1_9786559086146

Page 1

Nereu José Giacomolli

Mariana Engers Arguello

Thales Marques Marros

PROCESSO PENAL CONTEMPORÂNEO EM DEBATE

Volume 8 – Processo Penal na Era Digital

Organização

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Capa e diagramação: Jéssica Razia

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez Tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis López Guerra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

Owen M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

Tomás S. Vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P956

v. 8

Processo penal contemporâneo em debate [recurso eletrônico] : volume 8 : processo penal na era digital / Betina Scherrer da Silva [et al ] ; organização Nereu José Giacomolli, Mariana Engers Arguello, Thales Marques Marros - 1 ed - São Paulo : Tirant Lo Blanch, 2023 recurso digital ; 1 MB

Formato: ebook

Modo de acesso: world wide web

ISBN 978-65-5908-609-2 (recurso eletrônico)

1 Direito penal - Brasil 2 Processo penal - Brasil 3 Inteligência artificial 4 Prova digital. 5. Livros eletrônicos. I. Silva, Betina Scherrer da. II. Giacomolli, Nereu José III Arguello, Mariana Engers IV Marros, Thales Marques

23-84934

CDU: 343 2(81):004 8

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

DOI: 10.53071/boo-2023-07-26-64c193316df2b

09/07/2023 13/07/2023

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Avenida Brigadeiro Luiz Antonio nº 2909, sala 44.

Bairro Jardim Paulista, São Paulo - SP CEP: 01401-000

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com www.tirant.com/br - www.editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Nereu José Giacomolli

Mariana Engers Arguello

Thales Marques Marros

PROCESSO PENAL CONTEMPORÂNEO EM DEBATE

Volume 8 – Processo Penal na Era Digital

Autores

Betina Scherrer da Silva

Bibiana Fontella

Elaine Barros de Castro Nunes

Fabrício Antônio da Silva

Gabriel Bulhões Nóbrega Dias

Gabriel Gaska

Gustavo Rache Cardozo

Julia Werlang Colombo

Lucas Rosa Zyngier

Maria Carolina B. Khury

Mariana Engers Arguello

Maurício Habckost Dalla Zen

Nereu José Giacomolli

Saulo Sarti

Tapir Rocha Neto

Thales Marques Marros

Vagner José Sobierai

Organização
Sumário Apresentação.................................................................................... 7 Nereu José Giacomolli, Mariana Engers Arguello e Thales Marques Marros Novas tecnologias no âmbito jurídico: conceitos, funcionalidade e fundamentos ................................................... 14 Betina Scherrer da Silva Deontologia Processual Penal e Inteligência Artificial ........ 29 Bibiana Fontella Garantias Processuais Penais e Inteligência Artificial –Apreciação dos Princípios da fundamentação, paridade de armas e presunção de inocência................................................... 50 Saulo Sarti Primeiras linhas sobre Jurisdição Penal Imparcial e Inteligência Artificial ........................................................................................ 65 Gabriel Gaska Nascimento Possibilidades de inovação tecnológica no processo penal brasileiro ............................................................................. 90 Lucas Rosa Zyngier Open SOurce IntellIgence – OSInt, Investigação Defensiva e Processo Penal ............................................................................ 104 Gabriel Bulhões Nóbrega Dias Investigando a comercialização de drogas na dark web: uma análise sobre o caso ShIny flakeS ................................................. 130 Maria Carolina B. Khury A prova digital e suas (im)possibilidades diante de um sistema processual penal convencional e constitucionalmente adequado ...................................................................................... 143 Fabrício Antônio da Silva
A obtenção da prova digital armazenada no exterior ............ 159 Vagner José Sobierai Do tratamento de dados pessoais no âmbito da segurança pública: uma exposição introdutória ........................................ 176 Gustavo Rache Cardozo e Julia Werlang Colombo A cadeia de custódia da prova digital ....................................... 193 Thales Marques Marros e Mariana Engers Arguello O papel das plataformas de mídias sociais na investigação criminal e a privacidade de dados: Primeiras Impressões sobre o PL 2630/2020 ................................................................................ 215 Maurício Habckost Dalla Zen Transparência algorítmica: uma garantia processual penal .. 229 Tapir Rocha Neto Infiltração virtual: características, garantias fundamentais e interferências no sistema acusatório ....................................... 247 Elaine Barros de Castro Nunes Inovações tecnológicas e sistema criminal: riscos e limites ..... 269 Nereu José Giacomolli

