Ubuntu: Revista de Ciências Sociais e Humanas - 3º volume

Page 1


Conselho Científico da Academia de Líderes Ubuntu 3º 2025

Nome da Revista: Ubuntu: Revista de Ciências Sociais e Humanas

Propriedade: Instituto Padre António Vieira

Periodicidade: Anual

Coordenadores: José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

Revisão: Tânia Neves

Design gráfico: Marília Bruno

ISSN: 978-989-35104-0-7

ISSN: 2975-9072

Grafismo e paginação: Pedro Santos

Conselho Editorial desta Edição: José Luís Gonçalves, Madalena Alarcão e Tânia Neves

Avaliadores/as desta Edição: Ana Paula Gomes, Joana Lobo Fernandes, Miguel Prata Gomes e Susana Caires.

Revista com arbitragem científica: os artigos são da responsabilidade dos seus Autores e das suas Autoras.

Esta publicação só foi possível com a ajuda das muitas entidades que apoiam a Academia de Líderes Ubuntu:

Direção-Geral da Educação; Organização de Estados Ibero-Americanos; Fundação Belmiro de Azevedo; Fundación Aprendiendo a Ser; Fundação ”la Caixa”; Fundação

Calouste Gulbenkian; Fundação Manuel António da Mota; The Africa Europe Foundation; Fundación Tomillo; Fundación SM; Fundação Ruben Fernandes; Associação Boa Vizinhança - Dona Ajuda; World Bank Group; BNP Paribas; Caixa Geral de Depósitos; NTT Data; Colégio Efanor; Estrutura de Missão Portugal Inovação Social; Instituto da Segurança Social I.P.; Instituto do Emprego e Formação Profissional I.P.; Instituto Português do Desporto e da Juventude I.P.; Agência Nacional Erasmus+ Juventude/ Desporto e Corpo Europeu de Solidariedade; Câmara Municipal de Sintra; Câmara Municipal de Lisboa; Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia; Câmara Municipal de Espinho; Câmara Municipal de Mafra; Câmara Municipal de Alcochete; Câmara Municipal de Santarém; Câmara Municipal de Valongo; Câmara Municipal de Braga; Câmara Municipal de Vila Verde; Câmara Municipal de Tomar; Câmara Municipal da Batalha; Câmara Municipal de Leiria; Câmara Municipal de Vendas Novas; Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; Comunidade Intermunicipal do Ave; Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo; Junta de Freguesia do Bonfim; Instituto Politécnico de Viana do Castelo; Instituto Politécnico de Castelo Branco; Instituto Politécnico de Portalegre; Instituto Politécnico de Tomar; Instituto Politécnico de Santarém; Instituto Politécnico de Coimbra; Instituto Politécnico de Leiria;

A quem somos gratos.

EDITORIAL

José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

EMPOWERING THE UBUNTU SPIRIT through Higher Education Institutions in Africa

O OLHAR DOS ESTUDANTES SOBRE OS CLUBES UBUNTU: Um estudo sobre o programa Ubuntu no território educativo de Vila Nova de Gaia

DISCURSOS DE ADOLESCENTES.

O método Ubuntu de Educação para valores

IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA UBUNTU NO ENSINO SUPERIOR: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

PROMOÇÃO DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS E SOCIAIS em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

ENTREVISTA a Diana Prata

RECENSÃO DO LIVRO “I AM BECAUSE YOU ARE: How the Spirit of Ubuntu Inspired an Unlikely Friendship and Transformed a Community”, de Jacob Lief

José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

EDITORIAL

José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

O novo número da Revista Ubuntu oferece aos leitores e leitoras um novo conjunto de artigos, de âmbitos diversos, que muito enriquecem o espólio de investigação da Academia de Líderes Ubuntu (ALU).

Assim, inauguramos esta edição liderados por MwakioMwagandi, com o artigo Empowering Ubuntu through African Higher Education Institutions, que nos relata a experiência e a avaliação da implementação da ALU na Taita Taveta University (TTU), no Quénia. Acolhendo o espírito e o significado de profunda humanidade que o Ubuntu preconiza, o autor sublinha que esta filosofia transcende, na sua opinião, a sua origem sul-africana, reconhecendo-se muitos africanos neste modo de ser e de viver esperançoso. Em consequência, esta instituição de ensino superior reconheceu a pertinência de que esta mundivisão impregnasse, desde cedo, a formação dos estudantes universitários recém-chegados à TTU, tendo usufruído deste programa mais de cem estudantes no final do ano de 2024.

A avaliação que se faz desta intervenção é francamente positiva pelo que, para garantir a sustentabilidade da iniciativa, a formação tornou-se uma cultura na universidade, constituindo-se, para o efeito, um clube de estudantes, o Ubuntu Leaders Academy Club. Este é responsável pelo recrutamento de novos estudantes e pela sua formação anual.

Os Clubes Ubuntu têm sido entendidos pela própria ALU como uma estratégia relevante na expansão dos princípios e práticas Ubuntu e na sustentabilidade de uma liderança servidora. A investigação sobre os seus resultados e desafios tem sido um propósito de vários investigadores portugueses, dando-se, seguidamente, a conhecer mais um estudo realizado com alunos portugueses.

O artigo O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o Programa Ubuntu no território educativo de Vila Nova de Gaia, da autoria de Elsa Montenegro Marques e Paula Vieira, procura aprofundar esse conhecimento a partir da análise dos resultados de quatro grupos focais realizados com15 estudantes, do 8º e 11º anos, com idades entre os 14 e os 17 anos, selecionados com base na sua participação ativa e envolvimento direto nas

atividades dos Clubes Ubuntu. Este estudo é um recorte de uma investigação maior, integrada num vasto projeto de investigação que pretendeu estudar os efeitos do Programa Ubuntu em estudantes do 3º ciclo do ensino básico, secundário e ensino profissional de estabelecimentos de ensino de Vila Nova de Gaia, entre 2020 e 2022. Recorrendo a uma metodologia qualitativa, as autoras procuraram: (i) conhecer a forma como os mesmos consideraram que a formação Ubuntu impactou as suas vidas, (ii) saber como funcionam os Clubes Ubuntu e quais as atividades que desenvolvem e (iii) recolher sugestões quer para a melhoria da formação quer dos Clubes Ubuntu. Pela voz destes alunos foi possível compreender que os mesmos consideram que os Clubes Ubuntu têm proporcionado experiências muito positivas e enriquecedoras, contribuindo para o desenvolvimento da empatia, compreensão e respeito mútuo entre colegas e para a tomada de decisão e responsabilidade na organização de atividades culturais, sociais e cívicas. No entanto, o estudo também destaca limitações específicas e oportunidades de melhoria no que diz respeito à visibilidade e metodologia interna dos Clubes. Do conjunto de recomendações, destacamos as seguintes: (i) ampliar a visibilidade da metodologia Ubuntu dentro da comunidade escolar, com maior envolvimento quer da direção quer dos professores, (ii) ter um calendário mais frequente de atividades e um espaço físico próprio para os Clubes Ubuntu; (iii) favorecer a coparticipação dos alunos na conceção, implementação e gestão das atividades promovidas pelos Clubes. As autoras destacam, ainda, a importância da institucionalização da metodologia Ubuntu nas escolas, articulando, de forma mais estreita, os diferentes atores educativos e as diversas aprendizagens, aumentando a comunicação dentro e fora da escola, reforçando parcerias locais e dando oportunidades aos jovens para exercer uma liderança servidora.

A terceira proposta de leitura é-nos oferecida por Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de educação para valores, da autoria de Ana Maria Tomás Almeida, Josélia Fonseca e Eric Rocha. O estudo, baseado na análise dos discursos de 117 adolescentes participantes das Semanas Ubuntu em seis escolas portuguesas, alunos com idades compreendidas entre os 12 e os 19 anos, identifica fortes indicadores do potencial pedagógico do método Ubuntu, mobilizando as dimensões cognitiva, moral e emocional dos participantes tendo em vista descobrir o seu impacto na educação para os valores. Sublinham as autoras que o método Ubuntu fornece, através da combinação de atividades experienciais e participadas,

um ambiente estruturado para a educação de valores, onde a “identificação com figuras narrativas poderosas” (storytelling) e a “troca de pontos de vista diversos” (discussão moral) mobilizam efetivamente os adolescentes a adotar valores pró-sociais – como a corresponsabilidade e a empatia – e a aplicá-los a questões morais atuais. Os resultados sugerem que o storytelling e as discussões morais mobilizam as dimensões cognitiva, moral e emocional dos jovens para promover o seu envolvimento cívico e raciocínio moral. O artigo conclui, ainda, que as estratégias do método Ubuntu mostram potencial para desenvolver a cidadania ativa e autonomia moral, encorajando uma mudança do individualismo para a responsabilidade compartilhada.

A quarta proposta de leitura é-nos oferecida por Ana Sofia Rodrigues, Márcia Mariz Carvalho, Carla Faria, Ana Teresa Oliveira e Linda Saraiva, com o estudo Implementação do Programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e Resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC). O estudo detalha a implementação e avaliação do Programa Ubuntu no IPVC - que teve lugar entre os anos de 2022 a 2025 com a participação de 60 estudantes nas “Ubuntu Weeks” e de 179 estudantes nas mais flexíveis “Alu Days” -, analisando o impacto do programa na assunção das competências socioemocionais subjacentes aos cinco pilares Ubuntu. O estudo sustentou-se, para o efeito, numa abordagem de métodos mistos envolvendo questionários e observação. Como destacam as autoras, “os resultados apontam um crescimento significativo das competências socioemocionais, com destaque para a autoconfiança e o autoconhecimento. A empatia registou a menor evolução relativa, sugerindo a necessidade de reforçar estratégias pedagógicas para potenciar esta competência”. O feedback dos participantes e os dados qualitativos reforçaram, em grande medida, as tendências positivas observadas nos resultados da avaliação quantitativa de impacto, particularmente no que diz respeito ao crescimento pessoal e à elevada satisfação verificada. No entanto, os dados qualitativos também forneceram uma nuance importante em relação ao desenvolvimento da empatia, que as métricas quantitativas identificaram como uma área menos forte. Esta discrepância sugere que, embora os participantes tenham adquirido uma consciência crescente da importância da empatia e da capacidade de se colocarem na perspetiva do outro, as medidas quantitativas de desenvolvimento de habilidades podem ainda não refletir a internalização completa ou a mudança comportamental.

O quinto e último artigo intitulado Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (PDI), de Sílvia Ferreira, debruça-se sobre as adaptações do método Ubuntu tendo em vista promover a participação e o desenvolvimento de competências pessoais e sociais em alunos com PEA e PDI. O projeto de intervenção baseou-se na metodologia de investigação-ação e foi desenvolvido numa unidade de apoio especializado em Lisboa, com seis alunos, recolhendo dados através de múltiplos métodos, incluindo observação, entrevistas e testes sociométricos. Os resultados sugerem que, embora tenha havido um progresso geral positivo nas competências pessoais (autoconhecimento, confiança e resiliência) e sociais (comunicação e empatia) para a maioria dos participantes, os resultados ficaram aquém do esperado. No entanto, as atividades adaptadas foram consideradas pertinentes e benéficas para promover a comunicação, interação e adaptabilidade entre os alunos. O projeto promoveu, ainda, competências transversais que incluíram trabalho em equipa, flexibilidade e adaptação à mudança. Fomentou também a criatividade e motivação para o sucesso, ligada ao conceito de serviço e tomada de decisão responsável, assim como a autonomia pessoal e o respeito pelos outros, conduzindo a situações visíveis de amizade e empatia. Embora tenham sido observados progressos, algumas áreas de competência associadas aos diagnósticos de PEA/PDI permaneceram desafiadoras, apoiando a literatura existente sobre défices persistentes nessas populações.

Este número da revista termina com uma entrevista a Diana Prata e com a recensão do livro I am because you are: How the spirit of Ubuntu inspired an unlikely friendship and transformed a community

Diana Prata, neurocientista, investigadora principal no Instituto de Biofísica e Engenharia Biomédica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde fundou o laboratório de Neurociência Biomédica, é entrevistada por Tânia Neves a propósito do trabalho que realizou e publicou, em 2025, na revista Humanities and Social Sciences Communications. Nesse estudo conclui que há evidências de que a ocitocina endógena aumenta durante tarefas de ligação em grupo e que o seu aumento após uma semana de formação Ubuntu se correlacionou positivamente com um aumento da empatia emocional. Nesta entrevista, Diana Prata explica-nos como se iniciou a sua ligação à ALU e à sua proposta de educação

não formal através da Semana Ubuntu e faz-nos uma síntese dos principais resultados do estudo que idealizou e concretizou para testar a sua hipótese de que poderia “captar-se neurobiologicamente os benefícios da Semana Ubuntu [realizadas nas escolas], olhando especificamente para o sistema da hormona e neurotransmissor oxitocina. Isto porque –como temos vindo a descobrir inclusive com o trabalho do nosso laboratório - o aumento de oxitocina no nosso cérebro induz aumento de atenção a estímulos sociais, empatia, confiança-no-outro, cooperação e pertença. Ou seja, iríamos ver um impacto do treino socio-emocional da Semana Ubuntu nos níveis da hormona (através da sua medição na saliva)”. Esta entrevista é um excelente mote para a leitura integral do artigo e para refletirmos sobre a importância da relação, da atenção ao outro, de uma ética do (auto) cuidado pois, como refere Diana Prata “a saúde social é o maior preditor da felicidade e protetor da doença física e mental”.

Disso mesmo, ainda que de forma diferente, nos fala Gabriela Longo. partindo da apresentação do seu autor, Jacob Lief, dá-nos a conhecer o livro I am because you are: How the spirit of Ubuntu inspired an unlikely friendship and transformed a community, obra que traduz o trabalho e reflexão de Jacob Lief e Malizole “Banks”Gwaxula em torno do projeto Ubuntu Education Fund. Lief compreendeu que, para uma comunidade que estava profundamente traumatizada e ferida pelo Apartheid e por sucessivos ciclos de pobreza, crime e desesperança, não eram apenas necessários recursos materiais. “Só através da sua transformação, com um novo sistema de significados, seria possível redefinir a identidade da comunidade, permitindo desta forma, pensar o futuro”. Socorrendo-se da lente da psicologia social e comunitária, Gabriela Longo faz uma leitura da obra de Jacob Lief a partir dos conceitos de comunidade, risco, importância de relações de qualidade, de participação e empoderamento, criando no leitor a necessidade de conhecer em detalhe o livro e a obra de Jacob Lief.

MWAKIO MWAGANDI

1. Institution, Research Centre, City, Country, E-mail, ORCID – Taita Taveta University, Kenya, mwakiomwagandi@gmail.com, https://orcid.org/0000-0003-2205-1856

2. Institution, Research Centre, City, Country, E-mail, ORCID - Instituto Padre António Vieira, Kenya project, harrymwailengo@gmail.com

Abstract

Ubuntu is a term that Africans use to describe “humanness”. It stands for an attitude of caring and sharing, as encapsulated as by the motto, “I am because you are”. This, being a virtue that is at the core of human existence, Ubuntu transcends geographical boundaries and may be named differently by different tribes. It is a way of life and emphasizes the significance of the solidarity of a community. The tenets of this philosophy are fundamental for a better tomorrow. Consequently, it is imperative to have them inculcated in current and future generations. It is against this backdrop that Instituto Padre António Vieira is working with educational institutions all over the world to instil the spirit of Ubuntu in scholars. In Africa, this journey commenced via a collaboration with Taita Taveta University, Kenya. Selected students, with immense leadership potential, were trained on the principles of Ubuntu leadership. This training empowered the participants with competencies to become more caring, listening, trusting and of service to humankind. Examples of effective Ubuntu leaders including Nelson Mandela, Mahatma Gandhi and Desmond Tutu were used. To enhance the sustainability of this practice, the training has been made a culture at the university by forming a students Club, the Ubuntu Leaders Academy Club. It is responsible for recruiting new students and training them annually. At any point in time, the Club has fully-trained trainers. In addition, the Club president, under the student exchanges programme, made a benchmarking visit to Portugal. Further, the Club is involved in social responsibility activities. As of the end of the year 2024, over 100 students at Taita Taveta University went through the programme. This reflection includes possible strengths, weaknesses, opportunities and threats of university Ubuntu Clubs along with strategies for propelling them to greater performance. Long live the Ubuntu spirit.

Keywords: Ubuntu; Empowerment; Sustainability; Strategies.

1. Introduction

Ubuntu is a term that the Zulu and Xhosa people of South Africa used to describe “humanness”. It stands for an attitude of caring and sharing. This concept is espoused as a philosophy which is based on generic life values of justice, responsibility, equality, collectiveness, relatedness, reciprocity, love, respect, helpfulness, community, caring, dependability, sharing, trust, integrity, unselfishness and social change. This, being a virtue that is at the core of human existence, Ubuntu transcends geographical boundaries and is named differently in different parts of Africa. It goes by Bantu, Maaya, Utu, Obuntu, Gimuntu and Ubunthu to name but a few. Consequently, it is not right to say that this philosophy originated from South Africa. It is a way of life for many an African and emphasizes the significance of the solidarity of a community. Table 1 presents derivatives of the term in the Bantu languages.

Table 1. Derivatives of Ubuntu in the Bantu languages

Ubuntu Derivative

Bantu Language

Abantu Uganda

Botho or Motho

Sesotho

Bunhu Xitsonga

Numunhu or Munhu Shangaan

Ubuntu, Umtu or Umuntu isiZulu and isiXhosa

Umunthu

Utu

Vhuntu or Muntu

Ngoni, Chewa, Nyanja and Bemba (Malawi, Zambia, Mozambique, and Zimbabwe)

Swahili (Tanzania, Kenya and Uganda)

Tshivenda

Source: Adapted from Khomba (2011)

This ideology upholds the fact that the form taken by an individual is contingent upon the input of another person, “I am because you are”. Rui Marques, the formal President of Instituto Padre António Vieira (IPAV) summarizes this approach by saying “Sometimes we need to step out of ourselves, to find ourselves again. It is important to know how to establish a critical distance from ourselves in order to glance at the essence of our inner selves. This glance allows us to see areas of personal weakness that make us learn from others” (Scheepers, 2019, p. 5).

In their systematic review of the core aspects of Ubuntu, Ewuoso and Hall (2019) posit that

“Ubuntu is an essentially relational ethics, that prizes relationships of interdependence, fellowship, reconciliation, relationality, community friendliness, harmonious relationships and other-regarding actions such as compassion and actions that are likely to be good for others, in which actions are morally right to the extent that they honour the capacity to relate communally, reduce discord or promote friendly relationships with others, and in which the physical world and the spiritual world are fundamentally united” (p. 101).

The tenets of this philosophy are fundamental for a better tomorrow. Subsequently, it is imperative to have them inculcated in current and future generations, both in Africa and beyond. John Volmink, in a publication titled ‘Building Bridges - Ubuntu and Servant Leadership’, states

“We would like to believe that the African Ubuntu concept will make a genuine contribution to such a new global ethic. Given its profound relational dimensions, Ubuntu crosses all kinds of borders, be they political, economic, cultural or civil. Consequently, Ubuntu has the potential to influence all spheres of public policy, of citizenship, of people development and of governance. We can look at Ubuntu as a moral philosophy or, in postmodern language, as a meta-narrative” (Scheepers, 2019, P. 47).

2. Method

This paper is a reflection by the team leaders who were at the forefront of introducing the Ubuntu Leaders Academy in Africa. These are the patron of the Ubuntu Club at Taita Taveta University and the project manager of Instituto Padre António Vieira in Kenya. They are also the authors of this paper. They examine and share their own thoughts, feelings and experiences with respect to the journey of embedding and inculcating the Ubuntu spirit in higher education institutions in Africa. Attempts have been made to link their views to literature.

3. Background

The Ubuntu philosophy, which has its roots in many African civilizations, captures the spirit of humanity and interdependence across communities. The phrase “Ubuntu” means “I am because we are,” highlighting how intertwined all members of a community are. By encouraging virtues like empathy, compassion, and respect for others, this philosophical framework fosters societal cohesiveness and a sense of shared responsibility.

Recognising that the quality of life and peaceful co-existence revolve around who individuals are, Ubuntu has been used to solve a number of socioeconomic issues on the African continent. Its tenets provide a framework for ethical leadership, governance and dispute resolution. It aids in placing a higher priority on the welfare of the community rather than on personal benefit.

Ubuntu principles are applicable even in the current era of Gen-Z whose lives are hinged on technology. It has gained a position in the provision of insights into the development of inclusive online environments that mirror actual communal interactions as communities increasingly use digital platforms. Collaborative technology, for example, can be developed to encourage group problem-solving as opposed to individualistic methods. Moreover, schools in Africa are starting to include Ubuntu values in their curricula. Educators are preparing future leaders who value cooperation over rivalry by cultivating an environment of respect and understanding from an early age. The business sphere has

also been impacted by Ubuntu. A case in point is the cooperative business models that epitomize the spirit of Ubuntu. They have stemmed as a feasible option to the traditional capitalist frameworks. These models emphasize equitable distribution of resources and profits among members while promoting social and local entrepreneurship. They further embed sustainability in business arrangements. “Globally, Ubuntu offers a valuable alternative to individualistic paradigms, promoting cooperation and empathy in addressing worldwide challenges” (Ajitoni, 2024, p. 12).

It is against this backdrop that IPAV is working with educational institutions all over the world to instil the spirit of Ubuntu in scholars. It has set up the Ubuntu Leaders Academy which is a powerful platform to empower students in African schools to become leaders and changemakers in their communities. This is a non-formal education program that uses a pedagogical model that is centred on the trainees through a participatory and experiential approach. Its content includes sessions on Leading like Mandela, Building bridges, Overcoming Obstacles, Ubuntu Lives, I Have a Dream, and Leading through Service, Ubuntu Leaders Academy aims to instil the values of Ubuntu and equip students with the necessary skills to overcome challenges and create a positive impact in their society. In this essay, we will delve into how these seminars can empower students in African schools.

Ingraining the Ubuntu spirit to youth in Africa is imperative to its development. Given that Africa’s prosperity is hindered by corruption, civil wars, high levels of unemployment and other social problems, the impact of embracing this philosophy cannot be gainsaid. Ubuntu Leaders Academy Clubs are aimed at inculcating leadership skills and promoting an attitude of social responsibility among young learners. They serve as catalysts for personal and communal growth among students. These Clubs not only provide a structured platform for students to develop fundamental leadership skills but also act as vehicles for community service initiatives. Further, they emphasize the importance of cultural awareness and inclusivity as well as the inculcation of social entrepreneurship skills in its subjects.

4. The journey

4.1 The beginning

The Taita Taveta University (TTU) is a public institution of higher learning established in Kenya under the Universities Act of 2012 of the Laws of Kenya. The institution offers quality education, training, research and outreach programs to empower communities for the improvement of their socio-economic well-being while ensuring environmental sustainability. It is located in Taita Taveta County, in the Coastal region; off Voi-Mwatate road, about 8 kilometres from the Nairobi-Mombasa highway, bordering Tsavo East National Park on the East and Tsavo West National Park on the North West.

The IPAV is a public benefit organization and NGO whose mission is to promote and restore human dignity (https://ipav.pt/). One of the avenues it uses to actualise this mission is the the Ubuntu Leaders Academy. This is a non-formal education project aimed at training young people with high leadership potential who come from challenging backgrounds or who want to work in them. It seeks to support, facilitate , enrich and consolidate the development of each participant as a leader serving the community, promoting human and technical skills relevant to their life path (https://www.academialideresubuntu.org/pt/academia-de-lideres-ubuntu/o-que-e).

IPAV partnered with TTU to introduce the Ubuntu Leaders Academy at the University. This training empowered the selected students with knowledge and skills to become more caring, listening, trusting, and serving humanity more effectively by learning from the examples of leaders such as Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, and Desmond Tutu amongst others. The maiden Ubuntu leadership training at TTU culminated in the formation of an Ubuntu Leaders Academy Club, the first of such nature in Kenya. It is very active and has engaged in many an activity including participating in the national tree planting days and secondary school mentorship programmes. As of the end of the year 2024, over 100 students at Taita Taveta University went through the programme.

4.2. Content of the training

The content of the training is encapsulated Table 1.

Table 1.: Content of the Ubuntu Leaders Academy Training

Day Topic Sub-topics

• ‘I am because you are’ - I can only be a person through other people

• Servant leadership

1 Leading like Mandela

2 Building Bridges

• Resilience

• Empathy

• Self-knowledge

• Self confidence

• If I were a bridge

• Rules of a Pontiff

• Testimonies on building bridges

• Perseverance

3 Overcoming Obstacles

4 Ubuntu Lives

5 I Have a Dream

• Persistence

• Overcoming obstacles

• Testimonies on overcoming obstacles

• Freedom writers

• If my life was a movie

• Human library

• Everyone can be great because everyone can serve

• Ikigai

• Ubuntu and Entrepreneurship

The programme is anchored on the five pillars of Ubuntu Leaders Academy, being Self-Knowledge, Self-Confidence, Resilience, Empathy and Service. They serve as a foundational framework for instilling vital values in students within educational settings. Each one of them contributes in a unique way to the holistic development of learners, nurturing an atmosphere favorable to personal development and community engagement. Self-knowledge is critical for learners as it encourages self-examination and self-awareness. When individuals understand their strengths, weaknesses, values, and motivations, they can make informed decisions concerning their academic and personal lives. Aimed at enhancing overall academic performance this pillar encourages a culture of self-analysis that helps participants to identify their objectives and aspirations.

The pillar of self-confidence enables students to take initiative and engage actively in their learning processes. It purposes to boost levels of confidence through activities such as public speaking exercises or leadership roles in group projects. These are expected to output amplified self-assurance which has an effect of improving classroom participation and inclination to successfully take up future challenges in higher education and the workforce.

Resilience, which is essential in equipping students with the capacity to effectively overcome challenges, is cultivated via targeted strategies like problem-solving workshops or stress management techniques enabling students to view challenges as opportunities for growth rather than problems. This mindset bears perseverance and a predisposition for academic success and personal fulfilment. Empathy is intended to allow students to develop meaningful relations with peers and instructors. This is attained by engaging in collaborative projects that require understanding diverse viewpoints or participating in community service initiatives. This skill is key to preparing learners for harmonious living in their institutions and for citizenship in an increasingly interconnected world. Finally, service infuses a sense of obligation toward others. Students learn that their work can have a significant positive impact on society. It fosters a sense of belonging and recognition that life goes beyond the classroom.

The Ubuntu Leaders Academy emphasizes three core values: servant leadership, ethics of care, and building bridges. These principles have practical implications for students in schools, developing an environment conducive to holistic development. Servant leadership enables students to prioritize the needs of others and value collaboration over competition. Ethics of care promote emotional intelligence and ethical decision-making. The learners are equipped to navigate complex social dynamics with sensitivity, awareness integrity and accountability in their actions. “Scholars, health professionals, policy makers and others should be aware that an alternative ethical theory exists in the global South that may be applied to address a variety of global (bio) ethical issues” (Ewuoso & Hall, 2019, p. 93)

Building bridges serves as a catalyst for inclusivity and diversity within educational institutions. By actively participating in dialogues that bridge gaps between diverse groups, students enhance their critical thinking abilities and develop stronger interpersonal skills. “In Africa, it can continue to foster social cohesion and guide governance and development practices” (Ajitoni, 2024).

Additionally, the students are trained in social entrepreneurship. Included in this package is an introduction to digital tools that facilitate efficient communication, data management, marketing and financial tracking to capacitate students to expand their reach and go beyond local markets. The entrepreneurs churned by the programme have the potential to transform communities through sustainable practices and innovative solutions to local and global challenges.

“One of the avenues of reducing unemployment rates is entrepreneurship. Youth seem to be the age group that is hit the hardest by lack of or inadequate opportunities for income generation. This has seen governmental and non-governmental organisations front initiatives aimed at empowering young people to start and run their ventures. They have, amongst other things, created training programs that endeavour to build the capacities of youth in this area” (Mwakio, et al, 2022, p. 106).

4.3. Sustainability

Almost all training needs longitudinal reinforcement for it to bear fruit in their foreseeable futures. To enhance the sustainability of this practice, it was imperative that the training be made a culture at the university. In this vein, a students’ Club, Ubuntu Leaders Academy Club was formed. It is responsible for recruiting new students and training them annually. At any point in time, the Club does have fully trained trainers. The student trainers are expected to train the new members to become trainers to train others. The training of trainers (ToT) strategy is known to be effective in building local capacity for continuity whilst maintaining/enhancing quality. As a way of giving back, the alumni of the Club are encouraged to support it.

Image 1: Some of the participants after Ubuntu training at Taita Taveta University

Support by Ubuntu Alumni

Ubuntu Leadership Training New Members Recruited

Ubuntu Training of Trainers

5. Possible SWOT Analysis for University Ubuntu Clubs in Africa

Table 2 exhibits the possible strengths, weaknesses, opportunities and threats for university Ubuntu clubs in Africa. They reflect the thoughts of the authors.

Table 2. A matrix of possible SWOT for University Ubuntu Clubs in Africa

Strengths

• Continued support by IPAV

• Dedicated patron and Club officials: has ensured consistency, guidance, and support for Club activities

• Sustainable annual training of trainers for continuity

• Membership fee is used to support Cub activities

• Members of the Club are usually well-branded in t-shirts which increase the visibility of the Club

• All trained members are awarded certificates of recognition signed by both the sponsor and the university

• Diverse membership: Members from different backgrounds bring varied skills and perspectives.

Weaknesses

• Reliance on external grants or donations, especially from IPAV

• Associating Ubuntu with the Ubuntu software; students who perceive Ubuntu as a software and are not interested in it, usually and unknowingly let the opportunity to be trained as Ubuntu leaders pass.

• Club activities compete with academic activities for time

Figure 1. Ubuntu Leaders Training Sustainability Cycle at TTU

Strengths

• University support: Access to university resources, such as venues and marketing channels

• Support by management of the University e.g. on approvals of exchange programmes and signing certificates

• Opportunities for members to develop leadership, teamwork, and organizational skills.

• Networking opportunities: Connections with peers, alumni and external organizations.

• Learning from invited guests, both national and international

• Collaborations with other Clubs for events common to each

• Expanding membership by recruiting first-year students every academic year

• Opportunities to participate in initiatives by the Ubuntu Leaders Global Network

• Students may participate in international Ubuntu Leaders Academy activities such as the Ubuntu Fest in Portugal

• Students are provided with chances to engage in community service investment activities; instilling in them a sense of social responsibility and empathy towards others

• Opportunities for partnership with like-minded organizations to execute larger events.

• Opportunities to seek funding from external and internal sponsors e.g. grants and sponsorships

• Technology advancement; the club may utilize social media and digital tools to boost visibility and engagement.

Source: Authors (2025)

Weaknesses

• Limited resources: dependence of Club on membership and subscription fees only

• Low Membership Retention: Difficulty in keeping members engaged after joining.

• Insufficient training for Club leaders and mentors in leadership

• Club leaders may be fatigued by other responsibilities

• Lack of a regular valuation and assessment

• Competition from other leadership Clubs

• Extracurricular activities and academic pressures. More often than not, Club members prioritize studies and extracurricular activities over participation in the Club

• Unforeseen disruptions to academic calendar. These may be accused by pandemics and student unrests.

6. Possible strategies for growth of University Ubuntu Leaders Clubs in Africa

Ubuntu Leaders Academy Clubs may mitigate the effects of their potential weaknesses by: Organizing regular fun and interactive events to maintain the interest of members; Creating member appreciation programmes, such as certificates or “Member of the Month/Year” awards; conducting feedback surveys; Approaching local businesses, alumni, or university departments for funding or in-kind contributions; Collaborating with other Clubs to split event costs; Using tools like Google Calendar to plan events to avoid clashing with academic activities; Distributing responsibilities among members to reduce the burden on leadership; Training junior members for leadership roles through shadowing and mentorship programs; Developing and maintaining a handbook for new leaders to ensure continuity and standardization of processes; Creating engaging posts, including member testimonials, on social media; and Hosting booths during university fairs or orientation weeks and distribute flyers.

