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Criminologia Cultural em uma PersPeCtiva DeColonial

Paraisópolis em foco - Baile da DZ7

Julia
de Moraes Almeida

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Diagramação e Capa: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

eDuarDo Ferrer maC-gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

luis lóPez guerra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

owen m. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

tomás s. vives antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

A448 Almeida, Julia de Moraes

Criminologia cultural em uma perspectiva decolonial : paraisópolis em foco - baile da dz7 [livro eletrônico] / Julia de Moraes Almeida; prefácio Sérgio Salomão Shecaira. - 1.ed. –São Paulo : Tirant lo Blanch, 2023.

26.864Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-586-6

1. Criminologia cultural. 2. criminologia decolonial. 3. Criminologia na América Latina. I. Título.

CDU: 343.9(8=6)

Bibliotecária responsável: Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778

DOI: 10.53071/boo-2023-07-14-64b167b66b639

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais.A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Criminologia

Cultural em uma PersPeCtiva DeColonial

Paraisópolis em foco - Baile da DZ7

Julia de Moraes Almeida
Pra balançar o seu coreto Pra você de mim lembrar T.Q.B

agraDeCimentos

A escolha do meu orientador e da minha orientadora não foram ocasionais. De fato, são titulares em seus campos do conhecimento, entretanto, o brilhantismo de ambos vai além dos certificados que adquiriram ao longo de suas carreiras. Shecaira me indicou além dos caminhos bibliográficos, a complexidade das pesquisas: enfrentar o Sistema Penal é tarefa para ser desenvolvida com estratégia e conexões. Criou-se entre seus orientandos uma rede de apoio. Orientou-me para além dos textos, para minha trajetória futura, transformando minhas angústias em matéria de pesquisa. Ele não é, para mim, apenas um orientador, mas um mentor na vida acadêmica. Obrigada por me acolher.

Raquel é o espelho de luta e pesquisa de campo que gostaria de ver refletido em meus caminhos: a força da política e dos enfrentamentos pode transformar o mundo. Seus discursos e aulas não só me inspiraram, mas muitas vezes me mostraram o lugar de medianidade que precisei sair para produzir conteúdos que fossem relevantes para a vida. Para mim, para o mundo acadêmico e para a cidade. Uma mulher forte, mãe, disruptiva, viajante (livre) e das lutas: muito do que quero ser.

Aos meus pais que sempre me fizeram contestar os caminhos. Ele, um planejador de cidades, inconformado com o mundo posto. Ela, pesquisadora desde que me entendo por gente, mostrando o valor do estudo e das batalhas internas. Obrigada por me deixarem voar.

Ao meu sócio, parceiro, confidente e aventureiro Gabriel: você é o motor. A ALMA. Sem você o caminho da pesquisa é de trocas e de voltas ao mundo. Obrigada por viver meus sonhos e fazer deles os seus. Nessas voltas, Sara sempre foi o porto seguro, o chão, minha rede de confidências e amizade incondicional. Ela me abre os olhos quando não vejo passagem, me joga pra ser melhor, acredita.

No caminho, à Ingrid sou muito grata, ela é meu braço direito: sem ela muito projetos não existiriam. Pesquisadora dedicada, presente e com fome de conhecimento. Junto a ela, especialmente para os debates deste trabalho à Bea e Bruno, cujas ideias abriram meus horizontes e tornaram possível sair da inércia.

Pela criatividade, a artista Babi me mostrou, desde que nos conhecemos, que o desenho e a arte podem deixar o mundo menos maçante. Ela influencia meu mundo jurídico quadrado, conversando sem as palavras. Obrigada.

Em tempo, na época do lançamento do livro, ao Pedro. Meu par. Meu porto seguro, companheiro fiel, que me fez acreditar no amor e nos meus sonhos – todos eles. Fazer pesquisa é difícil, mas construir a vida com você faz valer a pena caminhos tortuosos e de dúvida. Um mundo melhor com amor é possível. Queria que todos tivessem a oportunidade de experimentar esse sentimento. Daí vem a esperança.

