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Adesivos condutores de alto desempenho: fazendo Lego com grafite e grafeno
Ografeno tem dominado o cenário de novos materiais, porque suas propriedades e perspectivas de aplicação des pertam muito interesse de empresas inovadoras, há mais de uma década, prometendo soluções para problemas importantíssimos.
O grafeno sempre esteve por aí, empilhado dentro do grafite em lápis, lubrificantes, baterias, tintas e outros produtos industriais. Tornou-se um material notável ao se descobrir que é possível sepa rar uma única camada de grafeno, arrancando-a do cristal de grafite com uma fita adesiva. Isto é possível porque a força de adesão entre uma camada de grafeno e o adesivo é maior que entre duas camadas de grafeno adjacentes. Mas não podemos esperar que as aplicações do grafeno sejam viabilizadas usando esse método da fita adesiva.
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Ao se tentar dividir um cristal de grafite em suas lâminas de grafeno, forma-se lâminas individuais, e também partículas formadas por 2, 3, 4 e mais camadas, cujas propriedades mudam sucessivamente, até atingir as propriedades de grafite. São materiais diferentes, todos eles comumente chamados de grafeno, o que causa confusão.
Situações como essa exigem uma normatização, e em 20171 a ISO dedicou a parte 13 do seu Vocabulário de nanotecnologias ao grafeno e os outros materiais bidimensionais. Essa norma traz as seguintes definições: (i) grafeno: camada única; (ii) bicamada de grafeno: duas camadas empilhadas e bem alinhadas; (iii) grafeno de poucas camadas: 3 a 10 camadas; (iv) nano placa de grafeno: espessura de 1 a 3 nanômetros (nm) e dimensões laterais de 100 nm a 100 microns. Materiais de dimensões superiores a essas são grafites, que também apresentam uma grande diversidade de tipos e propriedades.
No Brasil, a ABNT divulgou recentemente a primeira norma brasileira sobre grafeno e vários grupos de pesquisa, acadêmicos e de empresas, fazem avançar a ciência do grafeno e dos materiais correlatos e criam novas tecnologias. Cientistas brasileiros produziram artigos publicados com destaque na literatura internacional e vários projetos buscam aproveitar as oportunidades oferecidas pelo grafeno criando produtos e processos. É inovação para a competitividade e sustentabilidade, criadora de empregos e riqueza.
Nesse ponto surge um problema de escala ou de tamanho dos produtos construídos com grafeno, exemplificado pelo seu comportamento como condutor elétrico. A baixa resistividade elétrica
1 International Organization for Standardization (ISO), in Nanotechnologies –Vocabulary – Part 13: Graphene and Related Two-Dimensional (2D) Materials, BSI Standards Publication, London, UK 2017 de grafeno é igual à da prata, o melhor condutor elétrico. Mas a resistência elétrica de qualquer material também depende das suas dimensões e geometria, e as finas lâminas de grafeno têm resis- tência elétrica muito elevada para várias aplicações. Esse problema é resolvido nos condutores de cobre, alumínio e outros metais aumentando o diâmetro dos cabos e fios, uma solução não-aplicável ao grafeno, porque a sua resistividade aumenta até alcançar a do grafite, nas partículas mais espessas.
Portanto, as partículas muito finas são realmente valiosas em produtos de dimensões nanométricas ou em materiais nano-estruturados contendo as finíssimas lâminas de grafeno. Mas muitas aplicações do dia-a-dia exigem a sua presença em estruturas formadas por muitas e muitas partículas empilhadas.
Em algumas situações, as propriedades de grafite são até mais desejáveis que as de grafeno. Por exemplo nos eletrodos de baterias elétricas, nos quais se alojam íons de lítio e outros metais, intercalando-se entre lâminas contíguas. Nesses casos, o empilhamento das lâminas de grafeno é essencial para o funcionamento das baterias. Mas ainda é necessário moldar o material, construindo estruturas que tenham formas e dimensões bem definidas.
