
6 minute read
OPINIÃO
João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
Advertisement
É (Im)possível Negociar Com um Bully?
VVem este artigo a propósito da recente guerra da Rússia contra a Ucrânia, e das sucessivas e fracassadas negociações de cessar-fogo entretanto ocorridas. Neste artigo convido o meu leitor@ a tentar responder à pergunta: É
(im)possível negociar com um bully?
Vejamos sucessivamente:
1. A negociação como uma das formas de resolução de conflitos. 2. O que é o bullying negocial? 3. Como ultrapassar a (Im)possibilidade de negociar com um bully?
1. A negociação como uma das formas de resolução de conflitos.
Quando diferentes partes (v.g. indivíduo ou grupos ou comunidades ou regiões ou nações ou países, e, mais recentemente, blocos económicos e/ou políticos), - possuem necessidades cuja satisfação implica a partilha de recursos, - de natureza tangível ou intangível (v.g. terra arável; água; vias de acesso ao mar, dinheiro, etc.), - activos esses que são finitos e, por consequência, escassos, - e não existindo nenhum mecanismo comumente aceite, - de distribuição dos referidos recursos escassos, - tais partes entram em conflito, - com o intuito de se apropriarem de tais activos. E são basicamente três as modalidades de apropriação de (ou pela positiva, modalidades de gestão de conflitos sobre) recursos escassos entre os homo sapiens: - Uso do Poder e da Força (v.g., através da guerra). - Uso do Direito (v.g., através da arbitragem e dos tribunais). - Uso da Negociação (v.g., através da conciliação voluntária de interesses). Entretanto, e à medida que a civilização foi avançando, o homo sapiens foi abandonando o uso da modalidade do poder e da força, para dar prioridade aos restantes meios de resolução de conflitos/ apropriação de recursos escassos: o uso do Direito; o uso da Negociação. Não sem excepções, infelizmente, como o comprova a referida guerra!
2. O que é o bullying negocial?
Na minha opinião, para ser considerado bullying negocial o comportamento de uma das partes em relação à parte contratante débil deverá, cumulativamente, possuir as seguintes características: a) Ser agressivo. O bullying pode ser classificado em quatro tipos: verbal, social, físico e dano à propriedade. O bullying verbal é dizer ou escrever algo que seja cruel ou intencional e inclui actos como fazer comentários impróprios ou ameaçar, causar dor, stress, sofrimento e perda, fazer exigências escandalosas, insistir na sua posição e ameaçar afastar-se da negociação. O bullyingsocial, por vezes referido como bullying relacional, envolve ferir a reputação ou os relacionamentos de alguém e inclui espalhar rumores ou causar constrangimento público intencional. O bullying físico envolve ferir o corpo de uma pessoa e inclui acções como fazer esperar, criar um ambiente físico desconfortável (v.g. quente/frio), tomar seus pertences. O quarto tipo de bullying envolve qualquer tipo de dano intencional à propriedade do contratante débil, usando tácticas como pedir preços muito baixos hoje, com a “promessa” de mais negócios no futuro. b) Ser repetido ao longo do tempo: não se trata de um acto isolado. O bully retira prazer das suas acções, normalmente volta sempre a reincidir no mau comportamento e nas diferentes fases do processo negocial: desde o momento inicial da definição da agenda negocial, até ao fecho da negociação onde, normalmente e no último minuto, solicita mais uma concessão final e, mais além, na próxima negociação! c) Envolver um real ou aparente desequilíbrio de poder entre as partes: aparentemente, o bully encontra-se invariavelmente em situação de poder: - ou no papel de chefe2; - ou no papel de cliente (tipicamente, no C-level, ou no sector de procurement)3; - ou no papel de representante negocial; - ou no papel da autoridade; ou no papel de “mais velho”. A assimetria de poder está presente e o bully usa e abusa dessa prerrogativa no sentido de colocar o contratante débil

É o fracasso das negociações de cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia que inspirou a reflexão neste artigo
sempre na defensiva. E pensa em termos de ganhar a perder, por isso têm sempre de ganhar e os outros têm sempre de perder.