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lista De abreviaturas e siglas

AMA Assistência Médica Ambulatorial

AUTO Automática (Automatic Colt Pistol)

CBC Companhia Brasileira de Cartuchos

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos

COVID-19 Coronavírus de 2019

CONDEPE Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Humana

COPOM Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo

FD Faculdade de Direito

FFLCH Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

GDUCC Grupo de Diálogo Universidade-Cárcere-Comunidade

IBCCRIM Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

IP Inquérito Policial

ISECS International Congress on the Enlightenment

LASA Latin American Studies Association

MASP Museu de Arte de São Paulo

NDCCult Núcleo de Direito, Cidade e Cultura

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OEA Organização dos Estados Americanos

POP Procedimento Operacional Padrão

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

RBCCRIM Revista Brasileira de Ciências Criminais

ROCAM Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas

SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

UEL Universidade Estadual de Londrina

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UPA Unidade de Pronto Atendimento

USP Universidade de São Paulo

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lista De imagens e maPas

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Figura 1 O contraste entre a favela e asfalto 10 Figura 2 O beco 10 Figura 3 Marcas da segregação 10 Figura 4 Etapas da pesquisa 29 Figura 5 Estudos Pós-coloniais e seus desmembramentos 63 Figura 6 América Invertida 69 Figura 7 Paraisópolis no GeoSampa 114 Figura 8: Linha do tempo do funk 115 Figura 9 Furacão 2000 118 Figura 10 O muro 125 Figura 11 O Pancadão 126 Figura 12 Mapa: Baile de Paraisópolis 127 Figura 13 Fluxo 128 Figura 14 Densidade de pessoas na Viela do Louro, conforme relato das testemunhas presentes (1) 134 Figura 15 Densidade de pessoas na Viela do Louro, conforme relato das testemunhas presentes (2) 135 Figura 16 Densidade de pessoas na Viela do Louro, conforme relato das testemunhas presentes (3) 135 Figura 17 Densidade de pessoas na Viela do Louro, conforme relato das testemunhas presentes (4) 136 Figura 18 Ruas de Paraisópolis (representação esquemática) 140 Figura 19 Trajeto realizado pela viatura M-16103 140 Figura 20 Vista Superior da Rua Hebert Spencer 141 Figura 21 Disposição das Viaturas próximas a Rua Ernest Renan 141 Figura 22 Vista perspectiva (encontro das viaturas) 142 Figura 23 Coletiva de imprensa pós reunião com as mães de Paraisópolis + Líderes 152 Figura 24 Massacre de Paraisópolis 153 Figura 25 Ruas de Paraisópolis 155

lista De tabelas

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Tabela 1 Diferenças conceituais e terminológicas das vertentes pós-coloniais 68 Tabela 2 Entrevistados e suas relações com o massacre 158

As imagens a seguir foram tiradas em Paraisópolis em dezembro de 2019. Foram concedidas para ilustrar este trabalho pelo autor - e repórter - do Alma Preta, mídia negra e livre, Pedro Borges.

