1_9786559085927

Page 1

Diego Gomes Castilho

A Col AborAção PremiAdA no brAsil Como negóCio JurídiCo ProCessuAl

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Diagramação e Capa: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

eduArdo Ferrer mAC-gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

JuArez tAvAres

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil luis lóPez guerrA

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

owen m. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA tomás s. vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

C348 Castilho, Diego Gomes

A colaboração premiada no Brasil [livro eletrônico] / Diego Gomes Castilho; prólogo Dr. Nicolás Rodríguez-García. - 1.ed.

– São Paulo : Tirant lo Blanch, 2023.

6.117Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-592-7

1. Colaboração premiada. 2. Direito processual civil. I. Título.

CDU: 347.91/.95

Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778

DOI: 10.53071/boo-2023-08-16-64dce8d3b9608

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais.A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editoratirantbrasil@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

no Brasil / Printed in Brazil
Impresso

Diego Gomes Castilho

A Col AborAção PremiAdA no brAsil Como negóCio JurídiCo ProCessuAl

“Valeu

a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena.”
Fernando Pessoa

Prólogo

A corrupção é um fenômeno criminoso que aflige todas as sociedades do planeta, em maior ou menor grau e independentemente da localização, tamanho ou nível de democratização. Em alguns casos, ela ameaça causar sérios danos ao funcionamento institucional e ao bem-estar da população. Muitos esforços têm sido feitos para mitigar o fenômeno, tanto no nível transnacional quanto nas diferentes jurisdições: cooperação policial e judicial internacional, técnicas especiais de investigação, procedimentos especiais para crimes complexos — graves e transfronteiriços —, meios excepcionais de prova, confisco, entre outros. No entanto, o problema persiste e se agrava na maioria dos países, tornando-se assim um problema sistêmico que está capilarizado na máquina institucional.

Ao mesmo tempo, várias vozes se levantaram contra o Direito repressivo, em particular sobre a adequação de um procedimento de ultima ratio para resolver ou mitigar conflitos graves e estruturais. Estas vozes, que já têm décadas, apontam para a necessidade de ampliar o tipo de resposta, envolvendo outras áreas do Estado e outros campos do sistema jurídico. No nível estritamente penal, as críticas apontam para a prisão efetiva como a única e quase exclusiva punição para uma grande variedade de fenômenos. Elas também apontam para a oportunidade de aliviar a carga do processo, aplicando soluções alternativas antes que todas as etapas necessárias da sentença tenham sido concluídas. Falam, de uma forma ou de outra, de processos penais “civilizatórios”, recuperando uma noção central: os conflitos dizem respeito às partes e os julgamentos não são a única — nem a primeira — forma de resolvê-los. A negociação, portanto, tem ganhado espaço no processo penal.

Levou mais algum tempo, mas, como era de se esperar, o casamento entre as duas tendências finalmente aconteceu. Assim, o diagnóstico da complexidade probatória da corrupção encontrou uma ponte de ouro na matriz da negociação, que, no assunto em questão,

6

tomou forma no instituto da colaboração premiada — ou delação— premiada — ou eficaz, ou incentivada—.

A aplicação desta instituição deu seus primeiros passos ostensivos na América Latina através de macroprocessos de corrupção estrutural, que envolveram posições políticas de alto nível — em alguns países, os mais altos — ou a formação da matriz empresarial local. Em alguns casos, as investigações criminais foram acompanhadas por outras ferramentas excepcionais, como o impeachment ou o juízo político, concebidas para lidar com crises institucionais extremas. Estes primeiros passos convulsionaram o campo jurídico. Algumas decisões foram mantidas pelos tribunais superiores, outras foram sancionadas e anuladas, gerando incerteza e perda de confiança nas instituições. Não é surpreendente, portanto, que a situação tenha sido acompanhada por um amplo e tenso debate social, que às vezes se manifestou de forma violenta.

Neste contexto, a obra de Diego Gomes Castilho oferece um amplo e importante panorama da colaboração premiada no Brasil, país que conduziu uma série dos processos supramencionados. Em nossa opinião, este é um trabalho duplamente valioso: pela relevância jurídica do assunto, que ainda não conseguiu resolver seus aspectos mais problemáticos; e pela relevância atual da aplicação dessas ferramentas, tanto em termos de sua eficácia na contenção do fenômeno quanto da possibilidade de seu uso expansivo e, em algumas ocasiões, desviante.

