

D ireito P enal t ributário

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Assistente Editorial: Izabela Eid
Diagramação e Capa: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:
eDuarDo Ferrer Mac-GreGor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México
Juarez tavares
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil luis lóPez Guerra
Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
owen M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
toMás s. vives antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
T169 Tangerino, Davi
Direito penal tributário [livro eletrônico] / Davi Tangerino; prefácio Nefi Cordeiro. - 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2023.
1Kb; livro digital
ISBN: 978-65-5908-600-9
1.Direito tributário. 2. Exigibilidade. 3. Tipicidade. 4. Punibilidade. 5. Política criminal. 6. Crimes tributários. I. Título.
CDU: 343.359.2
Bibliotecária responsável: Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778
DOI: 10.53071/boo-2023-06-22-6494d1af75b82
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D ireito P enal t ributário

Inciso II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos,
Inciso III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação
3.2.2.4. Inciso IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
3.2.2.5. V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
3.2.2.1. Inciso I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados
3.2.2.2. Inciso II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
3.2.2.3. Inciso III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos
3.3.3.1. § 1o, I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)................................................................................
3.3.3.2. § 1o, II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho; (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) .....................
3.3.3.3. § 1o, III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) ............................................
3.3.3.4. § 1o, IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014).
APRESENTAÇÃO
O desafio de escrever uma obra de direito penal tributário reside, em grande parte, no fato de que o enfrentamento dessa prática depende de reflexão profunda em torno das conexões possíveis entre os institutos de direito tributário e seus efeitos específicos no direito penal. Isso requer necessária fluência na dogmática tributária e capacidade de integrá-la com institutos penais específicos, justamente para definir o alcance da norma penal tributária. A tarefa não é trivial, tampouco simples. Os embates jurídicos em torno do tema reforçam a dificuldade de tal desafio.
Ainda que a sistematização normativa dos crimes contra a ordem tributária não seja atual, os debates em torno dessa área têm se renovado de modo constante em nossos tribunais. Se em meados da década de 2000 as polêmicas estavam em torno das condições materiais necessárias para a ocorrência dos crimes tipificados no artigo 1º da Lei 8.137/1990, a vigência dessa lei por mais de 30 anos, a inserção de outros tipos penais no Código Penal e a disciplina das penalidades tributárias tornaram o cenário ainda mais complexo.
Como exemplo, tome-se a consolidação da postura do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade de decisão administrativa final na esfera tributária para a configuração dos tipos penais que se qualificam como crimes materiais: ora, sendo a constituição definitiva da relação jurídica tributária elemento essencial para a ocorrência do crime, o mesmo peso deve ser aplicado a outros institutos tributários que alteram ou condicionam a incidência da norma tributária, quando se trata de avaliar as implicações penais respectivas.
Nesse sentido, faz-se relevante indagar sobre os efeitos, da perspectiva penal, das normas que suspendem a exigibilidade da relação jurídica tributária e daquelas que a extinguem. Em outras palavras, sendo o tipo penal previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/1990 dependente da existência de relação jurídica tributária imutável na esfera administrativa, seria possível aduzir que a ausência de exigibilidade tributária resulta na suspensão da pretensão punitiva. Da mesa forma, a extinção da relação jurídica tributária pela decadência ou prescrição implicaria a extinção da punibilidade.
Para além desses pontos, que são evidentemente fundamentais para o desenvolvimento adequado do direito penal tributário e para a compreensão dessa prática como um todo, outras questões se colocaram recentemente, as quais conferiram ainda mais importância à produção de reflexões críticas em torno da disciplina.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os efeitos penais do não pagamento do ICMS repassado no preço pelo vendedor e a conexão dessa tese com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS é hipótese clara da necessidade da produção de doutrina de peso, que seja capaz de articular com propriedade as questões penais e tributárias que forçosamente se imbricam. Nesse caso específico, o STF acabou por criminalizar o próprio inadimplemento do tributo, ao qualificar como apropriação indébita a conduta de declarar e não pagar o ICMS, independentemente de fraude. Na ocasião, o tribunal criou, de modo equivocado, a figura do “dolo de apropriação” de modo contumaz. Ao lado disso, cite-se, ainda, a proliferação de penalidades agravadas, com fundamento em suposta fraude, e o uso constante do direito penal como forma de incrementar a arrecadação tributária – o caso do ICMS mesmo é exemplar dessa política.
