Ceará de Valores - O Humor como Patrimônio Afetivo Cearense

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o humor comopatrimônio afetivo cearense

PORAQUIOMODO DEFAZERRIRSE

CEARÁ DE VALORES

Fortaleza/Ce, 2 | out. | 2025

EDITORIAL

Rir é coisa séria. O humor atravessa o cotidiano, revela verdades, questiona poderes e, claro, aproxima as pessoas. O Ceará sabe bem disso. Aqui, o riso é patrimônio afetivo, linguagem identitária e também mercado em expansão — das casas de show às telas do celular. Neste caderno, olhamos para o humor como ofício, resistência e futuro. Conversamos com artistas que carregam nas veias a tradição da molecagem cearense, mas também reinventam essa arte

nos palcos e nas redes, mostrando que é possível viver do riso sem abrir mão da inteligência, da crítica e da humanidade. Com esse mergulho, fechamos o Ceará de Valores reafirmando nosso propósito: aproximarosjovensdelinguagensquefazem parte da nossa cultura, revelar referências e provar que há, sim, caminhos de sucesso e possibilidades de carreira onde, muitas vezes, só se enxerga brincadeira. Porque rir, no Ceará, é também sonhar.

Camilla Lima - Coord. de Conteúdo Estúdio O POVO.

EXPEDIENTE:

Este é um produto customizado pelo ESTÚDIO O POVO - ESTÚDIO DE BRANDED CONTENT do O POVO. Diretor de Negócios: Alexandre Medina Néri | Gerente de Operações: Michelle Walker | Estratégia e Relacionamento: Adryana Joca; Dayvison Álvares | Assistente de Projetos: Richard Marques | Coordenadora de Conteúdo: Camilla Lima | Líder de Planejamento: Luana Saraiva | Coordenação de Criação: Jansen Lucas | Texto: Rute Ramires | Design: Alessandro Muratore

CEARÁ DE VALORES - Concepção e Coordenação Geral: Valéria Xavier | Gerente Executiva de Projetos: Lela Pinheiro | Análise de Projetos: Damaris Magalhães | Fale Conosco: www.opovo.com.br

APRESENTAÇÃO:

Quem nunca ouviu falar que o Ceará é a terra do humor? Essa fama já corre há décadas e é muito justa. Aqui nasceram mestres como Renato Aragão e Chico Anysio. Nos anos 1990, uma nova geração ocupou muitos palcos de teatro e casas de show. Nomes como Skolástica, Raimundinha, Ciro Santos, Meirinha, Rossicléa e Lailtinho Brega. De lá para cá, essa cena cresceu e conquistou novas mídias, como redes sociais, TV e cinema. Junto com a popularidade, veio a cobrança por uma nova postura. Não cabe mais piada machista, homofóbica ou racista. É necessário estar atento às novas demandas da sociedade, sob risco de ser “cancelado” nos tribunais virtuais. Ainda assim, o humor segue como um dos mais importantes canais de comunicação, denúncia e reflexão da sociedade, como mostram os convidados deste último caderno da série Ceará de Valores. Carri Costa, Moisés Loureiro, Jáder Soares e Victor Alen, entre outros, aqui levam o humor a sério. Boa leitura.

Marcos Sampaio - Jornalista e curador do projeto

PATROCÍNIO: REALIZAÇÃO:

Teatro da Praia - Cia. Cearense de Molecagem

REFLEXÕES SOBRE

E

COM MOISÉS LOUREIRO

ELE SEMPRE GOSTOU DE ACHAR GRAÇA DAS COISAS DO COTIDIANO E OLHAR PARA O MUNDO COM HUMOR. HOJE, MOISÉS LOUREIRO É ATOR, DIRETOR, HUMORISTA, PUBLICITÁRIO E ROTEIRISTA DE RÁDIO, TV, CINEMA E TEATRO

EUNÃOESCOLHI OHUMOR,O HUMORME SEQUESTROU DEUMAFORMA

MUITONATURAL EPOUCO PLANEJADA

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Fortaleza/Ce, 2 | out. | 2025

O cearense venceu o concurso de humor “Quem Chega Lá” no Domingão do Faustão, em 2017. Em 2022, Moisés estreia como ator na teledramaturgia da TV Globo com o especial “200 Anos de Independência” e lança o seu primeiro especial de comédia para as plataformas digitais “Moisés Loureiro – Volume 1”. Ele é roteirista do show “Isso Não é um Culto” do comediante Whindersson Nunes na Netflix.

