Revista - Reframe (COMPLETA)

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luto à esperança

Uma análise aos filmes “O Túmulo dos Pirilampos” e “O meu Vizinho Totoro”

hayao miyazaki

Entrevista com o famoso Diretor e Realizador do Studio Ghibli

arte ghibli

Uma viagem pelo mundo Ghibli com os melhores FRAMES e obras do estúdio

4,50€

O MEU VIZINHO TOTORO
HAYAO MIYAZAKI

CAPA

Bernardo Jesus

DIRETOR

Bernardo Jesus

esteemailnaoexiste@gmail.com tel.: +351911111111

FOTOGRAFIA

Bernardo Jesus

Studio Ghibli

TRADUCAO

Bernardo Jesus

DESIGN GRAFICO

Bernardo Jesus

COLABORACOES

Studio Ghibli

Paginacao e Arte Final

Bernardo Jesus

文章

TEXTO BERNARDO JESUS

o poder de sentir

Vivemos numa era em que se valoriza mais o imediato do que o essencial. As emoções são consumidas e descartadas como notificações num ecrã. O tempo para pensar foi reduzido a segundos, e a contemplação parece um luxo reservado a poucos. Mas a arte — essa teimosa resistência humana ao vazio — continua a lembrar-nos que é preciso tempo para sentir. E que sentir é, por si só, um acto de coragem. Nesta edição, regressamos a 1988. A um momento improvável e quase esquecido do cinema japonês: a estreia simultânea de O Túmulo dos Pirilampos e O Meu Vizinho Totoro. Dois filmes com pouco mais em comum do que a data de lançamento e o estúdio que os criou — o então desconhecido Estúdio Ghibli. E no entanto, juntos, mudaram para sempre a forma como vemos a animação.

De um lado, uma narrativa crua e profundamente dolorosa sobre a guerra, a fome e a perda. Do outro, uma história simples, silenciosa, onde a infância floresce em contacto com a natureza e a fantasia. Um leva-nos ao fundo do abismo. O outro estende-nos a mão para subir. Ambos, porém, são profundamente humanos.

O que Takahata e Miyazaki nos ofereceram foi mais do que dois filmes. Foi uma lição sobre dualidade, sobre contraste, sobre como a vida não se faz apenas de alegrias nem só de tristezas. A força do Ghibli foi, desde o início, essa capacidade de abraçar o mundo tal como ele é: complexo, imperfeito, mágico e, muitas vezes, doloroso.

É essa a premissa que guia esta revista: a convicção de que vale a pena sentir profundamente. Que vale a pena parar para olhar, ouvir, pensar. Num tempo em que a inteligência artificial já consegue gerar corpos, gestos e vozes, precisamos mais do que nunca de nos lembrar do que nos distingue. A fragilidade. A empatia. A beleza das imperfeições.

Nas páginas que se seguem, vais encontrar mais do que análises técnicas ou memórias de filmes. Vais encontrar espaço. Espaço para pensar, para recordar, para imaginar. Este é um convite à lentidão, à presença e à emoção.

Porque, como nos ensinou o Estúdio Ghibli — e como tantas vezes esquecemos —, sentir continua a ser o maior acto de resistência.

Dois filmes opostos lançados no mesmo dia — O Túmulo dos Pirilampos e O Meu Vizinho Totoro — revelaram a coragem do Estúdio Ghibli em mostrar, através da animação, tanto a dor da guerra como a ternura da infância, transformando para sempre o cinema japonês.

A entrevista explora como a Inteligência Artificial, ao libertar o corpo humano dos seus limites, revela tanto o potencial criativo como o risco existencial de perdermos a nossa humanidade e a confiança mútua.

CULTURA ENTREVISTA HISTORIA EM (RE)FRAMES

Uma emocionante exposição de arte que celebra o contraste entre a ternura encantadora de O Meu Vizinho Totoro e a comovente melancolia de Túmulo dos Pirilampos, revelando a dualidade da infância através da sensibilidade visual do Studio Ghibli.