Todas essas questões jogam luzes sobre a importância do livro que tenho a honra de apresentar.
Os desafios aqui brevemente expostos, que demandam amplo conhecimento de institutos tributários e profundidade na dogmática penal, são abordados com habilidade e didática pelo autor. O enfrentamento das questões penais parte de pressupostos tributários sólidos e coerentes, cujo resultado é obra verdadeiramente interdisciplinar.
A escolha de apresentar, desde logo, no primeiro capítulo, os conceitos tributários cuja compreensão é premissa para a análise dos tipos penais tributários situa o leitor e a leitora no desenho básico da relação jurídica tributária e possibilita maior fluência do livro nas páginas seguintes, dedicadas às especificidades do direito penal e aos temais mais diretamente afetos ao direito penal tributário. As reflexões empreendidas não se furtam da necessária crítica à jurisprudência e apresentam olhar apurado sobre o debate mais atual sobre diversas das questões já mencionadas – passa-se pelos efeitos da suspensão da exigibilidade e extinção da relação jurídica tributária, imposição de multas agravadas pela fraude, ao lado de aspectos aduaneiros e previdenciários com implicações penais tributárias. A obra que se tem em mãos é representativa de estudos profundos e, com peculiar didática, enfrenta questões complexas sobre as quais hoje se debruça a dogmática nacional.
O histórico do autor não poderia gerar produto diverso. Há longa data, Davi Tangerino atua em questões de direito penal empresarial como protagonista consolidado. Ainda em 2007, coordenou livro de fôlego sobre o tema, com reunião exemplar de penalistas e tributaristas que enfrentaram questões que até os dias de hoje ressoam na jurisprudência e doutrina especializadas. Ao lado disso, cite-se diversos artigos acadêmicos e técnicos escritos por ele sobre o tema, marcando sua liderança na área. A isso se soma uma carreira acadêmica de destaque,
com atuação nos cursos de graduação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e nos cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e a prática advocatícia de ponta, que o coloca em contato com as mais sofisticadas questões de direito penal, aí incluído o direito penal tributário.
Este Curso de Direito Penal Tributário é um verdadeiro marco tanto na trajetória do autor, na medida em que concretiza atuação acadêmica e profissional já consolidadas na área, quanto na própria disciplina, que agora passa a contar com obra madura, crítica e relevante para as discussões atuais. Por isso, também, tem tudo para se consolidar como referência obrigatória no direito penal tributário, sempre à cabeceira de qualquer profissional que tenha interesse pela prática sem olvidar da necessária profundidade teórica.
São Paulo, 10 de abril de 2023
Tathiane Piscitelli
Professora de direito tributário e finanças públicas da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
PRÉFÁCIO
A discussão sobre a necessidade de intervenção do direito penal em danos coletivos, especialmente passíveis de fiscalização pelo aparato administrativo sancionador, já perdeu sentido num ocidente que optou pela política de penalizar criminalmente danos ao ambiente, às fraudes licitatórias e às sonegações de tributos. Prevaleceu o direito penal administrativo, especialmente no enfrentamento da sonegação tributária.
A atuação criminal na solução do caso penal-tributário, porém, precisa ser estudada a partir dos princípios clássicos do direito penal e processual penal: o justo criminal não se altera pela maior dificuldade de definição das responsabilidades nesse novo direito penal.
Mais, não basta mero adaptar institutos da legalidade estrita, da responsabilidade subjetiva ou da proporcionalidade da pena: novos são os delimitadores do fato certo punível, mais discutível é a prova da vinculação pessoal ao fato, mais indeterminado é o alcance da pena criminal em matéria penal-tributária. Desde a definição de quem sonega numa empresa, com diretoria e gestores especializados, ao interesse estatal na quitação dos tributos mesmo com o perigoso uso do Direito Penal como instrumento, muito há a ser discutido, valorado e fixado – na doutrina e na jurisprudência.
Assim é que vem Davi Tangerino a lançar luzes de expert. Professor aclamado nos cursos de graduação e pós-graduação de São Paulo e Rio de Janeiro, doutrinador criminal reverenciado, experiente advogado penal-empresarial, estuda e aplica esse direito criminal do sonegador há décadas no país.
Com grande aprofundamento nos mais relevantes temas do crime e processo penal tributário, o autor apresenta seu Curso de Direito penal tributário.