ApreSentAção

Nos últimos anos os avanços tecnológicos demonstram que o desenvolvimento e a aplicação cada vez mais acentuada de novas tecnologias nos mais diversos aspectos da vida cotidiana se constituem como um fenômeno inexorável. A extensão do impacto transcende a dinâmica da vida de modo geral, verificando-se, sobretudo, em áreas específicas, como é o caso do processo penal. Assim, da aplicação de técnicas forenses avançadas no âmbito de crimes digitais ao auxílio na construção da decisão judicial, as novas tecnologias alteraram drasticamente o cenário das investigações e dos julgamentos criminais.

É diante desse quadro que a presente obra, fruto de pesquisas e discussões originadas na disciplina de Processo Penal na Era Digital, ministrada pelo Prof. Nereu José Giacomolli, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) durante o primeiro semestre de 2022, busca aprofundar a relação existente entre as novas tecnologias e o processo criminal. Com isso, ao longo do percurso serão explorados os benefícios e riscos oferecidos pelo uso das novas tecnologias, destacando-se as tensões geradas por questões éticas e legais a partir da sua aplicação e operacionalização no campo jurídico penal. Para isso, o conjunto de trabalhos que se encontra nesta obra se orienta por uma abordagem multidisciplinar, cujo desenvolvimento se dá na intersecção das fronteiras entre diversos campos do conhecimento, como o do Direito, da tecnologia, da criminologia e da ética, de modo a oferecer uma perspectiva ampla e compreensiva na análise das mais diversas temáticas que tocam o assunto.

Os tópicos posteriores a esta introdução irão tratar de uma ampla gama de novas tecnologias, bem como os seus conceitos, conteúdos e impacto no sistema de justiça criminal. Tecnologias investigativas, preditivas, de monitoramento, de controle e preservação

7

da cadeia de custódia da prova física e digital, Big Data, Blockchain e Inteligência Artificial, são somente alguns dos exemplos que atualmente já promovem uma transformação dos processos criminais e que serão a seguir explorados, especialmente no que se refere aos impactos que geram no processo penal, bem como dos desafios e limitações associados ao seu uso quando confrontados com as garantias e direitos fundamentais e à questões éticas-morais.

Para mais, é importante destacar que esta obra não tem qualquer pretensão de esgotar a temática aqui tratada. Pelo contrário, trata-se de uma pesquisa em conjunto que busca oferecer uma abordagem introdutória sobre o tema que seja compreensiva e acessível principalmente para aqueles que diariamente operam no contexto da justiça criminal e para aqueles que desejam iniciar e aprofundar os estudos acerca da interseção entre Direito e Tecnologia.

Em Novas Tecnologias no Âmbito Jurídico: conceito, funcionalidade e fundamentos, Betina Scherrer da Silva abre a presente obra expondo os conceitos, funcionalidades e fundamentos das novas tecnologias aplicadas ao contexto jurídico. Para isso, apresenta o conceito de Inteligência Artificial e as divergências atinentes a cada uma das suas espécies: a inteligência artificial forte e a inteligência artificial fraca. Em seguida, aborda os aspectos envolvendo o Big Data e a utilização dos algoritmos, destacando a problemática dos vieses algorítimicos. Por fim, trata da técnica de aprendizado de máquina (machine learning), bem como da aplicação da jurimetria no Direito.

No segundo capítulo, Deontologia Processual Penal e Inteligência Artificial, Bibiana Fontella discorre sobre a virada tecnológica no processo penal, sobretudo com o desenvolvimento de sistemas de Inteligência Artificial no Supremo Tribunal Federal (Projeto Victor) e no Superior Tribunal de Justiça que, por sua vez, tiveram avançaram em vários aspectos em face da Pandemia da COVID-19. Nesse contexto, explora a necessidade do estabelecimento de parâmetros para tais tecnologias, muito embora ainda não tenhamos o conhecimento da real magnitude destes programas, através de limitações, sobretudo pelo fato do Direito ser um fenômeno bastante complexo e em constante debate. Para isso, a pesquisa utilizou não só uma

8

base bibliográfica doutrinária sobre o assunto, mas também as regulamentações do CNJ sobre os sistemas de Inteligência Artificial nos Tribunais e as Orientações Éticas para uma Inteligência Artificial de Confiança da Comissão Européia.