Nesta conversa, o Loureiro aborda o humor como uma ferramenta crucial para a resistência política e a importância dos aprendizados ao longo da trajetória. Ele compara o público cearense ao paulista e oferece conselhos para quem deseja entrar na carreira de humorista, enfatizando os desafios da profissão.

Estúdio O POVO - Como foi o começo da sua carreira no humor? Quando você decidiu trabalhar com isso?

Moisés Loureiro - Eu sempre gostei de gaiatice, de contar e ouvir histórias, de observar o cotidiano e achar graça nos detalhes. Mas eu não escolhi o humor, o humor me sequestrou de uma forma muito natural e pouco planejada. Eu vinha do teatro e da comunicação, em algum momento percebi que o humor era a lente que eu mais usava pra olhar o mundo. Decidir trabalhar com isso foi quase uma consequência: eu já tava nesse caminho de achar graça em tudo, aí não teve mais volta.

OP - Quais as suas referências no trabalho?

Moisés - Minhas referências são muito ligadas ao Ceará, ao Nordeste, à tradição que já vem antes da gente. Ariano Suassuna, Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcante… mas também gente da minha geração e da cena atual, que mistura humor popular com inteligência e crítica social. Fora isso, eu me alimento muito da literatura, da música, das feiras, do povo. Acho que humorista bom é aquele que nunca perde a escuta. Resumindo: Chico Anysio é a bíblia, Suassuna é o evangelho, e o povo da rua é o café com Deus pai.

OP - O Ceará é reconhecido pelo humor. Você é de uma nova geração nesse cenário já tradicional. Como avalia os movimentos nesse mercado nas últimas décadas?

Moisés - O Ceará sempre foi celeiro de humor, mas o que vejo nas últimas décadas é um deslocamento: o palco do teatro e dos programas de TV se abriu para as redes sociais. Isso

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democratizou muita coisa, mas também bagunçou o jogo. Hoje, você pode nascer no Instagram e se tornar fenômeno sem nunca ter pisado num palco. Isso é bom porque abre portas, mas ao mesmo tempo pode tirar a profundidade. O desafio da minha geração é equilibrar isso: dialogar com o digital, mas sem perder a raiz da cena, da cultura popular, do improviso e da presença.

OP - Qual a importância da formação nessa carreira? Qual a relevância de o humorista ter um repertório para atuar?

Moisés - É fundamental. Não tô falando só de faculdade ou curso, mas de formação ampla: ler, assistir, viajar, conhecer gente, ouvir música, entender política, filosofia, história. Quanto mais repertório você tem, mais longe seu humor vai. O humorista que só olha pra si mesmo acaba repetindo fórmulas. A formação é o que dá estofo pra você rir das coisas sem cair no vazio.

OP - Quais os prós e os contras de fazer humor nas redes sociais?

Moisés - Pró: você acorda anônimo e dorme famoso. Contra: você dorme famoso e acorda anônimo. Quando você começa a produzir só pensando nas redes pode virar uma armadilha: você começa a criar para o algoritmo e não pra sua arte. E sabemos que a rede é imediata, mas também é descartável.

OP - Qual foi a situação mais inusitada ou engraçada que você já viveu no palco?

Moisé - A situação mais inusitada foi bem no começo da minha carreira. Me contrataram para fazer um show no interior do Ceará, uma cidade chamada Brejo Santo. E era um show que eu ia ter que fazer uma apresentação entre duas bandas de forró. Teria uma banda de forró, aí eu tinha que fazer meia hora de show contando piada pro povo e, depois, ia a outra banda de forró. Hoje,

com a minha experiência, eu sei que isso é uma péssima ideia e eu jamais toparia. Naquela época, eu não sabia, achei que ia dar tudo certo. Aí foi um desastre, né? Porque o povo quando tá ouvindo forró, dançando, bebendo cachaça, a última coisa que eles querem é sentar para ficar ouvindo alguém contar história, contar piada, seja lá o que for. Eu entrei e tentei fazer uns 5, 10 minutos de show e nada. Ninguém nem olhava para mim, o povo tudo conversando, bebendo. Aí um bebinho tava bem na ponta do palco assim, olhando para mim, tentando entender o que eu tava falando. Deu três tapas no palco. Pá, pá, pá. “Ei, meu filho, que hora começa o forró?”. No meio do da minha fala. Aí eu: “Meu senhor volta é agora”. Aí eu tinha uns playbacks de forró que eu usava para fazer umas piadas que eu imitava o Xand Avião, o Safadão. Só que eu usava 30 segundos, 40 segundos só para fazer a piada e acabava. Taquei o pau a botar os playbacks e ficar cantando forró. Era para eu fazer meia hora de show de humor, fiz meia hora de show de forró. E foi o que me salvou. Acho que esse foi o evento mais inusitado de show.