d) E cuja intenção é a de dominar, con-
trolar ou prejudicar a contraparte: ou, de outro modo, o bully, impulsionado pelo medo de estar fora de controlo, com baixa auto-estima, quer tornar a negociação num jogo de poder misturando e baralhando, deste modo, duas das três modalidades de apropriação de recursos escassos entre os homo sapiens. Num estudo4 recente provou-se que o estilo colaborativo (Win-Win), que foi escolhido por 50% dos inquiridos como o seu estilo de negociação declarado, apenas 2,6% da amostra total estava, na prática, conduzindo as negociações neste estilo⁵. Ou, de outro modo, i) não somos capazes de reconhecer o nosso próprio estilo negocial; ii) e a tendência é adoptar estilos não colaborativos (Win-Loose).
3. Como ultrapassar a (Im)possibilidade de negociar com um bully?
Em “Roadmap for Negotiation”⁶ formulámos — inspirados no Harvard`s Program on Negotiation⁷ — com base em 14 alavancas negociais, um método⁸ que permite dar resposta a esta questão. Neste, uma série de tácticas e anti-tácticas negociais foram formuladas para atacar o coração do comportamento negocial bully, respectivamente: - Manter a objectividade (o “olho no prémio”), não reagir às provocações, usar a paciência e o silêncio para desarmar e dissipar o nível de agressi-
vidade.
- Mudar a intenção e o foco do jogo: efectuar o reframing de um processo de poder e força, para um processo de resolução colaborativa de conflitos. - Alavancar o nosso poder, fragilizando o poder do bully e assim equilibrar a balança de forças facilitando o “Sim” e tornando difícil dizer “Não” à nossa proposta de valor negocial. - Impedir a repetição, no tempo, das práticas predatórias. - E construir e manter uma melhor alternativa ao presente negócio (“Ter um Plano B”).
Em conclusão
Negociar com um bully não é navegar num mar de águas tranquilas: mas essas não fazem bons marinheiros. O bully procura incessantemente, desde a primeira hora e até ao último instante, GANHAR, com recurso a métodos próximos da força bruta, a maior fatia do bolo negocial e à custa dos interesses da contraparte débil. E se o leitor@ pensa que a estratégia de ceder às pressões do bully é a correcta, desengane-se: pois que raramente fazem com que estes parem de querer mais…e mais! Como negociadores, o nosso trabalho é não perder de vista o nosso objectivo negocial, saber dissipar o nível de agressividade, mudar as regras do jogo e fazer saber que a única maneira do bully ganhar é se cooperar. Mas, acima de tudo, assegurar-nos de que não somos nós o bully na sala.
1A Pirâmide de Maslow ou Teoria das Necessidades Humanas. Este modelo, desenvolvido pelo psicólogo norte-americano Abraham Maslow, sugere que nós, seres humanos, somos motivados em satisfazer cinco necessidades básicas: fisiológicas, de segurança, social, de auto-estima e de realizações pessoais. 2 GOMES, João “YES BOSS”. Artigo publicado na revista Economia & Mercado, Agosto 2020. 3 Lembro-me de presenciar o caso de uma grande empresa que, no departamento de procurement, e bem à vista de todos os candidatos a fornecedores, tinha impressa uma folha A4 colada na parede, uma foto de uma toalha torcida… e da qual pingava sangue!!! 4 MILLER, Ofir “The negotiation style: a comparative study between the stated and in-practice negotiation style”. West University of Timisoara, 2013. 5 Para mais detalhes sobre estilos negociais conferir: Pruitt & Rubin “Modelo de Preocupações Duais” 1988. 6 JASON Moçambique et GOMES, João “Roadmap for Negotiation – From Price to Value”. 7 FISHER, Roger, et URY, William “Getting to Yes: Negotiating Agreement Without Giving In” 8 Este método e marca encontram-se protegidos em Moçambique: Instituto de Propriedade Industrial, Registo nº 38857/2019.