O capítulo 1 trata do ilícito tributário, com suas peculiaridades, condição de procedibilidade e sanções, inclusive específicas e indiretas. Vale destacar o exame da infâmia tributária e reflexos, pela LGPD e pela figura do abuso de autoridade.
A infração penal vem destacada no capítulo 2. Não apenas examina o autor os elementos do crime tributário, como ingressa na casuística da insignificância, da cegueira deliberada e das ações neutras. A responsabilidade penal do parecerista é relevante tema enfrentado, a partir da controvérsia nos tribunais e atualmente em razão da extrapolação trazida pela Lei de Abuso de Autoridade até na responsabilização pela opinião de persecutores – nunca se admitirá o crime de opinião jurídica, a punição pelo pensar, sendo indispensável sempre a imputação
e prova da colaboração consciente para o nexo causal criminoso (onde seja o parecer ou decisão meio desvirtuado para simples uso criminal).
O terceiro capítulo aborda os tipos tributários, do Código Penal à Lei n. 8.137/90, com exame da doutrina à jurisprudência, inclusive enfrentando relevantes impasses interpretativos, como a distinção da tentativa de sonegação tributária com o artigo 2º, I, da Lei n. 8.137/90, e a contumácia na sonegação do ICMS próprio – em verdade, questiona o autor a própria legitimidade desse crime de cobrança de tributo próprio, como cobrança criminal por dívida.
O capítulo 4 trata de outros aspectos da infração penal, como nos casos de conflito de normas ou concursos de crimes, além da extinção da punibilidade em crimes tributários.
Finalmente, o quinto capítulo discorre sobre os efeitos penais da extinção e da suspensão de exigibilidade do crédito tributário. A preocupação com o uso do direito penal como instrumento de cobrança tributária, cede aqui espaço à compreensão e asseguramento do direito do cidadão, criminalmente perseguido, em ver reconhecidos seus direitos pelo parcelamento ou pagamento de tributos. Apresenta o autor interessantes exames de vias alternativas para a extinção do crédito tributário, como a compensação, a transação, a remissão, a dação, a conversão de depósito em renda, a prescrição e a decadência do crédito fazendário... O aproveitamento ao direito de adimplir à dívida tributária, por meios vários mas lícitos, precisa restar mais claramente definido, pois não pode conviver o direito criminal com a dúvida ao comportamento admissível.
Deste modo, da categoria direito penal tributário, aos crimes em espécie, às discussões de sua extinção, todos esses aspectos são desenvolvidos pelo autor no que deve ser realmente reconhecido como um Curso de Direito Penal Tributário. Mais que um arrolar de doutrinas, faz Davi Tangerino o enfrentamento dos temas já com os caminhos inicialmente reconhecidos, ainda que com divergência. Mais que um relatar, tem-se nesta obra um repensar crítico paralelo à prática dos tribunais na seara penal tributária. É obra útil à academia, mas essencial aos que atuam na persecução criminal, por seu foco direto sobre os dramas interpretativos nessa área.
Serve para tanto a grande bagagem acadêmica do autor e seu viés da prática nessa advocacia especializada, ambos fundamentos servindo como norte direcionador dessa interessante e muito útil obra, definidora do estado da arte do direito penal em crimes tributários no país.
Seja este curso reconhecido como marco, como referencial de quem atua nesse crescente campo da persecução criminal ao dano tributário. Seja obstáculo crítico a um direito penal apenas simbólico e garantidor dos princípios clássicos
penais. Seja uma confirmação mais de que o interesse arrecadatório e a preocupação de eficiência exigem confronto e limitação pela devida forma no processo legal, pela culpabilidade subjetiva sem derrogações, por um processo penal tributário justo.
Nefi CordeiroProfessor de graduação e pós-graduação em Processo Penal Advogado, Ministro do Superior Tribunal de Justiça aposentado
O ILÍCITO TRIBUTÁRIO
Todo crime tributário é um ilícito tributário; o inverso, naturalmente, não é verdadeiro. Não se pode, assim, compreender os tipos penais tributários sem antes se desenharem, ainda que superficialmente, os contornos dos ilícitos tributários.
