
Lutiana Valadares Fernandes Barbosa

Lutiana Valadares Fernandes Barbosa
Reflexões sobre críticas aos direitos humanos, democracia pragmatista e pedagogia crítica
2ª edição revisada e ampliada
Copyright© Tirant lo Blanch Brasil
Editor Responsável: Aline Gostinski
Assistente Editorial: Izabela Eid
Capa e diagramação: Jéssica Razia
Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de direitos humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México
Juarez Tavares
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis López Guerra
Ex Magistrado do Tribunal Europeu de direitos humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
Owen M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
B199 Barbosa, Lutiana Valadares Fernandes
11 Pilares para educação em direitos humanos : reflexões sobre críticas aos direitos humanos, democracia pragmatista e pedagogia crítica [livro eletrônico] / Lutiana Valadares Fernandes Barbosa. - 2.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2023.
9.222Kb; livro digital
ISBN: 978-65-5908-578-1
1. Direitos humanos. 2. Democracia pragmatista. 3. Pedagogia crítica. I. Título.
CDU: 342.7
Bibliotecária: Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778
DOI: 10.53071/boo-2023-06-09-6483895676ed4
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Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Lutiana Valadares Fernandes Barbosa
Reflexões sobre críticas aos direitos
humanos, democracia pragmatista e pedagogia crítica
2ª edição revisada e ampliada
Ao Fred por ser companheiro nos meus sonhos mais ousados. Aos meus pais Ana e Marcelo por incentivarem incondicionalmente a educação. À Ana Luiza e ao Daniel pela constante inspiração.
Ao professor Lucas Gontijo pela maravilhosa orientação no mestrado que deu origem a este livro. Ao professor James Liebman pelas reflexões sobre aprendizado evolutivo. À prefaciadora Ana Luisa Zago de Moraes pelas conversas sobre direitos humanos.
“A educação é um processo social, é crescimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida.”1
1 DEWEY, John. How We Think. (1933), Boston D. C: Heath & Co “Education is a social process. Education is growth. Education is, not a preparation for life; education is life itself. ”-
DH Direitos Humanos
DUDH Declaração Universal de Direitos Humanos
ED Experimentalismo Democrático
EDH Educação em Direitos Humanos
Prefaciar uma obra de Lutiana Valadares Fernandes Barbosa me traz os sentimentos de felicidade e honra, acrescidos da gratidão pela oportunidade de apresentar, para além da pesquisa, a própria autora.
Lutiana é Mestre em Direito pela Universidade de Columbia, com dissertação sobre eduacação em direitos humanos (EDH) nos Estados Unidos, onde recebeu bolsa de pesquisa em educação.
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais com a dissertação “Alicerces para Educação em Direitos Humanos: reflexões sobre democracia pragmatista e pedagogia crítica”, e Doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais. Sua trajetória profissional em EDH transcende a academia e permeia toda a sua atuação como Defensora Pública e educadora.
Na obra “11 pilares para educação em direitos humanos”, a autora, de forma brilhante, transcorre o tema da EDH a partir do seu histórico, do conceito, e da visão crítica de direitos humanos, inclusive com perspectiva de gênero e decolonial. Posteriormente, reflete sobre as críticas aos direitos humanos, suas diferentes escolas, e propõe a escolha pela escola do protesto.
A educação em direitos humanos é interpretada por Lutiana, seguindo a perspectiva de Paulo Freire, como uma prática libertadora, essencial ao exercício da cidadania, uma vez que garante a participação plena das pessoas, das comunidades e dos povos no processo democrático. Além disso, seguindo os 11 pilares propostos na obra, tem potencial de contribuir para o fortalecimento da democracia, para dar voz aos mais vulneráveis e, portanto, fortalecer as lutas emancipatórias.
Os processos de redemocratização, aliás, passam por políticas públicas que promovam a EDH, uma vez somente são possíveis através de medidas de reparação, responsabilização, mas também de reformas institucionais e políticas de memória e verdade. Para isso, a EDH tem o papel de conscientizar a respeito das violações ocorridas, de forma que “nunca mais” aconteçam, como reflete a própria pesquisadora.
A obra faz refletir o quão a EDH é um meio de promoção, mas também de defesa e proteção de direitos humanos, principalmente no contexto brasileiro em que a violência persiste como instrumento de Estado ainda após a redemocratização. Assim, defensoras e defensores de direitos humanos, para sobreviverem contra ameaças e continuarem realizando suas atividades, têm que exercer o autocuidado e a autoproteção pessoal e comunitária, inclusive para acionar o sistema de segurança público e o sistema de justiça quando necessário.
