................... 69 3.3.8. Teoria dos Deveres de Proteção do Estado .................................... 70 3.4. Fundamentalidade ............................................................................ 72 3.5. Sistema Aberto .................................................................................. 75
3.6. Destinatários ..................................................................................... 80 3.7. Regime Jurídico ................................................................................ 89 3.8. Classificação ...................................................................................... 99 3.9. Sancionamentos .............................................................................. 105 4. aPLicação dos deveres FundamenTais ..................................... 109 4.1. O Problema da (In)Suficiência do Adimplemento ........................... 112 4.2. O Teste de Proporcionalidade .......................................................... 115 4.3. Limites Constitucionais .................................................................. 120 4.3.1. Dimensão especial: Deveres que afetam direitos determinados 123 4.3.2. Dimensão residual: deveres afetam a Liberdade Geral de Ação ...... 125 4.4. Restrições Infraconstitucionais ........................................................ 126 4.4.1. Direito Constitucional de Colisão .............................................. 127 4.4.2. “Limite dos Limites” .................................................................. 130 4.5. Concorrência entre Deveres Fundamentais...................................... 132 5. deveres FundamenTais na consTiTuição brasiLeira de 1988 ...... 135 5.1. Deveres Fundamentais de Defesa (e o Dever de Prestar Serviço Militar Compulsório)......................................................................................... 136 O Problema Constitucional da Objeção de Consciência .................. 140 5.2. Dever Fundamental de Contribuir para as Despesas Públicas .......... 145 Caso: Ponderação Concreta entre Direitos e Deveres Fundamentais (ADI 2.859/DF) ............................................................................. 148 5.3. Deveres Fundamentais de Educação ................................................ 151 Caso: Homeschooling (RE 888.815/RS) ......................................... 154 5.4. Dever de Preservação do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado ..... 160 Os Deveres Fundamentais em Relação aos Animais e às Gerações Futuras ............................................................................................ 165 5.5. Deveres de Promoção e Proteção do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural ................................................................................................. 171 Caso: Vaquejada (ADI n. 4983 e ADI 5728) ................................... 173 5.6. Deveres Gerais de Proteção e Deveres Especiais de Assistência e Amparo .................................................................................................. 176 Dever Fundamental de Inclusão (ADI 5.357)? 180 reFerências bibLioGráFicas ........................................................ 185

1. inTrodução

Concomitante ao processo de consolidação dos direitos fundamentais que acompanha os modelos de Estado de Direito (liberal, social e democrático), evidencia-se a predominância dos direitos sobre os deveres, a ponto de colocar em risco sua efetividade por uma crescente indistinção de conteúdos que os expõe ao risco da banalização. É este o contexto da proposta do estudo dos deveres fundamentais inserido no sistema normativo jusfundamental da Constituição brasileira de 1988, no intento de edificar um arcabouço teórico capaz de dialogar com a teoria e com a dogmática dos direitos fundamentais.

Diversos são os textos normativos que contemplam deveres fundamentais positivados, de modo que fica o questionamento: por que os deveres são considerados importantes a ponto de constarem dos diplomas jurídicos, mas seus conteúdos não são objeto de um desenvolvimento teórico próprio?

Sem menosprezar a relevância do processo histórico de conquista dos direitos fundamentais, busca-se contribuir para o desenvolvimento teórico dos deveres fundamentais, mediante a identificação dos elementos definidores e estruturais, conceito, classificação, conteúdos e regime jurídico próprios, ligados aos dos direitos fundamentais, mas não vinculados nem inteiramente subordinados a eles.

Trata-se de deveres jurídicos, posições subjetivas passivas voltadas às pessoas físicas e jurídicas, individual ou coletivamente consideradas, consagrados no texto constitucional, marcados pela fundamentalidade formal (positivados com hierarquia superior e com procedimento qualificado de reforma) e material (integram o estatuto da pessoa), exigidos pela comunidade politicamente organizada e pelas demais pessoas e grupos da sociedade, veiculadas por meio de prestações jurídicas de dar, fazer ou não fazer, sob pena da imposição de uma sanção como sua consequência jurídica.