Figura 1 - O constraste entre a favela e asfalto Figura 2 - O beco Figura 3 - Marcas da segregação
sumário agraDeCimentos ................................................................................................. 6 lista De abreviaturas e siglas ............................................................................. 7 lista De imagens e maPas ..................................................................................... 8 lista De tabelas .................................................................................................. 9 PreFáCio ........................................................................................................... 13 Sérgio Salomão Shecaira introDução ...................................................................................................... 15 PARTE I PREOCUPAÇÕES METODOLÓGICAS ........................................................... 24 1. esColha De métoDos ..................................................................................... 25 2. métoDos investigativos e materiais .............................................................. 26 2.1. Tipos de pesquisa: 27 2.2. Etapas ....................................................................................................................... 28 PARTE II PANORAMA LATINO ........................................................................................ 31 3. Criminologia Cultural, um Panorama geral ................................................. 33 3.1. Estado, Crise Global, Criminologia e novas repressões .............................................. 33 3.2. Criminologia Cultural: definição e perspectiva histórica 42 3.3. Autores internacionais ............................................................................................... 49 3.4. Autores brasileiros ..................................................................................................... 52 3.5. Considerações da primeira parte................................................................................ 55 4. Criminologia Cultural: um território negro? ............................................. 58 4.1. Decolonial: o que quer?............................................................................................. 58 4.1.1. Decolonial: sua relação com o Brasil? 69 4.2. Criminologia na América Latina 75 4.2.1. Criminologia no Brasil: perspectivas recentes ....................................................... 83 4.3. Criminologia Decolonial ........................................................................................... 84 4.3.1. Conexões com criminologia na América Latina.................................................... 85 4.3.2. Racismo Estrutural, Direito e Território 86 4.3.3. Políticas públicas em uma leitura criminológica e decolonial ................................ 89 4.4. Uma abordagem Decolonial do Território: como e porque criminaliza-se .................. 92 4.4.1. Políticas públicas em uma leitura urbanística do território: uma história de silenciamento do povo negro.......................................................................................... 96
4.4.2. Direito ou insurgência como caminho? Uma análise possível através dos bailes 105 4.5. Conclusões da segunda parte ................................................................................... 109 PARTE III ESTUDO DE CASO ......................................................................................... 113 5. estuDo De Caso: massaCre no baile Da 17.................................................... 115 5.1. Funk em São Paulo ................................................................................................. 115 5.1.1. Retrospectiva histórica 115 5.1.2. O Baile da Dz7, identidade e território .............................................................. 124 5.2. Criminalização do Funk: conexões com a Criminologia Cultural e Território .......... 129 5.2.1 Escolha do caso: um meio de comprovação ......................................................... 129 5.3. Metodologia: diálogos no estudo de caso ................................................................ 130 5.4. Instâncias Jurídicas 131 5.4.1. Processos na Justiça Militar ................................................................................ 132 5.4.2. Inquérito na Justiça Civil: nª 1501922-79.2019.8.26.0052 ............................... 133 5.4.3. Coleta de dados de entidades, organizações e comissões envolvidas na investigação. ....... 149 5.5. Instância da Comunidade: construindo a narrativa sobre o Massacre ....................... 155 5.6. Análise das informações coletadas 160 5.6.1. Dados sobre o Baile da DZ7 .............................................................................. 160 5.6.2. Sobre o Massacre ............................................................................................... 165 5.6.2.1. Reconstituição do ocorrido ........................................................................... 165 5.6.2.2. Uma observação estrutural 167 5.6.2.3. Dados sobre violência policial no território negro 171 6. ConClusões artiCulaDas ............................................................................. 175 reFerênCias bibliográFiCas ............................................................................. 177 POSFÁCIO o baile não PoDe moiar .................................................................................. 200 Paula Nunes e Gabriel Mantelli

PreFáCio

Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não Eu simplesmente sinto Com a imaginação Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo O que me falha ou finda, É como um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê

(Isto, Fernando Pessoa)

Criminologistas culturais procuram rastrear o movimento, o conteúdo e a construção do significado do crime no âmbito da cultura, bem como compreender tanto o crime quanto o seu controle como produtos culturais – como construções criativas. Nascida nos anos 90 a criminologia cultural tem a grande vantagem de surgir integrando campos distintos da criminologia com estudos culturais, ou, de outra perspectiva, trazendo os estudos culturais para dentro da criminologia contemporânea. Nesse sentido, aproxima-se em muito da primeira Escola de Frankfurt, isto é, Crítica, que trabalhava mais os temas da superestrutura do que aqueles da estrutura produtiva. No contexto em que vivemos, a criminologia cultural é um aperfeiçoamento de tudo o quanto temos de mais importante na criminologia: um estudo crítico em sua essência combinado com todos os esforços metodológicos que a criminologia amealhou ao longo do século vinte.