1.1. Relação jurídico-tributária
Para que o Estado seja capaz de cumprir suas tarefas básicas é preciso meios materiais; entre eles, com grande relevância, aqueles fornecidos pelas pessoas (físicas e jurídicas) mediante o pagamento de tributos. Partindo dessa justificativa, Tathiane Piscitelli define o direito tributário como “a prática normativa relativa à criação, cobrança, fiscalização e pagamento de tributos”.1
Há determinadas situações fáticas - “fatos geradores” - que disparam um liame jurídico entre o sujeito e o Estado, a dita obrigação tributária, em que correspondente ao direito de o Estado, ou quem lhe faça às vezes, de cobrar determinado tributo, na condição de sujeito ativo, surge o dever do sujeito passivo de pagá-lo. Nos termos do Código Tributário Nacional (CTN), cuida-se da obrigação principal, que também abarca o dever de pagar eventual penalidade, cf. art. 113, §§ 1o e 3o.2
Há, porém, outros deveres impostos aos particulares pela Administração para a consecução da atividade tributária estatal: prestar declarações, manter registros, apresentar documentos à autoridade na atividade de fiscalização etc. O CTN os nomeia de obrigações acessórias, cf. art. 113, § 2o.3
1 PISCITELLI, Tathiane. Curso de Direito Tributário. RT: 2021, p. 29.
2 Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. (...) § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. Difere, portanto, da noção de obrigação no Direito Civil, articulada em torno da exigibilidade de uma prestação passível de tradução em valores econômicos do devedor pelo credor. A distinção é ainda mais acentuada nas ditas obrigações acessórias, cf. NR 3.
3 Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. (...). § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
A doutrina vem atualizando a nomenclatura do CTN, de 1966, seja com vistas a acuidade técnico-conceitual, seja para aclarar ambiguidades, como no caso do fato gerador.
Com efeito, fato gerador é usado tanto para descrever uma situação fática, como a norma tributária que o tipifica. Emprego, assim, a expressão fato jurídico tributário como designador do plano empírico e hipótese de incidência para o plano normativo.
O Direito penal também vivencia ambiguidade semelhante em torno da palavra crime, como se verá adiante. À norma geral e abstrata instituidora do comportamento proibido chama-se de tipo (ou norma penal incriminadora), homólogo, nessa comparação, à hipótese de incidência tributária.
Também a expressão “obrigação acessória” merece reparos, já que não tem caráter patrimonial, como é típico das obrigações, tampouco é acessória, já que existe independente da principal, a exemplo do dever que tem a pessoa física de declarar imposto de renda, mesmo quando nada deve pagar. Prefiro, então, a denominação de deveres instrumentais.
Fixado o léxico, pode-se, então, seguir com a seguinte proposição: o Direito tributário há de ser capaz, com alto nível de segurança e previsibilidade, de responder às seguintes perguntas: diante da situação X (compra, venda, propriedade, etc.) há obrigação tributária? E em caso positivo, qual?
Paulo de Barros Carvalho propôs um método amplamente reconhecido pelo grande rendimento em proporcionar respostas adequadas a tais perguntas: a regra-matriz de incidência tributária.4
Nesse modelo, diante de um fato hipotético (“se acontecer F”), tem-se primeiro um juízo de subsunção que, se confirmado, implica, em síntese, um determinado e delimitado dever de pagar.
Inicia-se, assim, com um juízo de adequação típica à norma tributária de comportamento (hipótese de incidência) que identifica os eventos portadores de expressão econômica e que foram selecionados pelo legislador como fatos jurídicos tributários (critério material), as quais invariavelmente contém demarcações temporal e espacial, que condicionam o surgimento da consequência diante da subsunção à hipótese de incidência, qual seja, o dever de pagar, especificado em critérios pessoal (quem paga e para quem) e quantificativo (quanto paga).
Testando a regra-matriz de incidência no IPTU, tem-se: antecedente ou hipótese: ser proprietário de bem imóvel (critério material), no perímetro urbano
de determinado Município (critério espacial), durante o ano civil anterior (critério temporal); confirmado o antecedente, surge, como consequência: o dever de pagar do proprietário ao Município (critério pessoal), no valor determinado pelo critério quantitativo: uma alíquota aplicada sobre a base de cálculo.5
1.2. Lançamento
Para que a relação jurídico-tributária exista é preciso traduzi-la em linguagem jurídica competente, por meio da qual se introduz uma norma individual e concreta com papel duplo: a) declarar a ocorrência do fato jurídico-tributário; e b) constituir, via de consequência, a relação jurídico-tributária.6
Tanto a Administração como o sujeito passivo têm competência para introduzir normas individuais e concretas que declarem a ocorrência do fato e, com isso, constituírem a relação jurídico-tributária. Quando a Administração exercer tal competência, só pode fazê-lo pela via do lançamento.