No terceiro tópico, Garantias Processuais Penais e Inteligência Artificial – Apreciação dos Princípios da fundamentação, paridade de armas e presunção de inocência, Saulo Sarti, diante da implacável mudança que as ferramentas de Inteligência Artificial proporcionam e ainda irão proporcional para o Poder Judiciário no Brasil e no mundo, aborda a necessidade da regulação do seu uso para a produção de decisões judiciais compatíveis com as garantias constitucionais. Assim, busca uma necessária leitura a partir das garantias como, a obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais, da paridade de armas e da presunção de inocência, para que o uso da Inteligência Artificial não coloque em risco e mitigue os direitos constitucionais tão caros ao processo penal e que demoraram séculos para serem desenvolvidos e consolidados.

Em Primeiras Linhas sobre Jurisdição Penal Imparcial e Inteligência Artificial, Gabriel Gaska, em face da vertiginosa transformação proporcionada pelas novas tecnologias na dinâmica da vida social, econômica e cultural, e do indissociável entrelace entre tecnologia e o sistema de justiça criminal, busca especificar e refletir sobre o impacto da inteligência artificial no âmbito no processo penal e seus riscos, especialmente diante da garantia processual à jurisdição penal imparcial. Como escopo específico, pensa interpretativamente sobre a aplicação de um juiz robô dentro dessa estrutura.

No quinto tópico, Possibilidades de Inovação Tecnológica no Processo Penal brasileiro, Lucas Rosa Zyngier, busca avaliar a aplicabilidade de quatro inovações tecnológicas ao processo penal brasileiro:

a) Robot Pepper para a robotização da inquirição dos réus e testemunhas;

b) Juiz-robô para o julgamento de casos penais de pequena complexidade;

c) COMPAS para a avaliação da periculosidade de pessoas;

d) Projeto Victor para a automação da verificação dos temas de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (STF).

9

No sexto tópico, Open Source Intelligence – OSINT, Investigação Defensiva e Processo Penal, Gabriel Bulhões Nóbrega Dias aborda se e como as técnicas hoje conhecidas como investigação de dados em fontes abertas, ou open source intelligence (OSINT), podem servir ao processo penal, no todo, e à advocacia criminal, por meio da investigação defensiva, no particular. Se cotejam os novos desafios trazidos à sociedade e ao Direito pelas chamadas novas tecnologias, situando alguns dos mais recentes avanços e seus impactos nas questões jurídicas. É realizado, também, um retrospecto histórico sobre o tema da inteligência, sua origem militar e sua apropriação pelas agências de segurança pública, passando pelos marcos normativos atinentes no cenário nacional, para se chegar ao conceito de inteligência privada. Nesse sentido, se apresenta o instrumental da OSINT como algo acessível e legítimo de ser usado pela advocacia na defesa dos interesses jurídicos dos cidadãos/empresas, notadamente no processo penal, com a finalidade de marchar rumo ao tão almejado e inalcançável princípio da paridade de armas no processo penal. Ainda, se situa uma discussão em torno do enfoque dado pelas instituições públicas ligadas à persecução penal para aquisição de novas tecnologias investigativas e na qualificação dos seus quadros, em contraposição a uma autônoma e não-coordenada maturação por parte da classe advocatícia.

No tópico Investigando a Comercialização de Drogas na Dark Web: uma análise sobre o caso Shiny Flakes, Maria Carolina B. Khury conceitua as diferenças entre a surface web, deep web e dark web. A partir dessa compreensão, passa à análise das diversas possibilidades de atividade criminosa por intermédio da dark web, em especial o comércio de drogas, que ambas as partes gozam do anonimato, praticidade e aumento de variedades em decorrência da internacionalidade desse mercado. A partir disso, estuda o caso Shiny Flakes (2015), de modo a tentar compreender como funcionava sua logística, a fim de examinar as técnicas investigatórias que foram utilizadas, para então fazer reflexões sobre as possibilidades e dificuldades de investigar crimes na dark web.

No oitavo tópico, A prova Digital e suas (Im)possibilidades diante de um Sistema Processual Penal Convencional e Constitucio-

10

nalmente Adequado, Fabrício Antônio da Silva, diante da realidade proporcionada pelo atual estágio da sociedade tecnológica, busca em seu texto discutir, no âmbito processual penal, as linhas conceituais da prova digital no contexto convencional e constitucional do Estado Democrático de Direito. Desse modo, considera os princípios específicos que envolvem o tema, buscando analisar a viabilidade do desenvolvimento de premissas teóricas que possam trazer maior segurança jurídica acerca da matéria.