Portanto, a sobrevivência dos povos indígenas, das comunidades tradicionais de uma forma geral, e de outras populações vulnerabilizadas no campo e na cidade depende da EDH tanto para a autoproteção, mas também para a proteção pública. Sobre esta, os agentes públicos, quando acionados para medidas de proteção efetivas e adequadas ao território e às transversalidades de raça, gênero, classe, sexualidade, devem ter passado por um profundo e constante processo educacional em direitos humanos, que envolva os próprios defensores de direitos humanos e o reconhecimento e empoderamento destes como tais.
Portanto, a leitura convida à busca ativa pela educação, informação e treinamento em direitos humanos como prática cotidiana, comunitária e contínua, bem como a levá-la às pessoas vulnerabilizadas como instrumento de proteção e de transformação social. É um chamamento também ao exercício da EDH pela própria linguagem cotidiana, de forma a evitar a exclusão das mulheres e de pessoas não-binárias.
É um livro que faz o coração pulsar, e que deve ser reconsultado no cotidiano do trabalho, para incorporar a EDH em todas as políticas públicas de direitos humanos e, somente assim, conseguirmos avançar de forma coletiva na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Boa leitura!
Brasília, 13 de maio de 2023.
ANA LUISA ZAgO DE MORAES Defensora Pública Federal Diretora de Defesa de Direitos Humanos do Ministério de Direitos Humanos e da CidadaniaVivemos em um mundo marcado pela exclusão, onde a cada 100 pessoas, mais de 9 buscam sobreviver com menos de US$1.90 por dia, isto significa que milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza.1 No Brasil, este número ultrapassa 27 milhões, ou seja é maior que a população do Chile, e mais de 12, a cada 100 pessoas, vivem abaixo da linha da pobreza.2 O cenário de concentração de renda e aumento da pobreza foi potencializado pela pandemia do COVID-19. Há uma polarização entre ricos e pobres acirrada pela falta de espaços de convivência pública, pela geografia social e pela separação em escolas públicas e privadas. Nesse cenário, cresce o preconceito de toda sorte e a democracia é demasiadamente frágil.
Quando se volta o olhar para os direitos humanos no Brasil, vislumbra-se um quadro marcado por violações crônicas, em que miseráveis apenas sobrevivem e não têm acesso ao mínimo para viver com dignidade: educação, saúde, moradia e cultura.
Apesar de o Brasil ter avançado na educação fundamental, a qualidade é extremamente questionável. Mais, ainda, foi negativamente impactada, especialmente para os mais pobres e tecnologicamente excluídos, durante a pandemia do COVID-19. A educação que prepondera é tecnicista, ensina conteúdos como se enche um tanque, mas falha no compromisso moral de educar para a vida em sociedade, para a participação democrática e para a defesa dos direitos humanos. Assim, forma-se uma legião de repetidores do conhecimento, de especialistas egoístas, mas não se formam seres humanos socialmente responsáveis.
Em vista deste cenário, a educação em direitos humanos (EDH) apresenta-se como uma mensagem de esperança, uma pos-
sibilidade de saída de um círculo vicioso de exclusão e opressão. É um instrumento para fomentar a conscientização e autonomia dos sujeitos de direito para que possam paulatina e progressivamente caminhar rumo a uma sociedade que respeita a dignidade da pessoa humana.
A EDH é, como qualquer atividade educacional, ideológica, e pode, paradoxalmente, ser tanto mantenedora do status quo quanto um caminho para a justiça social. Muito tem sido discutido sobre EDH, seu conceito e conteúdo. No entanto, a literatura pouco se debruça sobre o alicerce necessário para que a EDH tenha real potencial de emancipação social. É justamente esse aspecto fundacional da EDH que o presente trabalho busca apresentar. Inicialmente, qual o conceito de direitos humanos? Qual perspectiva deve ser adotada para que tal processo educacional propicie uma sociedade mais justa e não a mera manutenção do status quo? Feita a escolha por uma perspectiva de direitos humanos, ainda para se estruturar as suas bases, é necessário pensar na ambiência para que tal prática ocorra, bem como nos seus pilares.