OP - Você acha que o humor pode ser também uma forma de resistência política? Como?

Moisés - Eu acho que o humor é, principalmente, uma ferramenta de resistência política. É o humor que revela a nudez dos poderosos, né? É com a risada do bobo da corte que se revela que o rei está nu. E não só isso. Esse símbolo, né, do bobo da corte, é muito forte, porque é o único que consegue falar as verdades pro rei e não ser morto. Todo mundo que falasse o que o bobo da corte fala seria morto. Mas o bobo da corte, o palhaço, o humorista, ele pode desnudar o rei e continuar vivo. E quando, porventura, um rei resolve matar o bobo da corte por ter a sua nudez revelada, ele acaba se revelando ali também um tirano, né? Então, o rei que manda matar o bobo

“O HUMOR É, PRINCIPALMENTE, UMA FERRAMENTA DE RESISTÊNCIA POLÍTICA: É ELE QUE DESNUDA O REI E REVELA OS PODEROSOS”

da corte, ele não perde a coroa, mas ele perde o povo. É ali onde o povo percebe que está sendo governado. Não por um líder, mas sim por um tirano. Então, o humor é essencial para as relações políticas. O humor revela a verdade, o humor entrega quem são os poderosos, deixa claro, deixa desnudo. É fundamental para que a gente entenda a política, viva a política, que a gente tenha humor de olho, colocando uma lente de aumento ali em tudo que acontece, sem pudor para lidar com poderosos.

OP - Machismo, racismo, transfobia e homofobia... Antes muita coisa era normalizada. Até que ponto ainda é? Ainda há espaço para isso na cena do humor?

Moisés - Pra mim, não tem espaço. Antigamente, se normalizava porque não tinha debate. Hoje, tem, e quem insiste nesse tipo de “piada” tá escolhendo ser violento. Humor não é passe livre pra desrespeitar ninguém. Dá pra ser engraçado sem precisar diminuir o outro. E mais: o humor tem um papel importante de questionar justamente esses preconceitos. Quem insiste nisso tá sendo preconceituoso ou preguiçoso.

OP - Existe alguma piada que você já contou e depois se arrependeu?

Moisés - Existem várias piadas que eu já contei e me arrependi. Porque a gente vai aprendendo, né? A gente vai crescendo, vai estudando, vai lendo, vai entendendo o mundo e vai percebendo que muitos pensamentos que a gente tinha eram pensamentos retrógrados, preconceituosos, tortos, errados. E aí a gente vai se adequando, inclusive rindo da gente também, né? Rindo do preconceito que outrora tivemos. E é constante essa evolução. Eu acho que se arrepender, mudar de ideia, faz parte da evolução humana da vida. Acho que uma pessoa que fica presa no tempo, presa nas mesmas ideias que tinha há 5, 10, 15, 20 anos atrás é uma pessoa que não está acompanhando o progresso

do mundo. E eu quero sempre tá com a minha cabeça jovem, atualizada e para frente.

OP - O que o público do Ceará tem de diferente do público de outros lugares?

Moisés - O público cearense é um público mais exigente, porque é um público que tem o humor no seu dia a dia, na sua cultura, na sua identidade, na sua forma de enxergar o mundo. Então, é mais difícil surpreender um cearense, é mais difícil arrancar risada de um cearense. Eu fazendo o mesmo show em São Paulo, é muito impressionante a diferença. Assim, a sensação é que em São Paulo eles riem de qualquer coisa, qualquer mínima coisa eles estão morrendo de achar graça. E aqui não, aqui o público é mais criterioso. Aqui pro pessoal rir é um negócio.

OP - Qual conselho você daria para quem está começando agora na cena do humor?