No nono tópico, A Obtenção da Prova Digital Armazenada no Exterior, Vagner José Sobierai aborda as questões atinentes aos “crimes transnacionais” no contexto do desenvolvimento tecnológico. Neste sentido, o artigo aborda tópicos importantes para a discussão sobre o tema, como a importância da prova transnacional e os seus aspectos práticos, assim como a importância de uma cooperação global jurídica e a evolução da internet, entre outros aspectos.

No décimo capítulo, Do tratamento de Dados Pessoais no Âmbito da Segurança Pública: uma exposição introdutória, Gustavo Rache Cardozo e Julia Werlang Colombo tratam da (re)construção de um moderno direito de segurança pública, com enfoque principalmente na proteção de dados e no recentemente elaborado Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados para segurança pública e persecução penal. Com isso, expõem as implicações atinentes ao tratamento de dados pessoais em decorrência da inexistência de um direito de segurança pública no Brasil, para, então, discutir os diversos mecanismos que poderão auxiliar o legislador brasileiro na reconstrução de um moderno direito de segurança pública.

No tópico A Cadeia de Custódia da Prova Digital, Mariana Engers Arguello e Thales Marques Marros, objetivam traçar um exame acerca da cadeia de custódia da prova digital frente ao avanço das novas tecnologias. Nesse contexto, buscam refletir especificamente sobre o uso e a importância das novas tecnologias como instrumentos que potencializam a preservação da prova digital, tendo em vista não só o respeito pelos direitos e garantias fundamentais, como também a observância pela máxima qualidade epistêmica da prova digital.

11

Em O papel das plataformas de mídias sociais na investigação criminal e a privacidade de dados: Primeiras impressões sobre o PL 2630/2020, Maurício Habckost Dalla Zen apresentam os deveres de colaboração investigativa impostos às plataformas de mídias sociais e já previstos na legislação brasileira e revela uma possível incompatibilidade do PL 2640/2020 (Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet), cuja atual redação busca expandir tais obrigações, com a Lei Geral de Proteção de Dados.

No tópico Transparência algorítmica: uma garantia processual penal, Tapir Rocha Neto busca, em primeiro lugar, explicar alguns conceitos fundamentais para que o leitor possa compreender o tema abordado. Em seguida, procura contextualizar a utilização da inteligência artificial no âmbito do processo penal brasileiro e a tendência de uma expansão cada vez maior de seu uso, depois, aponta os problemas e possíveis riscos que podem surgir, em especial os vieses algorítmicos, e, por fim, coloca luz à atual preocupação, sobretudo do Congresso Nacional e do Conselho Nacional de Justiça, em garantir a transparência algorítmica como um valor essencial para viabilizar a correção e a proteção contra eventual resultado injusto advindo de uma decisão automatizada no processo penal brasileiro.

No décimo quarto tópico, Infiltração Virtual: características, garantias fundamentais e interferências no sistema acusatório, Elaine Barros de Castro Nunes trata da infiltração virtual, mencionada pela Lei 13.964/2019, que autorizou a ação de agentes policiais infiltrados virtuais em organizações criminosas. Assim, objetiva apresentar como a infiltração virtual interfere nas garantias fundamentais e como se pode chegar a interferir no sistema processual acusatório. Dessa forma, visa compreender dogmaticamente o instituto da infiltração virtual e das garantias fundamentais, mapear características do modelo acusatório processual penal e, sob sua ótica, identificar elementos dogmáticos de ampliação/restrição da persecução penal.

Encerrando o volume, o Professor Nereu Giacomolli, sob o título Inovações tecnológicas e sistema criminal: riscos e limites, parte de dez fatos que rompem o analógico previsível e estático, rumo à perspectiva inovadora e dinâmica do digital, situando vários proble-

12

mas, riscos e limites do emprego das novas tecnologias no âmbito criminal. Há uma especial referência ao policiamento preditivo e à obtenção da prova na era digital.

Com isso, esperamos que a presente obra possa fornecer as bases necessárias e induzir reflexões acerca das relações e da operacionalização entre novas tecnologias e o processo penal, buscando contribuir a nível acadêmico e profissional para todos aqueles que se interessam sobre as complexidades das interseções entre Direito e Tecnologia.