A presente obra parte de três vigas. A primeiro é que para que a EDH seja transformadora, deve-se adotar uma perspectiva crítica de direitos humanos, de questionamento do status quo e que busca endereçar as desigualdades. Assim, apresenta diversas visões críticas sobre os direitos humanos, a classificação das diferentes escolas de direitos humanos e faz a escolha pela escola que melhor se adequa à função emancipatória da EDH.
Parte também da segunda viga de que um ambiente democrático é imprescindível para a EDH e que o pragmatismo deweyano é a vertente filosófica mais adequada. Nesse sentido, mergulha-se no pragmatismo de Dewey, que propõe que a democracia é o próprio modo de vida em comunidade e que a educação tem a função moral essencial de formar para a vida em sociedade. Em seguida, apresenta as perspectivas de Experimentalismo Democrático ou Aprendizado Evolutivo de Ansell e Sabel que refletem sobre a importância do clássico deweyano na atualidade.
Uma vez caracterizada essa ambiência democrática, parte-se para a terceira viga: a de que a pedagogia crítica de Paulo Freire é necessária para a EDH. A educação como um processo humano, dialógico que busca a construção do pensamento crítico e da liberdade é de extrema relevância para a EDH. Tem como escopo espraiar a consciência de que as educandas e educandos são titulares de direitos e podem transformar a realidade opressora e construir alternativas quando os direitos lhes são negados. É justamente com base em Freire que se constrói os 11 pilares estruturantes para a EDH, quais sejam: educação requer uma consciência crítica; que a educadora e o educador sejam facilitadores da construção do conhecimento; respeito e alteridade; reflexão sobre o aspecto cultural; rechaço a qualquer forma de discriminação; comprometimento da educadora e do educador; reflexão sobre a ideologia; consciência de que a educação não é neutra; que o conhecimento é continuamente construído; do ser humano enquanto social e da importância da coletividade; e a consciência de que há um futuro a ser construído.
A convicção que a escrita deste livro é que a construção de uma sociedade mais humana passa necessariamente pela educação crítica, moralmente comprometida e que prepara os indivíduos para a alteridade e para a contribuição para vida em comunidade. A democracia, como próprio modus vivendi em comunidade, é tanto o ambiente necessário para a prática educativa quanto encontra nesta uma conditio sine qua non para a formação do indivíduo e da comunidade. A EDH educa e empodera para a reivindicação e construção e promoção dos direitos humanos desses indivíduos no dia a dia, leciona a aprender com as experiências e caminhar rumo a patamares cada vez mais adequados de proteção da dignidade.
EDH é um direito humano, um instrumento para fomentar o conhecimento, a reflexão eprogressivamente aprimorar visões sobre as diversas facetas da dignidade da pessoa humana. Possibilita um desenvolvimento tanto “de baixo para cima” quanto “de cima para baixo” de patamares de respeito por seres humanos. Ajuda a estruturar redes de proteção aos direitos humanos, empodera indivíduos e movimentos sociais e melhora a atuação de servidores governamentais. Além disso, contribui para redesenhar o meio ambiente escolar e resultados educacionais rumo a uma sociedade mais inclusiva e respeitosa. A ausência de conhecimento sobre os direitos humanos e mecanismos para sua implementação é, frequentemente, uma barreira para o seu respeito e proteção. A lacuna de conhecimento tem um impacto ainda mais avassalador nas populações vulneráveis, tais como crianças, mulheres, idosos, minorias étnicas, deficientes e população LGBTI. Assim, EDH pode contribuir para o fortalecimento dos direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais e a construir uma sociedade mais livre, justa e igualitária.
Num mundo em que cresce o número de refugiados e pessoas deslocadas3 em que se são recorrentes expressões de xenofobia e aviltantes manifestações odiosas em relação a indígenas, homossexuais e outras minorias, a EDH é relevante para a paz mundial. Apesar de todas e todos beneficiárias e benefícios da EDH, do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos,4 das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos,5 do Programa Nacional de Educa-
3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Alto Comissariado das Nações Unidas Para Refugiados. Estatísticas disponíveis no sítio eletrônico.
4 Decreto nº 7. 037, de 21 de dezembro de 2009.
Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: 2007. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. http:// portal. mec. gov. br/ docman/ 2191- plano- nacional- pdf/ file
5 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 30 de maio de
ção Continuada em Direitos Humanos6 e dos importantes avanços nas últimas décadas, a EDH no país ainda tem muito a avançar. Muitas previsões e compromissos não saem do papel e não existe um monitoramento sistemático, qualitativo e quantitativo sobre a EDH no Brasil.