Nenhum esforço é poupado neste empreendimento. O trabalho contextualiza o fenômeno dentro das coordenadas mais amplas do processo de globalização e da expansão do crime organizado. Esta abordagem abrangente leva à incorporação de diferentes fontes de direito comparado: o direito romano, canônico e italiano e, particularmente, a perspectiva consensual estadunidense, os mecanismos de imunidade, de plea bargaining e o impacto da Foreign Corrupt Practices Act nos países vizinhos.

O capítulo seguinte oferece uma ampla revisão da evolução da colaboração premiada na legislação brasileira. Esta revisão nos permite observar uma derrota comum nos institutos promovidos pelo

7

soft power internacional: a maneira como as formas de colaboração são inseridas no direito interno, gradualmente e de forma limitada, em relação a fenomenologias particulares, como o tráfico de drogas, o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Este transplante muitas vezes carece da harmonização necessária com os princípios da estrutura jurídica local. Este capítulo, além deste interessante desenvolvimento, serve para definir as áreas centrais do instituto, tendo em vista o conteúdo subsequente.

O terceiro capítulo contém um desenvolvimento que é incomum no tratamento do instituto, que é o de aprofundar sua natureza civil e as formas processuais civis que envolvem sua implementação. Esta perspectiva é central para a compreensão da instituição: além da conversa sobre «delação» ou das vantagens derivadas da contribuição para a investigação e condenação de graves atos de corrupção, é, em essência, uma transação legal entre as partes. O direito civil e o direito civil e processual são, portanto, os elementos chaves para interpretar aquelas questões que não são especificamente abrangidas pelo direito penal: daí o enquadramento correto.

Este contexto é colocado em xeque no capítulo seguinte, onde é feita uma tentativa de definir o instituto com uma visão dialógica, com o objetivo de evitar o reducionismo penal. O instituto é assim abordado de uma perspectiva mais ampla do que o habitual, o que leva o autor a delimitar contornos que geralmente estão ausentes em obras sobre o assunto. Destes aspectos, dos quais são muitos, destaca-se o tratamento dos agentes estatais envolvidos nos acordos: o Ministério Público, a polícia e o judiciário, cuja vontade não pode ser assimilada à de um particular, motivado por seus próprios interesses. Seu tratamento detalhado é fundamental, já que a negociação é o momento no qual ocorrem as maiores oportunidades de influência ou captura, ou seja, um uso desviante do instituto, que leva ao exercício do poder penal seletivo e, ao final, à anulabilidade do processo.

O trabalho culmina com uma análise profunda das formas de corroborar a contribuição e o valor probatório da colaboração premiada, mas não antes da revisão dos métodos gerais de ponderação e avaliação de provas. Uma das ideias exploradas neste capítulo — a

8

corroboração cruzada — é essencial para a compreensão do escopo e dos limites da ferramenta. Também é essencial entender que, em casos complexos, a contribuição pode cumprir seus efeitos imediatos — por exemplo, para consolidar provas sobre um aspecto do crime, ou sobre um dos acusados — e ao mesmo tempo ser inconsequente — ou, em alguns casos, até contraproducente — se o caminho tomado não levar ao ponto central da corrupção estrutural ou àqueles que são realmente e majoritariamente responsáveis por ela.

Em suma, o trabalho que tenho a honra de prefaciar contém uma análise exaustiva de um instituto legalmente relevante, de maior atualidade e amplo debate, tanto no campo jurídico como na opinião pública, pois está relacionado a casos estrelas e pessoas investigadas/ condenadas estrelas cujo apoio ou condenação popular é pendular. Um estudo que, além disso, é realizado a partir de uma visão holística do Direito, o que é absolutamente necessário, dados os desvios que às vezes são detectados no campo penal quando se faz uso de institutos de um espectro mais amplo.

De tudo isso, é fácil deduzir que esta é uma monografia essencial para quem quer aprender sobre a evolução e regulamentação da colaboração premiada no Brasil a partir da mão de um jurista solvente, com uma carreira consolidada e excelente formação acadêmica de pós-graduação, em cuja consecução tive a honra de me encontrar com o autor, o Promotor de Justiça e Doutor em Direito Diego Gomes Castilho.