A ARTE

Produções de Hayao Miyazaki que combinam imaginação poética, crítica social e profundidade emocional em mundos animados de beleza deslumbrante e mensagens atemporais.

do luto à esperança

“O Túmulo dos Pirilampos” e “O Meu Vizinho Totoro” nasceram juntos numa ousada estreia dupla que revelou ao mundo o coração do Japão pós-guerra — e a alma de um estúdio lendário.

OEstúdio Ghibli, sediado em Tóquio, é hoje sinónimo de excelência na animação japonesa e um verdadeiro símbolo da imaginação e da sensibilidade narrativa no cinema mundial. Mesmo que o nome não te soe imediatamente familiar, é muito provável que já tenhas cruzado o olhar com uma das suas obras encantadoras — títulos como A Viagem de Chihiro, vencedora de um Óscar, O Castelo Andante, Ponyo à Beira-Mar ou As Memórias de Marnie tornaram-se clássicos modernos, adorados por públicos de todas as idades e culturas.

TEXTO BERNARDO JESUS

No entanto, o que muitos desconhecem é que a fundação deste prestígio assenta num momento de ousadia artística sem paralelo: a estreia simultânea, em 1988, de dois filmes radicalmente distintos — Túmulo dos Pirilampos, de Isao Takahata, e O Meu Vizinho Totoro, de Hayao Miyazaki. Esta decisão, arriscada e quase impensável na indústria cinematográfica, revelou-se um marco transformador na história da animação.

O MEU VIZINHO TOTORO
HAYAO MIYAZAKI

nos bastidores de uma

revolução animada

A história do Estúdio Ghibli remonta aos anos 80, quando três visionários — Hayao Miyazaki, Isao Takahata e o produtor Toshio Suzuki — adquiriram o falido estúdio Top Craft. O sucesso de Nausicaä do Vale do Vento deu-lhes o impulso financeiro necessário para fundar oficialmente o Ghibli. Ainda desconhecido e em fase de afirmação, o estúdio precisava de se provar — e depressa.

Enquanto Miyazaki sonhava com um universo lúdico, povoado por criaturas mágicas e crianças exploradoras, Takahata propunha algo mais sóbrio: a adaptação do conto O Túmulo dos Pirilampos, de Akiyuki Nosaka — uma história verídica e devastadora sobre os horrores da Segunda Guerra Mundial. Com o apoio do editor Yasuyoshi Tokuma, ambos os projectos foram aprovados — com uma condição: teriam de estrear juntos, na mesma sessão de cinema.

do abismo à ternura: um contraste inesquecível

Em 1988, o público japonês foi confrontado com uma experiência cinematográfica única. A sessão começava com O Túmulo dos Pirilampos, a dolorosa jornada de Seita e Setsuko, dois irmãos a tentar sobreviver aos horrores da guerra. A tragédia desenrolavase de forma implacável — a mãe morta por bombardeamentos, a fome crescente, o abandono legal, a perda da irmã e, por fim, a morte do próprio protagonista. Desde o início, sabíamos que não haveria um final feliz. E não houve.

Realizado por Takahata, o filme não retratava a guerra como palco de heroísmos, mas como uma máquina de esmagar inocentes. O Túmulo dos Pirilampos continua a ser uma das mais poderosas narrativas anti-guerra alguma vez criadas — comovente, brutal, necessária.

Mas então… surgia Totoro.

Miyazaki oferecia-nos O Meu Vizinho Totoro, uma lufada de ar fresco num campo florido. Em vez da morte, a vida. Em vez da dor, a ternura. A história de Satsuki e Mei, duas irmãs que se mudam para o campo enquanto a mãe se recupera num hospital próximo, é simples, quase sem conflito. Mas é precisamente essa simplicidade que emociona. Totoro, o espírito da floresta, simboliza a infância preservada — aquela que não foi roubada pela guerra, mas que floresce em liberdade.