Nesse sentido, o Brasil ainda está distante tanto de alcançar o potencial emancipatório que a EDH oferece, quanto de atingir o patamar internacional de EDH, tal como estabelecido pelos objetivos do desenvolvimento sustentável7. Assim, o Brasil necessita de envidar grandes esforços para implementar a EDH em diversos âmbitos da sociedade, especialmente para as camadas hipossuficientes e vulneráveis, tendo em vista que essas são as mais afetadas pela lacuna na EDH.
“(...) cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades (...)”8
O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), transcrito na epígrafe acima, já enunciava o ideal comum de promoção dos direitos humanos por meio da educação e é o marco fundacional da EDH. No mesmo sentido, o artigo 26 da DUDH afirma que a educação tem como objetivo “fortalecimento do res-
2012 http:// portal. mec. gov. br/ dmdocuments/ rcp001_ 12. pdf
“Para aprofundar recomento do caderno de direitos humanos da Secretaria de Direitos Humanos <http:// www. sdh. gov. br/ assuntos/ conferenciasdh/ 12a- conferencia- nacional- de- direitos- humanos/ educacao- em- direitos- humanos/ caderno- de- educacao- em- direitos- humanos- diretrizes- nacionais>.
6 Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos/ Gabinete da Ministra. Portaria nº 4. 063, de 20 de dezembro de 2021.
7 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Objetivo 4
Educação de qualidade. Meta 4. 7 “4. 7 By 2030, ensure that all learners acquire the knowledge and skills needed to promote sustainable development, including, among others, through education for sustainable development and sustainable lifestyles, human rights, gender equality, promotion of a culture of peace and non-violence, global citizenship and appreciation of cultural diversity and of culture’s contribution to sustainable development. ” https:// www. un. org/ sustainabledevelopment/ education/
8 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Preâmbulo.
peito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais” e ainda “promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.” 9 EDH é o direito humano a ter conhecimento sobre direitos humanos. As primeiras definições de EDH eram muito limitadas e excluíam parte significativa da sociedade. Na seara internacional nos anos 50 e 60, a EDH era primordialmente restrita a crianças e jovens inseridos no sistema educacional. Na década seguinte, o cenário da educação formal continuou a ser o principal protagonista da EDH, mas o conceito expandiu-se para abarcar a habilidade de pensamento crítico e preocupação com vítimas. No entanto, não havia esforços significativos para consolidar a responsabilidade de proteção ou ações para se conscientizar sobre direitos e promover mudança social. O florescer do movimento dos direitos humanos na seara internacional nos anos 60 e 70 iluminaram a relevância da EDH para toda a sociedade e seu potencial de promoção de desenvolvimento social. A globalização e o incremento de novas formas de comunicação e informação contribuíram para que a EDH atingisse audiências além de elites com acesso à educação de qualidade e se destinasse a movimentos sociais e camadas mais vulneráveis.10 Em 1993 a Conferência de Direitos Humanos, por meio do plano de ação de Viena11 declarou a EDH como elemento essencial para se fomentar e alcançar uma relação
9 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Artigo 26. 2.
10 FLOWERS, Nancy. The Human Rights Education Handbook Effective Practices for Learning, Action, and Change. The human rights research center & The Stanley Foundation, 2000. P. 7.
11 NAÇÕES UNIDAS. Declaração e Programa de Ação de Viena, Conferência Mundial sobre Direitos Humanos Viena, 14-25 de junho de 1993. Versão traduzida disponível em: https:// www. oas. org/ dil/ port/ 1993% 20Declara% C3% A7% C3% A3o% 20e% 20Programa% 20de% 20Ac% C3% A7% C3% A3o% 20adoptado% 20pela% 20Confer% C3% AAncia% 20Mundial% 20de% 20Viena% 20sobre% 20Direitos% 20Humanos% 20em% 20junho% 20de% 201993. pdf
Par. 33 da Seção I “A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realça a importância de incluir a questão dos Direitos Humanos nos programas de educação e apela aos Estados para o fazerem. A educação deverá promover a compreensão, a tolerância, a paz e as relações amistosas entre as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, e encorajar o desenvolvimento de atividades das Nações Unidas na prossecução destes objetivos. Assim, a educação em matéria de Direitos Humanos e a divulgação de informação adequada, tanto teórica como prática, desempenham um papel importante na promoção e no respeito dos Direitos Humanos em relação a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer tipo, nomeadamente de raça, sexo, língua ou religião, devendo isto ser incluído nas políticas educacionais, quer a nível nacional, quer internacional. ”
de harmonia, compreensão, tolerância e paz entre diversas comunidades. No ano seguinte, a Assembleia Geral da ONU declarou a década das ONU para EDH (1995-2005)12 conclamando Estados a promover a educação em prol de uma cultura universal de direitos humanos.