Cairo (Egito), 5 de abril de 2023.

9
Dr. Nicolás Rodríguez-García Catedrático de Direito Processual Universidade de Salamanca
sumário Prólogo ......................................................................................... 6 Dr. Nicolás Rodríguez-García introdução .................................................................................. 16 Capítulo 1 PreCedentes e exPeriênCiAs do direito ComPArAdo – ComPreendendo As rAzões e os obJetivos dA ColAborAção PremiAdA ........................ 29 1. Considerações preliminares .................................................................... 29 1.1. A globalização e seus reflexos na sociedade moderna ......................... 32 1.2. A evolução da criminalidade e o crime organizado transnacional ....... 40 1.3. A sociedade de risco e a insegurança cidadã ....................................... 44 1.3.1. O medo do delito como fonte de insegurança e lucro .................. 49 1.4. A incapacidade do sistema penal em confrontar as novas formas de criminalidade – indispensável aperfeiçoamento do sistema de Justiça ....... 59 1.5. A lógica dialogal no processo penal e a colaboração premiada ........... 67 2. Precedentes históricos da colaboração premiada ..................................... 77 2.1. Direito romano ................................................................................. 78 2.2. Direito canônico ............................................................................... 81 3. Experiências do direito comparado e sua influência na formação do modelo brasileiro de colaboração premiada ................................................ 84 3.1. Do direito italiano ............................................................................ 84 3.1.1. Legislação penal de emergência .................................................... 85 3.1.2. A máfia e os colaboradores com a Justiça ..................................... 88 3.2. Justiça penal consensual nos Estados Unidos da América .................. 93 3.2.1. Immunities .................................................................................. 96 3.2.2. Plea bargaining .......................................................................... 102 3.2.3. Breves linhas sobre a Foreign Corrupt Practices Act, o nonprosecution agreements e o deferred prosecution agreements ............... 107 4. A implementação da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro como parte de uma exigência internacional ............................... 112 5. Breves conclusões sobre os precedentes e experiências de direito comparado ............................................................................................... 115
Capítulo 2 A evolução dA ColAborAção PremiAdA no ordenAmento JurídiCo brAsileiro ................................................................................... 117 1. Antecedentes legislativos ...................................................................... 117 1.1. Extorsão mediante sequestro – lei de crimes hediondos ................... 119 1.2. Lei de combate às organizações criminosas ...................................... 122 1.3. Leis dos crimes contra a ordem tributária e econômica e as relações de consumo ................................................................................................ 124 1.4. Lei de crimes contra o sistema financeiro nacional .......................... 126 1.5. Lei de lavagem de dinheiro ............................................................. 126 1.6. Lei de proteção a vítimas, testemunhas e colaboradores ameaçados ....129 1.7. Lei antidrogas (Lei nº 10. 409/ 2002) ............................................. 132 1.8. Lei antidrogas (Lei nº 11. 343/ 2006) ............................................. 133 1.9. Lei de defesa da concorrência .......................................................... 134 2. Considerações gerais sobre a Lei nº 12. 850/ 2013 139 2.1. Lei nº 12. 850/ 2013 e eventual conflito temporal com as legislações antecessoras............................................................................................ 141 2.1.1. Normas de direito material ....................................................... 143 2.1.2. Normas de direito processual .................................................... 