To leverage on opportunities, Clubs could:

• Partner with academic departments, other Clubs, or community organizations to host events, share resources, and attract a larger audiences;

• Apply for grants or contests that reward innovative student initiatives;

• Approach alumni networks or local businesses with clear sponsorship proposals outlining the benefits for them such as logo placement and mentions during the event;

• Organize skill-building workshops relevant to students e.g. on resume writing, public speaking and business proposal writing;

• Develop and launch projects like volunteering initiatives, donation drives, or environmental campaigns;

• Start a monthly email (newsletter) to keep members and potential recruits informed about upcoming activities;

• Encourage existing members to bring their friends; and pursue official recognition by relevant ministries or government bodies.

References:

Ajitoni, B. D. (2024). Ubuntu and The Philosophy of Community in African Thought: An Exploration of Collective Identity and Social Harmony.  Journal of African Studies and Sustainable Development, 7(3),1-15

Ewuoso, C., & Hall, S. (2019). Core aspects of ubuntu: A systematic review.  South African Journal of Bioethics and Law, 12(2), 93-103.

Khomba, J. K. (2011). The African Ubuntu philosophy. University of Pretoria, Pretoria, South

Africa. Retrieved from https://repository.up.ac.za/bitstream/handle/2263/28706/04chapter4.pdf?sequence=5

Mwakio, M. S., Ndemo, B., Awino, Z. B., & Muya, N. (2022). The Influence of Organizational Size on The Relationship between Entrepreneurship Training and Organizational Performance of Governmentfunded Youth Group Enterprises In Kenya. DBA Africa Management Review, 12(1), 106-119.

Scheepers, J. (2019). Ubuntu, building bridges for peace. UBUNTU, 177.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: um estudo sobre o programa Ubuntu no território educativo de Vila Nova de Gaia

The students’ perspective on the Ubuntu Clubs: a study on the Ubuntu programme in the educational territory of Vila Nova de Gaia

ELSA MONTENEGRO MARQUES3

PAULA VIEIRA 4

3. Instituto Superior de Serviço Social do Porto, Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, Lisboa, Portugal, elsa.montenegro@isssp.pt, ORCID: 0000-0001-9213-4476

4. Instituto Superior de Serviço Social do Porto, Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, Lisboa, Portugal, paula.vieira@isssp.pt; ORCID: 0000-0001-9486-5192

Resumo

O presente artigo resulta de uma investigação cujo principal objetivo foi avaliar os efeitos do programa Ubuntu aplicado no território educativo de Vila Nova de Gaia, entre 2020 e 2022, junto de estudantes que frequentavam o 3º ciclo do ensino básico, secundário e/ ou profissional. O estudo em questão suportou-se num conjunto de instrumentos metodológicos de natureza mista, aplicados a 420 estudantes de 8 escolas do concelho, 135 encarregados de educação, 5 diretores de Agrupamentos Escolares, 10 professores/educadores e 15 estudantes participantes dos Clubes Ubuntu.

A reflexão aqui apresentada incide nos resultados alcançados a partir da realização de 4 grupos focais a 15 estudantes, centrados em três domínios de análise: a) o impacto da formação Ubuntu nas suas vidas; (ii) o funcionamento dos Clubes Ubuntu e as atividades desenvolvidas; e (iii) sugestões para a melhoria da formação/Clubes Ubuntu. Os resultados sugerem que os Clubes Ubuntu têm proporcionado experiências enriquecedoras de vida em grupo, promovendo a partilha de interesses, a colaboração em projetos comuns e o desenvolvimento de competências como a tomada de decisão e a responsabilidade na organização de atividades culturais, sociais e cívicas. Os estuantes destacaram o impacto positivo da formação no desenvolvimento de uma cultura de empatia, compreensão e respeito mútuo entre colegas de turma. A Semana Ubuntu foi particularmente valorizada por ter contribuído para a redução de conflitos e para a melhoria da comunicação, cooperação e solidariedade entre alunos. Sugerem, ainda, que a formação Ubuntu impulsionou o desenvolvimento da autoconfiança e das habilidades sociais dos alunos, tornando-os mais resilientes e motivados para enfrentar desafios académicos e pessoais. Como oportunidades de melhoria, foi apontada a necessidade de maior visibilidade da metodologia Ubuntu na comunidade escolar e a importância de uma participação mais ativa dos alunos na conceção e gestão das iniciativas dos Clubes.

Palavras-Chave: Clubes Ubuntu; Competências socioemocionais.

Abstract

This article presents the results of a study aimed at evaluating the effects of the Ubuntu programme implemented in the educational territory of Vila Nova de Gaia between 2020 and 2022, among students attending the 3rd cycle of basic, secondary, and/or professional education. The research was based on a set of mixed-method instruments applied to 420 students from eight schools in the municipality, 135 parents/guardians, 5 school group directors, 10 teachers/educators, and 15 students participating in Ubuntu Clubs.

The analysis presented here focuses on the results of four focus groups conducted with 15 students, exploring three key areas: (i) the impact of Ubuntu training on their lives; (ii) the functioning of Ubuntu Clubs and the activities carried out; and (iii) suggestions for improving Ubuntu training and Clubs. The findings suggest that the Ubuntu Clubs have provided enriching group experiences, fostering the sharing of interests, collaboration on common projects, and the development of skills such as decision-making and responsibility in the organisation of cultural, social, and civic activities. The students highlighted the positive impact of the training in promoting a culture of empathy, understanding, and mutual respect among classmates. Ubuntu Week was particularly valued for its role in reducing conflicts and improving communication, cooperation, and solidarity among students. They also suggested that the Ubuntu training boosted the development of self-confidence and social skills, making students more resilient and motivated to face academic and personal challenges. As opportunities for improvement, the need for greater visibility of the Ubuntu methodology in the school community and the importance of more active student participation in the design and management of Club initiatives were highlighted.

Keywords: Ubuntu Clubs; Socioemotional skills.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 28 204 n3 . 2025

Introdução

A reflexão aqui apresentada parte dos resultados de uma investigação 5 que procurou avaliar os efeitos do programa Academia de Líderes Ubuntu (ALU) – Escolas, desenvolvido entre 2020 e 2022, no território educativo do concelho de Vila Nova de Gaia 6, junto de estudantes com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos. O objetivo principal do estudo consistiu em avaliar o papel do programa ALU – Escolas na elevação de um conjunto de virtudes cívicas e de maior tolerância e aceitação do outro, explorando as perceções de estudantes participantes da formação Ubuntu e dos Clubes Ubuntu, mas também dos seus encarregados de educação, professores/educadores e diretores de agrupamentos escolares.

Assente na filosofia Ubuntu, o programa ALU – Escolas tinha como principais objetivos a promoção do autoconhecimento, o fortalecimento da autoconfiança e da resiliência dos estudantes, bem como a promoção de valores coletivos, práticas de cooperação e liderança. Paralelamente, visava potenciar o desenvolvimento pessoal e académico dos alunos, através da valorização das competências sociais, emocionais e cognitivas indispensáveis ao sucesso escolar e ao bem-estar individual. Propunha-se, ainda, consolidar uma cultura democrática nas escolas envolvidas, incentivando a participação cívica dos estudantes e promovendo a capacitação de docentes e educadores nas áreas da mediação de conflitos e do reforço da coesão comunitária dentro e fora do espaço escolar. Para a concretização destes objetivos, o projeto foi estruturado em três ações fundamentais:

a. a Capacitação de Educadores: formação de professores e outros profissionais educativos nos conteúdos e recursos pedagógicos da ALU, com o objetivo de os habilitar a disseminar e a aplicar a metodologia Ubuntu nas respetivas escolas;

5. O projeto de investigação, inscrito no Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social, intitula-se “Programa Escolas UBUNTU: uma via de capacitação de jovens num conjunto de virtude cívicas e de maior tolerância e aceitação do outro?” e foi desenvolvido entre 2020 e 2024. 6. Das 17 escolas/agrupamentos que aderiram ao programa ALU – Escolas no concelho de Vila Nova de Gaia, a investigação que será objeto de análise neste artigo incidiu em 8 escolas do 3º ciclo do ensino básico, secundário e/ou profissional do concelho e envolveu um total de 420 estudantes, 135 Encarregados de Educação, 10 professores/educadores, 5 diretores dos agrupamentos escolares/ escolas envolvidas e 15 jovens participantes em Clubes Ubuntu.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 29 204 n3 . 2025

b. a Semana Ubuntu: experiência imersiva de formação sustentada em três eixos fundamentais, designadamente a liderança servidora, a construção de pontes e a ética do cuidado. Através de dinâmicas de grupo, reflexões individuais e testemunhos inspiradores, estudantes e educadores são desafiados a desenvolver competências socioemocionais, muito em particular o autoconhecimento, a autoconfiança, a resiliência, a empatia e o sentido de serviço, pilares fundamentais da metodologia Ubuntu.

c. os Clubes Ubuntu: constituição de espaços de aprendizagem, participação ativa e envolvimento cívico, onde os estudantes assumem um papel central na dinamização de atividades assentes nos cinco pilares da metodologia Ubuntu. Pretende-se que os Clubes possibilitem que os alunos que participaram na Semana Ubuntu possam aprofundar e aplicar os ensinamentos adquiridos no seu contexto escolar. Os estudantes são convidados a identificar desafios e a desenhar/implementar soluções dentro da escola e da comunidade. Cada Clube define as suas próprias iniciativas e atividades, alinhadas com as necessidades e oportunidades do contexto escolar e do meio envolvente. Os Clubes pretendem funcionar como núcleos que fomentam um ambiente escolar mais colaborativo, inclusivo e solidário.

Este artigo centrar-se-á especificamente na terceira ação estruturante do referido programa, explorando as representações de quinze alunos participantes de Clubes Ubuntu constituídos em 4 escolas/agrupamentos escolares do território educativo de Vila Nova de Gaia.

A nossa reflexão será orientada para uma questão central do ponto de vista do objetivo que nos move: o papel dos Clubes Ubuntu na promoção de competências socioemocionais e na consolidação da filosofia Ubuntu dentro das escolas/comunidades educativas. Parte do pressuposto teórico de que quanto mais as escolas se dedicarem à inclusão da aprendizagem social e emocional nas experiências escolares dos alunos, maior será o seu sucesso educativo (Marques, E. M. & outros, 2024). É amplamente reconhecido que as emoções desempenham um papel crucial no processo de aprendizagem, influenciando diretamente a capacidade de os estudantes adquirirem os conteúdos, persistirem diante de

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 30 204 n3 . 2025

obstáculos e, em última instância, atingirem o sucesso escolar (Kankaraš, M., 2017, Pekrun, Goetz, Titz, & Perry, 2002). A interação entre emoções e aprendizagem transcende a simples regulação afetiva: emoções como a motivação e o entusiasmo tendem a potencializar os processos cognitivos e favorecer a aprendizagem, enquanto emoções como o medo e a ansiedade podem, em alguns casos, dificultar o acesso ao conhecimento e o desempenho académico, sobretudo quando experimentadas de forma muito intensa e desregulada.

Porém, a importância das competências sociais e emocionais ultrapassa, em larga medida, os seus efeitos no rendimento académico. Diversas investigações científicas demonstram que a capacidade de reconhecer, compreender e regular as próprias emoções, bem como de construir relações interpessoais saudáveis e empáticas, tem implicações profundas para o bem-estar dos indivíduos e para a sua interação com o meio social. Essas competências são fundamentais para o desenvolvimento de comportamentos colaborativos e responsáveis, aspetos essenciais para a formação de cidadãos que contribuam de maneira positiva e construtiva para a sociedade (Chernyshenko, O., M. Kankaraš, & F. Drasgow, 2018; Kankaras, 2017; Kautz et al., 2014). Com efeito, a inclusão de competências socioemocionais nas atividades promovidas em contexto escolar, por meio de práticas pedagógicas que favoreçam o autoconhecimento, a regulação emocional e as habilidades sociais, constitui uma estratégia essencial para o desenvolvimento integral dos alunos.

O estudo aqui apresentado propôs-se contribuir para esse debate, explorando os efeitos dos Clubes Ubuntu na promoção e desenvolvimento das capacidades sociais e emocionais dos alunos.

Método

O desenho metodológico do projeto de investigação mais amplo a que nos reportamos teve por base as três principais ações do programa ALU- Escolas, considerando critérios de análise específicos em cada uma delas e aplicando técnicas de recolha de informação diferenciadas, embora complementares do ponto de vista da avaliação.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 31 204 n3 . 2025

Especificamente para analisar os efeitos dos Clubes Ubuntu nos estudantes e na comunidade escolar, recorreu-se à realização de grupos focais, uma técnica de recolha de informação reconhecida pela sua capacidade de aprofundar a compreensão das perceções, experiências e opiniões dos participantes sobre um tema. No contexto deste estudo, foram realizados quatro grupos focais, entre abril e maio de 2022. Nestes grupos, participaram 15 estudantes envolvidos nos Clubes Ubuntu de duas escolas e dois agrupamentos escolares do concelho de Vila Nova de Gaia. O guião de entrevista utilizado foi estruturado em três dimensões principais:

I. o impacto da formação Ubuntu no desenvolvimento pessoal e social dos estudantes;

II. o funcionamento dos Clubes Ubuntu, incluindo as atividades desenvolvidas e os desafios enfrentados na sua implementação;

III. sugestões para a melhoria da formação Ubuntu e para o aperfeiçoamento dos Clubes Ubuntu.

Participantes

O estudo empírico de que partimos focou-se numa amostra específica dentro do universo de 17 escolas e agrupamentos escolares do concelho de Vila Nova de Gaia que aderiram ao programa ALU – Escolas. A investigação foi conduzida em 8 dessas escolas/ agrupamentos, abarcando instituições de ensino do 3º ciclo do ensino básico, secundário e/ou profissional.

A amostra total da investigação incluiu 420 estudantes, 135 encarregados de educação, 10 professores/educadores, 5 diretores dos agrupamentos escolares e 15 jovens participantes nos Clubes Ubuntu. A seleção das referidas escolas e dos participantes visou garantir uma representação diversificada do impacto do programa em vários agentes da comunidade educativa.

Os resultados apresentados neste artigo centram-se especificamente nas perceções de 15 estudantes inscritos nos Clubes Ubuntu de 4 escolas e/ou agrupamentos escolares no concelho de Vila Nova de Gaia. Estes estudantes foram selecionados com base na sua participação ativa e envolvimento direto nas atividades dos Clubes Ubuntu, sendo

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 32 204 n3 . 2025

considerados para análise devido à sua experiência concreta nas dinâmicas e práticas implementadas pelo programa. Dos 15 estudantes entrevistados, 10 eram do sexo feminino e 5 do sexo masculino. Os anos de escolaridade que frequentavam correspondiam ao 8º e 11º anos e as suas idades variavam entre os 14 e os 17 anos. Todos os alunos haviam realizado a formação Ubuntu em 2021 e iniciado a sua participação no Clube Ubuntu implementado na sua escola, entre os meses de maio e setembro do mesmo ano.

Instrumentos

Para o processo de recolha de dados, foi utilizado um conjunto de instrumentos de pesquisa qualitativa, com o intuito de obter uma compreensão aprofundada das experiências e perceções dos alunos participantes acerca dos Clubes Ubuntu. Os principais instrumentos utilizados foram:

• grupos focais: o guião de entrevista foi desenvolvido para explorar três áreas principais, nomeadamente a) o impacto da formação Ubuntu nos estudantes, incluindo a perceção dos participantes sobre o desenvolvimento das suas competências sociais e emocionais; b) o modo de funcionamento dos Clubes Ubuntu, abordando as ações desenvolvidas, as dinâmicas de grupo e os principais desafios ou obstáculos enfrentados; c) e as sugestões de aperfeiçoamento da formação Ubuntu e dos próprios Clubes, com o objetivo de identificar áreas de melhoria e otimização das práticas e metodologias implementadas. Foram realizados quatro grupos focais entre os meses de abril e maio de 2022. Cada grupo foi composto por 3 a 6 estudantes, garantindo uma abordagem detalhada, dinâmica e interativa entre os participantes. A seleção dos participantes foi baseada no seu envolvimento ativo nos Clubes Ubuntu e os grupos focais foram conduzidos por um entrevistador treinado, que visava garantir um ambiente seguro e propício à expressão das perceções e experiências dos alunos. Os dados recolhidos foram posteriormente transcritos e analisados através da análise de conteúdo para identificar padrões, temas e insights relevantes e, assim, permitir a interpretação dos resultados com base nas questões de investigação.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 33 204 n3 . 2025

• recolha documental para complementar a análise qualitativa dos dados. Esta etapa envolveu a análise de conteúdo de documentos e notícias relevantes, tanto produzidos pelo Instituto Padre António Vieira (IPAV) quanto pelas próprias escolas que implementaram os Clubes Ubuntu. Os documentos analisados incluíram: i) relatório de atividades de 2020, elaborado pelo IPAV, que fornece uma visão detalhada sobre o desenvolvimento e as ações do programa ALU durante esse período; ii) manual dos Clubes Ubuntu, um documento central na formação e implementação dos Clubes Ubuntu, que foi desenvolvido especificamente no contexto deste projeto; iii) planos de sessão e registos de observação realizados pelos educadores responsáveis pela dinamização dos Clubes nas escolas, oferecendo uma visão direta sobre a implementação das atividades e as dinâmicas observadas nas sessões; iv) notícias e reportagens produzidas sobre os encontros, iniciativas, workshops e campanhas de sensibilização relacionadas com as temáticas Ubuntu, tanto no formato presencial quanto online.

Procedimentos

No que se refere aos procedimentos utilizados no processo de recolha de dados, a primeira etapa consistiu na seleção e contacto inicial com dez escolas/ agrupamentos de escolas do concelho de Vila Nova de Gaia, que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: i) adesão ao programa ALU – Escolas Vila Nova de Gaia; ii) implementação da formação Ubuntu no 3º ciclo do ensino básico, no ensino secundário ou profissional.

Após este primeiro contacto, oito escolas/agrupamentos manifestaram disponibilidade para participar voluntariamente no estudo. Das oito instituições escolares, seis já haviam constituído Clubes Ubuntu, mas apenas quatro manifestaram disponibilidade para participar voluntariamente no estudo. Com a confirmação da adesão dessas escolas, iniciou-se o processo de formalização da participação, que envolveu a solicitação de autorizações formais para a realização da pesquisa. Foi solicitado às direções de cada instituição que obtivessem os consentimentos informados dos Encarregados de Educação, explicando-lhes os objetivos da investigação e garantindo o anonimato e a confidencialidade das informações fornecidas.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes

34 204 n3 . 2025

Um

sobre o programa

Para a realização dos grupos focais com os estudantes envolvidos nos Clubes Ubuntu, optou-se pela plataforma online Zoom, com exceção de um grupo focal que foi realizado de forma presencial. A escolha pela realização online foi determinada pela facilidade de acesso, gestão de tempo mais eficiente e redução de custos associados, fatores que facilitaram a participação dos alunos e a logística da pesquisa

Resultados

Os resultados aqui apresentados serão organizados de acordo com os três eixos de análise definidos no guião da entrevista utilizado na condução dos grupos focais, com vista a garantir uma estrutura coerente e alinhada com o quadro metodológico adotado.

Os efeitos da formação Ubuntu nos estudantes

Os alunos participantes dos Clubes Ubuntu destacaram, como principais efeitos da formação, a melhoria das relações interpessoais e o fortalecimento da coesão dentro das turmas. Esta perceção é corroborada pelos testemunhos que se seguem, os quais ilustram de forma concreta a perceção dos estudantes acerca das transformações vivenciadas. “Eu acho que [a formação Ubuntu] é muito bom para a turma, para as pessoas da turma se conhecerem umas às outras... a nossa turma era bastante separada e acho que depois de tudo o que fizemos, acabamos por nos conhecer mais e por nos unirmos de uma maneira mais, como dizer? Começamos a ter mais empatia uns com os outros, a ver mais o lado dos outros. Acho que foi o maior progresso que nós tivemos nessa semana…. principalmente nas últimas sessões que foram sobre as histórias de vida… essas sessões fizeram-nos ser mais próximos uns dos outros, não só a mim, mas como à turma toda… a turma toda era separada em grupinhos e agora acho que se tivermos todos juntos já conseguimos ter uma conversa, pelo menos.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

“Deu para conhecer melhor as outras pessoas, as histórias de vida uns dos outros, porque muitas vezes algumas pessoas pensavam certas coisas dos colegas, mas depois viam as coisas que eles tinham passado… uma das dinâmicas ajudou nisso, que foi quando estivemos a falar de coisas que nos marcaram… deu para nos

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 35 204 n3 . 2025

conhecermos melhor e ter uma visão mais ampla do que era a turma e do que eram as pessoas em si. Lembro-me de um colega nosso, que já não é da nossa turma… ele faltava muito e eu pensava que faltava porque era irresponsável, porque não queria saber da escola e depois, numa das dinâmicas, percebi que faltava porque tinha problemas em casa, a mãe dele andava e anda numa cadeira de rodas, porque ficou tetraplégica e … (ficou em silêncio).” (Estudante 2, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

“As relações interpessoais da turma melhoraram imenso. Por exemplo, houve várias colegas que entraram na minha turma, quando nós tivemos nessa semana Ubuntu mas que a gente não era muito “chegado” e que falávamos só coisas das aulas. E agora a gente é quase melhores amigos, por isso acho que [a formação Ubuntu] ajudou bastante, também conhecemos um bocado de cada um.” (Estudante 1, Sexo F, 14 anos de idade, 8º ano de escolaridade, AE 3)

“Acho que deu para conhecer melhor a nossa turma e o que nós passamos, tanto nós como eles. A formação ajudou-nos a criar uma intimidade maior e a mudar quem somos um pouco como turma.” (Estudante 2, Sexo F, 14 anos de idade, 8º ano de escolaridade, AE 3)

“…foi um momento para nos unir.” (Estudante 2, Sexo F, 14 anos de idade, 9º ano de escolaridade, AE 2)

“… na semana Ubuntu estávamos todos unidos, se tivéssemos só nas aulas isso não seria possível.” (Estudante 4, Sexo M, 14 anos de idade, 9º ano de escolaridade, AE 2)

“Eu acho que nessa semana se aperfeiçoa o trabalho de união e interajuda. Começamos a perceber como é que as outras pessoas reagiam a determinados assuntos e começamos a moldar-nos para certas pessoas.” (Estudante 1, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

“Eu acho que nessa semana todos nós, que já nos conhecemos há imenso tempo, nos conhecemos ainda melhor e ganhámos mais confiança uns com os outros.

Havia pessoas na minha turma que eu não me familiarizava de nenhum jeito, mas, com esta semana do Ubuntu foi uma maneira de também as conhecer e meter-me no lugar delas. E agora, quando tenho um problema é nessas pessoas em quem eu confio e peço ajuda. … acho que nós mudámos como turma, acho que mudámos a maneira como somos uns com os outros. E acho que isto ainda prevalece até hoje. Desde o Ubuntu a nossa turma está completamente diferente, de um ano para o outro dá para ver muita diferença. (…) Por exemplo, a maneira como nós estamos nas apresentações e assim… apesar de sermos uma turma já há muito tempo, nós antes tínhamos um pouco de vergonha nas apresentações, mas eu acho que este ano toda a gente está muito fluída e muito à vontade com todos, não há ninguém para julgar e estamos todos muito mais à vontade.” (Estudante 4, Sexo F, 17 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

“Houve melhorias na turma… Eu não considerava aquilo bullying por que pronto, não considero bullying, mas obviamente que as pessoas [antes da formação] não estavam tão sensíveis aos outros e não estavam tão preocupadas com aquilo que os outros pudessem estar a sentir, olhavam para eles e estavam calados… como se fossem estranhos. … na realidade, eles não eram estranhos… era porque tinham alguma coisa que precisava de ser resolvida... agora não há nenhum tipo de “bocas” porque sabemos que cada um tem os seus problemas e ninguém é calado, ninguém é triste porque gosta, ninguém gosta de ser triste.” (Estudante 2, Sexo M, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

“Por exemplo, nós para escolhermos temas para as apresentações nas aulas já não sentimos aquela confusão… já não é “ah, mas eu quero isto ou aquela pessoa”. Nós começamos a perceber: “ok, vamos entrar em consenso, vamos falar uns com os outros, vamos perceber porque é que tu queres isto”… tentamos perceber as opiniões de cada um e, por isso, conseguimos ter uma conversa sobre estas coisas com calma e resolvemos as coisas como turma. Antes dizíamos: “ah eu quero isto”. Agora dizemos: “vamos ver o que é que a turma quer” (Estudante 3, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 37 204 n3 . 2025

A análise dos testemunhos dos estudantes evidencia um impacto significativo da formação Ubuntu na dinâmica relacional das turmas, refletindo-se em três dimensões principais: (i) fortalecimento dos laços interpessoais e coesão grupal, (ii) desenvolvimento da empatia e compreensão mútua e (iii) melhoria das competências comunicacionais e da capacidade de resolução de conflitos. As narrativas acima transcritas apontam para uma transformação positiva na interação entre os colegas no que respeita à proximidade e ao sentimento de união percecionado pelos alunos dentro das turmas. Os estudantes descrevem um contexto inicial de segmentação e distanciamento entre grupos que foi sendo gradualmente superado ao longo da formação, culminando em relações mais próximas e colaborativas. Esse processo é especialmente evidenciado nas atividades que envolvem partilha de histórias de vida, permitindo que os participantes se reconheçam para além das relações superficiais estabelecidas no ambiente escolar.

Em segundo lugar, os entrevistados consideraram que a formação Ubuntu fomenta o desenvolvimento da empatia e a capacidade de compreender as dificuldades dos colegas, possibilitando a ressignificação de perceções anteriores e uma visão mais inclusiva e solidária. Um dos testemunhos ilustra essa mudança ao exemplificar como a partilha de experiências na Semana Ubuntu levou à desconstrução de preconceitos sobre um colega anteriormente identificado como irresponsável devido ao seu absentismo escolar. Essa tomada de consciência sugere um impacto positivo na construção de um ambiente escolar mais acolhedor e sensível às realidades individuais dos alunos.

Os depoimentos apontam, ainda, para uma melhoria nas competências de comunicação e na capacidade de negociação dentro das turmas. A formação parece ter incentivado a escuta ativa e o respeito pelas opiniões alheias, refletindo-se em mudanças concretas na forma como os estudantes gerem discussões e tomam decisões coletivas. Essa evolução é exemplificada pelo discurso de um aluno que destaca a transição de um modelo de conduta mais centrado nos interesses individuais para um processo de construção coletiva mais estruturado e respeitador do outro.

Seguem-se dois testemunhos que exemplificam como a Semana Ubuntu fomentou,

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 38 204 n3 . 2025

de igual modo, o desenvolvimento de competências fundamentais, tais como a autoconfiança, a abertura ao outro, e uma atitude de esperança e otimismo diante dos desafios. “… eu antes era bastante negativa, só via o lado mau das coisas e dos outros. Percebi com a formação que os outros também têm problemas e ultrapassam-nos… e por isso agora vejo as coisas um bocadinho mais positivas…. pode-se dizer que foi a semana que mudou a minha vida, literalmente, porque (e eu já disse isto a muita gente) eu mudei completamente da pessoa que era para o que sou agora e quem me conhece sabe bem disso. Acho que toda a gente devia ter um bocadinho deste espírito Ubuntu. … eu era bastante pessimista, desconfiava de toda a gente, e acho que melhorei um bocadinho nesse aspeto. (Estudante 1, Sexo F, 15 anos de idade, 9º ano de escolaridade, AE 3)

“Consegui também aproximar-me de pessoas que são totalmente caladas e que não falam nada mesmo, consegui com que elas se abrissem para mim e consegui, também, começar a desabafar mais… para mim é muito difícil desabafar e consegui melhorar esse aspeto… Já não tenho tanto medo de me expor, dentro e fora da turma.” (Estudante 1, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

A relação entre o incremento da autoconfiança e o desempenho escolar é igualmente destacada nos testemunhos obtidos. As mudanças relatadas nas narrativas que se seguem apontam para ganhos significativos em competências como a autoconfiança, a resiliência, a gestão emocional e a motivação para a aprendizagem, domínios essenciais para o sucesso escolar. Os discursos dos entrevistados sugerem que houve alguma tomada de consciência a respeito da necessidade de desenvolvimento de mecanismos de autorregulação emocional, mas também de motivação para o estudo, sobretudo quando as tarefas parecem ser desafiadoras. Cinco dos quinze alunos entrevistados referiram, em particular, como aprenderam a resistir à frustração e a perseverar diante dos obstáculos:

“… agora consigo participar mais nas aulas. Não tenho tanta vergonha.” (Estudante 2, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

39 204 n3 . 2025

“… antes da Semana Ubuntu, se eu tivesse mais dificuldade ou se alguma coisa fosse mais difícil na escola e eu tivesse de me esforçar mais, eu se calhar já pensava duas vezes antes de me esforçar e chegava a desistir mais facilmente. Mas, depois dessa semana, acabei por ganhar mais confiança no trabalho da escola, e acabei por me esforçar mais, mesmo que eu saiba que vai ser difícil. Se eu souber, por exemplo, que um teste ou uma “questão aula” nem conta tanto para a nota, eu se calhar esforço-me ainda mais e faço um trabalho extra para conseguir chegar lá. Acho que foi uma coisa que a semana Ubuntu me ajudou bastante.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

“… fiquei mais consciente que a vida é difícil em algumas alturas e que as pessoas têm que superar muitos momentos difíceis. Na escola eu era muito nervosa e desistia… mas eu quero um futuro e tenho que me dedicar para isso e não ficar tão frustrada… eu dantes estava sempre nervosa e tive que superar um bocado isso. A semana Ubuntu ajudou-me a ver isso… claro que tenho sempre uns momentos em que tenho essa dificuldade, mas também aprendi a controlar-me e aprendi que não adianta estar assim… Temos é que acreditar em nós e seguir para a frente.” (Estudante 3, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

“Acho que a Semana Ubuntu também teve impacto no meu desenvolvimento escolar porque, e comparando com o ano passado, eu era uma pessoa muito nervosa e isso impactava nas notas que eu tinha… mas depois do Ubuntu eu aprendi a ter mais calma, mais autoestima e isso notou-se imenso nas notas deste ano, por isso, eu acho que foi bom nesse sentido também. (…) A confiança ajudou-me a dizer para mim própria antes dos testes: “ok, eu estudei, eu sei o que tenho que fazer e eu vou conseguir”. Foi isso, aprendi a ter mais autoconfiança nos testes, na escola, no estudo… aprendi a resiliência porque eu antes, às vezes, tinha dúvidas e guardava-as para mim. Aprendi que se tenho dúvidas tiro-as, porque há sempre gente para explicar.” (Estudante 4, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

40 204 n3 . 2025

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa

“Em termos escolares, eu também consegui ter mais calma nos testes e controlar-me melhor” (Estudante 1, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

Por outro lado, os testemunhos dos estudantes evidenciam que a participação na Semana Ubuntu teve um impacto significativo na forma como passaram a comunicar e a se relacionar com os seus familiares. Um dos ganhos mais evidentes da formação Ubuntu, referenciados pelos alunos, foi a melhoria da sua comunicação com os pais. Alguns participantes relataram dificuldades em expressar-se ou partilhar o que sentiam em casa, antes da formação, sublinhando que após a Semana Ubuntu passaram a sentir-se mais confiantes para falar sobre o seu dia e as suas emoções.