No contexto latino-americano, as ditaduras militares nas décadas de 70 e 80 fizeram com que a EDH, em diversos países, constituísse um movimento clandestino, oculto e perigoso para educadoras e educadores13. A EDH é, em razão disto uma pauta mais recente que surge com as reivindicações e movimentos sociais que combatem as ditaduras militares e, portanto, no contexto da educação popular, fora do locus da educação formal.14 As ditaduras militares violaram diversos direitos humanos e, com a redemocratização, houve e ainda há uma necessidade social, moral e política de uma EDH. No entanto, houve uma tendência em não se usar expressamente o termo EDH, temendo-se que tal expressão gerasse litigiosidade ou desconfortos políticos.15 Assim, foram usados outros termos como educação para a paz. O uso do termo EDH é de extrema relevância pois a linguagem impacta na realidade e o contexto latino-america-
12 NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. A/ RES/ 49/ 184 6 de Março de 1995 Disponível em https:// digitallibrary. un. org/ record/ 172600? ln=en# :~:text=Proclaims% 20the% 2010% 2Dyear% 20period,Governments% 20to% 20contribute% 20to% 20the
13 MAGENDZO, Abraham. Pedagogy of human rights education: a Latin American perspective. Intercultural Education, UNESCO, Routledge, Chile, v. 16, n. 2, p. 137–143, May 2005, p. 137-138. Sobre o tema interessante, o seguinte trecho do artigo de Magendzo, que ilustra a clandestinidade da educação em direitos humanos durante o regime ditatorial no Chile:
“I begin by sharing some personal experiences that illustrate how we started working in human rights education in Latin America. It was in the mid 1980s and Chile still had a military regime. A friend of mine, Jorge Osorio, an intellectual and human rights activist, invited me to speak on human rights education with a group of people who were working in popular education. The seminar took place outside of the city, by the beach, far away of the eyes of the soldiers and oppressive forces. Fear was an essential part of this experience. It sounds dramatic, but it is also true, that feelings of fear have been a constant since the beginning of our work. Memories of this fear still linger. One of the first tasks we undertook was to manage our apprehension, and to integrate fear into the process of transformative learning. Many of the educators participating in the seminar were people who had been tortured, kept in jail for long periods, humiliated and denigrated in horrible manners. This led me to ask myself why the only ones who were reflecting on human rights education were those who had suffered the most during the repression. I came to the conclusion that when democracy was recovered, human rights education should be the center of education. It should be the main objective. ”
14 MAGENDZO, Abraham. Pedagogy of human rights education: a Latin American perspective. Intercultural Education, UNESCO, Routledge, Chile, v. 16, n. 2, p. 137–143, mai 2005. P. 142-143. Conforme o Conselho de Educação em Direitos Humanos da América Latina (CEAAL) e o Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH)
15 MAGENDZO, Abraham. Pedagogy of human rights education: a Latin American perspective. Intercultural Education, UNESCO, Routledge, Chile, v. 16, n. 2, p. 137–143, mai 2005, p. 137-138
no é marcado por violações de direitos humanos.16 Atualmente o termo EDH é amplamente aceito.17
Ainda no que tange aos regimes ditatoriais na América Latina, ressalta-se que perpetradores de abusos foram educados em escolas, o que demonstra a essencialidade da EDH no ensino escolar como mecanismo de prevenção de violações. No contexto de redemocratização em que vivemos, marcado por diversas contradições, há uma tendência em se apagar, negar o passado. Assim, é imprescindível a EDH para conscientização das violações ocorridas, ou seja, para a memória e para o “nunca mais.” Frequentemente educadoras e educadores tanto das décadas de 70, 80 e 90 quanto na atualidade não estão preparados emocionalmente e culturalmente, nem quanto ao conteúdo para promover uma EDH reflexiva.18 Diversos obstáculos se impõem à pedagogia crítica e à EDH, especialmente em contextos democráticos frágeis como os experimentados em diversos países latino-americanos em que a pobreza é endêmica, a sensação experimentada por toda a sociedade é a de impunidade e em que violações de direitos humanos e condutas autoritárias fazem parte do dia a dia. Sem dúvidas, desenvolver novas formas de enxergar e comportar requerem muito mais tempo e esforço de professores e educadores em direitos humanos. Atitudes e valores relacionados a direitos humanos estão profundamente enraizados em nossa cultura e não são fáceis de serem negados. É particularmente difícil produzir mudanças em um contexto que é caracterizado por democracias fracas e instáveis, onde o autoritarismo e padrões não democráticos de comportamento na arena política e no dia-a-dia são partes integrantes de nossa cultura; em um contexto de pobreza endêmica, com milhões de pessoas vivendo em pobreza extrema; em um contexto de violência, onde a impunidade às violações de direitos humanos é a norma, onde todos conspiram por permanecerem silentes e indiferentes a essas violações; e em um contexto onde a corrupção está generalizada por todo o espectro da vida. 19
16 MAGENDZO, Abraham. Pedagogy of human rights education: a Latin American perspective. Intercultural Education, UNESCO, Routledge, Chile, v. 16, n. 2, p. 137–143, mai 2005, p. 137-138
17 MAGENDZO, Abraham. Pedagogy of human rights education: a Latin American perspective. Intercultural Education, UNESCO, Routledge, Chile, v. 16, n. 2, p. 137–143, mai 2005. p. 137-138.