146 3. Colaboração premiada ou delação premiada? Qual a correta nomenclatura do instituto? ............................................................................................. 150 4. Conceitos e contornos essenciais da colaboração premiada ................... 152 5. A nova figura jurídica do colaborador premiado 154 Capítulo 3 A ColAborAção PremiAdA e o direito ProCessuAl Civil – Abrindo novAs PersPeCtivAs ...................................................................... 159 1. Introdução – premissas básicas ............................................................. 159 2. Construindo a lógica dialogal entre os sistemas processual penal e processual civil ......................................................................................... 164 2.1. Um breve esboço sobre a Teoria Geral do Processo – o estabelecimento de princípios comuns 164 2.2. Do necessário “diálogo” entre as diferentes fontes processuais.......... 168 2.3. Da possibilidade/ necessidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao Código de Processo Penal ........................................... 172 3. Ponto de partida – uma necessária digressão à Teoria dos Fatos Jurídicos .... 177 3.1. Teoria dos Fatos Jurídicos como parte integrante da Teoria Geral do Direito ................................................................................................... 178
3.2. Do fato jurídico .............................................................................. 180 3.2.1. Tipologia dos fatos jurídicos ...................................................... 182 3.2.2. Ato-fato jurídico ........................................................................ 186 3.2.3. Do ato jurídico em sentido estrito ou stricto sensu .................. 188 3.2.4. Do negócio jurídico e suas diferentes concepções ....................... 191 a) Teoria Voluntarista ou Subjetiva .................................................... 192 b) Teoria Preceptiva, Normativista ou Objetivista .............................. 195 c) Teoria Estrutural 198 3.2.5. Os três planos do negócio jurídico – existência, validade e eficácia ... 201 4. Da tipologia dos fatos jurídicos processuais .......................................... 204 5. Negócios jurídicos processuais 208 5.1. Concepções históricas em torno do negócio jurídico processual ...... 208 a) Nuances do direito estrangeiro ...................................................... 208 b) Pegadas no ordenamento jurídico brasileiro................................... 210 5.2. A necessidade de uma definição atual de negócio jurídico processual como ponto de partida........................................................................... 213 5.3. Compreendendo o autorregramento da vontade ............................. 214 5.4. Cláusula geral dos negócios jurídicos processuais ............................ 218 5.4.1. Direitos que admitam autocomposição 219 a) Identificação das garantias processuais fundamentais passíveis de serem afetadas – investigando o suporte fático ................................... 223 b) Balanceamento e proteção do núcleo essencial dos direitos processuais fundamentais..................................................................................... 224 5.4.2. Partes plenamente capazes 228 5.4.3. Inexistência de manifesta situação de vulnerabilidade ................ 229 5.5. O negócio jurídico processual e os planos de existência, validade e eficácia ................................................................................................... 232 5.5.1. Plano de existência..................................................................... 235 5.5.1.1. Elementos essenciais do negócio jurídico .............................. 236 5.5.2. Plano de validade ....................................................................... 239 5.5.2.1. Requisitos de validade .......................................................... 241 5.5.3. Plano de eficácia – fatores de eficácia ......................................... 246 6. A colaboração premiada como negócio jurídico processual – análise crítica ....................................................................................................... 248 7. Desdobramentos da colaboração premiada enquanto negócio jurídico processual................................................................................................. 257