Para finalizar essas breves notas introdutórias, desejamos uma boa leitura a todos.

mAriAnA enGerS ArGuello

thAleS mArqueS mArroS

13
Porto Alegre, março de 2023. nereu JoSé GiAcomolli

novAS tecnoloGiAS no âmbito Jurídico: conceitoS, funcionAlidAde e

1. introdução

As novas tecnologias advindas da virada tecnológica impactaram de forma irreversível a sociedade e, consequentemente, ocasionaram uma transformação profunda no âmbito jurídico. A crescente disponibilidade de dados muito grandes característica da era da big data, somada ao desenvolvimento de computadores com capacidade de armazenamento, processamento e análise desses dados, proporcionaram o ambiente ideal para o avanço da inteligência artificial. Nesse cenário, surgiram termos que até então eram desconhecidos pelos profissionais do direito, especialmente porque são originários de outros áreas do conhecimento, tais como a computação, a estatística e a economia.

Diante da inserção crescente das inovações tecnológicas no universo jurídico e das promessas de eficiência relacionadas a tais tecnologias, tornou-se fundamental a compreensão de conceitos como inteligência artificial, big data, algoritmos, machine learning, deep learning e jurimetria, para citar apenas alguns, além de suas funcionalidades e fundamentos. Isso porque, em que pese existam inúmeros benefícios decorrentes da utilização da inteligência artificial, também surgem diversas questões éticas advindas da era digital, o que demanda uma postura ativa por parte do profissional do

1 Mestranda em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Bolsista Capes. Especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Advogada criminalista.

14

direito, a fim de assegurar a observância das garantias fundamentais consagradas na Constituição Federal.

Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo apresentar os conceitos básicos relativos às novas tecnologias, problematizando algumas questões inerentes à aplicação da inteligência artificial no âmbito jurídico, sobretudo diante do impacto imediato das novas técnicas no modelo de justiça, bem como dos rumos incertos acerca do papel da inteligência artificial no Direito. Para tanto, o método de abordagem empregado no presente estudo foi o hipotético-dedutivo e a técnica utilizada pautou-se em pesquisa bibliográfica.

2. inteliGênciA ArtificiAl

O conceito de inteligência artificial não é unânime entre os estudiosos do tema, visto que esta área de conhecimento é interdisciplinar, englobando ideias e técnicas de diferentes matérias, tais como a estatística, linguística, robótica, engenharia elétrica, matemática, neurociência, economia, lógica e filosofia. Logo, trata-se de uma ciência complexa, cuja definição depende da perspectiva sob a qual se pretende captar a sua essência2.

Inicialmente, a inteligência artificial surgiu como uma forma de reprodução da inteligência humana. Nesse sentido, de acordo com Martin Minsky, “artificial intelligence is the science of making machines do things that would require intelligence if done by men”3. No entanto, por meio da chamada virada tecnológica, o conceito evoluiu e transformou-se em um mecanismo de resolução de problemas com potencial de ser muito mais eficiente do que o próprio ser humano4.

Essa distinção entre a capacidade da máquina de simular o pensamento humano, por um lado, e de efetivamente pensar sozi-

2 ONETO, Marcos López. Fundamentos para un derecho de la inteligencia artificial: Queremos seguir siendo humanos? Valencia: Tirant lo blanch, 2020. E-book. p. 39.

3 MINSKY, Martin. Semantic information processing. Cambridge: MIT Press, 1968. p. 23.

4 NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência artificial e direito processual: vieses algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas. Revista de Processo, São Paulo, v. 285, p. 421-447, nov. 2018.

15

nha, por outro, é o que diferencia a inteligência artificial fraca ou débil da inteligência artificial forte5. No que se refere à IA fraca, observa-se que ela pode auxiliar o ser humano em trabalhos repetitivos e padronizados, tais como os programas desenvolvidos pelo judiciário para a pesquisa de leis e jurisprudência. Já no que diz respeito à IA forte, ela representa a capacidade da máquina de pensar de modo semelhante ao cérebro humano6. Além disso, existe a categoria da superinteligência, desenvolvida pelo filósofo Nick Bostrom, a qual representa “um intelecto que é muito mais inteligente do que o melhor cérebro humano em praticamente todas as áreas, incluindo criatividade científica, conhecimentos gerais e habilidades sociais”7.