Com esteio neste referencial teórico, Julia de Moraes Almeida, em sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo, que ora se publica pela conceituada Editora Tirant Lo Blanch, construiu seu trabalho com o rigor de destacar, desde logo, suas preocupações metodológicas (Parte I). Difícil observar uma determinada realidade sem vivenciá-la, seja com etnografia ou observação participante, seja com entrevistas dos envolvidos nesta existência humana a de-

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ISTO

clinarem suas visões. Julia começa esclarecendo sua perspectiva de pesquisadora e sua abordagem, mostrando ao leitor seu caminho investigativo. Ao depois, já na Parte II de seu livro, apresenta um panorama da Criminologia Cultural, partindo da perspectiva geral para a específica. Sua análise contempla a origem deste pensamento, sua penetração em sítios latinos e a acolhida e adaptação às terras brasileiras, relacionando a visão decolonial com esse pensamento central em terras americanas e britânicas. Na Parte III, aflora o resultado de sua pesquisa de campo, na análise do Massacre do Baile da 17 ocorrido na favela de Paraisópolis, em São Paulo, quando a polícia não hesitou em fazer aquilo que mais está acostumada a realizar na periferia, com corpos negros e pobres. Seu trabalho de pesquisa está ancorado, ademais do substrato teórico, em entrevistas com protagonistas da existência periférica (em anexos), que permitem compreender o florescimento de uma rica cultura, desprezada pelas elites, mas valorizada por muitos cidadãos dos bairros pobres das capitais brasileiras.

Pode-se dizer que o trabalho foi feito com imaginação e seriedade, algo que certamente será vislumbrado pelo seleto leitor e seleta leitora. É um livro que divisa a vista como um terraço sobre outra coisa linda. Sentir? Sinta quem lê.

São Paulo, no avizinhar do inverno de 2023.

sérgio salomão sheCaira

Prof. Titular de Criminologia da USP

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introDução

Desde a graduação procuro explicações sobre o porquê da criminalização dos bailes funk. Torno-me bacharel em direito estudando manifestações artísticas populares e descubro que minhas pesquisas apenas poderão elaborar explicações teóricas se diversos campos do conhecimento interagirem para formular pareceres.

Partindo desta constatação, ficou evidente que a criminalização é um fenômeno intrigante. Ele se enraíza por diversos âmbitos da vida privada: nos comportamentos familiares, no ambiente de trabalho, nas comunidades e nos diálogos que se travam.

Ainda, a pesquisa empírica no direito ainda é incipiente e a questão dos bailes funk me pescou: como um ritmo que toca em todo território brasileiro prende e mata jovens de periferia? Em busca desta resposta, passo a investigar os campos da criminologia, descobrindo, mais especificamente, a criminologia cultural entre os anos de 2012 a 2021.

Esta é a pesquisa que se apresenta: dividida em três partes, falando em primeiro momento sobre minha trajetória, em segundo uma revisão bibliográfica dos campos e, por último, o caso do Massacre.

Assim, para tratar das trajetórias investigativas e metodológicas deste trabalho, permito-me escrever em primeira pessoa a Introdução, a Parte I e a Parte III deste trabalho.1 Não parece fazer sentido trazer as vivências que levaram a delimitação de tema e do problema a ser resolvido sem que as impressões pessoais que a pesquisadora absorveu durante os anos de pesquisa venham à tona.

Na Introdução, um pouco de onde falo: o histórico da graduação, dos questionamentos para o problema de pesquisa, como a temática surge e sua relação com a pesquisa desenvolvida dentro e fora do país. Um panorama sobre o estado da pesquisa e da pesquisadora.

Na Parte I da dissertação trago um panorama metodológico, discorrendo sobre como a pesquisa foi desenhada: desde a revisão bibliográfica até a escolha do caso. A trajetória deste documento é traçada.