Em metais, cerâmicas e plásticos, isso se faz usando tecnologias que dependem da fusão ou sinterização do material, além da sua plasticidade e ductilidade. Mas grafenos e grafite só sinterizam ou fundem em temperaturas muito elevadas e não são facilmente deformáveis, exceto quanto ao deslizamento de suas lâminas, umas sobre as outras. Uma estratégia para moldar grafite é dispersar seus cristais em líquidos que separem as lâminas, formando partículas de grafeno e de nano-grafites. A evaporação dos líquidos produz filmes e objetos de dimensões macroscópicas2. Uma outra abordagem é a produção de grafeno in situ, revestindo superfícies, paredes de poros ou ainda formando camadas finíssimas em superfícies líquidas, de onde podem ser transferidas para os locais desejados. Um bom exemplo desta última abordagem é apresentado em uma tese de doutorado defendida na Universidade Federal do Paraná3 e em artigos científicos em revistas importantes.
A esfoliação em líquidos, seguida de sua secagem formando filmes extensos ou blocos de grafite está produzindo resultados muito interessantes. É como montar um LEGO: as peças são combinadas para se conseguir os tamanhos e formas desejados. No LEGO isso é feito peça a peça e pode gastar muito tempo. Isso é inviável, na montagem dos milhões de milhões de lâminas de grafeno e nano-grafites que são necessários para alcançar dimensões macroscópicas. Nesse caso, temos de conhecer e aplicar as regras de auto-organização de partículas coloidais. Temos de trabalhar com a Natureza, explorando o que ela nos oferece.
E os resultados vão surgindo. Um caso atual é a produção de adesivos condutores elétricos com excelente desempenho. A figura mostra micrografias eletrônicas de filmes formados na secagem de uma cola condutora (pasta e esmalte) que deverá ser colocada à venda, dentro de algumas semanas. É feita com grafite esfoliado e reorganizado (exfoliated and reassembled grafite, ERG). Os contrastes observados nas fotos são os esperados de um filme condutor quando ele é bombardeado pela corrente de elétrons, no microscópio eletrônico. A figura também mostra duas micrografias de uma cola que é vendida por um fornecedor internacional de materiais para microscopia para microscopistas de todo o mundo. As duas imagens mostram extensas regiões muito claras e outras muito escuras, mesmo com pequenos aumentos. As muito claras são regiões pouco condutoras, nas quais se acumulam elétrons do feixe. As muito escuras são regiões mais condutoras. Essa falta de uniformidade provoca a eletrização do filme de cola, com várias consequências negativas. A pior é a instabilidade da amostra, evidenciada pelas linhas muito retas que resultam de deslocamentos abruptos da amostra e impedem a aquisição de imagens em aumentos maiores que os observados. Em casos extremos pode ocorrer a ejeção de pedaços da amostra devido à repulsão eletrostática . No limite, a amostra explode e suja paredes internas do microscópio.
Portanto, o novo produto é muito superior a um produto popular no mercado. Como isso é conseguido? É graças à distribuição uniforme a à excelente conexão elétrica entre as lâminas formadas pela esfoliação e reorganização de grafite, em um processo intermediado por grafenos e nanografites.
Nota: Observar atentamente os detalhes das fotos e procurar entende-los vale por uma aula sobre a eletrização de materiais, mas isto vai além do escopo desta coluna.
Fernando Galembeck
É bacharel, licenciado e doutor em Química pela USP onde começou sua carreira e chegou a livredocente em 1977, depois de pós-doutorados nas Universidades do Colorado e da Califórnia e de um estágio no Unilever Research Port Sunlight Laboratory. Mudou-se para a Unicamp em 1980, tornando-se professor titular em 1987. Dirigiu o Instituto de Química entre 1994 e 1998, foi Coordenador Geral da Universidade e se aposentou em 2011, assumindo a direção do Laboratório Nacional de Tecnologia, do CNPEM. Sempre manteve uma atividade ninterrupta e intensa de ensino de graduação e de orientação de estudantes, expressa em uma extensa produção científica e tecnológica que foi premiada em muitas ocasiões, no Brasil e Exterior, destacando-se os prêmios Álvaro Alberto em 2005 e o prêmio Anísio Teixeira de Educação, em 2011. Em 2020, recebeu o Prêmio CBMM de Tecnologia, a sua startup Galembetech recebeu prêmios da Abiquim e Abrafati e em 2021 foi premiado como Pesquisador Emérito do CNPq. Muitos dos seus estudantes destacaram-se profissionalmente, em universidades e empresas, no Brasil e no Exterior, sendo também premiados em muitas ocasiões.