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Apesar dos diversos autores consultados se utilizarem de expressões diferentes – deveres humanos, deveres do homem, deveres públicos subjetivos1 , obrigações jurídicas básicas2 –, a terminologia adotada é deveres fundamentais3, expressão consagrada nas constituições contemporâneas e, em especial, na Constituição brasileira de 1988, aliado à necessidade de dissociar, por meio de uma expressão simples e direta, os deveres dirigidos às pessoas de conteúdo jusfundamental daquelas tarefas do Estado na concretização de direitos fundamentais, abarcando a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, de ordem internacional e doméstica. Ainda, um breve exame dos julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal revela que a expressão deveres fundamentais é a mais empregada4 .

As atenções se voltam, pois, aos deveres dirigidos às pessoas, pela carência de um desenvolvimento teórico que explique sua influência na concretização dos direitos fundamentais e na (re)definição e (res)significação da dimensão do indivíduo em relação ao Estado e à sociedade. Que seja tarefa do Estado garantir e concretizar direitos fundamentais não há maiores dificuldades de entendimento, mas a questão que se enfrenta aqui é a afirmação, à primeira vista paradoxal, de que os deveres fundamentais exigidos das pessoas convergem para a concretização dos direitos fundamentais de todos.

1 Terminologia predominante na literatura constitucional italiana, como em Carbone (CARBONE, Carmelo. I doveri pubblici individuali nella Costituzione. Milano: Dott. A. Giuffré, 1968) e Lombardi (LOMBARDI, Giorgio. Contributo allo studio dei doveri costituzionali. Milano: Dott. A. Giuffré Editore, 1967) et alii.

2 Importante autor sobre o tema, Asís Roíg (ASÍS ROIG, Rafael de. Deberes y obligaciones en la Constitución. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 1991) trabalha com o que denomina de obrigações jurídicas básicas (obrigações jurídicas superiores, obrigações fundamentais e obrigações constitucionais).

3 O termo “deveres fundamentais” (Grundpflichten), com seu sentido atual, foi cunhado na Alemanha, nos debates constituintes à Constituição de Weimar (1919), em relação com os direitos fundamentais, como traço característico do ethos de Estado Social (HOFMANN, Hasso. Grundpflichten als verfassungsrechtliche Dimension. VVDStRL Heft 41. Berin: De Gruyter, 1983, p. 58).

4 v. g., ADI 2859; ADI 1055; ADI 6025; RE 636. 941; RE 601. 314; RE 240. 785; RE 574. 706; AC 33-MC; RE 603. 191. No mais, o termo é empregado para designar o dever de proteção do Estado na prestação de saúde pública, quando do tratamento da solidariedade entre os entes públicos (AI 808. 059AgR; RE 575. 179-AgR; RE 429. 306); como dever solidário entre o Estado e a família (fundamental) na prestação da educação (RE 888. 815); como dever fundamental de probidade dos funcionários públicos (RE 211. 941); como dever do Estado e da família na educação (ADPF 460); e até mesmo como o serviço estatal de prestar assistência judiciária aos hipossuficientes (ADI 3792).

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Não se trata de uma “defesa” ou uma “apologia” dos deveres em si, no sentido de termos “mais deveres” e “menos direitos”5. Ao revés, parte-se da premissa de que todas as pessoas em sociedade se encontram submetidas às normas jusfundamentais que veiculam direitos e deveres, de modo que o conhecimento acerca de seus conteúdos, alcances e limites (jurídicos) permite um maior controle, racionalidade e previsibilidade sobre sua aplicação e, assim, com os direitos, contribuem para um maior controle e delimitação do âmbito legítimo de incidência do poder.

Por isso se propõe pensar a liberdade com responsabilidade, bem como a igualdade não apenas nas garantias e oportunidades, mas também na distribuição dos encargos em sociedade, imprescindíveis ao funcionamento de toda e qualquer coletividade politicamente organizada, a partir de uma relação de equilíbrio entre direitos e deveres no sistema jusfundamental. Parte-se da premissa, com Hesse6, de que este conteúdo é essencial para que a constituição preserve sua força normativa num mundo em permanente mudança político-social, pois os “direitos fundamentais não podem existir sem deveres”, de modo que qualquer tentativa de concretização absolutamente pura de um sem o outro, a realidade haveria de pôr termo à normatividade da própria constituição.