Moisés - Para quem tá entrando na cena do humor, é o mesmo conselho que Fernanda Montenegro dá para quem tá querendo ser artista. Desista no melhor sentido da palavra, desista porque é muito difícil. É uma carreira muito cruel, muito instável, muito insegura, muito ingrata, muito difícil. Então, se você achar que você vai conseguir ser feliz fazendo qualquer outra coisa, faça outra coisa. Se você acha que você vai conseguir ser feliz sendo operador do direito, engenheiro, médico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, qualquer outra coisa, invista nisso e tenha o humor como um estilo de vida, como uma forma de enxergar a vida. Mas só se você não conseguir fazer mais nada, se você tentar de tudo e ainda assim o palco lhe chamar e ainda assim o humor gritar por você, aí faça humor. Porque é para você fazerissomesmo.Massevocêtácomeçando nessa carreira e não tem certeza se é isso, busque outras coisas antes. Se nada lhe encaixar, seja bem-vindo.

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“HUMOR NÃO É PASSE LIVRE PRA DESRESPEITAR NINGUÉM. DÁ PRA

SER ENGRAÇADO SEM PRECISAR DIMINUIR O OUTRO”

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HUmOr? QUAIS OS LIMITES DO

QUEM NÃO GOSTA DE RIR? MAS RIR DO QUE E DE QUEM? OS LIMITES DO HUMOR SÃO UM TEMA COMPLEXO, QUE ENVOLVE ÉTICA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CONTEXTO SOCIOCULTURAL. EM ALGUNS CASOS, TAMBÉM ENVOLVE A JUSTIÇA

A mudança no que é considerado “aceitável” no humor ao longo do tempo reflete transformações culturais, sociais, políticas e tecnológicas. O que era visto como engraçado em uma época, hoje, pode ser considerado ofensivo, preconceituoso e até criminoso.

A exemplo disso, o humorista Leo Lins, de 42 anos, foi condenado a oito anos e três meses de prisão por discursos considerados discriminatórios contra diferentes grupos sociais durante um show de stand-up publicado na internet.

A decisão, proferida pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, reconhece a ocorrência de crimes previstos nas Leis nº 7.716/89 (preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional) e nº 13.146/2015 (discriminação contra pessoas com deficiência), agravados pelo contexto de “atividades culturais destinadas ao público”.

Estereótipos raciais, de gênero e regionais. O que antes era normalizado, hoje, pode ser considerado machismo, racismo, LGBTfobia, gordofobia, capacitismo. Essa mudança tem a ver com a evolução de valores coletivos.

“Os limites do humor hoje são os limites do humor de sempre”, diz Carri Costa, ator, diretor e dramaturgo. Ele defende que “pessoas sensíveis sempre tiveram esses cuidados”.

Carri discute sobre o termo “limite” no que se refere a essa discussão. “Limite é uma palavra que cabe, ou não. Eu não me limito quando eu humanizo. Eu acho que dá para fazer rir com a humanidade, dá para fazer rir sem preconceito, sem pisar das pessoas, desumanizando. Dá para fazer rir de maneira inteligente”, explica.

Para ele, essas mudanças ao longo do tempo nos leva a refletir sobre esse modo de fazer

humor. “Eu acho que tem coisas que não cabe hoje, não cabe mesmo. Nunca coube, mas agora a gente tá com a visão mais clara. Eu acho que com mais despertar de humanidade. Quando o debate é provocado, quando você tem uma legislação que coloca, entre aspas, esse limite, você reflete, você é obrigado a refletir.”

A perspectiva do dramaturgo é fruto de suas experiências no teatro de rua. “Eu sou de uma geração que via isso muito claramente. O teatro de rua é muito provocador nisso, porque você não podia esculachar alguém na rua, porque o enfrentamento era imediato”, afirma.

“Quando você tá fazendo teatro, você ali ainda tem um determinado poder, o poder da palavra, da encenação. Se você utilizasse aquele poder para, de uma certa forma, oprimir alguém, ele poderia muito bem ter uma reação. Então, o bom senso ali fazia com que a gente fosse bem inteligente ao ponto de ter uma dramaturgia cômica que não usasse do preconceito para provocar o riso coletivo”, detalha o fundador do Teatro da Praia.

“Então, a gente tem que deixar de ser preguiçoso e trabalhar nossa inteligência em todos os aspectos, ao ponto de quando escrever um trabalho cômico, não utilizar das maneiras mais chulas, que são essas do preconceito, da discriminação, e de outras vertentes que oprimem o ser humano”, conclui.

Essa discussão também envolve um ponto de extrema relevância que é a questão da censura. Para Márcio Acselrad, psicólogo e pesquisador da Universidade de Fortaleza (Unifor), onde coordena há mais de duas décadas o Laboratório do Humor e do Riso, Labgraça, não deveria haver limites prévios para o humor, o que considera uma forma de arte essencial à liberdade de expressão.