18 MAGENDZO, Abraham. Pedagogy of human rights education: a Latin American perspective. Intercultural Education, UNESCO, Routledge, Chile, v. 16, n. 2, p. 137–143, mai 2005. p. 141.
19 MAGENDZO, Abraham. Pedagogy of human rights education: a Latin American perspective. Intercultural Education, UNESCO, Routledge, Chile, v. 16, n. 2, p. 137–143, mai 2005. P. 142-143. Tradução nossa do seguinte trecho:
“Undoubtedly, developing new ways of seeing and behaving requires much time and effort from teachers and human rights trainers. Attitudes and values related to human rights are deeply rooted in our culture
Assim como no contexto latino-americano, a EDH no Brasil é recente e calcada na luta pela redemocratização.20 É desafiada por um cenário de desigualdades, onde mais de 10% da população vive em situação de pobreza extrema, e de violações de direitos humanos tão arraigadas que tendem a ser normalizadas por uma parcela significativa da população.
Muitos acadêmicos de diversas escolas apresentaram diferentes conceitos de EDH21. No entanto, desde 1995, a missão de definir tal educação foi facilitada por documentos das Nações Unidas sobre o tema. Este livro adota o conceito da Declaração das Nações Unidas sobre a Educação e Formação em Direitos Humanos, através da resolução 66/13722 e do programa mundial de Educação em Direitos Humanos23. EDH abarca educação, informação e treinamento com o objetivo de promover uma cultura de direitos humanos. Abarca a conscientização e compartilhamento do conhecimento sobre os direitos humanos, mecanismos e habilidades para incorporar tais conhecimentos ao dia a dia, desenvolvimento de valores e atitudes que fortalecem os direitos humanos, além de fomentar e encorajar comportamentos e ações visando promover e proteger a dignidade humana.24 Abarca tanto a educação formal quanto espaços fora da
and are not easy to change. It is particularly difficult to produce changes in a context that is characterized by weak and unstable democracies, where authoritarism and non-democratic patterns of behavior in the political arena and in day-to-day life are an integral part of our culture; in a context of endemic poverty, with millions of people living in extreme poverty; in a context of violence where impunity to the violation of human rights are the norm, where everybody colludes by being silent and indifferent to those violations; and in a context where corruption is widespread throughout the spectrum of life. ”
20 SILVA, Aida; TAVARES, Celma. Educação em direitos humanos no Brasil: contexto, processo de desenvolvimento, conquistas e limites. Educação-Programa de Pós-graduação em Educação - Escola Humanidades – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 50-58, jan. / abr. 2013 P. 51-52.
21 TIBBITTS, Felisa; KIRCHSCHLAEGER, Peter. Perspectives of Research on Human Rights Education. 2010.
22 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração das Nações Unidas sobre Educação e Formação para os Direitos Humanos. United Nations Declaration on Human Rights Education and Training. G. A Res. 66/ 137. Nova Iorque, 2011.
23 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração das Nações Unidas sobre Educação e Formação para os Direitos Humanos. United Nations Declaration on Human Rights Education and Training. G. A Res. 66/ 137. Nova Iorque, 2011. Destaque para os artigos 1 a 6.
24 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos. The Right to Human Rights Education - A compilation of provisions of international and