Capítulo 4

ColAborAção PremiAdA e os PlAnos de existênCiA, vAlidAde e eFiCáCiA ...................................................................................... 261 1. Organizando o raciocínio – uma breve recapitulação ............................ 261 2. A colaboração premiada nos degraus da escada ponteana 262 3. Elementos de existência da colaboração premiada................................. 264 3.1. Dos contratantes – dirimindo a polêmica em torno da personalidade judiciária ................................................................................................ 265 3.2. Declaração de vontade .................................................................... 268 3.3. Forma 270 3.4. Objeto ............................................................................................ 271 4. Requisitos de validade .......................................................................... 272 4.1. Agente (in)capaz ............................................................................. 274 4.1.1. Polo ativo .................................................................................. 275 4.1.2. O Ministério Público e as várias facetas de exercício do jus puniendi estatal .................................................................................................. 275 4.1.3. Delegado de polícia ................................................................... 281 4.1.4. Polo passivo ............................................................................... 287 4.1.4.1. Da necessidade de efetiva participação do colaborador no ato criminoso e o correlato dever de confissão ......................................... 287 4.1.4.2. Desvendando a problemática da capacidade ......................... 292 a) Da (im)possibilidade de celebração de acordos de colaboração premiada com inimputáveis penais ................................................... 293 b) Inimputabilidade etária – a (im)possibilidade de crianças e adolescentes celebrarem acordo de colaboração premiada .................. 294 c) Inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto ou retardado 302 4.2. Objeto lícito, possível, determinado ou determinável ...................... 309 4.3. Forma prescrita ou não defesa em lei ............................................... 312 4.4. Autorregramento da vontade – a declaração da vontade do colaborador resultante de um processo volitivo livre, com plena consciência da realidade 320 4.4.1. Discricionariedade regrada e o autorregramento da vontade ...... 320 4.4.2. Processo volitivo livre e outras garantias para que um inocente não se declare culpado ................................................................................ 326 4.4.2.1. Inexistência de caráter coativo do acordo de colaboração premiada ........................................................................................... 328
4.4.2.2. O colaborador preso e a voluntariedade na celebração do acordo de colaboração premiada ........................................................ 335 4.4.3. Dever de informação e plena consciência da realidade................ 351 5. Fatores de eficácia ................................................................................. 356 5.1. O Poder Judiciário e a colaboração premiada – vedação à participação do magistrado nas tratativas prévias ao acordo........................................ 359 5.2. Homologação do acordo de colaboração premiada – limites e desafios aos magistrados – adequação axiológica dos prêmios .............................. 364 5.2.1. A competência para homologação e os meios impugnativos ....... 378 5.3. Da fase de sentenciamento – direito subjetivo ao prêmio – colaboração eficaz ou efetiva? .................................................................................... 383 Capítulo 5 meios CorroborAtivos e vAlor ProbAtório dA ColAborAção PremiAdA ..................................................................................... 394 1. Colaboração premiada e terminologia da prova .................................... 394 2. O alto potencial probatório das declarações do colaborador e a necessidade de sua limitação ....................................................................................... 400 3. Regras de corroboração e a necessidade de construção de um modelo de Factual Basis no Brasil .............................................................................. 407 3.1. Análise intrínseca da colaboração – confiabilidade interna............... 411 3.2. Análise extrínseca da colaboração premiada – corroboração externa 420 3.2.1. Métodos de valoração da prova .................................................. 420 a) Prova legal ou tarifada ................................................................... 420 b) Íntima convicção ou julgamento secundum conscientian .............. 422 c) O livre convencimento motivado ou persuasão racional 423 3.3. Elementos externos de corroboração da colaboração premiada ........ 426 3.4. Aspectos controvertidos das regras de corroboração ......................... 433 a) A (im)possibilidade de elementos colhidos unilateralmente pelo colaborador servirem como prova de corroboração ............................ 434 b) Corroboração cruzada (riscontro incrociato), recíproca ou mutual corroboration ................................................................................... 437 c) Instauração de inquérito policial, deferimento de medidas cautelares reais/ pessoais e recebimento da denúncia com base apenas nas palavras do colaborador – análise crítica ......................................................... 445 c. 1) Da possibilidade de instauração de inquérito policial ............ 447 c. 2) Medidas cautelares ................................................................ 448 c. 3) Recebimento da denúncia 462
4. Retratação e rescisão da colaboração premiada – consequências legais ......470 4.1. A possibilidade de retratação da proposta de colaboração premiada e seus efeitos legais .................................................................................... 471 4.2. Em busca da compatibilização entre a rescisão e o adimplemento substancial da colaboração premiada ...................................................... 478 4.3. A (im)possibilidade de impugnação da colaboração premiada pelos corréus delatados ................................................................................... 487 5. A vítima e o acordo de colaboração premiada – uma ilustre desconhecida 506 5.1. A evolução dos direitos das vítimas de crimes no Brasil .................. 506 5.2. Da necessidade de compatibilização do acordo de colaboração premiada aos direitos das vítimas ........................................................... 513 reFerênCiAs bibliográFiCAs ......................................................... 519

i ntrodução

No último século, a sociedade evoluiu a passos de gigante. O mundo globalizado trouxe uma nova lógica evolutiva, reformulando totalmente a concepção de tempo e espaço, impactando diretamente os meios de produção e as interações entre as diferentes nações. Foram incontáveis os avanços e, principalmente, a velocidade com que o mundo moderno se aperfeiçoou nas últimas décadas. Chegou-se a um ponto em que se vive o mundo da presença na ausência, eis que qualquer um pode fazer parte de determinada coletividade, muito embora esteja dela a quilômetros de distância.

Vive-se em uma nova era global, cuja palavra de ordem parece ser conexão. Sim, hoje quase todos os espaços são alcançados virtualmente, as fronteiras físicas vão perdendo sentido, desaparecendo lentamente, demonstrando a interdependência e a necessidade de conexão entre as diferentes nações em busca do bem comum. A economia mundial está interconectada, de forma que a bancarrota de uma instituição financeira nos Estados Unidos ou na China pode tranquilamente colapsar a economia mundial.