ISAO

TOSHIO

HAYAO MIYAZAKI
TAKAHATA
SUZUKI

totoro: a esperança que

o japão

A ambientação de Totoro não é acidental. O Japão retratado vive no limiar de uma nova era. Após a rendição de 1945, o país iniciou uma impressionante reconstrução económica e espiritual. As criaturas mágicas, os campos verdes, o Gatoônibus e a solidariedade entre vizinhos representam esse renascimento colectivo. A infância volta a ser infância. E esse contraste entre os dois filmes — um que nos leva ao fundo do poço e outro que nos oferece uma mão para sair dele — é o que torna esta sessão dupla numa experiência cinematográfica inesquecível.

do fracasso inicial à consagração mundial

Curiosamente, a estreia conjunta foi um fracasso de bilheteira. A tristeza intensa de O Túmulo dos Pirilampos afastava espectadores, que preferiam ver apenas Totoro — se possível, sem passar pela dor anterior. Mas tudo mudou com o tempo.

A venda massiva de peluches do Totoro virou o jogo. Os produtos licenciados deram ao estúdio o fôlego financeiro de que precisava. E nas décadas de 90 e 2000, o Ghibli consolidou-se como o estúdio de animação mais respeitado do Japão — e um dos mais admirados do mundo.

#001 | ABRIL/ Maio

rever totoro: a simplicidade como revolução

Confesso: O Meu Vizinho Totoro nunca foi o meu filme favorito do estúdio. Achava bonito, mas vazio. Sem grandes conflitos, sem simbolismos evidentes. Mas ao revê-lo logo após O Túmulo dos Pirilampos, tudo mudou. O que antes me parecia um enredo superficial revelou-se como um gesto profundo de esperança.

Esta dualidade recorda as tragédias e comédias gregas. O sofrimento catártico é aliviado por momentos de leveza. A sombra só existe porque há luz.

o legado da dupla mais improvável do cinema japonês

Hoje, quase quatro décadas depois, O Túmulo dos Pirilampos e O Meu Vizinho Totoro são considerados clássicos absolutos. E o Estúdio Ghibli, vencedor de um Óscar com A Viagem de Chihiro, é sinónimo de arte, sensibilidade e coragem.

Estes dois filmes, lançados lado a lado, não foram apenas um exercício de ousadia. Foram uma declaração de intenções. Uma prova de que a animação pode ser mais do que entretenimento — pode ser terapia, protesto, poesia e redenção.

Se o cinema é a arte de nos fazer sentir, o Ghibli ensinou-nos que é possível sentir tudo… numa única sessão.

a máquina que dança

文章

TEXTO BERNARDO JESUS

Inteligência Artificial, Corpo e o Declínio da Confiança

As suas palavras surgem pausadas, como se procurasse organizar os próprios pensamentos diante de um mundo em colapso. O olhar permanece fixo num ponto indefinido — talvez uma memória, talvez uma hipótese futura. A sua fala exige escuta atenta: inquieta, por vezes desconexa, mas profundamente reveladora. Nesta entrevista, o artista conduz-nos por um território onde a Inteligência Artificial dança sem dor, onde o corpo deixa de ser limite e onde a linguagem humana carece de um novo espaço de sobrevivência, enquanto o planeta perde lentamente a sua confiança.

Um artista que observa o futuro nos movimentos de um corpo sintético. Numa conversa desconcertante, reflecte sobre a ausência de dor, a consciência e a necessidade urgente de reinventar a linguagem humana.

Referiu um CG analisado por Inteligência Artificial. Poderia explicar do que se trata?

É um modelo gerado por computador, submetido a estudo por uma IA. À primeira vista, parece estar a dançar. Contudo, trata-se de algo mais complexo. Os seus movimentos são rápidos, abruptos, como se utilizasse a cabeça como se fosse uma arma — uma espada. Não manifesta dor. Não reconhece na cabeça qualquer função especial. Isso altera por completo a lógica do movimento. Ao eliminar a dor, obtém-se liberdade, mas também se perde algo que nos é essencialmente humano.

Esse tipo de movimento poderá ter alguma aplicação concreta?

Sim, sobretudo no universo dos videojogos — particularmente em jogos de zombies, por exemplo. O movimento, por não obedecer a padrões naturais, torna-se perturbador. A IA tem a capacidade de conceber gestos e acções que o corpo humano não imaginaria realizar. Quando se retira o limite imposto pela carne, o impensável torna-se possível.

O seu trabalho insere-se mais na vertente artística ou científica?