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1 Recentemente a técnica metodológica de Storytelling vem ganhando notoriedade e espaço dentro do âmbito jurídico. Trata-se de uma ferramenta para contar uma história ou um fato em primeira pessoa para compreender a realidade. O professor Adilson Moreira destaca-se na utilização desse instrumento metodológico em seu livro “Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica”. Nesse sentido, ver MOREIRA, Adilson José. Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica. São Paulo: Contracorrente, 2020.

Na Parte II da dissertação realizo uma revisão bibliográfica com alguns debates nos campos da criminologia, criminologia na américa latina, estado e racismo, territórios negros, planejamento urbano e decolonialidade.

A Parte III é dedicada exclusivamente ao Massacre do Baile da Dz7. Uma introdução metodológica, falando sobre a história do funk no Brasil e em São Paulo, a escolha do caso, a relação com os entrevistados, bem como a criação do roteiro e, por fim, trechos recortados das entrevistas. Nesta parte também está a conclusão.

Quem esCreve? traJetória Da PesQuisaDora, JustiFiCativas e obJetivos

A pesquisa em desenvolvimento está inserida dentro dos programas de pós-graduação da Faculdade de Direito e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, ambas da Universidade de São Paulo. A trajetória investigativa nasce da inquietude de se pensar novos modelos de estudo sobre violência urbana, atuação do estado nas periferias e a aplicabilidade das normas criminalizantes nas cidades latino-americanas.

Desde a graduação, início minhas pesquisas tentando descobrir novos formatos para questões interdisciplinares, característica inerente tanto na criminologia quanto do planejamento urbano. Este caminho interdisciplinar paira sobre dois campos do conhecimento que, embora sejam irmãos, são separados dentro da USP em instituições diferentes. Essa divisão, todavia, tem me proporcionado importantes diálogo em diversos ambientes. Fruto destes diálogos, elenco inúmeras conquistas acadêmicas advindas de publicações acadêmicas dentro e fora do país.

Chamo atenção para o II Congresso de Direito à Cidade e Justiça Ambiental (2017), realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em que apresentei o trabalho “Direito à cidade e criminologia cultural: democratização de espaços públicos no caso dos ‘pancadões’ paulistanos”; para o IX Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, realizado pelo IBDU em Florianópolis na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com o trabalho “Direito, Cidade e Cultura: Disputa pela democratização de espaços públicos no caso dos grafites paulistanos”; publicação de capítulo no “Teoria e empiria no direito” (2018), da editora Multifoco, sobre “Grafite/arte, pichação/crime? Análise do caso paulistano à luz do direito ambiental e da criminologia cultural”; artigo “O caso da região da luz sob o aporte da criminologia cultural: uma análise latino-americana dos grafites” (2019), apresentado no I Congresso Internacional Pensamento e Pesquisa sobre a América Latina, Programa de Pós-graduação Integração da América Latina da FFLCH USP, São Paulo e, por fim, cito algumas apresentações

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em congressos internacionais, como no Congress of the Latin American Studies Association - LASA (2018), em Barcelona, no Fifth Annual Fordham International & Comparative Urban Law Conference (2018), do Urban Law Center da Fordham University, em São Paulo e no 23rd Latin American Social and Public Policy (LASPP) Conference (2019), na University of Pittsburgh, EUA. Esta última oportunidade me rendeu convite para um mestrado sanduíche.

No ano de 2019, também apresentei minha pesquisa em outros importantes espaços acadêmicos. Menciono o III Colóquio Espaço e Economia – Transformações no capitalismo mundial e a produção social do espaço: novos arranjos territoriais e a economia política do desenvolvimento, no Rio de Janeiro, o ISECS International Congress on the Enlightenment, realizado na University of Edinburgh, Reino Unido; o Sixth Annual International & Comparative Law Conference (2019), realizado na University of New South Wales, em Sydney, Austrália; e o 2019 Conference of the Law and Development Research Network, a ser realizada na Humboldt University of Berlin. Nos últimos casos, fui agraciada com bolsas de auxílio para viagem.