Lançamento é um ato administrativo orientado a, primeiro, verificar a ocorrência do fato jurídico-tributário, gerando, como consequência, a identificação dos sujeitos, a matéria tributável e o valor a pagar (combinação matemática da alíquota a incidir sobre a base de cálculo), conforme dicção do art. 142 do CTN.7
Em que pese o CTN defini-lo como procedimento, a doutrina sustenta cuidar-se de um ato administrativo, que pode ou não ser precedido de um processo administrativo de fiscalização, direcionado a produzir elementos de convicção em auxílio à declaração de ocorrência do fato jurídico-tributário.8
O artigo 147 do CTN 9 prevê o lançamento por declaração, em que o sujeito passivo tem o dever de informar o fato jurídico-tributário à Administração, em posse de que ela pode declará-lo e, via de consequência, constituir a relação jurídico-tributária.
5 CARVALHO, P. Direito Tributário, pp. 80 e 81.
6 PISCITELLI, T. Curso de Direito Tributário. RT: 2021, p. 424.
7 Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
8 PISCITELLI, T. Curso de Direito Tributário. RT: 2021, p. 427; SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: SaraivaJur, 2022, pp. 692-693; COSTA, Regina H. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: SaraivaJur, 2022, pp. 255-256; PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. São Paulo: SaraivaJur, 2022, pp. 287-288; COÊLHO, Sacha. O lançamento e o crédito tributário: modalidades, prescrição e decadência. Revista da Faculdade de Direito de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 41, 2002, p. 271-297. Disponível em: <https:// revista. direito. ufmg. br/ index. php/ revista/ article/ view/ 1238>. Acesso em: 19/ 11/ 2022.
9 Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.
Já no lançamento de ofício (art. 149, CTN),10 não há participação do sujeito passivo. Tathiane Piscitelli agrupa as possibilidades de lançamento de ofício em três causas centrais: (i) determinação expressa pela lei (inciso I); (ii) hipóteses de correção do ato realizado pelo sujeito passivo, a exemplo de omissão na formulação do fato jurídico-tributário, ou de ter praticado atos fraudulentos ou simulados (incisos II a VII); e (iii) necessidade de revisão de ofício de lançamento anteriormente realizado (incisos VIII e IX).11
A última modalidade de constituição da relação jurídico-tributária é aquela prevista no art. 150 do CTN 12 sob o impróprio nome de lançamento por homologação. Nela, o sujeito passivo declara o fato jurídico-tributário, paga e entrega a declaração. À Administração toca homologar, ou não. Homologar, segundo Tathiane Piscitelli, é um ato administrativo vinculado de natureza diversa do lançamento.13 A apoiar essa interpretação, a súmula 436 do STJ.14
Discordando a Administração da declaração, deve valer-se do lançamento de ofício; discordando apenas do quanto pago (se pago), não há falar em lançamento, já que a Administração concordou com a constituição da relação jurídico-tributária, porém apenas em medidas destinadas à cobrança da dívida.15
1.3. Sujeito passivo e solidariedade
O CTN define como sujeito passivo da obrigação tributária principal como aquela pessoa obrigada a pagar o tributo ou a penalidade pecuniária, sepa-
10 Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
11 PISCITELLI, T. Curso de Direito Tributário. RT: 2021, pp. 434 e ss; COSTA, Regina H. . op. cit. p. 267.
12 Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
13 PISCITELLI, T. Curso de Direito Tributário. RT: 2021, p. 438.
14 A entrega da declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.
15 SAMPAR, Marcos; VALADÃO, Marcos. Algumas considerações sobre a natureza administrativa do lançamento por homologação (art. 150, do CTN). RDIET, Brasília, v. 12, n. 2, p. 1-31, Jul-Dez, 2017. DE SANTI, Eurico. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. São Paulo: Editora Max Limonad, 2020, p. 113. Disponível em: <https:// www. euricosanti. com. br/ decadencia- e- prescricao- no- direito- tributario>. Acesso em: 20 nov. 2022.