Em que pese a existência dessas correntes filosóficas, há uma certa descrença quanto à inteligência artificial forte, visto que ela pretende reproduzir a consciência humana, ou seja, desenvolver “máquinas capazes de pensar, criar e exibir comportamento inteligente nos moldes humanos”8. Assim, Harry Surden esclarece que, apesar da denominação utilizada, a inteligência artificial não é, de fato, inteligente. Para o autor, a visão ficcional de uma máquina com um sistema cognitivo totalmente independente não representa o estágio atual de evolução da inteligência artificial, não obstante isso possa ocorrer no futuro9. Da mesma forma, Silvia Barona Vilar preleciona que:

[...] las máquinas no son inteligentes, ni tan siquiera las que se encasillan em el grupo de las inteligências artificiales fuertes o de última generación. No pueden realizar las habilidades humanas referidas al razonamiento, a la com-

5 RUSSEL, Stuart; NORVIG, Peter. Inteligência Artificial. Tradução: Regina Célia Simille. 3. ed. Rio de Janeiro: LCT, 2021. E-book. Título original: Artificial intelligence. p. 871.

6 RIBEIRO, Darci Guimarães; CASSOL, Jéssica. Inteligência Artificial e Direito: uma análise prospectiva dos Sistemas Inteligentes no Processo Judicial. In: PINTO, Henrique Alves; GUEDES, Jefferson Carús; CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira (coord.). Inteligência artificial aplicada ao processo de tomada de decisões. 1. ed. São Paulo: D´Plácido, 2020. p. 468.

7 BOSTROM, Nick. Superinteligência: caminhos, perigos e estratégias para um novo mundo. Rio de Janeiro: Dark side books, 2018. p. 12.

8 DA SILVA, Fabrício Machado; LENZ, Maikon Lucian; FREITAS, Pedro Henrique Chagas; DOS SANTOS, Sidney Cerqueira Bispo. Inteligência artificial. Porto Alegre: SAGAH, 2019. E-book. p. 17.

9 SURDEN, Harry. Artificial Intelligence and Law: An Overview. Georgia State University Law Review, v. 35, n. 1, p. 1305-1337, 2019. p. 1309. Disponível em: https:// scholar. law. colorado. edu/ articles/ 1234. Acesso em: 25 maio 2022.

16

presión de conceptos, etc, todo y que pueden emular y ofrecer um resultado que podría asemejarse a éstas10

Isso porque, em que pese as máquinas sejam capazes de aprender, elas o fazem por meio da programação e dos dados fornecidos pelos seres humanos, sendo possível dizer, de acordo com Jordi Nieva Fenol, que a inteligência artificial é humana11. Da mesma forma, Scott Hartley ressalta que “Seres humanos estão por trás da inteligência artificial”12, demonstrando, assim, a influência da atividade humana sobre os processos executados pelas máquinas.

Portanto, a questão principal relacionada à inteligência artificial não é se as máquinas irão substituir os seres humanos, visto que, conforme demonstrado acima, a atividade cognitiva é exclusiva aos seres humanos. A problemática centra-se no modo de utilização dessa tecnologia e nos impactos, positivos e negativos, de sua aplicação no âmbito jurídico. Justamente por isso torna-se imprescindível a regulação da inteligência artificial e, consequentemente, a compreensão adequada dos termos relacionados a essa tecnologia disruptiva13. Considerando a massiva quantidade de dados digitalizados que estão disponíveis atualmente, e tendo em vista que a inteligência artificial se pauta no tratamento de dados, é essencial adentrarmos no conceito de big data e nos seus desdobramentos.

3. biG dAtA

Inicialmente, cabe destacar que, ao contrário do que se pode deduzir do termo ora estudado, o big data não se refere apenas a uma grande quantidade de dados, mas principalmente à capacidade de pesquisar, agregar e fazer referência cruzada de grandes conjuntos de

10 BARONA VILAR, Silvia. Algoritmización del derecho y de la justicia: de la Inteligencia Artificial a la Smart Justice. Valencia: Tirant lo blanch, 2021. E-book. p. 99.

11 NIEVA FENOL, Jordi. Inteligencia artificial y processo judicial. Madri: Marcial Pons, 2018. p. 16.

12 HARTLEY, Scott. O fuzzy e o techie: as ciências humanas vão dominar o mundo digital. São Paulo: BEI Comunicação, 2017. p. 93.