“… eu comecei a ter mais confiança para falar desde a formação Ubuntu… comecei a fazer uma coisa que eu não fazia antes que é: chegar a casa e dizer “ah o meu dia foi isto… e eu fiz não sei que mais”… Eu não costumava abrir-me tanto assim. Foi uma coisa que mudou. Converso mais, partilho mais as coisas com os meus pais.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

“eu acho que consegui aproximar-me mais da minha família, falar mais do que eu sinto e do que penso… dantes eu guardava muita coisa para mim.” (Estudante 2, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

“…outra coisa que teve muito impacto em mim foi a minha relação com a minha família, em termos da forma como falo para a minha família. Eu acho que, muitas vezes, é normal na nossa idade… eu... eu falo de uma maneira que não devia de falar e chego ao fim e digo que tenho razão. Mas a realidade não é essa e eu tenho que perceber isso. E mesmo que tenha razão, não tenho o direito de falar daquela forma e não tenho a liberdade de dizer as coisas que me apetecem, tenho que saber lidar com os outros da forma que gostem que eu lide com eles e como eu gosto que lidem comigo. Ao longo da semana fui sempre partilhando as coisas com os meus pais e, ainda hoje, de vez em quando, falo sobre essa semana, porque teve impacto sem dúvida…. Antes da semana Ubuntu, eu tinha o problema de falar. Eu não queria falar de nenhum problema com os meus pais, achava que … [silêncio]

41 204 n3 . 2025

agora não, sei que faz sempre bem desabafar seja com quem for, mas com os pais ainda mais. Eu sei que eles estão sempre lá e isso é que define o que uma pessoa sente por outra.” (Estudante 2, Sexo M, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

“O Ubuntu ajudou-me também a perceber que, por exemplo, quando os nossos pais chegam a casa e estão um bocado mais chateados e até podem falar mal connosco… às vezes eu ficava mesmo chateada com os meus pais, porque eles às vezes chegavam do trabalho e sei lá diziam “ah estás no telemóvel e não sei quê, estás sempre no telemóvel”… coisas assim, ou mandavam vir com qualquer coisa só por mandar vir e eu às vezes ficava chateada com eles. Acho que a formação me ajudou a percebê-los melhor. Percebo que há dias em que eles se esfolam no trabalho deles ou na vida pessoal deles e que há coisas que os deixaram mais chateados e que eles também têm a vida deles, também trabalham… tento perceber mais o lado deles, tento perceber mais o lado dos meus pais, que eles também têm os problemas deles e, às vezes, chegam a casa, e não é certo, mas às vezes descarregam em nós e pronto, eu também faço isso às vezes. O Ubuntu ajudou-me a ter mais calma e a controlar-me mais, mas também perceber porque é que o outro, às vezes, não tem essa calma, porque nem toda a gente se consegue conter.” (Estudante 3, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

“… antes não tinha uma relação tão forte com a minha irmã, e depois do Ubuntu consegui perceber mais a vida dela, consegui pôr-me mais no lugar dela e perceber porque é que, às vezes, ela estava tão stressada ou tudo isso.” (Estudante 1, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

Quando questionados sobre as experiências e aprendizagens mais importantes que retiram da Semana Ubuntu, a empatia foi destacada como umas das competências socioemocionais mais marcantes. A maioria dos entrevistados relatou como as dinâmicas da Semana Ubuntu os ajudaram a reconhecer o outro como semelhante, compreendendo que os desafios enfrentados não são exclusivos de uma só pessoa. A atividade “Aproxima-te

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 42 204 n3 . 2025

da linha” foi mencionada como um momento significativo de tomada de consciência sobre as dificuldades partilhadas e de promoção de um sentido de conexão e solidariedade entre os participantes.

“Foi a dinâmica daquela linha que é “aproxima-te da linha”… aprendemos que podemos não ser só nós a ter o mesmo problema e as outras pessoas também podem ter o mesmo problema que nós… aprendemos que não devemos julgar dizendo que temos uma vida pior, porque as outras pessoas também podem ter problemas.” (Estudante 2, Sexo F, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

Outro aspeto enfatizado foi o impacto positivo quer do espaço de partilha criado pela formação, quer da escrita como ferramenta para a reflexão pessoal e para um entendimento mais profundo das emoções e dos desafios individuais. A possibilidade de escrever e de contar histórias pessoais, por um lado, e de ouvir as experiências dos colegas, por outro, revelaram-se fatores determinantes para o fortalecimento do sentido de comunidade e respeito mútuo. A troca de vivências mútuas foi apontada como um ganho da formação que conduziu à redução de sentimentos de isolamento, mas também ao desenvolvimento de competências de comunicação e escuta ativa.

De acordo com alguns dos testemunhos, as atividades da Semana Ubuntu também estimularam nos jovens competências de reflexão crítica sobre preconceitos e julgamentos superficiais. A dinâmica do “Os balões”, por exemplo, foi mencionada como um momento revelador para um estudante, ao levá-lo a reconsiderar a sua perceção sobre o sucesso alheio.

“Uma dinâmica que me marcou bastante foi aquela que tínhamos que escrever num papelinho o nosso sonho e metê-lo dentro de um balão e depois eles davam um palito a cada um e disseram para nós guardarmos o nosso sonho. A ideia de cada um foi rebentar o balão do outro até ao último rebentar e uma das aprendizagens que nós retiramos, dessa dinâmica, foi que para nós chegarmos ao nosso sucesso não precisamos de destruir o sucesso dos outros e acho que isso é bastante importante… tendo em conta que muita gente pensa que tem que se meter à frente dos outros para ser bom e para se ser bom, não é preciso ser o melhor, é só preciso ser bom. (…) Acho que aquilo que gostei mais, assim de tudo, foi uma das

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 43 204 n3 . 2025

últimas sessões, aquela que tínhamos que falar dos momentos mais impactantes da nossa vida. Tínhamos uma espécie de folha que era suposto ser uma fita de filme, meter um título e depois a nossa história por debaixo sobre o que foi acontecendo. Acho que esse dia foi bastante importante, porque passei a conhecer a história de muita gente, que não fazia ideia que tinham passado por certas coisas. (…) Outra dinâmica que também me marcou muito foi a da empatia, claro, estou sempre a falar disso. Nós recebemos fotos de bastantes pessoas e nós tínhamos de descrever o que achávamos que elas faziam e o que é que nós achávamos que elas gostavam, qual era a profissão e assim. Eu lembro-me que me calhou um assassino e eu disse que ele era músico.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

O olhar dos alunos sobre os Clubes Ubuntu: entre as motivações e as atividades desenvolvidas

O segundo grupo de questões realizadas aos alunos entrevistados procurava compreender o funcionamento dos Clubes Ubuntu, com um enfoque particular nas motivações que levaram os estudantes a se envolverem nas atividades realizadas no âmbito desses Clubes. O objetivo era explorar de maneira mais aprofundada os fatores que os atraíram para participar nos Clubes, as ações solidárias e sociais que desenvolveram e o impacto pessoal e coletivo dessas experiências.

De forma geral, as respostas indicam que a participação no Clube é fortemente influenciada pela experiência positiva vivida durante a Semana Ubuntu. Nos discursos dos entrevistados, fica claro que a Semana Ubuntu funcionou como uma “porta de entrada” para o compromisso dos alunos em relação às causas sociais ou, por outras palavras, como catalisador para despertar nos alunos o desejo de se envolverem em atividades de solidariedade e de autodescoberta. As respostas dos alunos que participaram nos grupos focais refletem um sentimento coletivo de inspiração e compromisso com as questões sociais, aspetos que se alinham diretamente com os princípios fundamentais da filosofia Ubuntu, como a empatia, a interdependência e a valorização do próximo.

“Eu acho que a principal razão para todos nós termos participado e continuado a participar no Clube é principalmente o princípio de solidariedade que a Semana

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 44 204 n3 . 2025

Ubuntu nos deixou ficar… mais até do que a nossa evolução.” (Estudante 2, Sexo M, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

“O que me levou a entrar no Clube Ubuntu foi, em primeiro lugar, ter gostado muito da semana Ubuntu… e, claro, fiquei com a vontade de começar a ajudar mais as pessoas e a envolver-me mais nessas coisas.” (Estudante 2, Sexo F, 14 anos de idade, 9º ano de escolaridade, AE 2)

O desejo de impactar positivamente a vida das outras pessoas é uma motivação compartilhada pelos alunos entrevistados, sendo um reflexo direto da filosofia Ubuntu, que preconiza a interdependência entre os indivíduos e a importância da contribuição para o bem-estar coletivo.

Quanto às atividades realizadas pelos Clubes no território educativo de Vila Nova de Gaia, foram predominantemente voltadas para a promoção da solidariedade e para o apoio a causas sociais de relevância local e global. As iniciativas descritas pelos estudantes envolvem ações tanto dentro da escola quanto fora dela, com o intuito contínuo de apoiar aqueles que se encontram em situações de vulnerabilidade, como pessoas em situação de sem-abrigo, famílias carenciadas e pessoas idosas. As atividades mencionadas incluem desde campanhas de angariação de alimentos e produtos de higiene até projetos mais imersivos, como o apoio a lares de idosos e a promoção de reflexões sobre a guerra e seus efeitos nas vidas das pessoas.

“Realizámos alguns projetos solidários, como ir entregar comida aos sem-abrigo no Porto. Fizemos também algumas recolhas de alimentos para a Ucrânia e recolha de produtos de higiene. Também fizemos alguns projetos dentro da escola, para informar sobre alguns assuntos, como por exemplo, quando começou a história da Guerra, nós fizemos uma coisa que era: íamos com uma mochila para uma sala e cada um, no dia a seguir, tinha de levar na mochila tudo o que quisesse levar se tivesse que fugir de casa, no caso de uma guerra. A maioria das dinâmicas são dentro da escola, mas também temos algumas fora como é, por exemplo, agora, que estamos a trocar cartas com um Lar de Idosos e o objetivo é irmos trocando cartas até o dia em que nos vamos reunir com os idosos. Cada um de nós foi

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 45 204 n3 . 2025

atribuído um idoso de um lar e vamos trocando cartas com essa pessoa, todas as semanas, e depois, supostamente, acho que é no início do 3º período da escola que vamos ao Lar visitá-los.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 1)

“Nós angariámos brinquedos para associações. Estamos inclusivamente a apadrinhar o filho de uma família carenciada em que demos brinquedos e produtos de higiene, coisas assim; aqui na escola temos famílias ucranianas e as filhas estão na primária e estamos a fazer agora uma angariação de toalhas e coisas assim, que eles precisam porque eles não têm nada. Houve uma fase em que estávamos a arranjar os produtos de higiene, brinquedos para aquela família carenciada e fizemos uma venda para angariação de fundos.” (Estudante 2, Sexo M, 16 anos de idade, 11º ano de escolaridade, Escola 4)

Os estudantes entrevistados destacaram ações voltadas para o apoio à comunidade escolar e ao fortalecimento da rede de apoio entre colegas, como no caso das atividades de combate ao bullying e dos programas de mentoria:

“Nós fomos aos meninos mais novos da escola, ao 5º ano, e falámos sobre o bullying, mostrando um pequeno filme e discutindo os vários tipos de bullying”

(Estudante 2, Sexo F, 14 anos, 9º ano de escolaridade, AE 2).

Essas iniciativas, voltadas para a educação emocional e social, desempenham um papel fundamental na criação de um ambiente escolar mais inclusivo e acolhedor. A solidariedade dos alunos não se limitou apenas às ações externas, mas envolveu o fortalecimento das relações dentro da própria escola. Um exemplo disso foi a ação de adoção de um cão em colaboração com uma associação de apoio a animais, que envolveu a recolha de alimentos para animais e culminou na adoção de um cão por parte do Clube:

“Foi no Clube Ubuntu que pensámos num projeto de colaboração com a Associação A.… no início, a ideia era apenas recolher alimentos para os abrigos dos cães, mas acabamos por adotar um cão” (Estudante 2, Sexo F, 16 anos, 11º ano de escolaridade, Escola 1).

46 204 n3 . 2025

O impacto das atividades realizadas pelos Clubes Ubuntu parece ter ido além das ações solidárias, refletindo-se no desenvolvimento de competências e valores fundamentais na formação integral alunos. Entre os pilares da filosofia Ubuntu, a empatia e o serviço foram os mais mencionados pelos estudantes entrevistados (10 estudantes) como aqueles que mais foram praticados ao longo das atividades realizadas. Referimo-nos a dois valores fortemente interligados, desde logo porque a empatia é o motor que impulsiona o desejo de servir o outro, enquanto o valor do serviço fortalece a prática da empatia. Um dos alunos entrevistados resume essa experiência:

“O que mais temos posto em prática no Clube acredito que seja a empatia e o serviço, porque a maioria dos projetos que nós temos são solidários e são para apoio a instituições e pessoas mais carenciadas da escola” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos, 11º ano de escolaridade, Escola 1).

Um outro pilar relevante identificado por uma estudante foi o papel da resiliência, reconhecendo que os alunos do Clube Ubuntu se tornam mais resilientes ao se dedicarem a atividades que exigem esforço e compromisso, como a organização de eventos e a preparação de ações de apoio social. A aluna explica que, apesar da carga de trabalho escolar, os membros do Clube Ubuntu continuaram a dedicar-se às suas atividades, pois sentiam que essas ações contribuíam para o bem-estar de outros:

“Eu acho que um aspeto muito forte do Clube Ubuntu é a resiliência, porque todos somos estudantes do secundário, 11º ano, ano de exame. Nós perdemos muito tempo no Clube… às vezes ficamos a trabalhar nas atividades do Clube até às 6h da tarde… mas acho que foi uma coisa que nos fez bem, estávamos felizes no que estávamos a fazer e também estávamos a criar a felicidade para outras pessoas. E nem por isso tirámos piores notas depois. Pelo contrário, tivemos de organizar melhor o nosso tempo.” (Estudante 4, Sexo F, 17 anos, 11º ano de escolaridade, Escola 4).

Das Semanas aos Clubes Ubuntu: pistas de aperfeiçoamento

No que respeita às sugestões e propostas de melhoria apresentadas pelos alunos entrevistados quanto à Semana e aos Clubes Ubuntu, as opiniões incidem tanto na organização como na execução e visibilidade das ações desenvolvidas.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 47 204 n3 . 2025

Entre os quinze alunos entrevistados, apenas dois apresentaram sugestões específicas para o aperfeiçoamento da Semana Ubuntu. Um dos estudantes destacou a importância de expandir a participação dos alunos, sugerindo que a formação Ubuntu fosse aberta a estudantes de diferentes turmas, em vez de ser restrita a uma única turma. Essa proposta visaria criar uma maior interação entre estudantes de diferentes contextos e turmas, de forma a potenciar a promoção de um ambiente mais inclusivo e potencialmente mais enriquecedor.

Uma outra sugestão de melhoria incide na duração da Semana Ubuntu. “Ter sessões Ubuntu de duas em duas semanas e não apenas numa semana.” (Estudante 4, Sexo M, 14 anos de idade, 9º ano de escolaridade, AE 2)

A proposta de realizar sessões regulares ao longo de um ano letivo, em vez da formação se restringir a uma ação anual com a duração apenas de uma semana, seria uma maneira de aprofundar os temas abordados e garantir que os valores do projeto fossem incorporados de forma mais consistente na vida escolar dos estudantes.

Quanto às sugestões apresentadas no que respeita ao funcionamento dos Clubes, três alunos enfatizaram a importância de aumentar a sua visibilidade dentro da comunidade escolar. De acordo com um estudante, a falta de conhecimento sobre o Clube, tanto por parte dos alunos quanto dos professores e da direção da escola, representa um obstáculo significativo para a sua expansão e desenvolvimento.

“A falta de visibilidade é uma das coisas que eu mais noto e incluir o Ubuntu mais na escola. Acho que a direção da escola e muita gente da escola não fazem ideia do que é o Ubuntu. Eu acho que o Clube podia ser muito mais apoiado pela Escola e conseguíamos fazer muitas mais dinâmicas com isso… poderíamos melhorar bastante a nossa experiência, se realmente a escola se mexesse para isso também.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos, 11º ano, Escola 1).

Esta sugestão reflete uma perceção de que o impacto do Clube Ubuntu poderia ser ampliado se houvesse um maior envolvimento da escola, tanto no apoio institucional quanto na promoção das suas atividades. A visibilidade do Clube não se limita à promoção das

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 48 204 n3 . 2025

suas atividades, mas também à compreensão dos seus princípios fundamentais. Isso foi destacado por outro aluno que relatou a dificuldade em apresentar o Clube Ubuntu a colegas e professores, uma vez que muitos não sabiam o que ele representava:

“Quando fomos falar às salas sobre uma atividade que íamos fazer... A pergunta que sempre faziam era ‘o que é isso?’. É que as pessoas nem sabem que o Clube Ubuntu existe e nem sabem o que é que a palavra Ubuntu em si significa.” (Estudante 2, Sexo F, 16 anos, 11º ano, Escola 1).

Um outro ponto identificado por um dos alunos foi a necessidade de um lugar específico para a realização das reuniões e atividades do Clube Ubuntu no espaço escolar. O estudante sugeriu que as escolas deveriam dispor de uma sala própria, personalizada e que refletisse os valores da filosofia Ubuntu. Esta sugestão poderia não só facilitar a implicação dos estudantes nas atividades do Clube, tornando o ambiente mais propício à colaboração e à troca de ideias, como também potenciar a criação de uma identidade própria para o Clube dentro da escola.

“Acho que seria bastante interessante haver uma sala para o Clube Ubuntu. Nós fazemos as reuniões todas numa sala de aula comum, mas eu acho que seria bastante interessante as escolas que aderissem ao Ubuntu terem uma sala própria, assim toda enfeitada, como estava quando fizemos a semana.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos, 11º ano, Escola 1).

Por fim, alguns estudantes expressaram a necessidade de adotar uma metodologia de trabalho mais participativa, onde os alunos pudessem estar mais envolvidos na conceção e execução dos projetos dos Clubes. Um estudante relatou que as reuniões eram conduzidas, com muita frequência, pelos psicólogos da escola que apresentavam novas ideias e orientações, o que fazia com que as sessões se assemelhassem mais a “palestras” do que a verdadeiras “conversas” e colaborações:

“Na maioria das vezes, os psicólogos apresentam as novas ideias ou as novas coisas que poderemos fazer no Clube. Normalmente, estamos numa sala de aula, como se o psicólogo fosse o professor... mas quem normalmente guia as reuniões são sempre os psicólogos que estão no Clube. Acho que, assim, acaba por ser uma palestra, mais do que uma conversa.” (Estudante 1, Sexo M, 17 anos, 11º ano, Escola 1).

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 49 204 n3 . 2025

O aluno atrás citado sugeriu que as reuniões fossem mais dinâmicas e participativas, com uma disposição que permitisse a todos os elementos do Clube se olharem de forma mais horizontal, como acontece durante a Semana Ubuntu. A ideia de realizar as reuniões de forma circular e sustentada em metodologias participativas poderia favorecer a construção de um clima mais inclusivo e de maior partilha entre todos os participantes.

Em suma, as sugestões dos alunos entrevistados evidenciam uma clara vontade em aperfeiçoar o modo de funcionamento dos Clubes Ubuntu, especialmente no que diz respeito à sua visibilidade, à criação de um ambiente mais inclusivo e participativo e à melhoria da metodologia utilizada nas atividades.

De forma complementar à análise qualitativa dos testemunhos de 15 estudantes participantes nos Clubes Ubuntu de 4 escolas de Vila Nova de Gaia, procedeu-se à análise de conteúdo de documentos e notícias relevantes produzidos tanto pelo IPAV, quanto pelas próprias escolas que implementaram os Clubes no concelho.

Da análise das diversas iniciativas promovidas por 6 Clubes Ubuntu constituídos até ao momento da recolha de informação, nas escolas participantes do programa, gostaríamos de destacar alguns aspetos fundamentais que sugerem o seu impacto social, educacional e comunitário, bem como as oportunidades que oferecem ao nível da promoção de valores importantes para a formação integral dos estudantes.

Uma característica marcante dos Clubes cujas atividades pudemos analisar é a sua preocupação em cultivar uma ética de cuidado manifestada em diferentes dimensões. A maioria das ações desenvolvidas tinha como principal pretensão estimular o autoconhecimento nos próprios estudantes, incentivando-os à reflexão sobre si mesmos e sobre as suas ações. Este foco no autodesenvolvimento pessoal é um pilar essencial da filosofia Ubuntu, que enfatiza a importância de um olhar atento e compassivo para com o próprio ser, como condição para se poder cuidar do outro.

De igual modo, as iniciativas dos Clubes Ubuntu no território educativo de Gaia demonstravam um compromisso com a comunidade escolar e extraescolar, procurando reforçar nos

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 50 204 n3 . 2025

alunos o sentido de responsabilidade coletiva. Através da implementação de ações voltadas para diferentes públicos e causas, os estudantes dos Clubes a que nos reportamos envolveram-se em projetos que visavam beneficiar tanto a comunidade escolar quanto aqueles que enfrentam situações de vulnerabilidade. As ações em prol dos animais e do meio ambiente também foram recorrentes, refletindo a ampliação do conceito de cuidado para além do ser humano e abrangendo também o respeito e a proteção dos seres não-humanos e do planeta.

Entre as iniciativas realizadas, destaca-se a predominância de ações pontuais e circunscritas a dias específicos, com o intuito de celebrar efemérides significativas e de sensibilizar para causas sociais e direitos humanos. Exemplos dessas ações incluem celebrações do Dia da Libertação de Mandela, do Dia Internacional dos Direitos das Crianças e do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Estas ações foram pensadas não apenas como momentos de reflexão, mas também como oportunidades para sensibilizar a comunidade escolar sobre questões cruciais relacionadas com a diversidade cultural, a cidadania e os direitos humanos. As celebrações dessas efemérides serviram como momentos de consciencialização nos quais os estudantes eram convidados a participar ativamente de atividades que reforçavam valores universais de respeito, igualdade e justiça.

Além das ações pontuais, registámos também um conjunto de iniciativas de maior continuidade e relevância formativa. As atividades de voluntariado, frequentemente realizadas em colaboração com instituições sociais da comunidade local, incluíram ações destinadas a apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade (pessoas em situação de sem-abrigo ou com deficiência) e procuravam estimular os estudantes a aplicar os seus conhecimentos e a desenvolver competências relacionadas com a solidariedade, o trabalho em equipa e a resolução de problemas sociais reais.

Discussão

Os resultados deste estudo revelam perceções maioritariamente positivas por parte dos estudantes participantes em 4 Clubes Ubuntu do concelho de Vila Nova de Gaia em relação à metodologia Ubuntu. Todos os alunos entrevistados destacaram o impacto significativo do programa ALU-Escolas no desenvolvimento de competências socio emocionais, muito

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 51 204 n3 . 2025

em particular da empatia, da resiliência e do sentido de comunidade. Na perspetiva dos alunos, a formação Ubuntu favoreceu significativamente as relações interpessoais dentro do ambiente escolar e as experiências grupais dos Clubes permitiram o fortalecimento da comunicação entre pares e a consolidação de laços de respeito mútuo.

Por outro lado, os alunos sublinharam nos grupos de discussão que a organização e a participação ativa em atividades culturais, sociais e cívicas promovidas pelos Clubes Ubuntu, estimularam a sua autonomia e o seu sentido de responsabilidade, habilidades que, como eles próprios reconheceram, potenciaram a sua integração e o seu sucesso escolar.

Outro aspeto relevante que sobressai da análise das entrevistas é o impacto positivo dos Clubes Ubuntu na autoconfiança dos seus participantes. Os discursos dos entrevistados sugerem que a experiência nos Clubes contribuiu para o fortalecimento da sua resiliência e da sua capacidade para lidar com desafios académicos e pessoais de modo mais estruturado.

Estes resultados parecem ser consistentes com as conclusões do estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em 2018, intitulado Study on Social and Emotional Skills (SSES), um estudo que avaliou as competências socioemocionais de estudantes com 10 e 15 anos de idade em diversos países. Um dos domínios de competências analisados nesse estudo está relacionado com o “desempenho de tarefas”, que agrega habilidades como a predisposição para o autocontrolo, a responsabilidade interpessoal, a dedicação ao trabalho, a organização e o cumprimento de normas (Marques, E. M. & outros, 2024). O estudo em questão destaca a correlação entre essas competências e a motivação/dedicação em relação ao estudo, associação essa também presente nos discursos dos alunos participantes nos Clubes Ubuntu quando assumem que o seu envolvimento nos Clubes contribuiu para o fortalecimento do seu investimento mais organizado em relação às atividades escolares.

De realçar, também, dois outros resultados apresentados no SEES:

• o primeiro remete-nos para a forte correlação entre o domínio das competências associadas à “regulação emocional” (nas quais se incluem a resistência ao stress, o controlo emocional e o otimismo) e os resultados positivos na vida escolar;

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 52 204 n3 . 2025

• a segunda evidência interessante é a de que o uso de competências colaborativas potencia resultados académicos positivos e a tomada de decisões mais responsáveis sobre o estudo. Neste domínio de competências destacam-se habilidades como a empatia, a confiança e a cooperação.

Os dados recolhidos junto dos estudantes que participaram ativamente nas atividades dos Clubes Ubuntu apontam também para o papel relevante das competências colaborativas, como a empatia e a cooperação, na construção de um ambiente escolar saudável e produtivo. Os alunos entrevistados relataram a melhoria da sua capacidade de construção de relações positivas e a minimização de conflitos entre os pares, desde que fizeram a formação Ubuntu. A consolidação dos valores que sustentam a filosofia Ubuntu através da sua participação nos Clubes foi sublinhada com frequência nos grupos focais realizados, o que nos leva a depreender que programas como os Clubes Ubuntu constituem uma oportunidade para a construção de comunidades escolares mais inclusivas, favorecendo de igual modo a capacidade dos alunos se comprometerem e terem sucesso na escola.

Destacam-se, porém, algumas limitações apontadas pelos alunos entrevistados as quais, a nosso ver, devem ser consideradas no aperfeiçoamento do programa ALU - Escolas.

Uma das recomendações feitas pelos participantes que entrevistámos foi a necessidade de ampliar a visibilidade da metodologia Ubuntu dentro da comunidade escolar, o que requer um maior envolvimento da direção escolar e dos docentes na disseminação dos princípios do programa no contexto escolar.

Além disso, a implementação de um calendário mais frequente de atividades e a disponibilização por parte das escolas de um espaço físico dedicado exclusivamente aos Clubes foram mencionadas como medidas que poderiam potencializar ainda mais os efeitos positivos do programa ALU – Escolas.

Outra sugestão relevante apresentada pelos estudantes diz respeito à necessidade de promover a coparticipação dos alunos na conceção, implementação e gestão das atividades promovidas pelos Clubes. O incentivo à autonomia dos alunos na tomada de

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 53 204 n3 . 2025

decisões e na organização dos projetos e atividades desenvolvidas nos clubes poderá reforçar ainda mais o valor do serviço, assim como o compromisso com os valores inerentes à filosofia Ubuntu.

Se é certo que os resultados deste estudo reforçam a relevância das iniciativas desenvolvidas pelos Clubes Ubuntu na promoção da inclusão e do sucesso escolar, não deixa de ser importante sublinhar a necessidade de se ampliar e consolidar os efeitos positivos observados, através da implementação de estratégias que favoreçam a institucionalização da metodologia Ubuntu nas escolas. A sustentabilidade das iniciativas e o seu impacto a longo prazo requer, na perspetiva dos estudantes entrevistados, uma articulação mais estreita entre os diferentes atores educativos, de modo que sejam garantidos os recursos necessários para a implementação de projetos solidários, sem esquecer a necessidade de dar espaço aos jovens para serem eles a liderar o funcionamento dos Clubes.

Conclusão

A análise das iniciativas promovidas pelos Clubes Ubuntu no território educativo do concelho de Vila Nova de Gaia evidencia o impacto positivo desta metodologia no desenvolvimento socioemocional dos alunos participantes. Os resultados do estudo de caso, conduzido através de um focus group com 15 jovens de quatro Clubes Ubuntu constituídos entre 2021 e 2022 no referido concelho, demonstram que os alunos percecionam a sua participação nos Clubes como sendo um contributo facilitador da construção de um ambiente escolar mais solidário, cooperativo e comprometido com o bem-estar coletivo.

Os testemunhos dos alunos reforçam que as atividades desenvolvidas nos Clubes contribuíram significativamente para o fortalecimento da empatia, da resiliência e do sentido de comunidade entre os participantes. Os jovens relataram melhorias nas suas capacidades de comunicação, de trabalho em equipa e na forma como lidam com os desafios académicos e pessoais. Além disso, destacaram os efeitos positivos associados à sua interação com a comunidade extraescolar, nomeadamente a oportunidade para enfrentar situações reais, desenvolver competências de argumentação e de escuta ativa e consolidar o valor da responsabilidade social.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 54 204 n3 . 2025

Tornar visíveis as ações desenvolvidas nos Clubes Ubuntu dentro e fora da comunidade escolar foi um fator destacado pelos jovens como indispensável para garantir a sustentabilidade do programa, fortalecer a rede de apoio ao projeto e permitir inspirar outros estudantes. Para os alunos entrevistados, garantir a continuidade e a expansão dos Clubes dependerá do envolvimento das escolas, da valorização das estratégias de comunicação dentro e fora do contexto escolar e do reforço das parcerias locais. O uso de metodologias de educação não formal na condução dos Clubes Ubuntu e o reconhecimento de que aprender a “ser líder” só se faz se for dada a oportunidade aos jovens para exercer a liderança em espaços como os Clubes constituem as principais sugestões apresentadas pelos alunos ao programa.

Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos seus resultados. Em primeiro lugar, a amostra foi restrita a 15 jovens pertencentes a quatro Clubes Ubuntu no concelho de Vila Nova de Gaia, o que não possibilita a generalização das conclusões para outros contextos educativos. Embora os testemunhos recolhidos ofereçam uma visão rica e detalhada da experiência dos participantes, a abordagem metodológica qualitativa utilizada – baseada na técnica de focus group – não permite aferir relações causais nem medir quantitativamente o impacto do programa.

Seria relevante complementar esta abordagem com dados quantitativos, como indicadores de desempenho académico, absentismo escolar e bem-estar emocional, de forma a obter uma visão mais rigorosa dos efeitos dos Clubes Ubuntu nos seus participantes.

Para investigações futuras, recomenda-se a realização de estudos longitudinais que analisem a evolução das competências socio emocionais dos jovens ao longo do tempo, permitindo compreender melhor a sustentabilidade dos efeitos da metodologia Ubuntu. Além disso, seria pertinente expandir a investigação a outros territórios educativos, possibilitando comparações entre diferentes contextos escolares e sociais.

Fontes de financiamento: A investigação cujos resultados foram apresentados neste artigo foi financiada pelo Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS).

Contributos: EM e PV: Papel na conceptualização, metodologia e análises.

EM: escrita, revisão e edição.

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 55 204 n3 . 2025

Referências:

Ashton, M. C., Lee, K., Vernon, P. A., & Jang, K. L. (2000). Fluid intelligence, crystallized intelligence, and the Openness/Intellect factor. Journal of Research in Personality, 34(2), 198-207. https://doi.org/10.1006/jrpe.1999.2276

Block, J., & Block, J. H. (1980). The role of ego-control and ego-resiliency in the organization of behavior. In W. A. Collins (Ed.), Minnesota Symposium on Child Psychology (Vol. 13, pp. 39-101). Erlbaum.

Campos, J. R., Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2014). Depressão na adolescência: Habilidades sociais e variáveis sociodemográficas como fatores de risco/proteção. Estudos e Pesquisa em Psicologia, 14(2), 408-429.