Mas não é só, a covid-19 mostrou que a saúde e o bem-estar das nações também estão conectados, eis que um vírus surgido na China foi capaz de causar uma pandemia, afetando, em maior ou menor intensidade, todas as nações do globo terrestre. Acompanhou-se, também, a necessidade de conexão entre pessoas e nações para o aperfeiçoamento da produção industrial em larga escala, pois uma camiseta é fabricada em Taiwan com algodão brasileiro, para ser vendida na Austrália, ou uma vacina é produzida no ocidente com insumos do oriente, para ser consumida em uma terceira região.

O desenvolvimento da tecnologia conectou diretamente os indivíduos, elevando as possibilidades de interação social para muito além do que um dia ousou-se imaginar. A interconexão entre diferentes sujeitos, regiões e países abriu a possibilidade de múltiplas

16

interações pessoais, comerciais, econômicas, enfim, tudo de lícito ou ilícito que a imaginação permita alcançar.

Eis um ponto fundamental, os efeitos da globalização também se estenderam ao universo do ilícito, contribuindo decisivamente para a proliferação de um novo tipo de criminalidade, mais moderna, organizada, altamente estruturada e lucrativa, e absolutamente conectada às diversas potencialidades deste novo mundo.

Essa nova criminalidade se expandiu rapidamente em diferentes direções, passando a fazer parte do cenário popular expressões como criminalidade organizada transnacional, terrorismo, crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro, cybercrime, entre outras.

Se, de um lado, os delinquentes ganharam rapidamente o status de globais, aterrorizando a população mundial; de outro, os sistemas de justiça permaneceram praticamente estáticos, presos a um conservadorismo desconexo e a ideias desenhadas para reprimir a criminalidade individual e de pequena lesividade.

A luta até agora vem sendo travada de maneira desigual, mas cada vez mais o sistema de justiça global dá sinais de haver acordado, ante os constantes estímulos internacionais à conexão e cooperação entre os diferentes países, fortalecendo a ideia de que somente com a conjugação de esforços a criminalidade global poderá ser combatida de forma mais eficaz.

Posto isso, diversas iniciativas internacionais passaram a ser entabuladas para a modernização dos diferentes sistemas penais. Ganhou predominância nas últimas décadas a ideia de expansão dos espaços de consenso no processo penal, com a finalidade de aumentar os níveis de eficiência, através da diminuição de custos e simplificação dos procedimentos para a formação da culpa.

A ideia de expansão dos espaços de consenso no processo penal vem dia a dia angariando simpatizantes, e há diversos países que, de forma mais ou menos intensa, adotaram em seu ordenamento jurídico mecanismos capazes de otimizar os procedimentos de formação de culpa, sem que isso tenha repercutido negativamente

17

sobre a qualidade da prestação jurisdicional ou a tutela dos direitos e garantias fundamentais.

O ordenamento jurídico brasileiro, em sintonia com os mais diversos tratados internacionais e com as diretrizes globais que estimulam a adoção de mecanismos consensuais, através da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, deu os primeiros passos nesse sentido e trouxe a possibilidade de adoção de ferramentas consensuais para infrações de pequeno e médio potencial ofensivo, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, abreviando a marcha processual. Em sintonia com essa nova vertente, também foram promulgadas as primeiras legislações que disciplinam materialmente a colaboração premiada, incentivando os criminosos a colaborarem com a justiça em troca de benefícios premiais.

Ao longo desses anos, a colaboração premiada seguiu prevista apenas materialmente em diversas legislações especiais, sem que houvesse verdadeiramente a abertura de uma via de diálogo e consenso entre as partes, o que impactava diretamente seus níveis de eficácia e o consequente interesse em sua utilização pelas autoridades legitimadas.

Dentro dessa lógica de conexão e simetria entre os diferentes ordenamentos jurídicos e a necessidade de se fazer frente à criminalidade de poder, ouvindo diversos reclamos da academia e de organismos internacionais, finalmente foi promulgada a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Além de definir e punir a formação e atuação das organizações criminosas, essa lei também modernizou a investigação criminal, com a adoção e o aperfeiçoamento de diversos meios de obtenção de provas, dentre os quais se destaca a figura do agente infiltrado, a ação controlada, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos e a criação de um procedimento próprio para a realização dos acordos de colaboração premiada.