“Da mesma maneira que não deve haver limite para pintura, para cinema, para teatro, não acredito que deveria haver um limite prévio para aquilo que pode ser e não pode ser motivo de piada sob o risco sério da gente cair numa política de censura muito perigosa e protofascista, inclusive. O humor tem que ser feito com responsabilidade, é claro, humor é uma arma, muitas vezes, é uma ferramenta muito poderosa”, explica.

“Porque é diferente você fazer uma piada racista e fazer uma piada com o racismo”, exemplifica. O professor enfatiza o papel crucial do humor como sinônimo de liberdade e uma ferramenta para a autocrítica social.

“A GENTE TEM QUE

DEIXAR DE SER

PREGUIÇOSO E TRABALHAR NOSSA

INTELIGÊNCIA EM TODOS OS ASPECTOS, AO PONTO DE QUANDO ESCREVER UM TRABALHO CÔMICO, NÃO UTILIZAR DAS

MANEIRAS MAIS CHULAS, QUE SÃO ESSAS DO PRECONCEITO, DA DISCRIMINAÇÃO, E DE OUTRAS VERTENTES QUE OPRIMEM O SER HUMANO”

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DA MESMA MANEIRA QUE NÃO DEVE HAVER

LIMITE PARA PINTURA, PARA CINEMA, PARA TEATRO, NÃO ACREDITO QUE DEVERIA HAVER UM LIMITE PRÉVIO PARA AQUILO QUE PODE SER E NÃO PODE SER MOTIVO DE PIADA SOB O RISCO SÉRIO

DA GENTE CAIR NUMA POLÍTICA DE CENSURA MUITO PERIGOSA E PROTOFASCISTA, INCLUSIVE

Carri Costa, 2023
Marcio Acselrad
ARQUIVO PESSOAL

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AS MOVIMENTAÇÕES

NO

TRADICIONAL

MERCADO DO HUMOR NO CEARÁ

Seja no teatro, nas casas de show, nas redes sociais, em stand-up, no cinema, na televisão, fazer rir é uma arte. Mas também é um mercado. Cada um desses modelos tem suas peculiaridades e precisa de adaptação. As formas de fazer rir se ampliaram com a internet, mas o humor “tradicional” das casas de show continua vivo.

A mudança mais latente no cenário do humor nos últimos anos foi as redes sociais, mas o humor no Ceará continua “firme e forte” com os shows de palco. A análise é de Jader Soares — também conhecido como Zebrinha, seu personagem —, diretor do Teatro ChicoAnísio e do Museu do Humor Cearense.

“Tem casas que fazem show todo santo dia. Por exemplo, o Teatro do Humor Cearense, o Piadaria, a Arena do Humor, três espaços que fazem show todo santo dia”, exemplifica o humorista, que também dirige a Escola de Humor do Ceará, inaugurada em 6 de agosto último.

Ele observa um movimento que incentiva a escrita autoral na comédia stand-up. “O pessoal do stand-up, que é um pessoal mais

“O PESSOAL DO STANDUP, QUE É UM PESSOAL MAIS JOVEM, VEM COM UMA CARACTERÍSTICA DIFERENTE. NÓS PEGAMOS PIADAS E MONTAMOS NOSSO ESPETÁCULO. O PESSOAL DO STAND-UP, NÃO, ELES PASSARAM A ESCREVER SEUS PRÓPRIOS ESPETÁCULOS”

jovem, vem com uma característica diferente. Nós pegamos piadas e montamos nosso espetáculo. O pessoal do stand-up, não, eles passaram a escrever seus próprios espetáculos.”

“Não existe uma um modelo unificado de mercado para a comédia. O que acontece é que a comédia ela se adapta a cada mercado desse de forma diferente”, avalia Victor Alen, humorista, ator, diretor e produtor cultural.

Ele ressalta a necessidade de versatilidade para atuar em múltiplas mídias, já que cada uma exige abordagens distintas, desde a sutileza do cinema até a rapidez das redes sociais.

Segundo Victor, que atuou nas produções “Cine Hollyudi 2” e “Cabras da Peste”, a forma como a comédia tá sendo criada e consumida muda.