Cheek, J. M., & Buss, A. H. (1981). Shyness and sociability. Journal of Personality and Social Psychology, 41(2), 330-339. https://doi.org/10.1037/0022-3514.41.2.330

Chernyshenko, O. S., Kankaraš, M., & Drasgow, F. (2018). Social and emotional skills for student success and well-being: Conceptual framework for the OECD study on social and emotional skills. OECD Education Working Papers, No. 173. OECD Publishing. https://doi. org/10.1787/db1d8e59-en

Durlak, J. A., Weissberg, R. P., Dymnicki, A. B., Taylor, R. D., & Schellinger, K. B. (2011).

The impact of enhancing students’ social and emotional learning: A meta-analysis of school-based universal interventions. Child Development, 82(1), 405-432. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2010.01564.x

Greenberg, M. T., Weissberg, R. P., O’Brien, M. U., Zins, J. E., Fredericks, L., Resnik, H., & Elias, M. J. (2003). Enhancing school-based prevention and youth development through coordinated social and emotional learning. American Psychologist, 58(6-7), 466-474. https://doi.org/10.1037/0003-066X.58.6-7.466

Kankaraš, M. (2017). Personality matters: Relevance and assessment of personality characteristics. OECD Education Working Papers, No. 157. OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/8a294376-en

O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o programa Ubuntu... 56 204 n3 . 2025

Kautz, T., Heckman, J. J., Diris, R., ter Weel, B., & Borghans, L. (2014). Fostering and measuring skills: Improving cognitive and noncognitive skills to promote lifetime success. OECD Education Working Papers, No. 110. OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/5jxsr7vr78f7-en

Marques, E. M., & Outros. (2024). Eu sou porque tu és: Programa escolas UBUNTU: Uma via de capacitação de jovens num conjunto de virtudes cívicas e de maior tolerância e aceitação do outro? Relatório final. Universidade Lusíada Editora.

Miller, G., & Fox, K. J. (2004). Building bridges: The possibility of analytic dialogue between ethnography, conversation analysis and Foucault. In D. Silverman (Ed.), Qualitative research: Theory, method and practice (pp. 35-55). Sage Publications.

Pekrun, R., Goetz, T., Titz, W., & Perry, R. P. (2002). Academic emotions in students’ self-regulated learning and achievement: A program of quantitative and qualitative research. Educational Psychologist, 37(2), 91-106. https://doi.org/10.1207/S15326985EP3702_4

Perrenoud, P. (2004). Escola e cidadania: O papel da escola na formação para a democracia. Artmed Editora

Silverman, D. (2001). Interpreting qualitative data: Methods for analyzing talk, text and interaction. Sage Publications.

Vieira, P., Marques, E., & Almeida, S. (2021). Contributos do assistente social para a implementação de percursos formativos e contextos escolares inclusivos. In A. Neves et al. (Orgs.), IV Congresso Ibero-Americano de Intervenção Social - Multiculturalidade, Migrações e Direitos Humanos (pp. 97-108). Lema d’Origem. ISBN 978-989-8890-83-2.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores

Adolescents’ Speeches. The Ubuntu Method for Values Education

ANA MARIA TOMÁS ALMEIDA7

JOSÉLIA FONSECA8

ERIC ROCHA9

7. Universidade do Minho, Centro de Investigação em Estudos da Criança, Braga, Portugal, aalmeida@ie.uminho.pt, ORCID: 0000-0003-0036-312X

8. Universidade dos Açores, Centro de Investigação em Educação de Adultos e Intervenção Comunitária, Ponta Delgada, Portugal, joseliamafaldarf@gmail.com, ORCID: 0000-0003-4475-2215

9. Universidade do Minho, Centro de Investigação em Estudos da Criança, Braga, Portugal, ericschnaider@gmail.com, ORCID: 0009-0004-9015-1167

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 58 204 n3 . 2025

Resumo

As histórias de vida dos líderes Ubuntu constituíram o conteúdo e metodologia da aplicação pedagógica planeada para promover a partilha dos conceitos, valores e competências em que assenta o seu método educativo. Assumindo a relevância pedagógica das estratégias de educação para valores, como a discussão moral e o storytelling, a fim de promover um paradigma social mais colaborativo, as atividades propostas recorrem às narrativas dos líderes Ubuntu para desenvolver a agência dos adolescentes relativamente a temas como justiça social e cidadania.

O presente trabalho descreve o aprofundamento destas sessões, a partir do desafio lançado aos 117 participantes das Semanas Ubuntu, com idades compreendidas entre 12 e 19 anos, que frequentavam o terceiro ciclo, o ensino secundário e profissional, em 6 escolas portuguesas. As suas respostas foram recolhidas sob a forma textual e analisadas tematicamente, numa abordagem analítica que combinou procedimentos indutivos (bottom-up) e dedutivos (top-down) para a identificação dos temas e categorias presentes nos discursos destes adolescentes.

Os resultados demonstram a escolha maioritária dos participantes por tomar diretamente a perspetiva do líder Ubuntu no seu discurso, destacando-se Nelson Mandela como o mais referido. Os valores mais mencionados foram a “Corresponsabilidade” e a “Empatia”, ambos discutidos durante a Semana e as variações da palavra “luta” foram utilizadas nos discursos analisados como um convite direto ao ativismo social. Por sua vez, os factos da atualidade mais apontados foram “Racismo” e “Guerra”, ambos avaliados negativamente pelos participantes. Destacam-se, ainda, as características emocionais com valor identitário, mencionadas em 28,20% dos discursos.

A identificação com as figuras-referência, o recurso a elementos emocionais e a análise comparativa entre os discursos destes jovens permitiu-nos identificar as potencialidades pedagógicas das estratégias de educação para valores aplicadas no método Ubuntu, uma vez que mobilizam as dimensões cognitiva, moral e emocional dos participantes para desenvolver a sua agência e cidadania.

Palavras-Chave: Educação para valores; Desenvolvimento moral; Estratégias de educação para valores; Storytelling; Discursos de adolescentes.

Abstract

The life stories of Ubuntu leaders served as both the content and methodology of the pedagogical application designed to promote the sharing of the concepts, values, and skills underpinning its educational method. Recognizing the pedagogical relevance of values education strategies, such as moral discussion and storytelling, to foster a more collaborative social paradigm, the proposed activities drew on the narratives of Ubuntu leaders to enhance adolescents’ agency regarding topics like social justice and citizenship.

This study describes the deepening of these sessions, based on a challenge presented to 117 participants of the Ubuntu Weeks, aged 12 to 19, attending lower secondary, upper secondary, and vocational education in six Portuguese schools. Their responses were collected in textual form and analyzed thematically, employing an analytical approach that combined inductive (bottom-up) and deductive (top- down) procedures to identify themes and categories in the adolescents’ discourses.

The results reveal that most participants chose to directly adopt the perspective of an Ubuntu leader in their speeches, with Nelson Mandela being the most frequently mentioned figure. The most cited values were “Co-responsibility” and “Empathy,” both of which were discussed during the Week, and variations of the word “fight” were employed in the analyzed discourses as a direct call to social activism. Furthermore, the most frequently mentioned current issues were “Racism” and “War”, both negatively evaluated by participants. Emotional characteristics with an identity-related value were also highlighted, appearing in 28.20% of the discourses.

The identification with inspirational figures, the use of emotional elements, and the comparative analysis of the adolescents’ discourses enabled us to identify the pedagogical potential of the values education strategies applied in the Ubuntu method. These strategies mobilize participants’ cognitive, moral, and emotional dimensions to foster their agency and civic responsibility.

Keywords: Values Education; Moral Development; Values Education Strategies; Storytelling; Adolescents’ Discourses

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 60 204 n3 . 2025

Introdução

A filosofia Ubuntu e o Método Ubuntu (MU) de educação não-formal têm uma relação estreita com as teorias da educação para os valores e do desenvolvimento moral. Inscrevendo-se no paradigma humanista, ambas convergem em defesa do papel da educação no desenvolvimento moral autónomo do indivíduo, capaz de conduzi-lo à tomada de perspetiva do outro e, como consequência, ao profundo respeito pela sua dignidade e pelos valores que a consubstanciam. Nesse sentido, o objetivo das atividades propostas pelo método Ubuntu é que os participantes desenvolvam as suas competências pessoais, sociais e cívicas e, consequentemente, a sua responsabilidade social (Kohlberg, 1984; Kohlberg, 1992; Piaget, 1994; Rebola e Carvalho, 2023). Esta (co)responsabilidade não corresponde à mera imputação individual, mas confere, a cada indivíduo, o papel de garante da existência de todos os demais, em realização e dignidade (Jonas, 2020/1984; Fonseca, 2017). Ou, nas palavras dos aforismos Ubuntu, “eu sou porque tu és” e “cada um só pode tornar-se pessoa na existência das outras pessoas” (Caracciolo, 2009; Marques, 2019; Volmink, 2019).

Para além deste suporte teórico, as atividades realizadas no âmbito da Academia de Líderes Ubuntu (ALU) recorrem a diversas estratégias clássicas de educação para valores. Uma análise estrutural da principal iniciativa promovida pela ALU, a Semana Ubuntu (SU) permite-nos identificar o recurso à discussão moral e de dilemas morais, ao conflito sociocognitivo, ao storytelling e ao personal storytelling em diversas das suas atividades, consoante demonstraremos em maior pormenor.

A SU inspira-se em líderes de referência como Nelson Mandela, Martin Luther King Jr. e Rosa Parks para promover a filosofia Ubuntu e, por conseguinte, seu método de educação moral, centrado nos valores da corresponsabilidade, igualdade, equidade, não-violência e não-discriminação, todos derivados do princípio da dignidade humana (Gonçalves & Alarcão, 2020; Alarcão, 2023, p. 43). Em contexto escolar, durante os cinco dias desta iniciativa, os alunos selecionados pelo Agrupamento deixam de frequentar as aulas regulares para se dedicarem exclusivamente às atividades da SU, orientadas por um grupo de dinamizadores - agentes educativos da escola formados no Método Ubuntu - e um membro do Instituto Padre António Vieira (IPAV) que apoia a sua dinamização (ALU, 2022; Rebola & Carvalho, 2023, p. 178).

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 61 204 n3 . 2025

O primeiro dia da SU (Liderar como Mandela) está centrado na apresentação da história do líder- referência Nelson Mandela. Para atender a este objetivo, recorre-se ao visionamento do filme “Invictus” (realizado por Clint Eastwood, em 2009), à reflexão em grupo sobre a história da África do Sul na época do Apartheid e, finalmente, à discussão sobre os dilemas morais que Mandela enfrentou naquele momento histórico (Alarcão, 2023, p. 257-258). Aqui, resta clara a opção do MU pela aprendizagem experiencial dos líderes de referência, que vai buscar inspiração à liderança de Nelson Mandela (ALU, 2022; Neves, 2019, p. 189) para cativar os jovens à responsabilidade, através da partilha de sua história (storytelling) e da discussão dos valores morais que a atravessam. Ao (re)apresentar os dilemas das personagens, suas interações sociais e relacionamentos, o storytelling pode inspirar a reflexão sobre as interações quotidianas dos indivíduos e apresentar-lhes modelos éticos de comportamento social. Eles aprendem sobre relacionamentos comparando suas experiências prévias às vidas das personagens que fazem parte da narrativa (Rahiem et al., 2020) e, identificando-se com seus dilemas, estabelecem relacionamentos com as próprias personagens, que, a seu turno, também serão guias para o desenvolvimento de valores e aprendizagem de comportamentos sociais (Hunter & Eder, 2010). A ênfase do método Ubuntu neste processo narrativo personalizado fundamenta-se nas teorias que atribuem às histórias o poder de promover mudança social, ao encorajar o ser humano a comportar-se de maneira ética (Gottschall, 2012, p. 118).

O recurso reiterado à ferramenta storytelling é, portanto, intencional e está profundamente relacionado ao objetivo da SU: o desenvolvimento moral dos seus participantes.

O segundo dia (Construir Pontes) traz atividades lúdico-pedagógicas que possibilitam a experimentação segura de alguns dos desafios ao exercício empático. A atividade “Os Balões”, em especial, promove oportunidades para a discussão moral e convida à apresentação de dilemas morais pessoais dos participantes, como se pode depreender da leitura do guião da dinâmica. Este orienta os dinamizadores a partirem da metáfora subjacente ao rompimento dos balões – que, na atividade, representam os sonhos de cada participante –para promoverem a discussão moral e o diálogo sobre os sonhos pessoais e a sua interação com o comportamento dos pares e as expetativas sociais. “Quantas vezes na nossa vida fazemos aos outros aquilo que não queríamos que nos fizessem?” (ALU, 2021). Percebe-se claramente a intenção de criar um espaço para a discussão moral e possível partilha de dilemas morais reais, estratégias eficazes para promover o desenvolvimento moral, ainda

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 62 204 n3 . 2025

mais quando se materializam em questões práticas da vida diária (Kuhn et al., 1977; Kohlberg, 1981; Berkowitz & Gibbs, 1983; Siqueira & Malheiro, 2020). A relevância dos dilemas no desenvolvimento moral tem uma sólida fundamentação teórica e o seu emprego, como estratégia na educação para valores em escolas, é incentivado desde a filosofia Aristotélica a teóricos como Kohlberg (Huo et al., 2023). Ainda no segundo dia, ocorre o Testemunho: Construir Pontes, a partilha da história de vida de um membro da comunidade local, mais uma vez com o objetivo de inspirar através do storytelling, como aponta o guião da própria atividade: “Pretende- se como resultado final que os participantes se sintam inspirados com esta partilha e se sintam motivados a dar o melhor de si” (ALU, 2021).

O terceiro dia (Vencer Obstáculos) apresenta a curta-metragem “O Circo das Borboletas” (realizada por Joshua Weigel, em 2009) que introduz os personagens Mendez e Will, bem como as suas forças e fragilidades, também em formato de storytelling. Em seguida, é proposta a análise do filme em grupo, permitindo a discussão de diversas questões morais subjacentes à história, em diálogo com a audiência. O guião orientador ora cria oportunidades para a partilha de histórias de vida dos participantes - personal storytelling, ora promove momentos de discussão de dilemas morais (ALU, 2021). Estas discussões morais, aliadas ao questionamento e ao processo narrativo, aproveitam-se do potencial das relações interpessoais na escola para criar o espaço ideal de exposição de diferentes pontos de vista. Esse ambiente pode promover o contacto entre pessoas em diferentes estágios de raciocínio moral ou até mesmo suscitar um conflito cognitivo que promova a (re) construção autónoma dos valores e, como consequência, o desenvolvimento do raciocínio moral. É um processo que pressupõe a autonomia, mas que se desenvolve em relação (Blatt & Kohlberg, 1975; Kohlberg, 1981; Siqueira & Malheiro, 2020).

Ainda no terceiro dia, é importante referir a atividade “Uma Carta de Mendez para mim”, que recorre à estratégia do role-play para incentivar os participantes a experimentarem a autoconfiança do personagem Mendez. Este processo de assumir a perspetiva do outro pode ser especialmente útil nos casos em que os participantes têm dificuldades com o autoconceito, pois os permite ganhar maior compreensão do desafio e das suas próprias capacidades (Upright, 2002; Alarcão, 2023, pp. 258-259). O confronto entre a ideia pré-concebida de si próprio e a tomada da perspetiva de outra pessoa pode gerar um conflito

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 63 204 n3 . 2025

interno, a que a teoria designa conflito sociocognitivo, por meio do qual o sujeito desenvolve o seu raciocínio moral. A tomada de perspetiva é inerente ao conflito sociocognitivo (Myyry & Helkama, 2007) e, para Kohlberg (1984), é o fator central na promoção do desenvolvimento moral (Kohlberg, 1984; Myyry & Helkama, 2007).

O quarto dia da Semana (Vidas Ubuntu), por sua vez, está completamente centrado nas histórias de vida e tem, como atividade central, a “Biblioteca Humana”, descrita por Alves (2019, p. 197) como uma dinâmica que promove a partilha voluntária das histórias de vida dos participantes da SU, em pequenos grupos, de modo a escutar, acolher e celebrar as histórias pessoais de cada um. É através da narrativa que o ser humano representa as experiências quotidianas, conferindo-lhes sentido; tanto aos acontecimentos mais rotineiros quanto às mais transformadoras crises morais (Tappan & Brown, 1989). Por meio da vulnerabilidade, liberdade, autoaceitação e autorresponsabilização, o personal storytelling confere sentido de agentividade (Alves, 2019, p. 201), oferecendo suporte ao desenvolvimento do self centrado na empatia e na compaixão (Anderson, 2007). O impacto do personal storytelling é claro, ao representar as dimensões cognitiva e afetiva da própria experiência moral em formato narrativo, o sujeito é encorajado a refletir sobre as suas vivências de um outro ponto de vista - a partir da própria perspetiva moral. Este facto não só confere mais autoridade a esta perspetiva, como também convida o indivíduo a uma maior responsabilização pelas próprias ações (Tappan & Brown, 1998).

Por fim, o quinto e último dia da SU está dedicado ao epíteto “I Have a Dream”. Neste dia são apresentados à assistência outros líderes-referência para a filosofia Ubuntu, dentre os quais figuram Martin Luther King Jr. e Rosa Parks. As suas histórias e o seu sonho para a dignidade humana são partilhados em storytelling, através do vídeo Martin Luther King, Jr. - Minister & Civil Rights Activist (Biography Channel, 2010) seguido pelo vídeo Bet You Didn’t Know: Rosa Parks (History Channel, 2014). Ambas as partilhas são seguidas de uma discussão moral, em grande grupo, sobre o momento histórico de luta pela igualdade racial e dignidade humana nos Estados Unidos do século XX. O dia termina com a celebração da mudança e a entrega de certificados, que marcam o fim da semana (Alarcão, 2023, p. 260). Importante referir que a estrutura manualizada da SU permite que as atividades se repitam nos mais diversos contextos, consistentemente criando oportunidades para o re-

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 64 204 n3 . 2025

curso às referidas ferramentas de educação moral, que serão integradas e ressignificadas no processo discursivo de cada um dos grupos participantes. Apresentadas as principais atividades da Semana Ubuntu e a fundamentação teórica que lhes é subjacente, importa perceber de que maneira as estratégias de educação moral aplicadas no método Ubuntu têm impacto nos seus participantes.

Método

O enquadramento conceptual do presente estudo assenta na exploração do método Ubuntu aplicado no contexto escolar durante as sessões dinamizadas em grupos de alunos. Concretamente, a exploração do método Ubuntu recorreu ao uso de narrativas biográficas dos líderes do movimento e ao questionamento não diretivo acerca dos ideais e valores protagonizados por essas figuras carismáticas. O objetivo específico neste estudo é identificar as estratégias de educação para valores aplicadas no método Ubuntu, a fim de deduzir as potencialidades do método para a apropriação de conceitos, valores, competências e, consequentemente, para o desenvolvimento do raciocínio moral autónomo dos jovens que participaram na Semana Ubuntu (SU).

O trabalho desenvolvido inscreve-se nos estudos qualitativos, recorrendo a metodologias participativas que, neste caso em particular, trabalham com o material produzido pelos jovens alunos nas sessões realizadas na SU em estabelecimento de ensino público, como à frente se detalha na caracterização do contexto deste trabalho. O estudo assume um caráter exploratório das potencialidades pedagógicas das estratégias do “método Ubuntu” como promotoras da educação para os valores e desenvolvimento do raciocínio moral.

O foco do presente estudo é a análise descritiva e, simultaneamente, interpretativa dos dados recolhidos nas sessões em grupo, para a qual nos apoiámos nas seguintes questões de investigação:

I. Que factos ou problemas do mundo atual são identificados pelos alunos que participaram nas atividades da “Semana Ubuntu”?

II. Que conotação apreciativa (positiva versus negativa) fazem dos factos e/ou problemas identificados por eles?

Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de Educação para valores 65 204 n3 . 2025

III. Que associação estabelecem/criam com a figura do líder-referência e com o discurso desse líder?

IV. Quais são os “elementos Ubuntu” (i.e., pilares, eixos, valores e competências) que aparecem refletidos nos discursos escritos por cada um dos jovens?

V. Que estratégias de educação para valores aplicadas no método Ubuntu ativam o raciocínio moral sobre conceitos, competências e valores trabalhados durante a semana?

VI. Qual o papel das estratégias de educação para valores, em especial, do storytelling, na tomada da perspetiva das figuras de referência partilhadas durante a Semana?

Participantes

Integram este estudo 117 participantes, estudantes entre os 12 e os 19 anos, cuja média de idades é de 14,1 anos e, entre os quais, 68 identificam-se como pertencendo ao género feminino, 47 ao masculino e 2 alunos identificam-se como “agénero/sem género definido”. Esta amostra compreende estudantes provenientes de turmas do 3º ciclo, secundário ao ensino profissional distribuídas por seis escolas distintas, todas situadas a norte de Portugal, em meio urbano, nos distritos de Braga, Viana do Castelo e Vila Real de Trás-os-Montes.

Importante referir que todos os participantes deste estudo integraram a Semana Ubuntu, no âmbito do projeto Escolas Ubuntu, em seus respetivos contextos escolares. Com o objetivo de estruturar a sua própria SU, cada escola constituiu o seu grupo de participantes – que, para fins desta pesquisa, nomearemos de “subgrupo” –, utilizando seus próprios critérios. Passamos, então, uma breve caracterização sociodemográfica de cada uma das escolas participantes e dos subgrupos que foram constituídos.

Escola A: Esta escola básica (EB 2,3) localiza-se no distrito de Braga, a uma distância de aproximadamente 4 Km do centro da cidade de Braga. A SU promovida pela escola A, em abril de 2022, integrou apenas alunos do ensino básico, entre os quais 16 participaram deste estudo, 11 do género feminino e 5 do masculino, tendo suas idades variado entre o mínimo de 12 anos e o máximo de 15 anos.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 66 204 n3 . 2025

Escola B: Esta escola básica (EB 2,3) localiza-se no distrito de Braga, a uma distância de aproximadamente 7 Km do centro da cidade de Braga. A SU promovida pela escola B, em abril de 2022, integrou apenas alunos do ensino básico, entre os quais 19 participaram deste estudo, 12 do género feminino e 7 do masculino, tendo suas idades variado entre o mínimo de 12 anos e o máximo de 15 anos.

Escola C: Esta escola básica e secundária (EBS) localiza-se no distrito de Viana do Castelo, a uma distância de aproximadamente 7 Km do centro da cidade de Viana do Castelo. A SU promovida pela escola C, em novembro de 2022, integrou apenas alunos do ensino básico, entre os quais 30 participaram deste estudo, 18 do género feminino e 12 do masculino, tendo suas idades variado entre o mínimo de 13 anos e o máximo de 15 anos.

Escola D: Esta escola básica e secundária (EBS) localiza-se no distrito de Vila Real, a uma distância de aproximadamente 300 metros do centro da cidade de Vila Real. A SU promovida pela escola D, em novembro de 2022, integrou alunos do ensino básico, do secundário regular e do ensino profissional, entre os quais 15 participaram deste estudo, 7 do género feminino e 8 do masculino, tendo suas idades variado entre o mínimo de 13 anos e o máximo de 17 anos.

Escola E: Esta escola secundária (ES) localiza-se no distrito de Braga, a uma distância de aproximadamente 2 Km do centro da cidade de Braga. A SU promovida pela escola E, em maio de 2022, integrou apenas alunos do ensino profissional, entre os quais 14 participaram deste estudo, 6 do género feminino e 8 do masculino, tendo suas idades variado entre o mínimo de 15 anos e o máximo de 19 anos.

Escola F: Esta escola secundária (ES) localiza-se no distrito de Braga, a uma distância de aproximadamente 15 Km do centro da cidade de Braga. A SU promovida pela escola F, em maio de 2022, integrou alunos do ensino secundário regular, bem como alunos do ensino básico de uma escola contígua, pertencente ao mesmo Agrupamento. Dentre os participantes desta SU, 23 integraram este estudo, sendo 15 do género masculino, 6 do feminino e 2 autoidentificados como agénero/sem género definido e tendo suas idades variado entre o mínimo de 13 anos e o máximo de 17 anos.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 67 204 n3 . 2025

Procedimentos

Ao fim da estrutura fixa de cada Semana Ubuntu (SU), foi dinamizada uma última atividade, criada especialmente para fins de investigação. Esta consistia na entrega de um post-it a cada aluno seguida do enunciado da proposta do facilitador/investigador para que cada aluno elaborasse um discurso hipotético, no qual um dos líderes estudados durante a SU, à escolha de cada participante, pronunciava-se acerca das problemáticas da atualidade e sobre elas emitia uma apreciação individual e pessoal. Todos os subgrupos de participantes receberam a seguinte orientação: “Vocês aprenderam sobre diversos líderes durante esta semana: Nelson Mandela, Martin Luther King Jr., Rosa Parks, entre os que mais se destacam. Pensem num desses líderes! Diante da pandemia do coronavírus, da guerra na Ucrânia e dos demais desafios que enfrentamos na atualidade, se esse líder fizesse um discurso agora, neste contexto, o que nos diria?”

Importante mencionar que o dinamizador tomou sempre o cuidado de, em nenhum momento desta atividade, referir os “elementos-chave do método Ubuntu” (pilares, eixos, valores e competências). Esta decisão foi tomada para evitar um possível enviesamento do discurso dos participantes, que deveria estar alinhado com as representações que eles próprios tinham dos líderes de referência que escolhiam. Os recursos e o tempo eram limitados nesta atividade, todos os alunos tiveram 10 minutos e, no máximo, dois post-its para o momento de registo. Após a escrita silenciosa e individual, o material era imediatamente recolhido pelo próprio pesquisador.

Estratégia metodológica e análise de dados

A técnica de análise dos dados aplicada no presente trabalho insere-se no paradigma qualitativo, fazendo uso de técnicas de análise dos elementos textuais e interpretação do discurso, para salvaguardar a subjetividade das perceções dos participantes e a compreensão que têm da realidade em que se inserem, perscrutando o seu conhecimento e experiência.

Esse sentido, o presente estudo recorre à análise temática reflexiva dos dados (Souza, 2019; Braun e Clarke, 2006), partindo da recolha detalhada dos dados textuais obtidos

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 68 204 n3 . 2025

na sequência das questões específicas inerentes ao desafio de aprofundamento das atividades da Semana Ubuntu. Seguimos os procedimentos descritos por Braun e Clarke (2006) e validados por Souza (2019) para a análise e construção das categorias. Os textos produzidos pelos estudantes foram lidos, codificados e categorizados. Numa primeira instância adotámos uma codificação aberta, identificando as ideias e segmentos de frase que se agrupavam em padrões de resposta, conceitos ou temas. Uma vez codificados os dados textuais por temas, procedeu-se a atribuição de categorias e subcategorias estabelecendo uma correspondência conceptual entre os discursos em formato de texto e os elementos do método Ubuntu explorados no Manual do formador (ALU, 2019) e nos guiões das atividades aplicadas durante a Semana. O processo de análise temática intrínseco a este tipo de análise reflexiva torna a codificação por temas e posterior construção de categorias um trabalho analítico fundamentado nos referenciais teóricos que suportam essa estratégia metodológica. Todas, categorias e subcategorias, encontram- se descritas na seguinte tabela:

Tabela nº 1:

Categorias e subcategorias emergentes da análise temática do conteúdo

Categoria Subcategoria Descrição

Assunção da perspetiva

Líder-referência

Primeira pessoa do singular

Terceira pessoa do singular

Os participantes decidem assumir diretamente a perspetiva do líder escolhido, elaborando o seu discurso na primeira pessoa do singular, ou decidem não o fazer, escrevendo o discurso na terceira pessoa.

Nelson Mandela

Rosa Parks

Martin Luther King Jr.

Não referiram

Miss G.

Escolha e representação do líder-referência apresentado durante a Semana Ubuntu

Qual dos líderes é escolhido pelos participantes para integrar o seu discurso e qual a representação que fazem deste líder?

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 69 204 n3 . 2025

Categoria

Elementoschave do método

Ubuntu:

Pilares e eixos

Subcategoria

Empatia, Resiliência

Autoconfiança, Serviço

Autoconhecimento

Liderança servidora

Construção de pontes

Ética do cuidado

Descrição

Valores emergentes

Desafios, factos e problemáticas

Identificação e avaliação

Corresponsabilidade Igualdade

Não-violência

Racismo, Guerra, Discriminação/preconceito, Outros (menção única), Pandemia/ COVID-19, Fome, Desigualdade de género, Violência, Concentração de poder/renda, Individualismo, Desigualdade social, Aquecimento global, Poluição

Os participantes referem os pilares e eixos Ubuntu nominalmente, ou o seu conteúdo, nos textos que produzem.

Os valores da corresponsabilidade, igualdade e não-violência, presentes na filosofia Ubuntu, encontram-se expressos nominalmente ou por inferência nos discursos dos participantes.

Quais são os desafios, factos ou problemáticas identificados pelos participantes nos seus discursos e qual a avaliação que fazem destes?

Recurso a “elementos emocionais”

Referência direta à emoção

Sinais gráficos/interjeições

Outliers - - -

Os participantes recorreram ao uso de referências emocionais ou características emocionais identitárias em seus textos. Seja através da menção literal das emoções sentidas por si ou pelo líder Ubuntu por eles representado, ou ainda através do uso de recursos gráficos, como o ponto de exclamação, ou da classe de palavras próprias para esta finalidade, as interjeições.

Consideramos uma categoria única dois dos discursos produzidos pelos participantes, não apenas pela ausência de elementos Ubuntu, mas pelos valores neles refletidos, que são antagônicos ao valor Ubuntu da corresponsabilidade, expresso nos discursos da maioria dos demais participantes.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 70 204 n3 . 2025

Este processo de categorização permite uma análise detalhada e interpretativa dos dados obtidos (Braun e Clarke, 2006), evidenciando as semelhanças e diferenças na apropriação do conteúdo Ubuntu demonstrada pelos participantes. A seguir, serão apresentados os resultados obtidos, organizados de acordo com as categorias e subcategorias previamente descritas.

Resultados

Os resultados que se apresentam em seguida respeitam o esquema da análise temática de conteúdo. A partir do sistema de categorias, acima descrito, ilustramos as ideias e os eixos temáticos associados a essas categorias. Procura-se, deste modo, facilitar o processo analítico de interpretação e discussão dos dados.

Assunção da perspetiva

A interpretação da instrução para a atividade proposta (“…se esse líder fizesse um discurso agora, neste contexto, o que nos diria?”) deu origem a posicionamentos diferentes por parte dos participantes. Da leitura das respostas textuais, regista-se que alguns deram voz à figura de referência para escrever o discurso na terceira pessoa (i.e., “O Nelson Mandela diria...”) e outros protagonizaram o líder de referência e falaram na primeira pessoa, num processo de identificação com o líder Ubuntu (i.e., “Eu, Nelson Mandela...”). Esta posição discursiva resulta da escolha feita espontânea e livremente por cada sujeito que, não obstante refletir o processo de tomada de perspetiva do líder de referência, sugere a sua diferenciação.

Da amostra de 117 alunos, 72 deles (61,53% do total) tomaram a perspetiva do líder escolhido, escrevendo o discurso na primeira pessoa do singular, como se eles próprios fossem Nelson Mandela, Martin Luther King Jr. ou Rosa Parks. Por sua vez, 45 dos alunos (38,46%) assumem o discurso na terceira pessoa do singular, referindo ao líder escolhido como um outro sujeito, distinto de si próprio. A escolha quanto à assunção da perspetiva revela-se, portanto, na opção feita pelo “Foco discursivo”, distinguindo a primeira e a terceira pessoa do singular.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 71 204 n3 . 2025

Os alunos que mais optaram por assumir diretamente a perspetiva do líder escolhido pertenciam à escola “F”, na qual 22 dos discursos apresentaram o “Foco discursivo” na primeira pessoa do singular, enquanto apenas um dos seus colegas escolheu a terceira pessoa. A seu turno, aqueles que mais decidiram pela terceira pessoa do singular foram os da escola “A”, em 14 textos, enquanto apenas 2 dos seus colegas optaram pelo uso da primeira pessoa.