Nessa ótica, abrem-se novas condições de possibilidade para o tratamento jurídico dos principais desafios da atualidade, sob uma perspectiva mais abrangente e completa, para além de pensar-se o fenômeno jurídico apenas sob a ótica dos direitos.

5 Nesse sentido, também, Madiot (MADIOT, Yves. La place des devoirs dans une théorie générale des droits de l’homme. In: Pouvoir et libertés: études offertes à Jacques Mourgeon. Bruxelles: Bruylant, 1998, p. 209).

6 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991, p. 21.

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2. a Posição dos deveres

FundamenTais no consTiTucionaLismo

Para compreensão da importância dos deveres fundamentais imprescindível situá-lo no contexto de desenvolvimento do constitucionalismo e dos direitos fundamentais, pela sua relevância para consolidação e aprimoramento do Estado de Direito e para retirar o indivíduo da mera condição de “súdito” e elevá-lo à condição de verdadeiro sujeito de direitos. Não se trata de um tema novo, propriamente, portanto, mas atrelado às origens da Teoria da Constituição, sem que tenha sido objeto de um desenvolvimento teórico-dogmático próprio no âmbito do constitucionalismo contemporâneo.

Para tanto, não se pode prescindir de uma breve abordagem histórica do constitucionalismo de tipo ocidental, a partir de seus marcos consagrados na literatura especializada, com o enfoque nos silêncios e entrelinhas que caracterizam o papel histórico que os deveres fundamentais exerceram nos sistemas constitucionais.

2.1. a Era dos dirEitos

Ante a constatação da insuficiência da constituição como instrumento regulatório total da vida em sociedade, ao invés de olhar-se para fora do sistema constitucional – para um direito supranacional, internacional ou até não-institucional7 –, a opção epistêmica que se faz é a de olhar para dentro do sistema constitucional8, sob uma ótica ampliada, pois não há instância superior capaz de garantir

7 A exemplo de uma nova lex mercatoria global, notadamente no estudo de temas ligados ao ambiente, v. g., HAUTEREAU-BOUTONNET, Mathilde. Une illustration du droit global: la lex mercatoria climatique? Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 3 (2017), p. 30-43.

8 Com Tushnet (TUSHNET, Mark. Why the constitution matters. New Haven: Yale University Press, 2010) considera-se a ordem constitucional importante não apenas por positivar direitos fundamentais, mas principalmente por disciplinar a estrutura da política que, em última instância, é a fonte de toda a proteção das pessoas.

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com a mesma ou com maior efetividade os direitos e garantias fundamentais das pessoas do que a estrutura do Estado Constitucional construída até aqui. Parte-se do pressuposto da consciência das limitações inerentes ao fenômeno jurídico em si, atuando como ordem jurídica fundamental da sociedade e instância suscetível de embasar a efetiva solução de problemas jurídicos atuais9, sem a pretensão de ser uma instituição total.

Considera-se o Estado de Direito não apenas no sentido formal, mas como ordenação integral e livre da comunidade política, concepção material da qual decorrem, além das garantias de determinadas formas e procedimentos inerentes à organização do poder, também metas, objetivos ligados à legitimidade da ordem constitucional. Nesse sentido, os direitos fundamentais, além de sua função limitativa do poder, também constituem critérios de legitimação do poder estatal, integrando um sistema que atua como fundamento material de todo o ordenamento jurídico10.

Sob tal estrutura, a construção histórica do Estado de Direito repousou sobre a reivindicação de direitos subjetivos dos indivíduos, desde o modelo liberal, passando pelo investimento social até chegar aos sistemas democráticos contemporâneos, mas embora não tenha sido a ênfase dos discursos e narrativas, os deveres sempre estiveram presentes nesse processo. Enquanto a expressão direito remete à faculdade assegurada às pessoas ou aos grupos de realizar algo, agir ou reagir conforme o direito objetivo; dever refere-se a uma ordem normativa a qual se está submetido, independentemente de sua vontade. São expressões que se referem uma à outra, sob uma aparente imagem de oposição, a qual se busca desconstruir e revelar o quão complementares e próximas são, porque a narrativa do processo histórico de consolidação dos direitos deixou à margem a importância jurídico-constitucional dos deveres na construção de sociedades livres, justas e igualitárias.

9 HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 20. ed. Heidelberg: C. F. Müller, 2020, p. 18.

10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 60-61.

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