Meu mais recente trabalho está incluído em uma coletânea publicada pela editora D’Plácido, organizada por Alvino Augusto de Sá, Sérgio Salomão Shecaira e eu. A obra intitulada “Novas perspectivas da criminologia” engloba minha pesquisa de mestrado, buscando entender como políticas públicas recentes, bem como tendências urbanas e sociais, refletem mudanças nos diagnósticos penais.

No primeiro ano pandêmico, 2020, apresento minhas investigações já sobre violência do Estado, territórios negros e bailes funk virtualmente no Congress of the Latin American Studies Association - LASA (2020), a ser realizado em Guadarajara mas, em virtude da pandemia mundial, ocorreu virtualmente e publiquei na revista chilena Ediciones ARQ, o artigo “Ocupación Artística Ouvidor 63: Arte y vida más allá de la norma”. Em todos estes congressos internacionais recebi bolsa para apresentar meus trabalhos. Ainda em 2020, lancei curso no IBCCRIM intitulado “Novas Perspectivas da Criminologia” e lecionei a aula “Criminologia Cultural sob a ótica do Sul Global”. Organizei também o livro “Criminologia: Estudos em homenagem a Alvino Augusto de Sá”, que foi lançado virtualmente em junho de 2020. Publiquei no Jornal 247 a coluna “Bolsonaro, necropolítica e COVID-19: por que a postura governamental não é surpresa?”. Sobre a área de pesquisa, publiquei no Jornal USP a coluna “A nova geração vai ter espaço nas ciências?”.

No segundo ano pandêmico, 2021, completo a organização e apresentação do “Boletim Especial Descolonizando as Ciências Criminais e os Direitos Humanos”, em parceria com o IBCCRIM que também gerou um ciclo de debates organizado por mim em parceria com o professor Gabriel Mantelli e o instituto.

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Leciono diversas aulas no Núcleo Direito, Cidade e Cultura (NDCCult) que coordeno na USP, bem como ajudo a organizar o Podcast deste projeto. Me tornei Head de Pesquisa no escritório Baptista Luz Advogados, onde publiquei diversos artigos, como “Cenário regulatório do mercado canábico brasileiro”. Também, lecionei aulas na PUC São Paulo a convite do Grupo de Estudos em Cultura, Entretenimento e Mídia no Direito, com o tema “O funk e o ordenamento jurídico brasileiro”. No Instituto Polis, fui professora no curso “Direito e Cidade”. Ainda, participei como palestrante na aula “criminalização da vida periférica” e aula no laboratório de ciências criminais com o tema “Política Criminal e Segurança”. Ao lado do meu orientador Sergio Salomão Shecaira integrei a mesa de debates do documentário “Central: O poder das facções no maior presidio do Brasil”. Mais recentemente, iniciei minhas atividades na nova diretoria do Instituo Brasileiro de Criminologia Cultural e participei da inauguração do livro “Crime e Estilo” do autor Jeff Ferrel.

Posso dizer, portanto, que o presente trabalho de investigação se justifica por duas perspectivas principais. A primeira se relaciona com a minha trajetória de pesquisa, dado que desde a graduação desenvolvo os temas que aqui se entrelaçam, apresentando a pesquisa dentro e fora do país, destacando o interesse nacional e internacional no assunto. A segunda tem relação com a urgência e importância da temática: tratamos de violência contra grupos historicamente subalternizados. Esse debate é atual e se reflete tanto no crescimento dos núcleos de debate de direito urbanístico, criminologia e artes quanto nas remodelagens de nosso ordenamento penal, na ânsia de se pensar uma criminologia da América Latina. Levando em consideração, também, todos os últimos acontecimentos violentos nas periferias de São Paulo – e do Brasil2.

Acredito, ainda, que a interdisciplinaridade deve ser alcançada no campo das ciências humanas para que nossas estruturas internas, bem como perspectivas criminalizantes locais, possam construir arcabouço normativo condizente com a realidade fática populacional.3 A questão tem sido tratada isoladamente, sem correlacionar decolonialidade, criminologia cultural e a temática específica dos bailes funk. É necessário equalizar o cotidiano vivido pelas comunidades, as violências históricas a que estamos e somos submetidos com as terminologias jurídicas, pensando em novas modalidades regionais.