Considerando-se que a orientação da atividade não propunha diretamente o role play, a escolha maioritária destes jovens pela assunção direta da perspetiva do líder escolhido merece ser destacada. Ao decidirem escrever na primeira pessoa do singular, os participantes elaboram seus discursos como se de facto fossem Nelson Mandela ou Rosa Parks, o que nos permite analisar com mais detalhe a perceção que têm sobre estas figuras-referência e sobre os valores que entendem serem representados por elas. Para além disso, os números expressivos desta escolha constituem um primeiro indício de uma possível identificação dos jovens com estes líderes, destacando-se as escolas C e F como as que mais optaram pela primeira pessoa do singular dentre todas.

Escolha e representação do líder-referência

A tomada da perspetiva e a escolha do líder, cuja representação orientou a escrita de cada discurso, apresentam diferenças assinaláveis. Desse modo, importa saber quais das figuras de referência apresentadas e discutidas nas atividades Ubuntu foram escolhidas pelos participantes e, ainda mais importante, “Que associação estabelecem/criam com a figura do líder-referência e com o discurso desse líder?”.

A análise dos dados obtidos demonstra que a figura mais escolhida pelos participantes, na elaboração dos seus discursos, foi Nelson Mandela, presente em 74 textos, que representam 63,24% do total de participantes. Em seguida, vêm Rosa Parks e Martin Luther King Jr., escolhidos por 14,52% e 11,96% do total, respetivamente. Onze dos participantes, 9,4% do total, não referiu nenhum líder e apenas um deles, 0,85% do total, referiu a Miss G., protagonista do filme Freedom Writers, exibido durante a semana.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 72 204 n3 . 2025

Ao passo que as referências a Mandela têm um número expressivo em todas as escolas investigadas, nunca inferior a 7 menções, as escolhas por Rosa Parks e Martin Luther King Jr. apresentam uma discrepância relevante. Isso porque, enquanto nas escolas A, B, D e E, estes líderes quase não aparecem nos discursos dos participantes, chegando ao máximo de 2 menções a Martin Luther King Jr. (escola A) e 1 a Rosa Parks (escola B), nas escolas C e F o cenário é distinto. Os participantes da Semana Ubuntu (SU) das escolas C e F referem estes dois líderes mais que quaisquer outras das escolas analisadas, chegando ao máximo de 8 menções a Rosa Parks (nas escolas C e F) e 7 menções a Martin Luther King Jr. na escola F. Acerca destes dois líderes, é relevante referir, ainda, que ambos eram apresentados e discutidos no mesmo dia da semana Ubuntu, em atividades subsequentes. Para além disto, destaca-se o facto de que, das 17 pessoas que escolheram Rosa Parks e a única que escolheu a Miss G., todas são do género feminino, configuração que não se repetiu com nenhum dos outros líderes.

É importante salientar as 10 menções diretas aos aforismos dos líderes-referência partilhados durante a SU, como em: “ tudo parece impossível até que seja feito” (DFB, 14 anos, feminino, escola A), “eu tenho um sonho (...)” (LC, 15 anos, masculino, escola A), “I still have a dream (…)” (LTAC, 14 anos, feminino, escola C), “Nós temos um sonho (...)” (DCB, 13 anos, feminino, escola C) e “(...) sejam vós os comandantes das vossas almas” (MA, 16 anos, masculino, escola E). De referir que, em todos estes casos, a frase foi corretamente atribuída ao líder que a proferiu.

Por fim, ao investigar a associação estabelecida pelos participantes com a figura do líder-referência e seu discurso, destacam-se os textos escritos por dois dos alunos que, antes de pensarem no discurso que o líder escolhido proferiria, refletiram sobre a figura deste líder e os seus valores. A primeira, ao refletir sobre Mandela, afirma: “O mundo precisa muito de pessoas como ele e tão inspiradoras quanto ele, eu acho que elas ajudariam muito a fazer uma sociedade melhor” (JCC, 15 anos, feminino, escola E), o segundo aponta para uma relação emocional estabelecida com a figura de Martin Luther King Jr.: “Uma das pessoas que mais me moveu e inspirou esta semana foi Martin Luther King Jr. Este ícone teria muito a dizer sobre o movimento Black Lives Matter e a atual guerra na Ucrânia, dois assuntos que me preocupam bastante atualmente. Sendo um pacifista, ele se

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 73 204 n3 . 2025

oporia fortemente a esta guerra absurda e apoiaria a população negra dos Estados Unidos mais uma vez. É uma alma como a sua da qual nós precisamos hoje” (LICG, 15 anos, masculino, escola F).

A representação feita, por estes jovens, dos líderes escolhidos e a relação que estabeleceram com eles apontam, mais uma vez, para a identificação dos participantes com as figuras que inspiram o seu discurso. Tal indício é corroborado pela unanimidade feminina na escolha das líderes-referência mulheres, um fenômeno não observado em nenhuma das outras escolhas. Importante referir também o novo destaque que têm as escolas C e F. Se antes foram mencionadas pela tomada direta da perspetiva dos líderes Ubuntu, desta vez são referidas pela escolha por Rosa Parks e Martin Luther King Jr. em número expressivo em relação a outras escolas, mais um indício da identificação destes participantes com os líderes escolhidos.

Referências aos elementos-chave do método Ubuntu

Apresentada a relação demonstrada entre os jovens e as figuras de referência da Academia de Líderes Ubuntu, importa perceber “Quais são os ‘elementos Ubuntu’ (i.e., pilares, eixos, valores e competências) que aparecem refletidos nos discursos escritos por cada um dos jovens?”. Demonstramos inicialmente a presença dos eixos e pilares Ubuntu, consoante apresentados na tabela a seguir:

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 74 204 n3 . 2025

Tabela nº 2:

Referências aos elementos-chave do método Ubuntu

Elementos-chave do método

A análise destes números demonstra que houve discursos que mencionaram mais de um destes “elementos”. Para além disso, percebe-se que os eixos e pilares do método Ubuntu aparecem refletidos nos discursos dos participantes em diferentes frequências, tanto na análise geral quanto na apreciação de cada uma das escolas participantes.

Enquanto o pilar da “empatia” é o mais identificado, presente em 45 dos discursos dos jovens, o do “autoconhecimento” é o menos referido em todos os textos, tendo 3 entradas no total e revelando-se apenas nos discursos das escolas B e F. Quanto aos eixos Ubuntu, percebe-se um maior equilíbrio entre eles. Ao passo que os eixos da “Liderança servidora” e da “Construção de pontes” têm 29 entradas cada um, o da “Ética do cuidado” está presente em 21 dos discursos dos participantes.

Reconhece-se o pilar da “empatia” nos casos em que o participante referiu a igualdade entre as pessoas justificada pela condição humana partilhada; a apelos à não discriminação

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 75 204 n3 . 2025

ou à consideração do outro e da sua condição, como no caso dos discursos de AMSC e MA, de 19 anos e 16 anos respetivamente, ambos da mesma escola. Enquanto a primeira afirma que “Somos todos seres humanos, seres vivos, temos que ter todos os mesmos direitos e deveres. Temos o dever de respeitar, mas temos o direito de ser respeitados igualmente (...) Não tornem alguém invisível, ajudem-se mutuamente a tornar-se visíveis. Vejam e olhem para cada um além do que vêm, além do óbvio, além do exterior” (AMSC, 19 anos, feminino, escola E), o segundo propõe a tomada de perspetiva típica da “empatia” Ubuntu: “Vós deverão colocar-se no lugar do outro! Vós estáis encarregues de tratar toda a gente como alguém e não como meros invisíveis” (MA, 16 anos, masculino, escola E).

A “resiliência” revela-se quando havia o incentivo à persecução de um objetivo mesmo diante dos obstáculos, como em: “Acho que diria para não desistirmos no que verdadeiramente queremos, para lutarmos por um mundo melhor, mesmo que tenhamos que passar por dificuldades, pois todo o esforço é compensado e vale a pena” (SG, 14 anos, feminino, escola C). Por fim MFS, da escola B, ao assumir a voz de Rosa Parks, reflete a “resiliência” diante das dificuldades impostas pelo seu gênero: “Não é por sermos mulheres, que não podemos lutar. Não é por terem mais dificuldades que não podem lutar” (MFS, 13 anos, feminino, escola B).

Identifica-se o pilar da “autoconfiança” tanto nos casos em que o líder buscava promover este valor diretamente, “Acredita em ti” (CM, 13 anos, feminino, escola D), como quando o seu discurso estava imbuído deste valor, é o caso de: “Podemos sempre ganhar uma guerra perdida de avanço, é só acreditar e ter a força suficiente” (MFT, 13 anos, masculino, escola B) e “Juntos somos mais fortes e vamos pensar pelo lado positivo e vamos conseguir enfrentar qualquer necessidade possível”. (BFRF, 13 anos, feminino, escola D). Em vários dos discursos, a “autoconfiança” estava diretamente ligada ao desejo de agir em prol da coletividade, que tangencia o seguinte pilar a ser apresentado.

O pilar do “serviço” deixa-se entrever nos discursos sempre que havia um convite à responsabilidade comunitária ou uma manifestação prática deste comportamento. Em diversos casos, ao recorrer a este pilar Ubuntu, os participantes valorizaram as ações práticas do indivíduo em prol da comunidade, ainda que pontuais e restritas, como em “Podemos

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 76 204 n3 . 2025

ajudar apenas por fazer pouca coisa como reciclar ou ajudar pessoas velhas” (ACG, 12 anos, masculino, escola B). O descentrar-se de si próprio e assumir uma responsabilidade com os membros de uma comunidade mais ampla, formada por todos os seres humanos, também aparece nos discursos, refletindo o pilar do “serviço”. É o que vemos em: “Neste momento, Nelson Mandela diria que a situação de Portugal não está totalmente a 100%, pois pessoas que vivem na rua, sem a ajuda de ninguém, a passar fome e nós portugueses temos que ajudá-los a terem uma vida normal pelo menos com algumas condições, por exemplo: não passar fome, não estar a dormir na rua, no frio, por isso temos que ajudá-los a ter uma vida melhor” (TCA, 14 anos, masculino, escola C) e “(...) trabalhar juntos para mudar o mundo!” (LTAC, 14 anos, feminino, escola C).

Por sua vez, o pilar do “autoconhecimento” é o que menos aparece nos discursos elaborados pelos alunos, com apenas três entradas. Duas das participantes referem a este pilar enquanto assumem o papel de Rosa Parks: “(...) nem sempre é necessário uma plateia ou alguém para ver as nossas lutas, muitas vezes apenas precisamos de ter a consciência limpa e a certeza que é aquilo que queremos, e continuar a lutar” (DSSF, 15 anos, feminino, escola F) e “(...) já se passou muitos anos, e continuo a ter a mesma opinião, porque eu na minha cabeça acho que tive a atitude correta” (MCL, 14 anos, feminino, escola F). Entretanto, destaca-se uma das participantes que, ao passo que analisa os resultados da política de Mandela, também realiza um exercício de reflexão sobre a sua própria realidade, recorrendo a primeira pessoa do singular para manifestá-la: “ainda existe a discriminação e eu sou a prova viva disto” (SPNM, 13 anos, feminino, escola B).

Os eixos Ubuntu, por sua vez, aparecem refletidos em muitos dos discursos, em diversos contextos, consoante demonstraremos a seguir.

A “Liderança Servidora” revela-se quando a caracterização da figura de um líder passava pelas preocupações comunitárias, como em: “Eu, como vosso presidente, vos guiarei para uma África do Sul livre sem nenhuma discriminação” (MA, 16 anos, masculino, escola E) ou nos discursos dos líderes que incentivavam uma ação mais proativa dos indivíduos, em benefício da comunidade, fosse ela mais estrita ou global. É o que vemos em: “(...) devemo-nos juntar e lutar contra o racismo ainda presente no mundo. Vamos por

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 77 204 n3 . 2025

este mundo melhor” (MCBV, 13 anos, feminino, escola C), “Todos nós podemos fazer a diferença” (ACG, 12 anos, masculino, escola B) e “(...) Liderem com astúcia e com amor!” (MA, 16 anos, masculino, escola E).

Também é frequente a referência ao eixo Ubuntu da “Construção de Pontes”. Ora expresso em apelos à união e ao apoio mútuo na consecução de objetivos, como em “(...) temos de nos reconciliar e tentar entender que estas guerras e preconceitos mas não vão levar a nenhum lado (...)” (LDL, 14 anos, feminino, escola F); ora surge implícito nas propostas de superação dos elementos de segregação: “Devíamos ignorar as nossas diferenças e nos unir em vez de estarmos a nos separar pelas nossas características” (LPM, 14 anos, masculino, escola C). Também identificamos a “Construção de pontes” quando o discurso convida à reconciliação, pugnando por uma postura de alteridade com implicações práticas. Temos como exemplo: “Hoje em dia, as pessoas lutam só a pensar em si, de uma forma negativa, com guerras inúteis e massacradoras, temos de nos entender (...)” (RSF, 14 anos, masculino, escola B) e “Hoje e dia as pessoas só estão a pensar em si (...) precisamos dos outros para viver em paz e cumprir objetivos” (NSMS, 15 anos, feminino, escola D).

Por fim, o eixo da “Ética do cuidado” surge associado ao convite ao amparo em momentos desafiantes. Ora mais abrangente, como em “(...) temos de nos ajudar neste momento de aflição” (MAF, 14 anos, feminino, escola B); ora direcionado a grupos e a necessidades específicas, como este discurso proferido em nome de Rosa Parks: “(...) muitas mulheres hoje em dia são tratadas muito mal e violentamente. Por favor, deem amor e não violência, deem carinho e não chapadas” (RPP, 13 anos, feminino, escola C).

Para além dos eixos e pilares do método (MU), importa referir que a análise destes mesmos dados fez emergir outros valores expressos na filosofia Ubuntu que se repetiram consistentemente na amostra estudada. Inclusivamente, houve discursos que mencionaram mais de um destes mesmos valores. Organizamos esta informação na seguinte tabela:

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 78 204 n3 . 2025

Tabela nº 3:

Valores emergentes

Identificamos o valor da “Corresponsabilidade” em 54 dos 117 discursos analisados, isto é, 46,15% da amostra referiu este valor. Este número expressivo à corresponsabilidade supera inclusivamente o “elemento Ubuntu” mais referido, a “Empatia”, que foi identificada em 45 dos 117 textos.

Consideramos presente o valor da “Corresponsabilidade” nos discursos em que os participantes pugnaram por soluções conjuntas para os problemas por eles citados, convocando a uma responsabilização solidária pela ação que lhes parecesse necessária. Destaca-se o apelo pela tomada de iniciativa prática e solidária para resolução dos problemas, como em “Temos de deixar de esperar por bons dias e começar a agir para criá-los” (SOC, 14 anos, feminino, escola D); a importância da intervenção em uma escala mais próxima, demonstrada em: “Se todos nós fizermos o mínimo, torna-se uma grande coisa e pode mudar o mundo/mentalidade da sociedade” (DSF, 14 anos, feminino, escola F) e a responsabilidade substancial pela realização de cada indivíduo, evidenciada em: “Criem ligações com os outros, ajudem-nos a serem eles próprios” (MCL, 14 anos, feminino, escola F).

Por fim, ainda sobre a “Corresponsabilidade”, importa referir que muitos dos textos traziam em si palavras de ordem, dentre as quais as variantes da palavra “luta” se destacam. Em 19 dos 117 discursos, a palavra “luta” e suas variações foram utilizadas, como um convite direto à intervenção prática, orientado no sentido dos valores Ubuntu supramencionados. É o que se pode depreender do seguinte excerto: “Toda a gente consegue dizer

Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de Educação para valores 79 204 n3 . 2025

coisas más uns aos outros, mas poucos conseguem realçar as qualidades e ajudar. Por isso, devemos tentar ser das poucas pessoas e ajudarmo-nos uns aos outros lutando por uma causa, porque juntos somos mais fortes” (LOC, 13 anos, feminino, escola C).

Prosseguindo a análise dos valores emergentes, a “Igualdade”, por sua vez, é referenciada por 30 dos 117 discursos, perfazendo 25,64% do total.

Identificamos o valor da “Igualdade” nos discursos em que há menção aos seres humanos, considerados, pelos participantes, “iguais” em direito ou em valor. É o que observamos em: “Temos que aprender que todos somos iguais e não há melhor do que o outro” (APFF, 16 anos, masculino, escola E) e “Nós como pessoas temos as nossas características todas elas distintas e não é por isso que não temos os mesmos direitos e deveres” (AFMT, 15 anos, feminino, escola F. Destacam-se os discursos que mencionam a fatores específicos de desigualdade social, como “(...) independentemente da raça do género, do físico do psicológico somos todos iguais em termos de direitos” (JCS, 14 anos, feminino, escola C) e aqueles que reclamam pela materialização prática deste valor: “Ao invés da cor da pele ser o fator de diferenciação entre as pessoas, agora é o poderio económico. E eu tenho um sonho, que toda a gente tenha as mesmas oportunidades e que ninguém nasça condenado à morte apenas por não ter ‘sangue azul’” (RICD, 15 anos, masculino, escola F).

Em seguida, analisamos o valor da “Não-violência”, identificado em 27 dos 117 discursos, correspondendo a 23,07% do total. A “Não-violência” aparece claramente em discursos como “Eu, Martin Luther King Jr, quis morrer em um mundo onde estivesse em paz, onde não tivesse tanta violência (...)” (PVMM, 15 anos, feminino, escola C), direta ou indiretamente endossada pelo líder-referência. Destacam-se os discursos que a apontam como valor que deve balizar a busca por soluções para os problemas identificados: “(...) a melhor forma de resolver algo é por palavras e não com balas” (CDC, 12 anos, feminino, escola A).

A análise destes dados permite-nos identificar diversos elementos valorativos da filosofia Ubuntu nos discursos analisados, o que demonstra não apenas a compreensão deste conteúdo por parte dos jovens, mas a sua apreensão. É isto que indica o número expressivo de

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 80 204 n3 . 2025

propostas de resolução para as problemáticas apontadas, expressas em ações concretas, em escala mais próxima, cuja responsabilidade de execução deveria ser partilhada entre todos. Para além de uma manifestação do valor da corresponsabilidade, o mais referido entre todos, este fenômeno é a materialização da própria filosofia Ubuntu, transversalmente presente nos discursos destacados.

Identificação e avaliação dos factos e problemáticas

Consoante a descrição prévia, o processo da recolha dos dados do presente estudo foi feito no âmbito de uma atividade cujas instruções foram transversais a todos os subgrupos. O discurso orientador deste momento mencionava dois factos da época a título de exemplo: a guerra entre Rússia e Ucrânia e a pandemia do COVID-19. Entretanto, os participantes foram orientados a escrever livremente sobre os factos e problemáticas da atualidade que merecessem a atenção do líder por eles escolhido.

Deste modo, o presente estudo busca identificar “que factos ou problemas do mundo atual são identificados pelos alunos que participaram nas atividades da ‘semana Ubuntu’?”

Para responder a esta questão, os dados colhidos foram analisados para destacar apenas as menções diretas às diferentes problemáticas, ora descritas seguidas pelo número de discursos que as referiram: Racismo (25), Guerra (25), Discriminação/preconceito (16), Outros/menção única (14), Pandemia/COVID-19 (8), Fome (8), Desigualdade de género (8), Violência (4), Concentração de poder e renda (3), Individualismo (3), Desigualdade social (3), Aquecimento global (2) e Poluição (2).

A análise dos dados obtidos demonstra que as problemáticas mais mencionadas das pelos participantes em seus discursos foram o “Racismo” e a “Guerra”, com 25 menções cada uma, que representam juntas 41,66% do total. Por sua vez, os factos menos referidos foram a “Poluição” e o “Aquecimento Global”, com 2 menções cada uma, que perfazem juntas 3,33% do total. De referir, ainda, a categoria “Outros”, que reúne factos e problemáticas de menção única, isto é, que não se repetiram em mais de um discurso. Esta categoria representa 11,66% do total de textos e traz em si problemáticas como o “desrespeito”, o “número de pessoas sem abrigo”, o “abandono dos idosos”, o “isolamento ocasionado pela tecnologia”, os “problemas económicos”, o “aumento dos preços”, dentre outras.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 81 204 n3 . 2025

Ao comparar os dados das diferentes escolas, percebe-se que a problemática mais referida em uma só semana foi o racismo, com 9 menções, na Semana Ubuntu (SU) realizada pela escola C. Em segundo lugar ficou a categoria “Outros”, identificada 8 vezes, também na semana da escola C. A terceira problemática mais mencionada em uma só semana volta a ser o “Racismo”, referida em 6 dos discursos da escola F. Destaca-se, ainda, a categoria “Desigualdade de género” que, para além da menção única feita por uma aluna da escola A, apenas volta a ser referida nos discursos colhidos nas SU das escolas C e F, com 4 e 3 menções respetivamente, restando ausente dos discursos das demais escolas.

Em virtude destes dados, importa questionar “Que conotação apreciativa (positiva versus negativa) fazem dos factos e/ou problemas identificados por eles?”. Neste sentido, apresentamos excertos dos discursos que demonstram o tratamento conferido às problemáticas pelos participantes.

Quanto à categoria “Guerra”, a opinião dos participantes era totalmente negativa: “Em primeiro lugar a guerra resume-se ao sofrimento, morrem pessoas, outras ficam feridas, outras perdem tudo o que tinham tanto bens materiais como familiares. Em segundo lugar a guerra causa muito prejuízo para o país que é atacado e para o que ataca e esse dinheiro podia ser aproveitado para ajudar a combater a pobreza, outro grande problema da nossa sociedade” (ALSP, 15 anos, feminino, escola F). Para além disso, os dados apresentam menções diretas a conflitos atuais, como em: “Mandela diria que o Putin devia desistir da Guerra pois a Ucrânia não lhe pertence e ele não tem o direito de tomar vidas inocentes” (GPP, 13 anos, masculino, escola A). De referir, ainda, que, enquanto alguns atribuem a responsabilidade pela resolução do conflito ao líder-referência, outros apontam para uma solução mais coletiva: “(...) nós podemos reconquistar o mundo um tratado para acabar a guerra” (JPAC, 13 anos, masculino, escola C).

Por sua vez, a problemática do “Racismo” aparece em diversos dos discursos dos participantes, sempre numa conotação negativa, como por exemplo em: “Um problema em especial que me toca é o racismo. É imperdoável o que acontece diariamente em todo o mundo. Eu acho que a sociedade perdeu os seus valores a primeira vez que se ousou a criticar alguém pela sua cor” (AFMT, 15 anos, feminino, escola F). Quanto à análise do

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 82 204 n3 . 2025

contexto atual, os participantes divergem. Há visões mais otimistas, como: “Fico feliz por ver que cada vez mais o racismo está a ser extinto. Ainda há racismo, mas é consideravelmente menos do que quando eu era vivo” (RICD, 15 anos, masculino, escola F) e mais pessimistas: “(...) o racismo que só aumenta a cada dia. Apesar da nossa cor de pele não devemos julgar nem ser racistas com ninguém. Todos nós somos iguais e devíamos ignorar essa diferença entre as raças” (IRF, 14 anos, feminino, escola F). Ambas, entretanto, percebem o “Racismo” como uma problemática.

A categoria “Discriminação/Preconceito” é a terceira mais frequente nos discursos dos participantes. Ora tangencia as questões raciais, ora é tratada de maneira mais particular, “(...) os preconceitos em vez de diminuírem com o tempo, não só piorou, até dentro da família um grupo de pessoas que devíamos de nos sentir seguros e amados por todos que lá estão” (LCA, 13 anos, feminino, escola C). Contudo, em todos os discursos em que aparece, “Discriminação/Preconceito” é vista como algo negativo, a que se opõe o valor da “igualdade”, reiteradamente referido e defendido pelos participantes, como veremos mais adiante.

Importa destacar que estas e as demais problemáticas observadas, quando referidas nos discursos dos participantes, trazem consigo a carga valorativa previamente identificada e categorizada na apresentação destes resultados. Isto é, as problemáticas identificadas por estes jovens e a apreciação que delas fizeram coadunam-se com os valores partilhados durante a semana Ubuntu, novo indício de que o conteúdo apresentado nesta iniciativa foi apreendido pelos participantes, num movimento mediado pelo quadro valorativo de cada um.

O papel das estratégias de educação para valores

Apresentadas as problemáticas apontadas pelos alunos, bem como a avaliação que delas fizeram à luz dos “elementos Ubuntu” e da sua representação do líder escolhido, passamos a considerar a última questão de investigação. Neste sentido, importa-nos perceber “Qual o papel das estratégias de educação para valores, em especial o do storytelling, na apropriação da perspetiva das figuras de referência partilhadas durante a semana?”

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 83 204 n3 . 2025

Nos dados recolhidos identificamos elementos que nos ajudam a responder esta questão, alguns dos quais foram previamente apresentados. É o caso da escolha do líder Ubuntu e da associação estabelecida com estas figuras e os seus discursos. Relevante também a decisão, tomada pelos participantes, de assumir a perspetiva desses líderes, consoante demonstra a escolha maioritária dos jovens pelo foco discursivo na primeira pessoa do singular.

A par destes indícios, consideramos que a presença de “Elementos emocionais” no discurso dos alunos ajuda a responder à questão proposta. Esta categoria agrega os discursos com menções diretas às emoções sentidas ou recursos gráficos de expressão emocional, como o ponto de exclamação.

Os dados obtidos demonstram que 33 dos 117 discursos (28,20% do total) recorreram a “Elementos emocionais”, numa distribuição homogénea entre os grupos analisados. Os alunos da escola “C” foram os que mais se utilizaram deste recurso, em 8 de seus discursos, e os da “Escola D” foram os que menos o fizeram, em 3 dos seus textos.

Identificamos a presença de “Elementos emocionais” em discursos que referiram as emoções diretamente, como em: “(...) o temido preconceito prevalece, mesmo que seja a mais ínfima gota está entranhado em nós, incutido na nossa sociedade de maneira tal que até dói na alma” (LTAC, 14 anos, feminino, escola C). Também os consideramos presentes quando os participantes se utilizavam de interjeições ou pontos de exclamação para exprimir a sua ideia, como em: “Não basta falar, temos que agir!” (CCJ, 13 anos, feminino, escola A) e “Todos nós nos transformamos num só pela nossa família, filhos, pais, irmãos, tios, conhecidos, pelo legado e para nos tornarmos pessoa!!!” (MJAA, 13 anos, masculino, escola D).

Destaca-se o facto de que muitos destes discursos relacionam os “Elementos emocionais” ao próprio líder escolhido, como se observa em: “Se esta senhora tivesse neste mundo, agora, ela sentir-se-ia bastante frustrada por ainda haver aquilo que ela tanto odiava, o racismo (...)” (SMF, 14 anos, feminino, escola C) e neste texto, no qual o aluno assume a persona de Martin Luther King Jr.: “(...) fico triste que hajam pessoas que não aceitem isso e desprezam as pessoas negras isto é racismo” (SFS, 13 anos, masculino, escola C).

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 84 204 n3 . 2025

Outliers

Por fim, importa destacar dois dos discursos que, por destoarem dos demais, serão tratados como uma categoria única, a que chamaremos Outliers. São os seguintes: Se Mandela olhasse para o mundo hoje em dia diria que a luta dele só valeu para um período de tempo porque ainda existe a discriminação e eu sou a prova viva disto. O mundo não tem mais solução porque só fala quem tem poder (SPNM, 13 anos, feminino, escola B).

(Rosa Parks) O mundo está pior do que nunca. Em vez de se reduzir os problemas, apenas criamos novos. O ser humano tem sede de poder e, por esse motivo o mundo não é um lugar pacífico. O racismo, a homofobia, o machismo e outros problemas desse género, é tudo por causa de certas pessoas que acham que têm poder sobre outras. Sofri muito racismo durante a minha vida e, por isso, sei bem qual é a dor (LLS, 13 anos, feminino, escola F).

Nestes textos, identifica-se o pilar Ubuntu do autoconhecimento, mas, para além dele, nenhum dos demais pilares e eixos ou dos valores Ubuntu emergentes no restante da amostra podem ser identificados. Ao contrário, em oposição à “Corresponsabilidade”, presente em 46,15% do total de discursos analisados, estes dois textos apontam para a apatia diante das estruturas de poder e manutenção do status quo e para o conformismo perante a realidade vivenciada pelos líderes escolhidos e, no primeiro texto, pela própria autora.

Estes dados aparentemente dissonantes contribuem para uma análise mais completa da totalidade dos discursos. Isso porque tornam percetível a diversidade valorativa do ambiente criado nas semanas Ubuntu, relevante para o desenvolvimento do raciocínio moral dos participantes. Ao mesmo tempo, suscitam novas discussões, de cariz mais prático, relevantes para estudos futuros sobre a mesma temática.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 85 204 n3 . 2025

Discussão

Perante a proposta da elaboração de um discurso ajustado às problemáticas da atualidade e balizado pelas figuras-referência Ubuntu, os participantes tiveram a oportunidade de refletir sobre a realidade social atual e avaliá-la, evidenciando os aspetos que consideravam relevantes e os valores subjacentes a esta escolha.

A análise dos dados demonstra de que modo cada participante se apropriou da perspetiva dessas figuras e como o fizeram de maneira singular. Destaca-se o facto de que, apesar da atividade de recolha de dados não propor o role play, 61,53% do total de alunos decidiu assumir a perspetiva do líder escolhido, escrevendo o discurso na primeira pessoa do singular, como se eles próprios fossem Nelson Mandela ou Rosa Parks. Nesta categoria, destacam-se os alunos da escola F e C, os que mais optaram pela assunção direta da perspetiva do líder escolhido, tendo 22 e 18 deles, respetivamente, escrito os seus discursos na primeira pessoa.

Na análise dos textos produzidos observa-se a relação estabelecida entre os participantes e o líder escolhido, bem como a representação que dele fizeram. Dentre as figuras-referência, Nelson Mandela tem destaque, uma vez que foi escolhido por mais da metade dos participantes (63,24% do total da amostra). É seguido, em números menos expressivos, por Rosa Parks e Martin Luther King Jr., que foram representados por 14,52% e 11,96% do total de alunos respetivamente. A escolha maioritária e expressiva de Mandela como líder-referência dos discursos coaduna-se com a exposição que esses jovens tiveram à sua figura, uma vez que o primeiro dia da Semana Ubuntu (SU) é todo dedicado à partilha da história de vida de Mandela, dos seus valores e do seu legado.

Os resultados obtidos demonstram a identificação destes jovens com esses líderes, é o que se pode depreender da escolha maioritária pela assunção direta da sua perspetiva, da referência a aspetos emocionais diretamente relacionados a essas figuras e, principalmente, dos fenómenos observados nas escolhas feitas por Rosa Parks, Miss G. e Martin Luther King Jr.. Dentre eles, destaca-se o facto de que, das 18 pessoas que escolheram Rosa Parks e Miss G. como líderes, 100% delas era do gênero feminino, fenómeno que não se repetiu com nenhuma das outras figuras-referência. Para além disso, a despeito das escolhas por

Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de Educação para valores 86 204 n3 . 2025

Rosa Parks e Martin Luther King Jr. serem minoritárias dentre as escolas, especialmente se comparadas com Mandela, os participantes da SU das escolas C e F mencionam estes dois líderes em número significativo, mais do que quaisquer outras das escolas analisadas. Ambos os fenómenos são indícios da identificação desses jovens com as figuras que lhe foram apresentadas durante a semana. Importante referir que, à exceção dos outliers, a representação que os alunos fizeram destes líderes correspondia aos valores que eles propugnavam, o que se evidencia tanto pelo uso literal dos seus aforismos, quanto pela própria relação entre a figura do líder e os valores específicos expressos nos seus discursos.