“Antigamente, era mais de observação, depois a gente passou pro storytelling. Hoje, a gente já vê uma onda, no stand-up, por exemplo, que é de você fazer interação com a plateia. Agora, você já coloca essa interação em cima do palco. Então, sempre vai havendo formatos novos que as pessoas vão criando e outros vão deixando de ser consumidos. Isso é normal. O que é importante é que a gente consiga se adaptar àquilo que existe dentro da nossa verdade artística. Isso é muito importante. É você se respeitar como artista”, afirma.

ENTÃO, SEMPRE VAI

HAVENDO FORMATOS

NOVOS QUE AS PESSOAS

VÃO CRIANDO E OUTROS

Embora as redes sociais tenham democratizado e dado oportunidade para muitos artistas do humor, Victor considera as redes um ponto “extremamente preocupante” dentro da área artística.

“Acaba que a gente meio que vira refém das redes sociais. Você tem que estar nas redes sociais, você tem que fazer um trabalho para as redes sociais, né? E para a comédia é cada vez mais urgente isso. O que é ruim, porque pessoas maravilhosas vão ficar excluídas disso, porque não tem rede social. Porque, querendo ou não, isso vira um trabalho. Você tem que parar para escrever roteiro, para editar, postar”, reflete.

VÃO DEIXANDO DE SER CONSUMIDOS. ISSO É NORMAL. O QUE É IMPORTANTE É QUE

A GENTE CONSIGA SE ADAPTAR ÀQUILO QUE

EXISTE DENTRO DA NOSSA VERDADE ARTÍSTICA. ISSO É MUITO IMPORTANTE. É VOCÊ SE RESPEITAR COMO ARTISTA”

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DESAFIOS DE VIVER DO HUMOR

O cenário do humor é caracterizado pela busca constante por espaços, visibilidade e crescimento no mercado, tanto dentro quanto fora do estado.

“O desafio de qualquer arte é buscar o pão de cada dia. A gente sabe que aqui no Ceará tem humorista bem financeiramente, tem humorista mais ou menos e tem humorista que passa necessidade. Eu acho que em qualquer profissão tem isso, né? Mas especificamente na arte, esta coisa é mais patente”, afirma.

“Este movimento dos shows, da comédia, dessa coisa do Ceará é uma coisa que não vai acabar nunca. Só aumenta, só aumenta e se estabelece. Está estabelecido que nós somos realmente, no Brasil, a terra do humor. Nós continuamos sendo”, defende.

SERVIÇO

A Escola de Humor (EHC) está sediada no mesmo endereço do Museu do Humor Cearense e do Teatro Chico Anysio. Endereço: avenida da Universidade, 2175, Benfica - Fortaleza Contato: (85) 99991 0460

Victor Alen_Credito
FERNANDA-BARROS
Zebrinha - Escola de Humor do Ceará

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5 PERGUNTAS PARA CARrI COSTA

Amante da molecagem cearense, Carri Costa teve no teatro de rua sua maior escola. Em 1993, o ator, diretor, dramaturgo e produtor cultural criou o Teatro da Praia, na Praia de Iracema, em Fortaleza. Nessa conversa, o também criador do Festival de Esquetes de Fortaleza (Fesfort) fala sobre o humor, desde o contexto de criação do teatro até os dias de hoje. Ele passeia sobre a importância do riso, a necessidade de maior valorização dos artistas locais e de investimento na cena local.

O POVO - O que te motivou a criar o Teatro da Praia?

Carri Costa - A criação do Teatro da Praia foi um ato político muito espontâneo, digamos assim. A gente vivia um momento de produção cultural no estado,oanoera1993.Aproduçãoteatralseresumia muito a algumas companhias que já existiam há algumas décadas e alguns alunos do CAD, do Curso de Artes Dramáticas da Universidade Federal do Ceará, que era um curso de extensão na época.Então,eu,recém-saídodocurso,comaspirações muito voltadas a produzir, para ser um encenador, para ser um contador de histórias, tinha muita dificuldade de encontrar os espaços para isso. O espaço para escoar esse pensamento, essa ideia, né? Não havia editais e o estímulo para que isso acontecesse por intermédio do poder público era nenhum. Então, nada melhor do que a gente arregaçarasmangasetentar.Euconsideroumato político importantíssimo para aquela época.