2 Durante a elaboração dessa pesquisa posso citar diversos episódios que que a violência do Estado foi noticiada. Por exemplo, massacre de Jacarezinho, ocorrido em 06 de maio de 2021, deixou 28 mortos. Processo ainda em investigação que consterna moradores da comunidade do Rio de Janeiro. Mais em: MATTA, João da. Jacarezinho: favela palco de massacre nasceu como quilombo, lutou contra a ditadura e hoje é refém da violência. Disponível em: https:/ / www. bbc. com/ portuguese/ brasil57208131. Acesso em junho de 2021.

3 Neste sentido, busco questionar sempre: de onde falamos? Para que o Direito e o Planejamento Urbano servem? E a criminologia?

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Uma das razões que reforçam a existência desse estudo é, inclusive, a dificuldade no acesso à bibliografia do Norte Global. Isso demonstra que a colonização do conhecimento é tão arraigada em nossas instituições que até para contestá-las, o trabalho é redobrado. Isso muito explica sobre como a construção do conhecimento é realizada atualmente.

Falo do lugar de uma branca, heterossexual, de classe média, da melhor universidade da América Latina. Ainda assim, sou brasileira e mulher escrevendo em meio a uma pandemia que desvalorizou a moeda nacional fazendo o dólar atingir níveis exorbitantes. Um livro que custaria trinta dólares se transforma cento e oitenta reais, o que corresponde a mais de dez por cento de uma bolsa de pesquisa oferecida pelo governo estadual.

Isso implica diretamente minha pesquisa e tantas outras pesquisas latinas: como contestar uma nomenclatura do Norte Global se o acesso aos livros ultrapassa valores acessíveis ao conhecimento? O próprio exercício para ler a bibliografia básica de criminologia cultural pode justificar este trabalho. E ficam cada vez mais claras as discrepâncias sociais e acadêmicas. A saída é, inevitavelmente, contestar as velhas estruturas do conhecimento, se empoderando localmente e construindo nossos próprios núcleos de pesquisa e conhecimento.

...Embora esses universais pareçam referir-se às coisas como existem, enraizados em uma realidade particular, eles evocam várias camadas de sensibilidades, convicções, suposições culturais e escolhas ideológicas vinculadas à sua própria situação contextual. Para construir essas realidades locais e universais, o projeto epistemológico que gera esse conhecimento persiste em tentar negar sua localização e as histórias de que emanam. Assim nas palavras de Trouillot (2002: 221222), esses universais não se limitam a descrever a diversidade do mundo, mas nos oferecem uma interpretação única do mundo. Mas em toda a Europa e no Norte Global, um sentimento de exaustão intelectual e política é a face contemporânea do eurocentrismo.4

Por Que essa PesQuisa é imPortante?

A importância do tema foi introdutoriamente justificada no tópico anterior. Entretanto, alguns apontamentos sobre a elaboração do trabalho são interessantes. Em um primeiro momento, sinto a necessidade de me colocar ao leitor enquanto pesquisadora branca, de classe média, cisgênero, moradora de parte central da cidade de São Paulo, estudante da Universidade de São Paulo. Para que a dissertação possa ser compreendida, de onde falo é a raiz de muitos dos questionamentos trazidos.

4 Tradução livre. No original, em espanhol: “mientras estos universales parecen referirse a las cosas tal como existen, arraigadas en una realidad particular, evocan múltiples capas de sensibilidades, persuasiones, suposiciones culturales y opciones ideológicas vinculadas a su propia situación contexto. Para construir, tanto estas realidades locales como las universales, el proyecto epistemológico que genera este conocimiento persiste en intentar negar su localización y las historias de las que emanan. Como tal, en las palabras de Trouillot (2002: 221-222), estos universales no se limitan a describir la diversidad del mundo sino que nos ofrecen una interpretación singular del mundo. Pero a lo largo de Europa y el Norte global, un sentimiento de agotamiento intelectual y político es la cara contemporánea del eurocentrismo”. Ver mais sobre isso em: SANTOS, Boaventura de Sousa. Más allá de la imaginación política y de la teoría crítica eurocêntricas. Revista Crítica de Ciências Sociais, 114, 76. 2017.