Sobre os elementos Ubuntu depreendidos dos textos analisados, destaca-se o valor da “Corresponsabilidade”, o mais referido dentre todos, identificado em 54 dos 117 discursos. Diante das problemáticas apontadas, 54 dos participantes propuseram ações práticas de resolução, em que a responsabilidade pela mudança positiva das circunstâncias era solidária, partilhada entre todos. Dentre estes discursos, destacam-se os que propugnavam pela intervenção em uma escala mais próxima para colmatar problemas concretos, bem como aqueles que atribuíam, a cada indivíduo, a responsabilidade pela realização plena dos seus pares. Percebe-se, nestes discursos, a materialização da ética da responsabilidade, solidária e recíproca, que vai ao encontro da filosofia partilhada durante a SU, expressa nos aforismos: “eu sou porque tu és” e “cada um só pode tornar-se pessoa na existência das outras pessoas” (Marques, 2019; Volmink, 2019; Fonseca, 2017; Caracciolo, 2009; Kohlberg, 1984). O facto de que 46,15% da amostra refere o valor Ubuntu da corresponsabilidade, atribuindo a toda a comunidade a responsabilidade pela resolução dos problemas, alinha- se com o conteúdo moral que vivenciaram durante esta semana. Os textos demonstram que os participantes elegeram a corresponsabilidade, a ação colaborativa e solidária, como valores adequados para figurarem em seus discursos, revelando, portanto, um afastamento valorativo da postura de passividade e individualismo da sociedade atual (Montenegro & Gaspar, 2020; Cortina, 1999; Sennett,1999).

Para além da “Corresponsabilidade”, os elementos Ubuntu mais mencionados foram “Empatia”, “Igualdade”, “Liderança servidora” e “Construção de pontes”, todos relacionados diretamente à filosofia subjacente ao Método Ubuntu (Volmink, 2019) e à própria figura de Mandela, considerado pela Academia de Líderes Ubuntu um exemplo

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 87 204 n3 . 2025 de liderança colaborativa e servidora (Alarcão, 2023; Marques, 2019). Esta valorização dos comportamentos “pró-sociais” e dos valores a eles subjacentes também são indícios da influência do storytelling das figuras-referência na elaboração destes discursos. A sua contribuição, inclusivamente, pode se estender ao desenvolvimento do raciocínio moral dos indivíduos, orientando-os na identificação e clarificação dos próprios valores e, por conseguinte, contribuindo para o seu desenvolvimento moral (Gottschall, 2012; Koh, 2012).

A influência destes mesmos valores e princípios também pode ser observada na identificação das problemáticas da atualidade e na avaliação que os participantes delas fazem. Inicialmente, a análise dos dados demonstra que os participantes identificaram mais problemáticas do que aquelas referidas na apresentação da atividade. Para além da pandemia do COVID-19 e da guerra travada entre Rússia e Ucrânia, diversas outras questões foram apontadas pelos jovens como problemas sociais a serem resolvidos, desde o “abandono dos idosos” ao “isolamento ocasionado pela tecnologia”. Dentre todas, destacam-se dois dos problemas mais mencionados por eles: o “Racismo” e a “Discriminação/preconceito” que, juntos, são mencionados em 41 dos 117 discursos. De referir que, apesar de propositadamente não mencionadas na última atividade proposta, ambas são problemáticas trazidas nas dinámicas e materiais partilhados durante a SU. Nomeadamente quando são apresentadas, através do storytelling, as figuras de Nelson Mandela, Martin Luther King Jr., Rosa Parks e Miss G., bem como quando se promove o diálogo e a discussão moral a partir das suas histórias de vida (Alarcão, 2023; Marques, 2019; ALU, 2021). A frequência em que são mencionados o “Racismo” e a “Discriminação/preconceito” indica a relevância destes temas para cada participante, consolidada nas discussões e na apropriação individual e coletiva do conteúdo Ubuntu.

Entretanto, mesmo diante da aplicação manualizada do Método (MU), que se repete em todas as escolas que o acolhem, percebe-se que o conteúdo partilhado suscita um processo reflexivo mais amplo. Isto é, as atividades realizadas durante a SU promovem a reflexão não apenas sobre as questões sociais diretamente trazidas pelos materiais apresentados, como também, através da discussão moral e diálogo entre pares, estimulam a identificação de problemáticas distintas e a reflexão sobre elas, mediada pelo quadro valorativo

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 88 204 n3 . 2025

do indivíduo e do grupo em que esteve inserido. É essa troca entre sujeitos, mediada pelo meio em que estão inseridos, que permite a constante recriação valorativa, pressuposto para o desenvolvimento da autonomia moral (Siqueira & Malheiro, 2020; Sedano & Carvalho, 2017; Vinha & Tognetta, 2009; Piaget, 1994).

No caso da amostra analisada, percebe-se a opção, por parte dos organizadores, de reunir alunos de idades e escolaridades distintas na mesma SU, o que facilita a criação de um contexto de diversidade valorativa, a ser demonstrada durante os momentos de partilha em torno do conteúdo apresentado. As próprias atividades desenvolvidas durante a SU promovem, a partir do storytelling das figuras-referência, dos convidados e dos próprios participantes, momentos de discussão moral e de discussão de dilemas morais reais, emocionalmente mobilizadores, que serão aproveitados por cada participante no desenvolvimento do próprio raciocínio moral. Esse fenómeno pode ser intensificado quando o dinamizador Ubuntu recorre ao conflito sociocognitivo ou quando os organizadores da semana reúnem, em um só subgrupo, pessoas em diferentes estágios de raciocínio moral (Walker et al., 1987; Berkowitz & Gibbs, 1983; Kuhn et al., 1977; Blatt & Kohlberg, 1975). Nesta pesquisa, para além das idades, não temos dados suficientes acerca do estágio de desenvolvimento moral de cada participante. No entanto, pode-se observar, nestes resultados, a influência das estratégias de educação para valores na apropriação do conteúdo partilhado. Seja através da identificação dos jovens com esses líderes, dos elementos Ubuntu refletidos nos seus textos ou da avaliação das problemáticas atuais apontadas por cada discurso, estes dados apresentam indícios dos efeitos da discussão moral e de dilemas morais, bem como da partilha das histórias de vida dos líderes-referência e dos próprios participantes da SU.

Para além dos previamente citados, a presença de “Elementos emocionais” nos discursos dos participantes é outro indício relevante dos efeitos das estratégias de educação para valores, nomeadamente do storytelling. Os resultados demonstram que 33 dos 117 textos analisados trazem em si “Elementos emocionais”, desde elementos gráficos, como pontos de exclamação e interjeições, a referências diretas às emoções sentidas pelo próprio autor ou pelo líder que referencia. Destacam-se, neste sentido, os textos que referem Rosa Parks e Miss G., por vezes aludindo diretamente às suas emoções, todos eles escritos

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 89 204 n3 . 2025 por participantes do género feminino. Estes dados encontram ressonância nos estudos teóricos sobre o storytelling, visto que apontam o contacto com estas histórias de vida como um elemento de mobilização emocional, promotor da atribuição de sentido e da identificação do sujeito. É o identificar-se com essas vivências que torna o que está a ser dito pessoalmente relevante e, portanto, memorável. Quanto maior o envolvimento com a história, maior a sua influência. (Landrum et al., 2019; Gottschall, 2012; Abrahamson, 1998; Egan, 1989).

O storytelling, de facto, tem uma presença significativa na SU, uma vez que todas as figuras de referência são apresentadas e, posteriormente, moralmente discutidas, a partir das suas histórias de vida. Os próprios participantes também encontram nas atividades centradas no personal storytelling um espaço para a partilha de aprendizagens e discussão de valores e dilemas morais reais relevantes para o seu desenvolvimento moral. De facto, a estratégia da discussão moral, em especial quando recorre à discussão de dilemas morais reais, gera uma mobilização emocional dos indivíduos, que amplia a efetividade das estratégias de educação para valores (Siqueira & Malheiro, 2020; Kohlberg, 1981; Kuhn et al., 1977).

Entretanto, apesar da padronização das atividades e do conteúdo Ubuntu, importa referir as singularidades relevantes na sua apropriação de uma escola para outra. Inicialmente, observamos que a problemática mais mencionada em um só subgrupo foi o “Racismo”, com 8 referências, pela escola C, acompanhada de perto pela escola F, que a referiu 6 vezes. Estes mesmos subgrupos destacam-se quanto à problemática da “Desigualdade de género” que, para além da menção única feita pela escola A, apenas volta a ser referida nos discursos das escolas C e F, com 4 e 3 menções respectivamente. Para além disso, esses mesmos subgrupos são os que mais escolhem Rosa Parks e Martin Luther King Jr. como líderes-referência e os que mais apelam à “Corresponsabilidade”, mencionando este valor em 30 dos seus 53 discursos. Por fim, os alunos da escola F foram os que mais optaram pelo “Foco discursivo” na primeira pessoa do singular, tendo 22 dos seus alunos assumido diretamente a perspetiva do líder escolhido. Nestes números, também é seguida de perto pela escola C, haja vista que 18 dos seus jovens optaram pelo mesmo. As semelhanças apontadas, se consideradas isoladamente, poderiam ser

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 90 204 n3 . 2025

explicadas pela padronização das atividades realizadas durante a SU. Contudo, elas não se repetem nos outros 4 subgrupos analisados, o que demonstra o caráter singular deste fenómeno.

Considerando as histórias de vida de Rosa Parks e Martin Luther King Jr., o seu contexto e o facto de que ambos são apresentados consecutivamente em atividades do 5º dia da SU, começamos a vislumbrar possíveis justificações para essas semelhanças. Ainda mais se tivermos em conta que as atividades que apresentam estas figuras-referência recorrem ao storytelling e criam, ao final, um espaço para a discussão moral mediada pela história destes dois líderes.

De facto, os participantes não se apropriam destes valores da mesma maneira. Como mencionado previamente, houve discursos mais otimistas, que apontam para uma evolução nas problemáticas desde a época dos líderes-referência até a atualidade, enquanto outros consideram esta evolução insuficiente ou, até mesmo, inexistente. Contudo, mesmo constatando essas diferenças na apropriação dos valores, dois dos textos destacam- se pela sua singularidade e, por esta razão, foram considerados outliers neste estudo.

Apesar de identificarem problemáticas relevantes da atualidade, como a discriminação e a influência negativa das estruturas de poder, expressa em “só fala quem tem poder” (SPNM, 13 anos, feminino, escola B) e “O ser humano tem sede de poder e, por esse motivo o mundo não é um lugar pacífico” (LLS, 13 anos, feminino, escola F), as participantes não analisam essas questões amparadas pelos mesmos valores referidos pelos seus colegas. Em oposição à “Corresponsabilidade”, “Liderança servidora” e “Autoconfiança”, essas duas jovens revelam apatia e distanciam-se da resolução dos problemas que apontam, não encontrando para si próprias um papel na mudança social que desejam. As suas experiências pessoais, partilhadas nos textos, coadunam-se com esta perspetiva, “ainda existe a discriminação e eu sou a prova viva disto” (SPNM, 13 anos, feminino, escola B), “Sofri muito racismo durante a minha vida e, por isso, sei bem qual é a dor” (LLS, 13 anos, feminino, escola F), e podem ter alguma influência na sua formação.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 91 204 n3 . 2025

Entretanto, outros participantes trazem perspetivas distintas sobre essas mesmas questões. Destacamos duas jovens das mesmas escolas que, apesar de reconhecerem problemáticas idênticas, assumem para si próprias a responsabilidade na resolução das questões que apontam, tomando parte na mudança social que pretendem conseguir. A primeira delas conclama à ação a despeito das limitações impostas pela sociedade, “Não é por sermos mulheres, que não podemos lutar. Não é por terem mais dificuldades que não podem lutar” (MFS, 13 anos, feminino, escola B), enquanto a segunda destaca a importância da intervenção numa escala mais próxima, “Quero pedir a cada um de vocês que tentem contrariar todo tipo de racismo, por mais que pareça que não vai fazer diferença (...), torna-se uma grande coisa e pode mudar o mundo/mentalidade da sociedade” (DSF, 14 anos, feminino, escola F).

As jovens citadas integraram, duas a duas, as mesmas iniciativas Ubuntu e, apesar das reflexões muito distintas, participaram das mesmas atividades de discussão moral e de dilemas morais, mediadas pelo storytelling das figuras-referência e pelas partilhas das suas próprias histórias de vida. Sendo a SU uma iniciativa manualizada e de estrutura fixa, podemos afirmar que pessoas com perspetivas tão distintas quanto “só fala quem tem poder” (SPNM, 13 anos, feminino, escola B) e “Não é por sermos mulheres, que não podemos lutar” (MFS, 13 anos, feminino, escola B) tiveram reiterado contacto e oportunidades para discutir em grupo seus próprios valores e a maneira como se posicionam diante dos mesmos dilemas morais, expressos nas histórias de cada um dos líderes apresentados. Este contacto entre perspetivas tão distintas, num contexto de aplicação das referidas estratégias de educação para valores, cria condições favoráveis ao desenvolvimento do raciocínio moral dos participantes.

Do exposto pode-se concluir que as estratégias de educação para valores utilizadas no método Ubuntu permitem uma apropriação particular do conteúdo valorativo, que depende das vivências de cada participante e do conteúdo da discussão moral que se deu no grupo em que estava inserido. Contudo, a despeito das singularidades apontadas, a identificação dos jovens com as figuras-referência e a representação que fazem delas, o conjunto de valores reiteradamente mencionado, a avaliação das problemáticas apontadas, bem como os fenómenos de aproximação emocional entre os participantes e as histórias

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 92 204 n3 . 2025

partilhadas apontam para a influência das estratégias de educação para valores utilizadas, em especial do storytelling, na apropriação do conteúdo Ubuntu e a sua relevância para o desenvolvimento moral dos participantes desta iniciativa.

Conclusão

Em seu discurso, SQP, com apenas 13 anos de idade, assumindo diretamente a perspetiva de Nelson Mandela, afirma: “Considero que todos nós temos que nos ajudar e temos todos os mesmos direitos, podemos não ser iguais nem por fora nem por dentro, mas temos todos algo em comum, somos pessoas” (SQP, 13 anos, masculino, escola C). É partindo das palavras de jovens como ele que concluímos este estudo.

A ideia da humanidade comum a todos não é nova nem desconhecida, mas ganha fôlego novo ao ser proferida por alguém de tão pouca idade. Se, de facto, temos a humanidade como condição comum, também por ela devemos nos tornar responsáveis, num movimento que parte do individualismo típico da “era do vazio” (Lipovetsky, 1998, como citado em Baltazar, 2021) em direção a uma comunidade global corresponsável e interdependente (Volmink, 2019). Nas palavras de DCB, “Precisamos cuidar de todos nós como comunidade, devemos olhar para o que acontece diariamente à nossa volta. Devemos cuidar de nós como pessoas e habitantes deste planeta” (DCB, 13 anos, feminino, escola C).

A responsabilidade que se propõe em 54 dos 117 discursos analisados pretende-se partilhada por todos os seres humanos e nos é atribuída pela nossa própria condição comum. À parte disto, aparece nos discursos aliada a outros valores, como empatia e igualdade, ganhando contornos que vão para além da mera imputação ou ameaça de sanção, tornando-se um elemento formativo e de cidadania (Fonseca, 2011).

A mencionada corresponsabilidade é referida nos discursos destes jovens a par de outros valores, pilares e eixos que integram o conteúdo partilhado durante as semanas Ubuntu. A análise dos dados demonstra mais que uma mera alusão a estes elementos valorativos, mas a integração deste conteúdo na apreciação das problemáticas da atualidade feita pelos participantes. Para além disso, a correlação feita entre estes valores e as figuras de referência apresentadas durante a semana, bem como a escolha maioritária pela assunção

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 93 204 n3 . 2025

direta da sua perspetiva, muitas vezes aliada a elementos emocionais, demonstra algum envolvimento dos participantes com as temáticas tratadas, especialmente no que toca as histórias de vida dos líderes partilhados durante a semana.

As histórias de vida, de facto, têm um papel fulcral nas semanas Ubuntu, uma vez que são os pontos de partida para as discussões temáticas que ocorrem durante as atividades, contribuindo para esta identificação e propiciando momentos de discussão moral, que favorecem o conflito sociocognitivo e podemos afirmar, um posicionamento mais holístico, que mobiliza a dimensão cognitiva, moral e emocional dos participantes. Como demonstra a análise dos dados, o storytelling e o conteúdo valorativo a ele subjacente permitem que os jovens se apropriem com mais singularidade do conteúdo Ubuntu para formar as suas próprias reflexões, assim como cria as condições necessárias para a ocorrência dos fenómenos de identificação coletiva verificados em determinados grupos, nomeadamente no caso das escolas C e F, previamente referido.

Tudo isto caracteriza a Semana Ubuntu como um espaço de educação para os valores, como processo desenvolvimental que consubstancia o paradigma da cidadania ativa, responsável advogada pela educação portuguesa e europeia do século XXI. Também por estas características, constitui-se esta iniciativa como uma oportunidade para partilha entre pessoas de idade, raciocínio moral e convicções distintos, cuja diversidade contribui, a par de todas as estratégias educativas utilizadas, para o desenvolvimento moral dos participantes, na linha de uma ética da responsabilidade (Habermas, 1992; Apel 2007). Este espaço de pluralidade valorativa, assente num conteúdo alinhado com os princípios morais universais, valoriza o reconhecimento da autonomia moral de todos e a tomada de perspetiva que criam as condições para o respeito pela integridade e dignidade humanas, típico do estágio mais elevado do raciocínio moral, consoante descreve Kohlberg (1984).

Por fim, faz-se necessário apontar algumas das fragilidades deste estudo que podem vir a ser colmatadas em trabalhos seguintes, para os quais também serão feitas algumas recomendações.

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 94 204 n3 . 2025

Inicialmente, é de referir a ausência de um pré-teste, o que dificulta a elaboração de conclusões acerca das mudanças que podem ou não ter ocorrido na identificação e avaliação das problemáticas atuais, bem como nos valores referidos pelos participantes. Para além disso, os dados foram obtidos no ambiente estático da produção textual individual e silenciosa, não permitindo o uso das estratégias dialógicas típicas das entrevistas ou dos grupos focais, que poderiam clarificar a perspetiva de cada participante, acrescentando ao seu discurso uma maior riqueza de detalhes a serem analisados. Como está centrado na análise temática reflexiva dos discursos, este estudo também acaba por não considerar a materialização deste conteúdo moral nas condutas diárias destes jovens.

Neste sentido, deixamos algumas recomendações para estudos futuros das semanas Ubuntu. Reconhecemos a necessidade de investigações qualitativas mais dialógicas, como entrevistas e grupos focais, com pré e pós-testes, preferencialmente com uma recolha de dados posterior para acompanhar a apropriação destes valores ao longo do tempo. Mais, considerando os dois outliers deste trabalho que, em seus textos, responsabilizam as estruturas de poder imutáveis pela manutenção do status quo, entendemos pertinente um estudo acerca do papel que os chamados “clubes Ubuntu” poderiam ter na perceção de autoeficácia dos participantes diante das problemáticas referidas e, para além da seara individual, o contributo que estes clubes poderiam ter na construção de ações pautadas na responsabilidade comunitária e partilhada que permeou 54 dos 117 “discursos adolescentes” que analisamos.

Contributos iniciais de cada autor: Papel na conceptualização, metodologia, análises, escrita, revisão e edição.

Conceptualização: JF, AA, ER Metodologia: AA, ER Análises: JF, AA, ER

Escrita: ER

Revisão: JF, AA, ER Edição: ER

Discursos de adolescentes.

O método Ubuntu de Educação para valores 95 204 n3 . 2025

Referências:

Abrahamson, C. E. (1998). Storytelling as a pedagogical tool in higher education. Education 3-13, 118(3), 440–446.

Alarcão, M. (2023). Semanas Ubuntu em escolas de 3º ciclo e secundário: Resultados do projeto Academias Gulbenkian do Conhecimento. In J. L. Gonçalves & M. Alarcão (Eds.), Ubuntu: Revista de Ciências Sociais (pp. 37–73). Instituto Padre António Vieira (IPAV).

ALU. (2021). Manual para formadores Ubuntu. [Documento não publicado]. Instituto Padre António Vieira (IPAV).

ALU. (2022). Metodologia da Academia de Líderes Ubuntu. https://www.academialideresubuntu.org/pt/academia-de-lideres-ubuntu/metodologia

Alves, S. M. (2019). Personal storytelling: Um caminho de autoconhecimento e resiliência. In Instituto Padre António Vieira, Construir pontes Ubuntu: Para uma liderança servidora (pp. 195–199). Consórcio “UBUNTU Building Bridges for Peace”. Disponível em https:// www.academialideresubuntu.org/images/book/IO1_PT_ConstruirPontesUbuntu.pdf

Anderson, J. H. (2007). The role of storytelling and personal narrative in cognitive, moral, and oral language development (Doctoral dissertation, Evergreen State College).

Apel, K.-O. (2007). Ética e responsabilidade. O problema da passagem para a moral pós-convencional. Instituto Piaget.

Berkowitz, M., & Gibbs, J. (1983). Measuring the developmental features of moral discussion. Merrill- Palmer Quarterly, 29(4), 399-410.

Biography Channel. (2010). Martin Luther King, Jr. - Minister & Civil Rights Activist [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=3ank52Zi_S0

Blatt, M. M., & Kohlberg, L. (1975). The effects of classroom moral discussion upon children’s level of moral judgment. Journal of Moral Education, 4(2), 129–161. https://doi. org/10.1080/0305724750040207

Braun, V., & Clarke, V. (2006) Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3 (2). pp. 77-101. http://dx.doi.org/10.1191/1478088706qp063o

Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de Educação para valores 96 204 n3 . 2025

Caracciolo, D. (2009). In the spirit of Ubuntu: Stories of teaching and research. Brill –

Sense. Cortina, A. (1999). Los ciudadanos como protagonistas. Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores.

Coyne, L. (2020). Hans Jonas: Life, technology and the horizons of responsibility. Bloomsbury Publishing.

Egan, K. (1989). Memory, imagination, and learning: Connected by the story. Phi Delta Kappan, 70, 100-103.

Fonseca, J. M. R. (2011). A cidadania como projeto educacional: Uma abordagem reflexiva e reconstrutiva [tese de doutoramento, Universidade dos Açores]. http://hdl.handle. net/10400.3/2501

Fonseca, J. M. R. (2017). Ética da responsabilidade como pilar da cidadania no século XXI. Revista Dialectus, 4(10), 184-199. https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/28073

Gonçalves, J. L., & Alarcão, M. (2020). Declaração Ubuntu para tempos conturbados. In J. L. Gonçalves & M. Alarcão (Eds.), Pilares do Método Ubuntu (pp. 5–9). Instituto Padre António Vieira (IPAV).

Gottschall, J. (2012). The storytelling animal: How stories make us human. Houghton Mifflin Harcourt. Habermas, J. (1992). De L’ éthique de la discussion. Les Editions du Cerf History Channel. (2014). Bet You Didn’t Know: Rosa Parks [Vídeo]. YouTube. https://www. youtube.com/watch?v=VMACKNh5MuY

Hunter, C., & Eder, D. (2010). The role of storytelling in understanding children’s moral/ ethic decision- making. Multicultural Perspectives, 12(4), 223–228. https://doi.org/10.108 0/15210960.2010.527593

Huo, Y., Cheng, H., & Xie, J. (2023). Laying the foundations of phronesis (practical wisdom) through moral dilemma discussions in Chinese primary schools. Journal of Moral Education, 1–18. https://doi.org/10.1080/03057240.2023.2291990

Jonas, H. (1984). The imperative of responsibility: In search of an ethics for the technological age. University of Chicago Press.

Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de Educação para valores 97 204 n3 . 2025

Koh, C. (2012). Moral development and student motivation in moral education: A Singapore study.

Australian Journal of Education, 56(1), 83-101. https://doi.org/10.1177/000494411205600107

Kohlberg, L. (1981). The philosophy of moral development. Harper & Row.

Kohlberg, L. (1984). Essays on moral development (Vol. 2). The psychology of moral development: The nature and validity of moral stages. Harper & Row.

Kohlberg, L. (1992). Psicología del desarrollo moral. Desclée de Brouwer.

Kuhn, D., Langer, J., Kohlberg, L., & Haan, N. S. (1977). The development of formal operations in logical and moral judgment. Genetic Psychology Monographs, 95(1), 97–188.

Landrum, R. E., Brakke, K., & McCarthy, M. A. (2019). The pedagogical power of storytelling.

Scholarship of Teaching and Learning in Psychology, 5(3), 247–253. https://doi.org/10.1037/ stl0000152

Marques, R. (2019). Líderes Ubuntu a três tempos - cuidar, ligar e servir. In Instituto Padre António Vieira, Construir pontes Ubuntu: para uma liderança servidora (pp. 73-74). Consórcio “UBUNTU Building Bridges for Peace”. https://www.academialideresubuntu.org/ images/book/IO1_PT_ConstruirPontesUbuntu.pdfL

Montenegro, E., & Gaspar, J. P. (2020). De que falamos quando falamos de serviço? Um olhar Ubuntu. In J. L. Gonçalves & M. Alarcão (Eds.), Pilares do Método Ubuntu (pp. 131–149). Instituto Padre António Vieira (IPAV).

Myyry, L., & Helkama, K. (2007). Socio-cognitive conflict, emotions and complexity of thought in real-life morality. Scandinavian Journal of Psychology, 48, 247–259. https:// doi.org/10.1111/j.1467- 9450.2007.00579.x

Neves, T. (2019). Academia de Líderes Ubuntu. In Instituto Padre António Vieira, Construir pontes Ubuntu: para uma liderança servidora (pp. 183–193). Consórcio “UBUNTU Building Bridges for Peace”. https://www.academialideresubuntu.org/images/book/IO1_PT_ ConstruirPontesUbuntu.pdfL

Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de Educação para valores 98 204 n3 . 2025

Piaget, J. (1994). O juízo moral na criança. Summus.

Rahiem, M. D., & Others. (2020). Moral education through dramatized storytelling: Insights and observations from Indonesian kindergarten teachers. International Journal of Learning, Teaching and Educational Research, 19(3), 475-490. https://doi.org/10.26803/ ijlter.19.3.26

Rebola, F. A. T., & Carvalho, L. M. S. (2023). Semanas Ubuntu: Estudo de caso no Agrupamento de Escolas José Régio. In J. L. Gonçalves & M. Alarcão (Eds.), Ubuntu: Revista de Ciências Sociais (pp. 173– 205). Instituto Padre António Vieira (IPAV).

Sedano, L., & Carvalho, A. (2017). Ensino de ciências por investigação: oportunidades de interação social e sua importância para a construção da autonomia moral. Alexandria: Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, 10(1), 199. https://doi.org/10.5007/1982-5153. 2017v10n1p199

Sennett, R. (1999). A corrosão do caráter: Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo.Editora Record

Siqueira, H. C. C., & Malheiro, J. M. S. (2020). Interações sociais e autonomia moral em atividades investigativas desenvolvidas em um clube de ciências. Investigações em Ensino de Ciências, 25(2), 163–197. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2020v25n2p163

Souza, L. K. D. (2019). Pesquisa com análise qualitativa de dados: conhecendo a Análise Temática. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 71(2), pp. 51-67.

Tappan, M., & Brown, L. M. (1989). Stories told and lessons learned: Toward a narrative approach to moral development and moral education. Harvard Educational Review, 59(2), 182–206. https://doi.org/10.17763/haer.59.2.d364up55vx875411

Upright, R. L. (2002). To tell a tale: The use of moral dilemmas to increase empathy in the elementary school child. Early Childhood Education Journal, 30(1), Fall.

Vinha, T. P., & Tognetta, L. R. P. (2009). Construindo a autonomia moral na escola: Os conflitos interpessoais e a aprendizagem dos valores. Revista Diálogo Educacional, 9(28), 525–540.

Volmink, J. D. (2019). Ubuntu: Filosofia de vida e ética social. In Instituto Padre António Vieira, Construir pontes Ubuntu: para uma liderança servidora (pp. 73–74). Consórcio “UBUNTU Building Bridges for Peace”. https://www.academialideresubuntu.org/images/book/IO1_PT_ConstruirPontesUbuntu.pdfL

Walker, L. J., & Hennig, K. (1987). Moral stages and moral orientations in real-life and hypothetical dilemmas. Child Development, 58(3), 842–858. https://doi.org/10.2307/1130221

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

The implementation of the Ubuntu program in Higher Education: Challenges and results at the Polytechnic University of Viana do Castelo

ANA SOFIA RODRIGUES10

MÁRCIA MARIZ CARVALHO11

CARLA FARIA12

ANA TERESA OLIVEIRA13

LINDA SARAIVA14

10. Instituto Politécnico de Viana do Castelo, CISAS, Viana do Castelo, Portugal, sofia@ipvc.pt, https://orcid.org/0000-0001-5268-6102

11. Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Viana do Castelo, Portugal, marciacarvalho@ipvc.pt, https://orcid.org/0009-0002-9982-2778

12. Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, CINTESIS, Viana do Castelo, Portugal, cfaria@ese.ipvc.pt, https://orcid.org/0000-0001-5168-3073

13. Instituto Politécnico de Viana do Castelo, CISAS, Viana do Castelo, Portugal, anateresaoliveira@ipvc.pt, https://orcid.org/0000-0001-8717-8378

14. Instituto Politécnico de Viana do Castelo, InED, Viana do Castelo, Portugal, lindasaraiva@ese.ipvc.pt, https://orcid.org/0000-0002-0321-5264

204 n3 . 2025

Resumo

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

O presente trabalho teve como objetivo analisar a implementação do programa Ubuntu no Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) e o seu impacto no desenvolvimento de competências socioemocionais subjacentes aos 5 pilares Ubuntu: autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço. Para tal, foi adotada uma abordagem mista, combinando métodos quantitativos e qualitativos. A recolha de dados foi realizada através de questionários aplicados aos participantes, com escalas de likert e questões abertas, bem como pela observação direta das atividades. Entre 2022 e 2025, participaram 60 estudantes nas Semanas Ubuntu e 179 nos Alu Days.

Os resultados apontam um crescimento significativo das competências socioemocionais, com destaque para a autoconfiança e o autoconhecimento. A empatia registou a menor evolução relativa, sugerindo a necessidade de reforçar estratégias pedagógicas para potenciar esta competência. A análise qualitativa das respostas revelou que os participantes valorizaram a experiência, evidenciando a importância do programa na promoção da autorreflexão e no fortalecimento das relações interpessoais.

A introdução dos Alu Days, um modelo mais flexível e acessível, permitiu aumentar a adesão ao programa. Verificou-se uma redução progressiva da participação ao longo do tempo, embora esta tenha resultado num maior envolvimento e participação de estudantes. O programa Ubuntu demonstrou ser uma abordagem eficaz para o desenvolvimento de competências socioemocionais no ensino superior e para a formação integral dos estudantes, consolidando-se como um modelo inovador de aprendizagem.

Palavras-Chave: Competências socioemocionais; Integração; Aprendizagem; Participação.