13 BUENO DE MATA, Federico. La necesidad de regular la Inteligencia Atificial y su impacto como tecnologia disruptiva en el proceso: de desafio utópico a cuestión de urgente necesidad. In: BUENO DE MATA, Federico. El impacto de las tecnologías disruptivas en el derecho procesal. Pamplona: Thomson Reuters, 2022. p. 15-16.

17

dados14. Levando em conta que “[...] los datos se han convertido em la nueva fiebre del oro de a segunda década del siglo XXI”15, a aplicação da inteligência artifical a um grande volume de dados é extremamente relevante, pois possibilita a realização de predições e correlações que dificilmente seriam identificadas pela avaliação humana.

De acordo com Wolfgang Riem-Hoffmann, o big data diz respeito “[...] às possibilidades de acesso a grandes quantidades de dados digitais (“alto volume”), de diferentes tipos e qualidade, bem como várias possibilidades de coleta, armazenamento e acesso (“alta variedade”), e alta velocidade de seu processamento (“alta velocidade”)”16. Logo, verifica-se que o termo big data pode ser definido a partir de 3Vs (volume, variedade e velocidade), podendo chegar a 5Vs (veracidade e valor). Ainda, no que tange à interpretação dos dados ou aos tipos de análises em big data (big data analytics), a classificação divide-se em análise prescritiva, diagnóstica, descritiva e preditiva17.

A partir dessas premissas, constata-se que, no âmbito da justiça penal, o big data propicia grandes inovações no que se refere à investigação policial, principalmente com base nos modelos de predição e nos sistemas de vigilância por computador. Exemplificativamente, podemos citar o policiamento preditivo, segundo o qual é possível prever uma atividade criminal futura. Alicerçada aos dados fornecidos ao sistema, tal tecnologia consegue determinar possíveis áreas de criminalidade, perfis de suspeitos, bem como o risco social que a pessoa apresenta18.

14 BOYD, Dana; CRAWFORD, Kate. Critical Questions for Big Data: Provocations for a Cultural, Technological, and Scholarly Phenomenon. Information, Communication, & Society, London, v. 15, n. 5, p. 662-679, 2012. p. 663.

15 DIZ, Fernando Martín. Justicia predictiva: inteligencia artificial y algoritmos aplicados al processo judicial em materia probatoria. In: BUENO DE MATA, Federico. El impacto de las tecnologías disruptivas en el derecho procesal. Pamplona: Thomson Reuters, 2022. p. 132.

16 RIEM-HOFFMANN, Wolfgang. Big Data e Inteligência Artificial: desafios para o direito. Tradução de Gabrielle Bezerra Sales Sarlet e Carlos Alberto Molinaro. Revista Estudos Institucionais, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 431-506, maio/ ago. 2020. p. 443.

17 SAISSE, Renan. Big Data Contra o Crime: Efeito Minority Report. Revista Eletrônica Direito & TI, [s. l. ], v. 1, nº 8, set. 2017. Não paginado. Disponível em: https:// direitoeti. emnuvens. com. br/ direitoeti/ article/ view/ 79/ 77. Acesso em: 6 jun. 2022.

18 DE AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli; DUTRA, Luíza Correa de Magalhães. Inteligência artificial, big data e algoritmos: policiamento e as novas roupagens de um agir discriminatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 183, p. 247-268, set. 2021.

18

negativas advindas da utilização do policiamento preditivo, tais como a perpetuação de padrões discriminatórios. Essa característica advém do nosso modelo de sociedade, que é baseado em um policiamento racialmente discriminatório, tal como ocorre na estrutura social norte-americana. Verifica-se, assim, que a suposta neutralidade almejada pela aplicação dos modelos preditivos, por meio do big data, encontra óbice nos vieses raciais19.

Logo, apesar do big data surgir como um recurso inovador para a análise de dados não-lineares, ele demanda cautela quanto aos limites de sua aplicação. Nesse sentido, de acordo com a doutrina, Big data é um recurso e uma ferramenta. Destina-se para informar, em vez de explicar; aponta para a compreensão, mas também ainda pode levar a mal-entendidos, dependendo de quão bem é manejado. E, por mais deslumbrante que seja o poder da Big Data, seu brilho sedutor não deve jamais nos cegar para suas inerentes imperfeições. Em vez, devemos adotar essa tecnologia com uma valorização não apenas de seu poder, mas também de suas limitações (tradução nossa)20.