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Percebo-me como pesquisadora da Universidade de São Paulo e a importância que essa titulação tem apenas no final da minha graduação. Para além da concorrência universitária pelas vagas e por quem vai ocupar o espaço da famosa USP, apreendo que a qualidade dos trabalhos fora dessa instituição, em bons centros de pesquisa do Brasil, não são inferiores. A USP produz muito conhecimento5, mas um conhecimento que não é inigualável dentro do território nacional. A ida aos congressos nacionais e internacionais, seminários, aulas em outros estados e instituições me permitiu observar os espaços de privilégio que ocupo. As impressões de que a apresentação de uma aluna como “formada pela Universidade de São Paulo” causa são notórias: uma validade e escuta atenta redobradas. Porém, como já tratado, a suposta qualidade de pesquisa não traz os financiamentos em âmbito local: em quase dez anos de pesquisa dentro da USP, conto na mão o auxílio monetário para investigação acadêmica que recebi em nível nacional. Ao contrário, fora do país, minhas pesquisas ganharam bolsas e financiamentos altíssimos, mostrando que a qualidade da USP também não é insuficiente em nenhum critério se comparada às melhores universidades do mundo. Concluo que trata-se de uma questão de narrativa, privilégios e redes de contato: quem tem maior visibilidade e financiamento tem sua pesquisa ouvida e validada nos espaços acadêmicos.

Assim, no momento que público dentro e fora do país, começo a questionar o meu papel enquanto investigadora da instituição e quais rumos minha pesquisa deveria tomar. Isso porque logo que saio da graduação escrevo sobre grafite e “pixo” em uma perspectiva que dialoga muito com a semiótica, com os símbolos e o debate sobre o que é a arte no Sul e no Norte Global. A ideia transita sobre como a criminalização ocorre por não reconhecermos a arte local como arte legítima: apenas quando vislumbramos elementos artísticos em referências advindas do Norte Global é que classificamos como valorável. Um debate interessante e necessário para repensar a validade e qualidade da nossa produção artística, entretanto, dou-me conta que essa discussão não é tão urgente quanto compreender os massacres policiais que tem como justificativa as manifestações de arte não legais.

5 Conforme dados fornecidos pelo ScienceDirect, grande plataforma para publicações cientificas, o Brasil se apresentaria como país principal dentre os produtores de conteúdo acadêmico. No período entre 1998 e 2017 o Brasil reuniu um montante de 836. 421 artigos, sendo que, no intervalo de 2008 a 2017 400. 000 publicações foram feitas. No rank de publicações a Universidade de São Paulo ocupa o primeiro lugar com 218. 579 publicações seguida logo atrás pela UNICAMP e UFRJ. A USP também ocupa primeiro lugar na Web Of Science, outra das maiores plataformas de publicação, entre os anos de 2011 a 2016 com 54. 108 produções. Ainda nesse sentido, de acordo com o relatório fornecido pela Clarivate Analytics foi demonstrado que no período de 2013 a 2018, quinze universidades públicas brasileiras produzem mais da metade da ciência no país. A universidade de São Paulo ocupa mais uma vez o primeiro lugar nesse pódio, seguida da UNESP e UNICAMP. Entenda mais sobre em: ESCOBAR, Herton. Fábricas de conhecimento: o que são, como funcionam e para que servem as universidades públicas de pesquisa. O que são, como funcionam e para que servem as universidades públicas de pesquisa. 2021. Jornal da USP. Disponível em: https:/ / jornal. usp. br/ ciencias/ fabricas- de- conhecimento/ . Acesso em: 26 set. 2021.

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