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Abstract

The aim of this study was to analyze the implementation of the Ubuntu program at the Polytechnic Institute of Viana do Castelo (IPVC) and its impact on the development of socio-emotional skills associated with the five Ubuntu pillars: self-awareness, selfconfidence, resilience, empathy, and service. To achieve this, a mixed-methods approach was employed, combining both quantitative and qualitative techniques. Data were collected through questionnaires administered to participants, featuring Likert scales and open-ended questions, along with direct observation of the activities. Between 2022 and 2025, 60 students participated in the Ubuntu Weeks, and 179 in the Alu Days.

The results indicate a significant improvement in socio-emotional skills, particularly in self-confidence and self-awareness. Empathy showed the smallest relative increase, suggesting the need for enhanced pedagogical strategies to foster this skill. The qualitative analysis of the responses revealed that participants valued the experience, emphasizing the program’s role in promoting self-reflection and strengthening interpersonal relationships.

The introduction of Alu Days, a more flexible and accessible model, facilitated increased participation in the program. Although there was a gradual decline in participation over time, this resulted in more active student involvement. The Ubuntu Program has proven to be an effective approach for the development of socio-emotional skills in higher education and for the holistic development of students, establishing itself as an innovative learning model.

Keywords: Socioemotional skills; Integration; Learning; Participation.

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 103 204 n3 . 2025

Introdução

O programa Ubuntu tem vindo a consolidar-se como uma iniciativa inovadora no Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), promovendo o desenvolvimento integral de estudantes e colaboradores/as através da educação não-formal, numa abordagem socioemocional estruturada. Inspirado na filosofia Ubuntu, proveniente das tradições africanas, o programa sublinha a interdependência humana, a empatia e a liderança ao serviço das comunidades. O conceito filosófico africano Ubuntu representa o sentido de união e colaboração, onde as pessoas são parte de um todo maior e o sucesso tem sentido um coletivo da sociedade, em que o sucesso de um é o sucesso de todos (Akabor e Phasha, 2022). Este conceito Ubuntu encaixa nos valores cooperativos e colaborativos de um sistema educativo inclusivo, como o da Escola Inclusiva IPVC. No contexto do IPVC, não se limita apenas à formação académica, mas também visa o desenvolvimento integral de indivíduos mais resilientes, colaborativos e comprometidos com a sociedade, contribuindo para a construção de uma comunidade mais justa e solidária.

O desenvolvimento de competências socioemocionais é fundamental para o desempenho académico, pessoal e profissional, facilitando a adaptação de estudantes, consolidar relações pessoais e profissionais (Lazcano-Franco et al., 2022).

Face aos desafios atuais do Ensino Superior, como a necessidade de promover o sucesso académico, reduzir os índices de abandono escolar ou aumentar os níveis de envolvimento dos estudantes na vida académica, torna-se essencial compreender os fatores subjacentes a estes processos. Um estudo sobre os principais fatores de abandono no ensino superior, identificou aspetos psicológicos e sociais (stress, ansiedade, desmotivação), contexto socioeconómico e familiar e características institucionais como principais causas. Na perspetiva dos autores “a desmotivação e a dificuldade de adaptação são aspetos centrais no abandono escolar” (Lorenzo-Quiles et al., 2023, p. 10). Neste contexto, a implementação do programa Ubuntu no IPVC representa uma estratégia para a consolidação de um modelo pedagógico inovador e humanista, respondendo aos desafios mencionados.

Desde 2022, o programa tem sido implementado nas seis Escolas Superiores do IPVC. O programa Ubuntu no IPVC abrange diversas iniciativas, incluindo a formação de

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 104 204 n3 . 2025

Educadores/as Ubuntu, a realização de Semanas Ubuntu para estudantes e colaboradores/as, os encontros de Educadores/as Ubuntu e os seminários Alu Days.

O objetivo central do programa é aprofundar os cinco pilares fundamentais Ubuntu: autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço, e promover a liderança através do exemplo, fomentando uma perspetiva relacional que valorize a interdependência, “eu sou porque tu és” e o compromisso com os outros.

As Semanas Ubuntu decorrem ao longo de cinco dias consecutivos de formação, com a participação de até 30 pessoas, sendo dinamizadas pela equipa do Instituto Padre António Vieira (IPAV) e educadores IPVC. A formação de Educadores Ubuntu abrange tanto uma componente teórico-conceptual como uma teórico-prática, culminando na dinâmica da Semana Ubuntu. Os Alu Days são seminários independentes, realizados mensalmente em cada uma das seis escolas do IPVC, com cada edição a focar um dos pilares Ubuntu.

A estrutura inicial do programa Ubuntu no IPVC previa uma formação imersiva durante as Semanas Ubuntu, com o objetivo de realizar cinco semanas por ano letivo. No entanto, a realidade geográfica do IPVC e as dificuldades de participação de estudantes deslocados e trabalhadores-estudantes revelaram-se obstáculos à participação, o que exigiu ajustes na estrutura do programa. Em resposta a essas dificuldades, o programa foi ajustado, incorporando estratégias como a flexibilização curricular e a microcredenciação, com a implementação dos Alu Days. Estas alterações garantem maior acessibilidade à formação e favorecem a adesão dos participantes, adaptando-se às necessidades de estudantes sem comprometer os objetivos fundamentais do método Ubuntu. Através das avaliações, quantitativa e qualitativa, realizadas desde 2022, procura-se evidenciar o potencial desta abordagem para enriquecer a experiência educativa, contribuindo para a construção de um modelo pedagógico inovador e humanista, capaz de responder aos desafios contemporâneos da educação superior.

Este trabalho visa analisar a implementação e os resultados do programa Ubuntu no IPVC, avaliando os impactos no desenvolvimento pessoal dos participantes, o nível do envolvimento no programa e a forma como esta abordagem contribui para o crescimento indivi-

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 105 204 n3 . 2025

dual e coletivo, com ênfase na promoção de competências como a colaboração, a resiliência e o compromisso social. Consideraram-se as Semanas Ubuntu realizadas entre 2022 e 2024 e os Alu Days realizados no ano letivo 2024/2025. As estratégias de intervenção foram cuidadosamente adaptadas ao contexto específico do IPVC, de forma a garantir a sua adequação e eficácia, em articulação com a equipa do IPAV.

Método

Este estudo adota uma abordagem mista, integrando métodos quantitativos e qualitativos. A recolha de informação foi realizada através da aplicação sistemática de questionários, permitindo descrever e interpretar os resultados em função dos objetivos do estudo.

Os questionários, aplicados aos participantes, incluíram itens de resposta fechada e aberta para avaliar as perceções e o impacto do programa.

Além da aplicação de questionários, a observação das atividades constituiu uma fonte complementar de dados, permitindo o registo das dinâmicas e interações no contexto do programa. A conjugação destas abordagens proporcionou uma análise mais abrangente e rigorosa dos fenómenos em estudo.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados para dar suporte a este estudo foram os mesmos habitualmente aplicados nas intervenções da Academia de Líderes Ubuntu. A análise quantitativa baseou-se nos resultados obtidos com a aplicação de dois questionários, realizados ao final de cada formação (Semana Ubuntu e Alu Days):

• Questionário de avaliação da satisfação com a formação Ubuntu, numa escala de 0 a 10, com os seguintes parâmetros: Organização, Espaço, Filmes e Reflexões, Dinâmicas e Reflexões, Apresentações, Testemunhos, Avaliação Global da Semana, Utilidade da Formação;

• Questionário de avaliação de impacto no desenvolvimento de competências, numa escala de 0 a 10, com os seguintes parâmetros: Conheço a filosofia Ubuntu; Estou

204 n3 . 2025

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

satisfeito/a por participar na Academia de Líderes Ubuntu; Conheço-me bem; Acredito nos meus talentos e qualidades; Vejo as dificuldades como oportunidades de crescimento – Sou resiliente; Consigo colocar-me no lugar dos outros e sentir com eles – Sou empático/a; Tenho vontade de me colocar ao serviço dos outros; Sou responsável e sei assumir compromissos; Sou pontual e assíduo/a; Dou importância ao testemunho pessoal; Olho para o futuro com esperança.

A análise qualitativa fundamentou-se nas respostas a questões de natureza aberta, formuladas no final de cada formação (Semana Ubuntu e Alu Days): “Quais foram as principais aprendizagens que retiraste?”, “De que forma contribuíram para o teu crescimento pessoal e/ou profissional?” e “Comentários.” Estas respostas permitiram aceder às perceções subjetivas dos participantes, proporcionando uma compreensão aprofundada das vivências, aprendizagens e impactos individuais resultantes da formação.

Participantes

Este estudo adotou um desenho transversal, incidindo sobre a implementação do programa Ubuntu no IPVC, com foco nas Semanas Ubuntu e nos Alu Days. A participação dos/as estudantes e educadores/as Ubuntu no programa foi de natureza voluntária, não havendo qualquer processo de seleção pré-definido.

Gráfico 1 - Participação de estudantes e educadores/as nas Semanas Ubuntu

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Entre 2022 e o início de 2024, as Semanas Ubuntu registaram a participação de 60 estudantes, sob a dinamização de 19 Educadores/as Ubuntu do IPVC (Gráfico 1).

Gráfico 2 - Participação de estudantes nos Alu Days, por Escola IPVC ESA – Escola Superior

Agrária | ESCE – Escola Superior de Ciências Empresariais | ESDL – Escola Superior de Desporto e Lazer | ESE – Escola Superior de Educação | ESS – Escola Superior de Saúde | ESTG – Escola Superior de Tecnologia e Gestão

Os Alu Days, por sua vez, envolveram uma amostra mais ampla, com 179 estudantes a frequentarem os seminários mensais (Gráfico 2). Em três escolas do IPVC, foram indicadas turmas do 1.º ano para participar nos Alu Days, devido à baixa adesão voluntária. Nas restantes três escolas, a participação ocorreu de forma voluntária e com adesão positiva.

Procedimentos

Os procedimentos de recolha de dados basearam-se na aplicação de dois instrumentos: o Questionário de Avaliação da Satisfação com a ormação Ubuntu e o Questionário de Avaliação do Impacto no Desenvolvimento de Competências. Paralelamente, anali-

204 n3 . 2025

sou-se a taxa de conclusão das formações Semana Ubuntu e Alu Days, utilizada como indicador de adesão e persistência dos/as participantes. A análise dos dados seguiu um modelo comparativo entre as fases pré e pós-formação, pela aplicação de questionário no final da formação, conforme referido no capítulo Instrumentos. Este procedimento permitiu identificar mudanças nas competências trabalhadas ao longo do programa. Os resultados são apresentados em forma de tabelas e gráficos, evidenciando a evolução nas competências analisadas, o que possibilitou uma interpretação tanto quantitativa quanto qualitativa do impacto da formação. A título experimental, a análise dos testemunhos e itens de resposta aberta foi efetuada com o apoio de uma ferramenta de Inteligência Artificial (Voyanttools), com o objetivo de enriquecer a interpretação e a análise dos dados recolhidos, sendo uma ferramenta de análise textual que permite explorar padrões e frequências em grandes volumes de texto. Paralelamente, procedeu-se a uma análise de conteúdo por categorização, com base nos cinco pilares Ubuntu, com o objetivo de promover uma leitura mais reflexiva das respostas e aprofundar a compreensão das aprendizagens expressas pelos/as participantes.

Resultados

Os resultados apresentam-se de acordo com a análise dos dados recolhidos nos questionários de avaliação, global e de impacto, com análise comparativa dos resultados obtidos em cada uma das cinco Semanas Ubuntu realizadas com estudantes, dos resultados obtidos na Semana Ubuntu para colaboradores/as e da análise comparativa por Escola IPVC dos resultados obtidos nos Alu Days. Na avaliação de impacto, as percentagens apresentadas resultam do cálculo da diferença entre as pontuações obtidas nas fases pré e pós-formação sob o valor pré-formação, permitindo assim quantificar a variação registada nas competências avaliadas.

Semanas Ubuntu

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Figura 1 - Semana Ubuntu (outubro de 2022)

Entre os anos de 2022 e 2024, as Semanas Ubuntu registaram uma taxa média de conclusão de aproximadamente 79,28%. A taxa de participação por Semana foi a seguinte: Semana 1 – 100%, Semana 2 – 95%, Semana 3 – 108,33%, Semana 4 – 68,75%, Semana 5 – 41,67% e Semana 6 – 61,90%.

n3 . 2025

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

204

Tabela 1 - Avaliação global De satisfação com a formação – Semanas Ubuntu (média)

1ª Semana

2ª Semana

3ª Semana

4ª Semana

5ª Semana

6ª Semana

Na tabela 1, apresentam-se os resultados da avaliação global das Semanas Ubuntu realizadas no IPVC, de acordo com os parâmetros: avaliação global, utilidade da formação, testemunhos, apresentações, dinâmicas e reflexões, organização, espaço e filmes e reflexões, avaliados numa escala de 0 a 10. Os valores apresentados (global) correspondem à média das seis Semanas Ubuntu realizadas. Os resultados foram analisados individualmente após cada seminário, permitindo identificar eventuais necessidades para ajustamento. Os valores mais baixos dizem respeito à 3ª Semana Ubuntu, relativos à utilidade da formação (8,92), testemunhos (8,83), dinâmicas e reflexões (8,92), espaço (8,83) e filmes e reflexões (8,83). Por outro lado, os valores mais altos (10 valores) correspondem à avaliação global (2ª Semana Ubuntu); avaliação global e dinâmicas e reflexões (5ª Semana Ubuntu); e testemunhos e apresentações (6ª Semana Ubuntu). De um modo geral, os resultados de todos os parâmetros são bastante positivos, variando entre 8 e 10, o que evidencia a satisfação com a formação.

n3 . 2025

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Gráfico 3 - Avaliação de impacto das Semanas Ubuntu para estudantes

Serviço

Empatia

Resiliência

Autoconfiança

Autoconhecimento

Os resultados da avaliação de impacto, relativamente às competências dos 5 pilares Ubuntu – autoconhecimento (42%), autoconfiança (46%), resiliência (47%), empatia (24%) e serviço (35%) (valor médio das cinco Semanas Ubuntu) – revelam um aumento na perceção dos/as participantes relativamente ao desenvolvimento destas competências. Dos resultados apresentados no Gráfico 3, destaca-se o valor mais elevado na autoconfiança, registado na 2.ª Semana (82%), em comparação com as demais semanas, e a empatia com o valor mais baixo em todas as semanas. Na competência de autoconhecimento, observa-se um aumento significativo, passando de 17% na primeira semana para 54% na terceira semana. Relativamente à autoconfiança, verifica-se um pico na perceção do seu desenvolvimento na segunda semana (82%), valor superior ao registado nas demais Semanas. Quanto às competências de resiliência, empatia e serviço, os resultados revelam uma progressão mais homogénea e moderada ao longo do período analisado.

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Gráfico 4 - Avaliação de impacto da Semana Ubuntu para colaboradores/as

Serviço

Empatia

Resiliência

Autoconfiança

Autoconhecimento

A avaliação de impacto realizada a colaboradores/as (4.ª Semana Ubuntu) aponta igualmente um aumento significativo na perceção do desenvolvimento de competências socioemocionais – autoconhecimento (22%), autoconfiança (30%), resiliência (23%), empatia (12%) e serviço (28%). Em comparação com as Semanas Ubuntu dirigidas a estudantes, importa referir que a empatia apresenta, também, o valor mais baixo em relação às restantes competências. Contudo, todos os valores são mais baixos comparativamente com as semanas dirigidas a estudantes. Estes resultados estão em linha com estudo de Burt-Miller et al. (2024), que obtiveram diferenças nos resultados quantitativos ao comparar estudantes com os/as docentes e funcionários/as participantes nas principais medidas de resultados. Nesse estudo, os resultados quantitativos mostraram que o sentimento de comunidade era maior entre estudantes participantes em comparação com os participantes do corpo docente/funcionários/as. No entanto, ambos os grupos relataram qualitativamente um maior sentimento de comunidade após o programa. Os dados qualitativos mostraram uma perceção geral de melhorias nas relações e conexões dentro da comunidade para todos os participantes, tal como no estudo do IPVC.

204 n3 . 2025

Alu Days

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Tabela 2 - Avaliação global de satisfação com a formação - Alu Days (média)

ESA – Escola Superior Agrária | ESTG – Escola Superior de Tecnologia e Gestão | ESDL – Escola Superior de Desporto e Lazer | ESE – Escola Superior de Educação | ESS – Escola Superior de Saúde | ESCE – Escola Superior de Ciências Empresariais

Na tabela 2 é apresentada a avaliação global dos Alu Days, de acordo com os parâmetros – avaliação global, utilidade da formação, clareza dos objetivos, vídeos e apresentações, dinâmicas e reflexões, organização e espaço, avaliados numa escala de 0 a 10. Os valores apresentados correspondem à média dos cinco seminários realizados, cuja avaliação foi efetuada no final de cada um. Os resultados foram analisados individualmente após cada seminário, permitindo identificar eventuais necessidades para ajustamento. Os dois valores mais baixos dizem respeito aos vídeos e apresentações e espaço na ESTG. Desde o segundo seminário, nesta escola, foi necessário adaptar a sala de formação devido a questões de iluminação e conforto. Importa destacar que, na ESCE, os parâmetros utilidade da formação e clareza dos objetivos alcançaram a média mais alta, com um valor de 10. De um modo geral, os resultados de todos os parâmetros são bastante positivos, variando entre 9 e 10, o que evidencia a satisfação com a formação.

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

2- Alu Day (2024)

Inicialmente, o número de participantes foi bastante elevado, mas reduziu para metade no último seminário Alu Day. No entanto, esta diminuição não teve um impacto inteiramente negativo, de acordo com o feedback dos Educadores/as Ubuntu, que notaram que esta experiência foi bastante positiva e o nível de participação e envolvimento aumentou significativamente ao longo dos seminários.

Gráfico 5 - Participação de estudantes, por Alu Day

Figura

204 n3 . 2025

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Dos 179 participantes nos Alu Days, 69 concluíram os cinco seminários, correspondendo a uma taxa de conclusão de 38,55%. No gráfico apresentado a seguir, é possível observar a distribuição da participação ao longo dos diferentes Alu Days.

Gráfico 6 - Avaliação de impacto dos Alu Days, por escola IPVC

A análise do impacto no desenvolvimento das competências nos Alu Days (Gráfico 6) revela diferenças relevantes entre as escolas avaliadas. Os/as estudantes da ESDL-IPVC demonstraram uma maior percentagem na perceção de aumento do desenvolvimento de competências, particularmente em autoconhecimento (133%) e autoconfiança (100%), enquanto os/ as estudantes da ESA-IPVC responderam, consistentemente, com os valores mais baixos de aumento em quase todas as dimensões, com destaque para autoconfiança (22%) e serviço (11%). Os/as estudantes da ESE-IPVC demonstraram resultados elevados na perceção do aumento desenvolvimento das competências resiliência (62%) e serviço (42%).

Serviço
Empatia
Resiliência

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 116 204 n3 . 2025

A empatia é percecionada, de forma transversal, como a área com valores mais baixos de aumento com percentagens reduzidas de aumento em quase todas as Escolas, variando entre 12% (ESA-IPVC) e 32% (ESTG-IPVC). A perceção sobre o impacto na competência serviço também apresenta resultados médios, com exceção da perceção obtidas pelos/as estudantes da ESE-IPVC (42%) e da ESTG-IPVC (34%). Em suma, os resultados evidenciam uma clara distinção entre a perceção dos/as estudantes das diferentes escolas, com os/as estudantes da ESDL-IPVC com perceção de aumento relevante nas competências e os/as estudantes da ESA-IPVC com uma perceção de desenvolvimento de competências menor, especialmente nas áreas de empatia e serviço.

De seguida, apresentam-se os resultados obtidos na análise de conteúdo dos itens de resposta aberta, referentes às cinco semanas Ubuntu realizadas.

Figura 3- Rede de termos que ocorreram com mais frequência, Semanas Ubuntu (Via: Voyanttools)

pessoas postura tornaram respeitar romantização só saber vagas refletir incríveis aprendizagens volta superou ubuntu

A análise global das respostas à pergunta “Quais foram as maiores aprendizagens que retiraste da Semana Ubuntu?” e testemunhos foi realizada com o apoio da ferramenta Voyant Tools, que permitiu identificar os termos mais frequentes e relevantes. Tal como se observa

204 n3 . 2025

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

na Figura 3, os termos com maior destaque, de acordo com o número de ocorrências, foram: pessoas (7), vida (5), mim (5), semana (4) e resiliência (4). Estes resultados sugerem que as Semanas Ubuntu tiveram um impacto significativo na reflexão sobre as relações interpessoais, a valorização da vida, o autoconhecimento e o desenvolvimento de competências como a resiliência. A frequência destes termos parece reforçar a importância da experiência Ubuntu na promoção de uma maior consciência do indivíduo enquanto pessoa e da sua interligação com os outros e com a vida em geral.

• R.1 “Aprendi a ser uma pessoa melhor… parar para pensar, ver sempre o outro lado e ver para além da vista. Foi uma experiência única e inesquecível, penso que todas as pessoas deveriam ter uma experiência assim.”

• R.6 “Ser resiliente, ver os pontos positivos da vida e tentar não focar tanto nos maus, não desistir, estar aberto a todos e espalhar o espírito ubuntu por onde passo, saber refletir sobre mim e as minhas escolhas e ter mais empatia”.

Figura 4- Rede De termos que ocorreram com mais frequência, Alu Days (Via: Voyanttools)

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 118 204 n3 . 2025

A avaliação global dos termos mais referidos pelos estudantes que participaram nos Alu Days (Figura 4) – Mim (23), Melhor (21), Aprendi (16), Empatia (14) e Conhecer (12) –sugere que estes seminários tiveram um forte impacto a nível pessoal. A frequência elevada de “Mim” pode indicar um exercício de autoconhecimento, onde os/as estudantes se focaram na sua própria experiência e desenvolvimento. O termo “Melhor” parece reforçar a ideia de crescimento e superação, enquanto “Aprendi” poderá demonstrar que os Alu Days proporcionaram aprendizagens significativas. A presença de “Empatia” poderá sugerir um ambiente de partilha e compreensão mútua, evidenciando a importância das interações humanas durante os Alu Days. Por fim, “Conhecer” pode sugerir que os/as participantes valorizaram a oportunidade de estabelecer novas relações e adquirir novas perspetivas. No geral, os resultados apontam para um equilíbrio entre introspeção, crescimento pessoal e empatia, com variações consoante o contexto específico de cada categoria. Apresentam-se alguns testemunhos de estudantes:

• R.2“Foi a resiliência, que conseguimos alcançar tudo aquilo que queremos com o nosso esforço e vontade, que devemos ajudar os outros para ser ajudados e que se ajudarmos os outros o nosso futuro vai ser cada vez melhor.”

• R.16“Aprendi a colocar-me mais no lugar do outro. aprendi que nem todas as dificuldades são um obstáculo nem uma porta que se fechou e que, muitas delas, são uma janela que se abriu. aprendi a conhecer-me e a ser mais confiante. aprendi que devo ajudar mais vezes aquilo que está ao meu alcance.”

• R.17“Aprendi em confiar em mim mesma, acreditar no processo, que os erros fazem parte e olhar para os outros faz bem assim aprendemos com eles”

Para a análise de conteúdo por categorização, organizaram-se os testemunhos obtidos das Semanas Ubuntu e dos Alu Days, com base no objetivo da análise: identificar as aprendizagens e transformações relatadas pelos/as participantes segundo cinco categorias pré-definidas – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço, em coerência com os pilares da formação Ubuntu.

Autoconhecimento

Esta categoria refere-se à perceção de si, à capacidade de reflexão e tomada de consciência sobre quem se é:

• R.1 “aprendi a ser uma pessoa melhor… parar para pensar, ver sempre o outro lado e ver para além da vista”

• R.2 “levo uma maior autoestima e uma maior capacidade de autorreflexão”

• R.3 “sinto que não me conhecia tão bem como conheço agora”

• R.4 “fazer uma introspeção e conhecer-me melhor”

• R.5 “aprendi a entender-me melhor”

• R.6 “saber refletir sobre mim e as minhas escolhas”

• R.7 “aprender a ser, aprender a ser com o outro, aprender a transformar”

Os testemunhos revelam que a formação funcionou como catalisador de processos de reflexão e descoberta pessoal. O autoconhecimento é percebido como base para o desenvolvimento pessoal, para o bem-estar e para o relacionamento com os outros.

Autoconfiança

Esta categoria refere-se à valorização pessoal, à crença nas próprias capacidades e ao fortalecimento da autoestima.

• R.8 “consigo facilmente inserir-me em grupo, que numa fase inicial era praticamente impossível”

• R.9 “saber que a minha voz tem poder”

• R.10 “ser mais confiante e resiliente comigo mesmo”

• R.11 “sinto-me mais ‘resolvida’ e sinto que melhorei imenso como pessoa”

• R.12 “somos capazes de tudo aquilo o que queremos”

• R.13 “a aprendizagem que tirei foi ter confiança em mim mesma para alcançar os meus objetivos”

• R.14 “tenho valores”

• R.15 “levo uma maior autoestima”

Os/as participantes identificam um reforço significativo na autoconfiança, percebida como indispensável para a ação, para a liderança e para a superação de desafios.

Resiliência

Esta categoria remete para a capacidade de enfrentar dificuldades e manter-se firme perante os desafios.

• R.16 “nem todas as dificuldades são um obstáculo”

• R.17 “os erros fazem parte”

• R.6 “ser resiliente, ver os pontos positivos da vida e tentar não focar tanto nos maus, não desistir”

• R.19 “como liderar, importância da resiliência”

• R.20 “formação bastante positiva, dão-nos muitas ferramentas para conseguirmos superar as nossas dificuldades”

• R.21 “lutar”

• R.22 “conseguimos alcançar tudo aquilo que queremos com o nosso esforço e vontade”

A resiliência aparece como um valor transversal e é associada à motivação e ao esforço pessoal como caminho para o crescimento.

Empatia

Esta categoria é respeitante à capacidade de se colocar no lugar do outro.

• R.23 “aprendi a importância de estar atento aos sentimentos dos outros e da forma como eles pensavam”

• R.1 “ver sempre o outro lado e ver para além da vista”

• R.25 “estar mais atento no dia a dia, não pensar só em mim”

• R.26 “parar e refletir quem está mesmo connosco”

• R.27 “ainda podemos melhorar muito mais a forma como tratamos os outros e como os ouvimos”

• R.28 “saber respeitar todas as pessoas que estão à nossa volta e tentar perceber a sua situação”

A empatia é percecionada como um valor essencial para o cuidado com os outros e o respeito pela diferença. Os/as participantes apontaram o repensar a forma de escuta, de diálogo e de convivência, o reconhecimento do outro como parte do próprio processo de crescimento.

204 n3 . 2025

Serviço

A categoria serviço remete para a disponibilidade em contribuir para o bem comum, o agir em benefício do outro e o exercício de cidadania ativa e servidora.

• R.29 “redefinir o meu papel enquanto cidadã na sociedade”

• R.30 “acreditar no potencial individual e comunitário. Lutar!”

• R.31 “trabalho em equipa, sair da zona de conforto, ser bondosa com os que me rodeiam”

• R.6 “espalhar o espírito ubuntu por onde passo”

• R.33 “estar lá sempre para todos”

• R.31 “uma simples atitude pode mudar tudo no dia de uma pessoa”

O serviço, embora menos mencionado diretamente, está implícito em muitas ações e reflexões que ligam o eu ao outro, demonstrando a interiorização do espírito Ubuntu.

Os testemunhos revelam uma forte interiorização dos cinco pilares do programa Ubuntu, com especial incidência no autoconhecimento, na resiliência e na empatia, que surgem como fundamentos para as restantes dimensões. A linguagem usada é frequentemente emocional e reflexiva, o que pode revelar a intensidade da experiência vivida. Há, também, um forte apelo à transformação pessoal com impacto social, visível nos excertos, que ligam o crescimento individual ao desejo de contribuir para um mundo melhor. A repetição de expressões como “colocar-se no lugar do outro”, “confiar em mim”, “ajudar os outros” e “crescer como pessoa” demonstra uma apropriação consciente e profunda dos valores promovidos durante as Semanas Ubuntu e os Alu Days, enquanto espaços de introspeção e desenvolvimento pessoal. Os testemunhos evidenciam, assim, a desconstrução de crenças, uma maior consciência da importância da empatia e o reforço da visão do eu em comunidade. As relações com o outro ganham centralidade no processo de transformação pessoal, o que pode revelar um entendimento claro de que o crescimento individual está ligado ao impacto na comunidade.

Discussão

Os resultados apresentados demonstram que o programa Ubuntu no IPVC teve um impacto significativo no desenvolvimento das competências socioemocionais dos/as participantes.

A análise quantitativa revelou um crescimento substancial na perceção de desenvolvimento nessas dimensões, particularmente na autoconfiança e autoconhecimento, que apresentou valores mais elevados após a participação no programa. A resiliência também demonstrou uma evolução expressiva, evidenciando a capacidade dos participantes em enfrentar desafios e superar dificuldades.

Apesar do impacto positivo geral, a empatia foi a competência que registou um menor crescimento relativo, tanto nas Semanas Ubuntu como nos Alu Days. Esse padrão pode sugerir que as metodologias utilizadas necessitam de ajustamentos para fomentar essa dimensão. Será relevante considerar atividades mais interativas e imersivas que incentivem uma maior compreensão e sensibilização para a perspetiva do outro.

A implementação do formato Alu Days permitiu aumentar a adesão e acessibilidade ao programa, oferecendo uma alternativa mais flexível às Semanas Ubuntu. Verificou-se uma redução progressiva no número de participantes ao longo dos seminários, embora essa diminuição não se tenha revelado um fator negativo dado que a participação e envolvimento dos participantes se intensificou.

A avaliação global dos Alu Days e Semanas Ubuntu indicou um feedback altamente positivo, com avaliações acima de 9 na maioria dos parâmetros, refletindo a satisfação geral dos participantes com a organização, utilidade e clareza dos objetivos do programa. Já na avaliação de impacto dos Alu Days, os resultados apontam diferenças relevantes entre os/ as estudantes. Os/as estudantes da ESA-IPVC mostraram resultados menos expressivos na perceção de aumento das competências, especialmente nas dimensões de autoconfiança (22%) e serviço (11%), que foram os valores mais baixos registados entre todas as Escolas. Já os/as estudantes da ESE-IPVC destacaram-se por percecionarem um aumento na resiliência (62%) e em serviço (42%), evidenciando um impacto positivo nestas áreas.

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 123 204 n3 . 2025

Os/as estudantes da ESDL-IPVC percecionaram o maior crescimento nas suas competências, especialmente em autoconhecimento (133%) e autoconfiança (100%), o que pode sugerir uma maior eficácia das atividades implementadas.

Importa referir que a ESA-IPVC foi uma das Escolas com a indicação de turma de 1º ano para participação nos Alu Days e manteve, aproximadamente, o mesmo número de estudantes em todos os Alu Days (30). Estes valores mais baixos podem ser resultado do grande número de participantes e do facto de pertencerem todos à mesma turma.

A empatia foi a dimensão com uma perceção de menor evolução global por parte dos/as estudantes, com percentagens que variaram entre 12% (ESA-IPVC) e 32% (ESTG-IPVC), indicando a necessidade de reforçar esta competência nos diferentes contextos institucionais. O pilar Ubuntu do serviço também apresentou resultados de menor evolução na perceção dos estudantes da maioria das Escolas, com exceção da ESE-IPVC e da ESTG-IPVC. Para mitigar essas diferenças e garantir um impacto mais equitativo, poderá ser benéfico rever e reforçar os recursos formativos.