Com a criação e garantia de um procedimento próprio para os acordos de colaboração premiada, através da operação “Lava Jato”, iniciada em março de 2014, as delações rapidamente foram lançadas ao estrelato. Diariamente a grande mídia passou a divulgar informações sobre a mais nova colaboração com a justiça, quase

18

sempre envolvendo um colaborador do ramo empresarial, político ou da alta cúpula da sociedade, que sem nenhuma desfaçatez, aos olhos de uma multidão incrédula, entregava seus comparsas de crime, junto com calhamaços de provas comprovando os mais nefastos atos de corrupção, os quais originavam prejuízos milionários aos cofres públicos.

De forma nunca antes imaginada, as entranhas da corrupção passaram a estar friamente expostas em todos os jornais, as cifras cresciam diariamente, eram bilhões e bilhões de dólares desviados por grandes empreiteiras, ministros de Estado, deputados, senadores da República, governadores, em um esquema que batia às portas da alta cúpula do Poder Executivo, mais precisamente, da Presidência da República.

A população, de forma absolutamente perplexa, passou a acompanhar atentamente cada desdobramento da maior operação de combate à corrupção da história do país e a presenciar diariamente notícias sobre a apreensão de milhões de dólares em paraísos fiscais, a recuperação de altas quantias de dinheiro público desviados e, principalmente, a praticamente inédita prisão de políticos e empresários no Brasil.

Soma-se ao exposto que a operação “Lava Jato”, por envolver muitas vezes autoridades com foro especial por prerrogativa de função, teve grande parte de seus desdobramentos autorizados e chancelados pelo Supremo Tribunal Federal, cujas sessões eram transmitidas televisivamente em tempo real. Esse fato contribuiu decisivamente para que os ministros da Corte Suprema ganhassem destaque e proeminência no seio da sociedade, criando-se no imaginário popular a figura de ídolos e detratores, ante a influência e força de suas decisões.

Definitivamente era algo novo no sistema de justiça brasileiro, que inesperadamente começava a funcionar com níveis de intensidade e eficiência até então inéditos no combate às organizações criminosas e à corrupção. A justiça penal sinalizava um novo ambiente, de mudanças concretas, em que grandes empresas reconheciam a prática de atos de corrupção, confirmado a necessidade do paga-

19

mento de comissões de até dez por cento dos valores contratuais como condição para o vencimento de licitações de obras públicas no Brasil e no exterior, ao mesmo tempo que corruptos estavam sendo presos e processados em um ritmo alucinante, fazendo pairar no ar a sensação de que a impunidade no combate aos crimes de colarinho branco, muito provavelmente, estivesse chegando ao fim no país.

A mecânica que levou ao êxito dos acordos na operação “Lava Jato” foi relativamente simples. Logo nos primeiros acordos entabulados, a fórmula elegida pelos órgãos de persecução penal se mostrou clara: de um lado, eram oferecidos prêmios atraentes aos pretensos colaboradores, enquanto de outro, os delatados sofriam a imposição de severas medidas cautelares, dentre elas, bloqueio de bens, restrições do direito de ir e vir, até a medida extrema de prisão.

Os acordos de colaboração premiada e sua repercussão positiva na grande mídia incutiram na sociedade, aqui compreendida desde o mais simples cidadão ao criminoso habitual, a ideia de que o sistema penal passava por um claro recrudescimento, por um momento de maior rigidez e severidade. Tal fato levou os pretensos colaboradores a enxergarem neste meio de obtenção de provas mais uma importante ferramenta de defesa, capaz de lhes oportunizar benefícios de ordem penal e processual bastante atrativos, exatamente no momento em que estavam mais fragilizados e expostos publicamente.

Sem entrar no âmago dos erros e acertos da “Lava Jato”, o que implicaria a abertura de uma discussão interminável e absolutamente distante dos fins deste trabalho, parece indiscutível que operação foi determinante para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da colaboração premiada enquanto negócio jurídico processual e meio de obtenção de provas. Aliás, há uma relação de reciprocidade nesse sentido, eis que a “Lava Jato” utilizou-se amplamente da colaboração premiada como efeito surpresa e principal fator desestruturante das organizações criminosas, ao mesmo tempo que contribuiu decisivamente para o aperfeiçoamento e a modulação desta ferramenta, estando o êxito de ambas umbilicalmente ligado.

20

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.