“O POVO CEARENSE É A PRINCIPAL REFERÊNCIA DO NOSSO HUMOR: COM SUA PICARDIA, SUA MALÍCIA E SUA INTELIGÊNCIA CÔMICA”

OP - Qual a principal mudança no cenário do humor você observou nas últimas décadas? Carri - O teatro tá se tornando cada vez mais profissional. Acho que as pessoas estão entendendo mais o que é isso. Os artistas estão entendendo mais o que é isso. Eu acho que o poder público teria que ter uma participação maior nessa fruição. Os editais hoje eles atingem o humor, mas eu acho que trabalha pouca pesquisa, trabalha pouco conceitual, o entendimento. É preciso entender isso como uma fonte de mercado. É preciso entender o humor cearense como uma fonte de desenvolvimento turístico. Entender o humor cearense como uma característica muito forte da nossa cultura. Não que ocorra um desentendimento disso tudo que eu falei, mas eu acho que precisa um investimento maior nisso em todos os aspectos. Sejainvestimentoeconômico,intelectual,sabe? É necessário fazer com que o humor cearense seja conhecido e respeitado e apreciado e vire uma peça chave do mercado turístico.

OP - Quem é referência no humor do Ceará hoje?

Carri - Acho que o povo cearense é a principal referência. O jeito moleque, o jeito descontraído, gracioso do cearense. Com a sua picardia, com a sua malícia, com a sua inteligência cômica. O nosso povo é a maior referência, sabe? Os profissionais do humor no Ceará são catalisadores disso, desse comportamento, essa forma de expressão que está presente no nosso povo. Não acho que exista uma personalidade que referencia isso como o exemplo a ser seguido. Pelo menos não nesse século. Eu acho que na literatura nós temos algumas referências que são muito importantes para a gente. Que é interessante ter conhecimento. Quintino Cunha é uma delas. Eu sou um fã gigante. Isso porque os registros dele estão na nossa literatura, mas existiram centenas de personalidades que viveram em anos passados, que foram exponenciais dessa molecagem. E anônimos também, né? Aquelas pessoas que dentro da sua oralidade passaram todas as piadas para as famílias, pros netos, pros bisnetos e toda essa jocosidade que é uma coisa característica nossa. Nós somos ótimos contadores de piada, contadores de história, vivedores disso. Então, indiscutivelmente, o povo cearense é a referência no Ceará hoje e sempre.

OP - O turista ainda procura atrações humorísticas quando vem pra cá?

Carri - Eu acho que o turista brasileiro já veio mais procurando o humor. Eu acho que caiu um pouquinho. Eu não tenho isso em números, mas eu percebo a nível de comportamento mesmo. Havia mais espetáculos em cartaz, tínhamos um número muito amplo de turistas. E havia uma divulgação maior também. Pô, há 10 anos, 15 anos, você tinha um aeroporto lotado de divulgações de espetáculos de humor. Hoje, a gente precisa retomar isso. Falta muito esse trabalho também. Nós temos praias maravilhosas, uma comida também fantástica, um clima perfeito. A nossa cultura precisa chegar com muito mais rapidez e eficácia ao turista brasileiro. A cultura do bom humor precisa ser amplamente vendida fora daqui para que ele chegue aqui e procure essas referências.

OP - Qual a importância de rir em um mundo cheio de desgraças?

Carri - É importante rir para se viver, né? Desgraças acontecem desde que o mundo é mundo, né? (...) Mas o riso vai eliminar a desgraça um dia? Não, o riso nunca vai eliminar a desgraça. As desgraças sempre vão acontecer. Mas para esse embate, o riso vai sempre existir. Quando a coisa complica e alguém solta uma palavra, uma história e o riso vem farto, a gargalhada sobe e alivia o coração, a cabeça, a alma e mexe o corpo inteiro. A coisa mais linda do mundo é uma plateia de uma comédia, sabe? Eu digo isso de experiência própria. Enquanto um drama e uma tragédia ela tá mexendo a tua face ao cair da lágrima, o riso ele tá mexendo no teu corpo inteiro. Na tua musculatura facial, nas tuas mãos que batem, nos teus pés que se levantam, no teu corpo que se curva com aquela gaitada, aquele riso forte, no corpo que vai para trás, a cabeça que vai para um lado, a olhada para o vizinho que você nem conhece. Mas que sabe aquela afirmação de que eu tô pirando naquele riso e você também, tá entendendo? O riso coletivo é a confirmação da felicidade coletiva dentro de uma plateia. E isso é mágico para caramba. Mágico não no sentido de truque. Mas no sentido de realidade cósmica. É a magia do universo. Fui longe agora. Mas é isso, para você ver como o riso ele é uma catarse, né? É importante rir. Sempre é importante rir.