Desse modo, devem ser observados os limites para o emprego adequado do big data, com o fim de assegurar a transparência sobre a eficácia da tecnologia e de seus efeitos21. Considerando que os algoritmos têm um papel central nas correlações que são feitas entre uma grande quantidade de dados, bem como na existência dos mencionados vieses, cabe aprofundarmos o estudo de seu conceito.

4. AlGoritmoS

Observa-se que a palavra-chave em inteligência artificial é algoritmo, ou seja, o esquema executivo da máquina de armazena-

19 Ibid.

20 “Big data is a resource and a tool. It is meant to inform, rather than explain; it points us toward understanding, but it can still lead to misunderstanding, depending on how well or poorly it is wielded. And however dazzling we find the power of big data to be, we must never let its seductive glimmer blind us to its inherent imperfections. Rather, we must adopt this technology with an appreciation not just of its power but also of its limitations”. MAYER-SCHOENBERGER, Viktor; CUKIER, Kenneth. Big Data: a revolution that will transform how we live, work, and think. New York: Eamon Dolan, 2013. p. 117.

21 DE AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli; DUTRA, Luíza Correa de Magalhães. Inteligência artificial, big data e algoritmos: policiamento e as novas roupagens de um agir discriminatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 183, p. 247-268, set. 2021.

19
No entanto, também despontam consequências

mento de todas as opções de decisão com base nos dados que se conhece22. Silvia Barona Vilar explica os algoritmos comparando-os com uma receita culinária que apresenta uma série de instruções, como a incorporação de ingredientes (inputs) para o alcance de um resultado23. O algoritmo faz o mesmo: reduz o problema a uma série de regras para a obtenção de uma solução.

Assim, os algoritmos podem ser compreendidos como “[...] os conjuntos finitos de instruções que, seguidas, realizam uma tarefa específica”24. Com base nessa lógica, o sistema funciona por meio da entrada de dados (inputs) para a obtenção de um resultado (output), o qual é alcançado através da sequência de regras estabelecida. Conforme ensina Federico Bueno de Mata,

El sistema algorítmico consiste em detectar patrones em los datos que le han sido subministrados y de esa forma entregar um resultado satisfactorio al problema planteado vía um método predictivo basado en correlaciones estadísticas. A mayor cantidad de información (datos), mayor y mejores resultados se van obteniendo ya que el sistema se alimenta de ellos, para la toma de decisiones25.

No que tange ao seu funcionamento, os algoritmos podem ser classificados em programados e não-programados. Os algoritmos programados representam aqueles cujas etapas de operação são previamente definidas pelo programador, ao passo que os algoritmos não programados têm a capacidade de aprender de forma autônoma, tal como pode ser verificado na técnica do machine learning. Inclusive, essa última espécie de algoritmos é denominada de learners, justamente pela capacidade de inferir resultados que não são dominados pelo programador26.

22 NIEVA FENOL, Jordi. Inteligencia artificial y processo judicial. Madri: Marcial Pons, 2018. p. 21.

23 BARONA VILAR, Silvia. Algoritmización del derecho y de la justicia: de la Inteligencia Artificial a la Smart Justice. Valencia: Tirant lo blanch, 2021. E-book. p. 100.

24 LORDELO, João Paulo. Algoritmos e direitos fundamentais: riscos, transparência e accountability no uso de técnicas de automação decisória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 186. p. 205236, dez. 2021.

25 BUENO DE MATA, Federico. La necesidad de regular la Inteligencia Atificial y su impacto como tecnologia disruptiva en el proceso: de desafio utópico a cuestión de urgente necesidad. In: BUENO DE MATA, Federico. El impacto de las tecnologías disruptivas en el derecho procesal. Pamplona: Thomson Reuters, 2022. p. 16-17.

26 FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel; WOLKART, Erick Navarro. Arbitrium ex Machina: panorama, riscos e a necessidade de regulação das decisões informadas por algoritmos. Revista dos Tribunais, v. 995, Set. 2018. Disponível em: https:// www. academia. edu/ 38199022/ ARBITRIUM_ EX_ MACHINA_

20

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
1_9786559086146 by Editorial Tirant Lo Blanch - Issuu