É uma intersecção de ambas. Mas é também um espelho. Observo este fenómeno diariamente. Ou melhor, não observo sempre o modelo, mas vejo um amigo, alguém que sofre de uma perturbação mental. Os seus gestos, os movimentos que realiza, recordam-me constantemente que o corpo humano é frágil — por vezes até involuntariamente cómico.

Acredita que existe uma ligação entre estes movimentos artificiais e a experiência humana?

Sim, sem dúvida. A principal diferença reside na ausência de dor. Quando se observa alguém — ou algo — a mover-se sem dor, emerge uma sensação de desconforto. Há algo de profundamente inquietante nisso. Quase como se estivéssemos perante uma negação da vida. Como se todo o saber inscrito no corpo estivesse a ser ignorado.

Quando fala de “declínio”, refere-se ao quê?

Refiro-me ao fim do planeta tal como o conhecemos. E não, não o digo em tom apocalíptico. Falo de um fim silencioso, progressivo. As pessoas perderam a confiança — nos outros, em si próprias, nas instituições. E quando isso acontece, o mundo já começou a desaparecer.

Acredita que ainda é possível fazê-lo?

É difícil, mas sim, acredito que é possível. É por isso que continuo. É por isso que observo aquele corpo estranho a dançar, sem dor. Porque, por vezes, no que é mais estranho e desconcertante, pode residir o início de algo novo.

Através da dança inquietante de um corpo sintético — livre da dor e dos limites humanos — esta entrevista reflete sobre como a Inteligência Artificial pode acelerar o colapso da nossa confiança e da própria linguagem, ao mesmo tempo que nos convida a reinventar um espaço de escrita e de humanidade antes que o “fim silencioso” do nosso mundo se concretize.

No entanto, também fala em criação. O incómodo não é, por vezes, motor da criação?

É verdade. Se alguém quiser criar algo que provoque desconforto, conseguirá fazê-lo. Contudo, não é esse o meu objectivo — ou, pelo menos, não o é de forma gratuita. Não pretendo apenas ser mais uma voz estranha num tempo de colapso. O que desejo é criar um espaço onde as pessoas possam escrever — como seres humanos verdadeiros escrevem. Um lugar onde a linguagem ainda possa ter sentido, mesmo num mundo em declínio.

Mencionou a intenção de criar um espaço onde as pessoas possam escrever. Que tipo de espaço seria esse?

Seria um espaço de liberdade, sem o receio de parecer estranho ou inadequado. Um lugar onde a linguagem continue a ter valor, mesmo que esteja em processo de desconstrução. Para mim, a escrita é a última fronteira da humanidade. Quando até isso for automatizado, higienizado, uniformizado... então sim, estaremos perante um verdadeiro fim.

Considera a Inteligência Artificial uma ameaça a esse espaço?

Pode sê-lo, se a deixarmos agir sem consciência crítica. Mas também pode ser uma aliada, se conseguirmos orientá-la. O problema não está na IA em si, mas na fragilidade dos laços humanos. A IA apenas acelera o colapso de estruturas que já estavam frágeis. Precisamos de recuperar a confiança — na palavra, no gesto, até no silêncio.

história em (re)frames

a arte por de trás dos filmes

GRAVE OF THE FIREFLIES

ISAO TAKAHATA
ABRIL/ Maio
#001
ABRIL/ Maio
ABRIL/ Maio

história em (re)frames

a arte por de trás dos filmes

NAUSICAÄ DO VALE DOVENTO

a arte

TEXTO BERNARDO JESUS

O MEU

VIZINHOTOTORO

Hayao Miyazaki é o aclamado realizador por trás de algumas das obras mais icónicas do Estúdio Ghibli. Entre os seus filmes mais conhecidos estão A Viagem de Chihiro, O Castelo Andante, O Meu Vizinho Totoro e Princesa Mononoke, que combinam fantasia, natureza e crítica social. Também assinou Nausicaä do Vale do Vento, Ponyo à Beira-Mar e Porco Rosso, explorando temas como a guerra, o crescimento e a ecologia. O seu estilo único mistura imaginação deslumbrante com uma profunda sensibilidade humana. Em 2023, regressou com O Rapaz e a Garça, uma obra meditativa sobre perda e amadurecimento.

PORCOROSSO

CASTELONOCÉU

ORAPAZEAGARÇA

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