Teatro da Praia. CreditoCia. Cearense de Molecagem

SERVIÇO

Teatro da Praia

Onde: avenida Monsenhor

Tabosa, 177 – Fortaleza

Mais informações: @teatrodapraia

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QUEM SEGUIR PARA RIR

QUAIS CEARENSES CHAMAM A ATENÇÃO AO FAZER HUMOR POR MEIO

DAS REDES SOCIAIS? VEJA ALGUNS EXEMPLOS DE QUEM FAZ SUCESSO NA

INTERNET E ARRANCA GARGALHADA DOS SEGUIDORES. ALGUNS SAÍRAM

DA TELA DO CELULAR PARA FAZER RIR EM OUTROS FORMATOS.

MAX PETERSON ( @maxpetterson)

Natural do Cariri, ele viralizou utilizando expressões cearenses na França e dividindo a experiência de morar fora do país europeu. Ator, influencer e comediante, Max é conhecido nas redes sociais por seus trabalhos como ator em filmes como “Bem-vinda a Quixeramobim” e séries como “O Cangaceiro do Futuro”. Ele apresenta o stand-up “Bôcu Bonjour” e o espetáculo “Assistiu porque quis”, com Mila Costa, Morgana Camila e Deydianne Piaf.

DENIS LACERDA ( @deydiannepiaf)

O artista divide a cena com sua drag queen Deydianne Piaf. Participou de sucessos de público com os espetáculos “Cabaré das Travestidas”, “Quem tem medo de travesti” e “Tita e Nic”. No cinema, atuou em “Cine Holliúdy”, “Shaolin do Sertão”, e estrelou “As aparências enganam”, da Star Plus. Denis venceu o Prêmio Multishow de Humor, como o melhor humorista do Brasil. Ele apresenta o seu solo de comédia “INTACTA”, dirigido por Moisés Loureiro. Realiza o espetáculo “Assistiu porque quis”, com Max Petterson, Mila Costa e Morgana Camila.

Ela chama atenção nas redes sociais, desde 2018, com a narração do desfile de 7 de Setembro de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza (instagram RMF). Natural da cidade, a cearense levou o bordão “arrasa na Major” para todo os País. Ela faz o espetáculo “Assistiu porque quis”, em parceria com Max Petterson, Mila Costa e Deydianne Piaf.

MILA COSTA ( @nocasomila)

A fortalezense começou a fazer sucesso nas redes sociais mostrando a vida de concurseira. A espontaneidade e a irreverência conquistaram o público nas redes e, hoje, a advogada se dedica a mostrar a rotina da vida adulta com muito humor. Realiza o espetáculo “Assistiu porque quis”, com Max Petterson, Morgana Camila e Deydianne Piaf.

VICTOR ALEN ( @victoralen)

Humorista, redator, ator, diretor, improvisador e produtor cultural. Começou a sua carreira na comédia em 2010. No audiovisual tem papéis em filmes como “Cine Hollyudi 2”, “Cabras da Peste” e outros.

SURICATE SEBOSO ( @suricate)

Página surgiu em 2012 e se tornou símbolo digital do “cearencês”. Página utiliza de expressões e situações do cotidiano do cearense utilizando a imagem de um suricate como personagem principal. O projeto foi idealizado por Diego Jovino em coautoria Eduardo de Souza (instagram Dudu Suricate) e Leonardo Souza (instagram Leo Suricate). Houve mudança de moderadores ao longo dos anos.

POBRETION ( @pobretion)

Antonio Jefferson Azevedo faz sucesso nas redes sociais retratando situações cotidianas na periferia, dificuldades, histórias usando expressões e gírias locais. Influenciador de humor participou da produção “La Casa Duz Vetin”, série de baixo orçamento feito por ele e outros jovens da periferia.

RAISA BUQ ( @rayssabuq)

Viralizou nas redes sociais com vídeos de humor e hoje tem mais de 12 milhões de seguidores. A marca registrada é fazer os vídeos com uma touca de cetim. Tem uma marca de cosméticos.

YARLEY ( @yarley)

Yarley ficou conhecido por conteúdos de humor, empoderamento e representatividade LGBTQIA+. O “estopim” foi um vídeo em que ajudava a irmã mais nova, Raíssa, que sofria bullying. Costumava usar expressões como “trava na beleza” nos vídeos, que virou um bordão.

MORGANA CAMILA ( @morganacamila)

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