A análise qualitativa das autoavaliações de estudantes confirmou a perceção positiva sobre o impacto do programa. Os termos mais frequentes identificados através das ferramentas de análise textual incluem “pessoas”, “vida”, “mim” e “resiliência”, evidenciando que as experiências vivenciadas promoveram reflexões profundas sobre o crescimento pessoal e a interação com os outros. Além disso, a frequente menção a conceitos como “aprender”, “melhorar” e “empatia” reforça a importância do programa no desenvolvimento de competências fundamentais para a vida académica, profissional e pessoal dos participantes. Apesar de a empatia ter apresentado os valores mais baixos na avaliação de impacto, a análise de conteúdo realizada revelou que esta competência é frequentemente mencionada e destacada como uma das aprendizagens centrais. Este resultado sugere que os/as participantes reconhecem a importância da Empatia e de desenvolver uma maior capacidade de compreensão e de se colocarem no lugar do outro. Embora se verifique uma crescente consciencialização acerca da importância da empatia e da capacidade de nos colocarmos na perspetiva do outro, é ainda necessário aprofundar o desenvolvimento desta competência.

204 n3 . 2025

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Os resultados do programa Alu Days e Semana Ubuntu IPVC vai ao encontro de outras experiências como as reportadas por Horta (2017) que descreveu que o processo da Academia de Líderes Ubuntu, profundamente afetivo de partilhar histórias de vida, é revelador e empoderador e, em alguns casos, curativo. É uma experiência que ensina o valor de dar e receber e incentiva participantes a colocarem-se no lugar do outro, a sentirem-se enriquecidos pelas histórias de vida que ouviram e consideraram que refletir sobre as suas próprias vidas não só lhes deu um sentimento de gratidão, mas também contribuiu para o seu crescimento pessoal. A rede de relações de confiança e reciprocidade que cresce a partir desse processo gera comunidade. Ao modelar a liderança em torno da importância das relações comunitárias, do respeito pelos valores humanos e do reconhecimento do valor humano no centro do ubuntu, o programa permite que os participantes reflitam sobre como podem promover a ética do ubuntu e se tornar agentes de transformação social (Horta, 20217).

A reestruturação do programa formativo da Semana Ubuntu para o formato Alu Days demonstrou um impacto positivo na adesão, evidenciado pelo aumento no número de participantes. Contudo, será necessário rever o número de participantes, no sentido de promover o nível de participação e envolvimento.

Em suma, os resultados analisados sustentam a relevância do programa Ubuntu como uma estratégia pedagógica inovadora para o ensino superior. A continuidade do programa deve focar-se na melhoria das dinâmicas associadas à empatia, na manutenção de Semanas Ubuntu e na otimização da estrutura dos Alu Days para maximizar o impacto no desenvolvimento de competências.

Limitações e estudos futuros

A adaptação ao formato dos Alu Days, embora tenha aumentado a adesão, apresentou desafios na gestão do número de participantes e na ancoragem ao programa, o que pode ter influenciado a profundidade da participação e envolvimento, já que as sessões eram mensais, ao contrário do programa imersivo da Semana Ubuntu. Embora o estudo tenha abordado a evolução de várias competências, a ênfase no desenvolvimento socio-

204 n3 . 2025

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo

emocional pode ter excluído outras dimensões importantes, como outras competências transversais ou profissionais, que também podem ser impactadas por programas como o Ubuntu. A falta de uma avaliação mais abrangente limita a compreensão do impacto total do programa. O estudo contou com ferramentas de inteligência artificial para análise qualitativa, o que, embora útil, pode ter limitações na interpretação de nuances emocionais e comportamentais dos/as participantes. Para futuros estudos seria interessante aprofundar a investigação sobre a empatia e diferentes abordagens para promover o desenvolvimento competência de forma mais eficaz. Seria igualmente pertinente realizar uma avaliação de impacto num horizonte temporal mais alargado — entre seis meses e um ano após a participação na formação Ubuntu —, recorrendo a metodologias tradicionais como entrevistas ou focus group, de forma a obter dados mais robustos e longitudinalmente sustentados acerca do desenvolvimento das competências socioemocionais e das transformações comportamentais observadas nos/as participantes.

Conclusão

O programa Ubuntu, implementado no IPVC, demonstrou ser uma estratégia inovadora e eficaz para o desenvolvimento de competências socioemocionais no ensino superior. A análise dos dados recolhidos ao longo da implementação do programa evidencia melhorias significativas em dimensões essenciais como autoconhecimento, autoconfiança e resiliência, reforçando o potencial desta abordagem na promoção do sucesso académico e pessoal dos participantes.

A integração dos Alu Days revelou-se um modelo formativo complementar, permitindo alcançar um público mais amplo e diversificado. Os Alu Days, ao oferecerem sessões mais curtas e acessíveis, contribuíram para a maior adesão e visibilidade do programa, enquanto as Semanas Ubuntu proporcionaram uma experiência mais imersiva e transformadora. Os resultados apontam a empatia como a competência que registou a menor evolução relativa. Contudo, este é um dos termos mais referidos quando se questiona os/ as participantes sobre as aprendizagens retiradas, o que poderá refletir uma complexa interpretação e/ou perceção de si mesmo.

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 126 204 n3 . 2025

A análise qualitativa reforça a relevância do programa Ubuntu na transformação das perceções e atitudes dos participantes, evidenciada pela recorrência de termos associados ao crescimento pessoal, empatia e resiliência. A utilização de ferramentas de inteligência artificial, como o Voyant Tools, permitiu uma exploração das narrativas individuais, validando a eficácia do programa no desenvolvimento de competências interpessoais.

Apesar dos resultados encorajadores, subsistem desafios que devem ser considerados em futuras edições do programa. A adaptação da estrutura do Ubuntu ao formato Alu Days aumentou a participação e interesse nas Semanas Ubuntu, mas também levantou questões relacionadas com a participação de estudantes. Além disso, a diferença nos impactos registados entre as diferentes Escolas do IPVC sugere a necessidade de um acompanhamento mais personalizado e da adoção de estratégias específicas para contextos institucionais distintos.

Em síntese, o programa Ubuntu tem-se afirmado como uma resposta inovadora aos desafios do ensino superior, promovendo uma abordagem humanista e relacional, centrada no desenvolvimento integral de estudantes e na construção de comunidades académicas mais solidárias e resilientes.

Agradecimentos: a todos/as os/as educadores/as Ubuntu IPVC e do IPAV e às pessoas da comunidade IPVC que participaram nas Semanas Ubuntu e nos Alu Days, programa Ubuntu IPVC.

Fontes de financiamento: Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), #NextGenerationEU #construirofuturo, Projeto PRR-BAITS-IPVC contrato de financiamento dos Investimentos C06-i03.03 – Impulso Adultos e C06-i04.03 – Impulso Jovens STEAM

Implementação do programa Ubuntu no Ensino Superior: Desafios e resultados no Instituto Politécnico de Viana do Castelo 127 204 n3 . 2025

Referências:

Academia de Líderes Ubuntu. (n.d.). Academia de Líderes Ubuntu. https://academialideresubuntu.org/pt/

Akabor, S., & Phasha, N. (2022). Where is Ubuntu in competitive South African schools? An inclusive education perspective. International Journal of Inclusive Education, 29(3), 361–377. https://doi.org/10.1080/13603116.2022.2127491

Burt-Miller, J. F., Rismani, M., Hopkins, A., Cunningham, T., Farquharson, D., Balcázar, A. G., & Kennedy, A. B. (2024). “I realized I was not alone”: A mixed-methods investigation of the implementation of Ubuntu groups to reduce burnout and social isolation in an allopathic medical school in the southeastern United States. Medical Teacher, 47(2), 249–259. https://doi.org/10.1080/0142159X.2024.2326123

Horta, P. (2017). Becoming, belonging and sharing: Striving to live in the spirit of Ubuntu in Portugal. Coolabah, 21, 47–58. https://doi.org/10.1344/co20172147-58

Instituto Politécnico de Viana do Castelo. (2023). (In)sucesso e abandono académico no Instituto Politécnico de Viana do Castelo (período de 2018/2019 a 2021/2022). https://www.ipvc. pt/wp-content/uploads/2023/11/inSucesso-e-Abandono-Academico-no-IPVC-2023.pdf

Instituto Politécnico de Viana do Castelo. (n.d.). Integração e sucesso académico. https:// www.ipvc.pt/inovar/integracao-e-sucesso-academico/

Lazcano-Franco, M. A., Fernández-Mojica, L., Berumen-Ruvalcaba, R. A., & García-Medina, M. G. (2022). Evolution of socioemotional skills in higher education. Journal of Education Sciences, 6(16), 31-39. http://dx.doi.org/10.35429/JESC.2022.16.6.31.39

Lorenzo-Quiles, O., Galdón-López, S., & Lendínez-Turón, A. (2023). Factors contributing to university dropout: A review. Frontiers in Education, 8, 1159864. https://doi.org/10.3389/ feduc.2023.1159864

Sinclair, S., & Rockwell, G. (n.d.). Voyant Tools: Web-based text analysis. https://voyant-tools. org/

15. Escola Superior de Educação de Lisboa, Lisboa, Portugal, silvia.amf@gmail.com

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 129 204 n3 . 2025

Resumo

O presente estudo pretendeu compreender em que medida a adaptação de atividades baseadas na metodologia Ubuntu promove a participação e o desenvolvimento de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (PDI), assim como reconhecer a importância das estratégias implementadas pela docente de Educação Especial (DEE) neste processo.

Este projeto de intervenção baseou-se na metodologia de investigação-ação e foi desenvolvido numa Unidade de Apoio Especializado (UAE) integrada num Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA), situado numa Escola Básica do distrito de Lisboa e contou com a participação de seis alunos que apresentam PEA e PDI, com idades compreendidas entre os 13 e os 15 anos.

Durante o estudo foram utilizados vários instrumentos de recolha dos dados, nomeadamente a pesquisa documental, a análise de redes sociais (com recurso a testes sociométricos), a observação participante (com recurso a grelhas de observação, a notas de campo e a meios audiovisuais) e a entrevista semiestruturada. A transcrição das filmagens e das entrevistas foram estudadas através da análise de conteúdo.

Os resultados do projeto evidenciam o desenvolvimento de algumas das competências pessoais e sociais, baseadas na metodologia Ubuntu, destacando-se o autoconhecimento, a autoconfiança e a resiliência, através da tomada de consciência de si próprio e do controlo das emoções; de comunicação, através da partilha de expressões e do uso mais eficaz da comunicação não verbal; da empatia, ao nível da relação com os pares e do respeito pelos outros; transversais, onde imperou o trabalho de equipa, a flexibilidade e a adaptação à mudança, assim como a criatividade e motivação para o sucesso, perspetivando-se o desenvolvimento integral dos participantes, associadas ao serviço e à tomada de decisões responsáveis.

Palavras-Chave: Inclusão; Perturbação do Espetro do Autismo; Perturbação do Desenvolvimento Intelectual; Competências pessoais e sociais; Ubuntu.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Abstract

The present study aimed to understand what extent adapting activities based on the Ubuntu methodology promotes the participation and development of personal and social skills in students with Autism Spectrum Disorder (ASD) and Intellectual Development Disorder (IDD), as well as to recognize the importance of the strategies implemented by the Special Education Teacher (SET) in this process.

This intervention project was based on the action research methodology and was developed in a Specialized Support Unit (UAE) integrated into a Learning Support Center (LSC), located in a elementary school in the Lisbon district, and involved the participation of six students with ASD and IDD, aged between 13 and 15.

During the study, several data collection instruments were used, namely: documentary research, social network analysis (with the use of sociometric tests), participant observation (with the use of observation grids, field notes and audiovisual media) and the semi-structured interview. The transcription of the recordings and interviews was studied through content analysis.

The results of the project show the development of some of the personal and social skills, based on Ubuntu methodology, highlighting self-knowledge, self-confidence and resilience, through becoming aware of oneself and controlling emotions; communication, through sharing expressions and more effective use of non-verbal communication; empathy, in terms of relationships with peers and respect for others; transversal, where teamwork, flexibility and adaptation to change prevailed, as well as creativity and motivation for success, with a view to the integral development of participants, associated with service and responsible decision-making.

Keywords: Inclusion; Autism Spectrum Disorder; Intellectual Development Disorder; Personal and social skills; Ubuntu.

204 n3 . 2025

Introdução

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

“A inclusão acontece quando se aprende com diferenças e não com as igualdades.”

Paulo Freire

A educação inclusiva defende uma escola onde todos os alunos, independentemente das suas origens, características ou competências, encontram respostas diversificadas e de qualidade, que lhes permitam participar na construção da sua própria aprendizagem, através da aquisição de um nível de educação e formação, facilitadoras de uma plena inclusão na sociedade atual (Decreto-Lei n.º 54/2018).

A inclusão de todos os alunos, garantindo que cada indivíduo tenha oportunidades iguais e adaptadas às suas características, continua a ser um desafio mundial. Embora tenham sido alcançados progressos consideráveis nas últimas duas décadas é imprescindível que se minimizem as barreiras à aprendizagem, assegurando que todos os alunos possam beneficiar de uma escola inclusiva (UNESCO, 2019).

Uma verdadeira educação inclusiva deve assentar em valores e princípios de equidade, empatia, tolerância, respeito e participação ativa. Para tal, a escola deve assumir a responsabilidade de fornecer respostas adequadas e diferenciadas em função das especificidades dos seus alunos, nomeadamente, os que apresentam Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (PDI), uma vez que apresentam maiores barreiras ao nível da participação, comunicação, interação social, cognição ou aprendizagem.

A promoção de competências pessoais e sociais, tem maior impacto se for realizada nos contextos naturais, através da aplicação de métodos interativos, flexíveis e colaborativos de ensino, possibilitando que todos os alunos, com e sem necessidades específicas (NE), possam adquirir as aprendizagens essenciais preconizadas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO).

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 132 204 n3 . 2025

O método Ubuntu assenta no desenvolvimento de dinâmicas que potenciam o desenvolvimento de competências socioemocionais, como o autoconhecimento, a autoconfiança, a resiliência, a empatia e o serviço. Estas cinco competências são trabalhadas através de uma abordagem de educação não-formal (ALU, s.d.), que possibilita aos participantes um maior conhecimento sobre si e sobre os outros, passando a confiar mais nas suas capacidades e habilidades, tornando-se mais resilientes face aos desafios e adversidades da vida, assumindo atitudes empáticas em prol da comunidade (Azevedo et al., 2023).

Desta forma, considerou-se pertinente desenvolver um projeto de investigação-ação numa Unidade de Apoio Especializado (UAE) pertencente ao Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA), situado numa Escola Básica do distrito de Lisboa, que apoia alunos dos 2.º e 3.º ciclos de escolaridade que apresentam, entre outras problemáticas, PEA e PDI. Para o efeito, foi definida a seguinte questão de investigação: em que medida a metodologia Ubuntu pode ser aplicada a alunos com PEA e PDI, de modo a fomentar a sua participação e o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, essenciais para uma mais efetiva inclusão no contexto escolar. O projeto de investigação-ação desenvolveu-se em três fases: a primeira fase correspondeu ao planeamento, preparação do estudo, recolha de dados empíricos, elaboração dos materiais e dos instrumentos de recolha de dados; a segunda fase destinou-se à implementação do projeto, em duas séries distintas (dois ciclos de investigação), baseadas na metodologia Ubuntu, como se referiu anteriormente; e a terceira fase consistiu na compilação, apresentação, análise e discussão dos resultados. Os dados foram recolhidos através das seguintes técnicas: pesquisa documental, análise de redes sociais, observação participante (com recurso a grelhas de observação, notas de campo e meios audiovisuais) e entrevista semiestruturada. Os dados recolhidos foram estudados através da análise de conteúdo.

A investigadora é docente de Educação Especial (DEE) no referido Agrupamento e frequentou a formação de Educadores/as Ubuntu do programa Escolas Ubuntu no ano letivo 2022-2023, motivo pelo qual considerou pertinente adaptar as dinâmicas desenvolvidas pela Academia de Líderes Ubuntu (ALU) do Instituto Padre António Vieira (IPAV) aos alunos com os quais trabalha diariamente, com o intuito de fomentar o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, essenciais para a inclusão na sociedade.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 133 204 n3 . 2025

Face ao exposto, foram selecionados seis alunos com idades compreendidas entre os 13 e os 15 anos, que apresentam PEA e/ou PDI, tendo-se procedido às adaptações consideradas necessárias para participarem nas dinâmicas selecionadas de acordo com as suas especificidades. As mesmas tiveram em consideração os cinco pilares do Ubuntu – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço, bem como as atividades propostas pela ALU Júnior (ALUJ) para o 1.º ciclo e ALU - Escolas para alunos que frequentam o 3.º ciclo e o secundário, tendo existido uma simbiose entre ambas. Para além dos seis alunos e dos seus colegas de turma, que participaram de forma indireta, o projeto contou com a participação da investigadora, na qualidade de DEE e de duas assistentes operacionais (AO).

Método

Questões de investigação e objetivos do estudo

Qualquer investigação pressupõe a existência de questões de partida que inquietam o investigador, funcionando como linhas de orientação (Bogdan & Biklen, 1994) do estudo, as quais podem ser clarificadas ou até reformuladas (Bogdan & Biklen, 1994; Bell, 2010). No caso da presente investigação, colocou-se a seguinte questão: em que medida a metodologia Ubuntu pode ser aplicada a alunos com PEA e PDI, de modo a fomentar a sua participação e o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, essenciais para uma mais efetiva inclusão no contexto escolar. Considerando a pergunta de investigação acima referida, definiram-se as seguintes hipóteses de ação para o nosso projeto de intervenção: (i) a utilização da metodologia Ubuntu com alunos com PEA e PDI contribui para o seu desenvolvimento pessoal e social no contexto escolar; (ii) a utilização da metodologia Ubuntu com alunos com PEA e PDI não contribui para o seu desenvolvimento pessoal e social no contexto escolar.

Considerando a questão orientadora e as hipóteses de ação mencionadas, definiram-se três objetivos gerais:

I. Compreender o contributo da implementação de dinâmicas baseadas na metodologia Ubuntu, no desenvolvimento de competências pessoais e sociais em crianças e jovens com PEA e PDI;

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 134 204 n3 . 2025

II. Reconhecer a importância das estratégias implementadas pela docente de educação especial (DEE) no desenvolvimento de dinâmicas que perspetivam a promoção de competências pessoais e sociais em alunos com PEA e PDI que frequentam a UAE do CAA;

III. Potenciar a participação de alunos com PEA e PDI em contexto escolar, recorrendo a atividades diversificadas e adaptadas.

Natureza e desenho do estudo

O presente estudo, de natureza qualitativa, enquadra-se no paradigma crítico, com recurso ao método de investigação-ação (I-A) (Coutinho, 2014; Morgado, 2016).

Tendo-se como referência as questões de investigação e os objetivos que se pretendem alcançar com a implementação do projeto de intervenção, considerou-se que a metodologia I-A era a mais adequada para o presente estudo. Quanto ao plano do estudo, o projeto de intervenção desenvolveu-se em três fases:

• Fase I – Planeamento e adaptação das dinâmicas;

• Fase II – Implementação do projeto (que se realizou em dois momentos distintos: 1.ª série e 2.ª série);

• Fase III – Compilação, apresentação, análise e discussão dos resultados.

A pesquisa bibliográfica e os procedimentos éticos foram tidos em consideração em todas as fases do estudo (Amado, 2014), como se ilustra na figura seguinte.

. 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Figura 1 - Fases do projeto de intervenção.

-» 2

Fase I - Planeamento e adaptação das dinâmicas

1. Planear

. Enquadramento da problemática e hipóteses de ação;

. Definição dos objetivos do estudo;

. Seleção dos participantes

2. Refletir

. Seleção das dinâmicas;

. Adaptação dos materiais;

. Definição e organização dos instrumentos de recolha dos dados

-» 3

Fase II – Implementação do projeto

1

1ª Série: Implementação das dinâmicas, recolha dos dados e readaptação das atividades

3. Agir

. Observação das competências pessoais e sociais (observação 1);

. Aplicação de testes sociométricos (início);

. Definição das datas e horários;

. Implementação das competências pessoas e sociais (observação 2);

. Recolha dos dados.

4. Avaliar

. Avaliação do comportamento e recetividade nas diferentes dinâmicas.

5. Modificar

. Adaptação de algumas dinâmicas (tempo, horário e estrutura).

Fase III – Compilação, apresentação, análise e discussão dos resultados

2ª Série: Nova implementação das dinâmicas e recolha dos dados

6. Agir seguindo outas direções

. Implementação das dinâmicas (2ª série) recorrendo a novas estratégias;

. Observação das competências pessoais e sociais (observação 3);

. Aplicação de testes sociométricos (fim).

7. Apresentação e análise dos dados

. Compilação dos resultados objetivos;

. Análise dos dados resultantes dos diferentes instrumentos de recolha de dados;

. Apresentação de resultados.

8. Avaliação do projeto

. Discussão e avaliação do projeto;

. Sugestões de melhoria.

fevereiro a maio de 2023 março a maio de 2023 maio a junho de 2023 março de 2023 a julho de 2024

Pesquisa bibliográfica e procedimentos éticos

204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Participantes no estudo

O estudo realizou-se numa escola de ensino básico, situada numa zona urbana do distrito de Lisboa frequentada por cerca de 900 alunos, do 5.º ao 9.º ano de escolaridade. Contou com a participação de seis alunos que apresentavam PEA e PDI e que frequentavam a UAE do CAA; 71 participantes ocasionais das turmas dos alunos participantes no estudo (6_1, 6_2, 8_1 e 9_1), com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos; uma DEE (autora do estudo) e duas AO que orientavam diariamente os referidos alunos. Dos seis alunos, quatro eram do sexo masculino e dois do sexo feminino, frequentando dois alunos o 6.º ano, três o 8.º ano e um o 9.º ano de escolaridade. As suas idades oscilavam entre os 13 e os 16 anos, tendo uma média de idades de 14 anos. Estes participantes constituíram uma amostra intencional e de conveniência. Coutinho (2014) refere que num estudo qualitativo a amostra é sempre intencional e de conveniência, uma vez que se baseia em grupos já constituídos. Por se tratar de uma amostra de conveniência, os resultados obtidos neste estudo não podem ter um carácter universal para além do grupo estudado. Para Erickson (citado por Amado, 2014), o objetivo principal da investigação qualitativa é especificar, uma vez que as “conclusões devem referir-se sempre a determinado contexto, sublinhando a especificidade do que é singular e excecional” (p.365). No entanto, pode ser realizada, de forma moderada, tendo em consideração as especificidades de cada situação, alguma transferência entre contextos, desde que existam algumas semelhanças entre eles (Guba, 1989; Wollcot, 1993, citados por Amado, 2014).

Para a seleção dos alunos participantes foram previamente definidos alguns critérios, considerados fundamentais para a participação no estudo. A saber: (i) terem como diagnóstico PEA ou PDI; (ii) frequentarem a UAE do CAA no mesmo horário em que a DEE lecionava as suas disciplinas nessa sala; (iii) frequentarem os 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e estarem na faixa etária compreendida entre os 12 e os 18 anos de idade; (iv) os Encarregados de Educação terem autorizado a sua participação no estudo, assinando o termo de consentimento livre e informado.

No que concerne à participação dos adultos (DEE e duas AO), o único critério foi o facto de trabalharem diariamente com os alunos participantes, sendo pessoas de referência para os mesmos, conhecendo as suas características, bem como o contexto onde se desenvolveram as atividades.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 137 204 n3 . 2025

A média de idades das participantes adultas era de 36 anos de idade, sendo todas do sexo feminino. Tendo em consideração a proteção da identidade e a confidencialidade da informação recolhida, nomearam-se os participantes com siglas, sendo apenas identificado o investigador, pela sigla DEE ou pelo próprio nome nas transcrições dos vídeos gravados durante a implementação do projeto de intervenção.

Relativamente à caracterização dos seis alunos, consta na Tabela 1 alguma informação sobre os seus dados sociodemográficos, o seu diagnóstico e os contextos onde realizavam, preferencialmente, as suas aprendizagens.

Tabela 1 - Síntese dos dados de caraterização dos participantes no estudo – alunos.

Alunos

LS 13 F 6_1

MM 13 M 6_2

MA 13 M 8_1

Défice Intelectual e microcefalia com hipoplasia ponto-cerebelar.

Perturbação do Espetro do Autismo associado a uma Perturbação de Linguagem e Défice de Atenção.

Perturbação do Espetro do Autismo com Perturbação do Desenvolvimento Intelectual e da Linguagem grave (não verbal).

Turma + UAE/ CAA

Turma + UAE/ CAA

DA 15 F 8_2

RS 15 M 8_2

Turma + UAE/ CAA

Trissomia 21, cardiopatia congénita, atraso de desenvolvimento. UAE/CAA

Atraso global de desenvolvimento psicomotor, com dissociação negativa da área da linguagem; Alguns traços de perturbação pervasiva do desenvolvimento; Dificuldade grave da fala.

UAE/CAA

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 138 204 n3 . 2025

Alunos Idade Sexo Turma Diagnóstico Contexto

DL 16 M 9_1

Doença metabólica - Acidemia propiónica (alteração hereditária do metabolismo das proteínas); Atraso global de desenvolvimento psicomotor grave; Perturbação do Espetro do Autismo.

Turma + UAE/ CAA

Nota. Com base nos horários dos alunos e nas informações constantes nos processos individuais.

Relativamente às características dos profissionais que participarem no estudo, as mesmas encontram-se descritas na Tabela 2.

Tabela 2 - Breve caracterização das adultas participantes no estudo.

Nome Idade Sexo Habilitações literárias Anos de experiência com alunos PEA e PDI

DEE 40 F Licenciatura + Especialização 12

AO1 37 F 10.º ano de escolaridade 1

AO2 31 F 11.º ano de escolaridade 3

Nota. Com base nas informações prestadas pelos próprios.

Instrumentos

Os instrumentos de recolha e análise dos dados a utilizar no decorrer de uma investigação devem procurar descrever e justificar as opções tomadas ao longo do seu processo. Coutinho et al. (2009) referem que um estudo realizado de acordo com a metodologia de I-A, pressupõe que o investigador recolha a informação realizada ao longo da sua própria ação ou intervenção, no sentido de analisar com maior distanciamento os efeitos da sua prática letiva. Face ao exposto, é necessário especificar, de um modo sistemático e intencional,

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 139 204 n3 . 2025

a sua visão sobre os aspetos mais importantes, reduzindo o processo a um sistema de apresentações que lhe permita analisar e refletir sobre os dados obtidos (Latorre, citado por Coutinho et al., 2009). Bogdan e Biklen (1994) mencionaram que os dados obtidos incluem os elementos necessários para pensar de forma adequada e profunda, relativamente aos aspetos que se pretendem estudar. Os instrumentos de recolha dos dados são selecionados com o objetivo de se entender melhor a problemática em estudo, perspetivando-se a obtenção de respostas significativas, garantindo-se a transparência, a credibilidade e a fiabilidade dos resultados obtidos.

No presente estudo, o recurso a diferentes instrumentos de recolha e análise de dados – análise de documentos (decorrente da pesquisa documental), testes sociométricos, entrevistas semiestruturadas, observação participante (com recurso a grelhas de observação de competências pessoais e sociais, a notas de campo e a meios audiovisuais), assim como a análise de conteúdo das entrevistas e das transcrições dos vídeos selecionados, permitiu-nos assegurar a fiabilidade e validade do estudo face aos objetivos previamente delineados.

Procedimentos

A realização de um projeto de investigação envolve um conjunto de procedimentos éticos que devem ser tidos em consideração, assumindo as diferentes formas consoante surjam em momentos diferentes do trabalho de campo e do processo de investigação (Bogdan & Biklen, 1994). No caso do presente estudo, após a escolha do tema, local de realização e seleção dos participantes, procedeu-se à entrega de uma declaração nos serviços administrativos do Agrupamento de Escolas onde se pretendia desenvolver o projeto de investigação, que foi anexada ao pedido de autorização, onde constava a descrição das técnicas e instrumentos de recolha de dados utilizados no decorrer do estudo, bem como o período de tempo em que as mesmas ocorreriam, salvaguardando-se a confidencialidade e o anonimato do mesmo e dos participantes. Depois de ter sido dada autorização para a realização do projeto pela direção do Agrupamento, procedeu-se à elaboração de uma declaração de consentimento livre e informado, explicada a cada um dos alunos participantes e respetivos encarregados de educação, na qual constavam as

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 140 204 n3 . 2025

informações relativas à sua colaboração na investigação. Nesta fase teve-se o cuidado de utilizar uma linguagem simples e clara; perceber se os alunos e respetivos encarregados de educação compreenderam o que lhes era transmitido e quando existiam evidências de que não estava a ser interiorizado, voltar a esclarecer, de forma a ser clarificado; explicar que a participação era voluntária, que não teria qualquer implicação em caso de não concordância e que poderiam desistir em qualquer fase do estudo; garantir a privacidade, a confidencialidade e o anonimato dos dados recolhidos, em todas as fases da investigação.

Paralelamente, foi ainda elaborado um documento onde constava informação complementar relativa à metodologia Ubuntu e às competências a desenvolver com a dinamização das atividades.

No decorrer da recolha dos dados escritos e das observações, teve-se o cuidado de proteger a identidade dos participantes, tendo-se ocultado a identidade (através da colocação de figuras geométricas ou sombras de camuflagem) ou atribuído códigos compostos por letras e/ou números, para que a informação recolhida não lhes causasse qualquer tipo de transtorno ou prejuízo (Bogdan & Biklen, 1994). Esta codificação também foi aplicada às transcrições das entrevistas realizadas às AO, perspetivando-se o anonimato dos participantes, não se incluindo informações concretas e locais que lhes pudessem ser associados (Bogdan & Biklen, 1994; Flick, 2005; Amado, 2014). Ao longo da dinamização do projeto de intervenção os participantes foram tratados com respeito, sendo os contextos institucionais, sociais e culturais (Amado, 2014), assim como, as suas opiniões tidas em consideração, para possíveis reformulações das dinâmicas a implementar, de modo a obter-se um maior envolvimento e colaboração nas atividades desenvolvidas.

As normas éticas e deontológicas da investigação e da escrita foram atendidas ao longo de todo o processo de investigação, desde a sua planificação até à apresentação e discussão dos resultados, mantendo-se a fidelidade e o rigor no registo das situações observadas e a transcrição dos seus discursos (Amado, 2014).

204 n3 . 2025

Resultados

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

O projeto desenvolveu-se em três fases distintas, como se pode observar na Tabela 3.

Tabela 3 - Resumo das fases inerentes ao desenvolvimento do projeto de intervenção.

Fases do projeto

Resumo das atividades desenvolvidas

Fase I – Planificação e adaptação das dinâmicas e dos materiais

Planeamento e preparação do estudo: elaboração do enquadramento da problemática e hipóteses de ação; definição dos objetivos do estudo; seleção dos participantes; elaboração e solicitação do pedido de autorização ao diretor do Agrupamento de Escolas onde foi desenvolvido o projeto; contactos com o IPAV; elaboração e envio dos consentimentos informados com o respetivo documento explicativo para os alunos e encarregados de educação.

Fase I – Planificação e adaptação das dinâmicas e dos materiais

Recolha dos dados empíricos, elaboração de materiais e instrumentos de recolha dos dados: pesquisa das dinâmicas da ALU e ALUJ; observação e análise dos materiais existentes na plataforma online ALU-escolas; seleção das dinâmicas a implementar; adaptação dos materiais a utilizar; definição e organização dos instrumentos de recolha de dados; realização da pesquisa documental (Relatórios Técnico-Pedagógicos – RTP, Programas Educativos Individuais –PEI e outros documentos constantes nos processos individuais dos alunos); elaboração da grelha de competências pessoais e sociais, testes sociométricos e organização da entrevista semiestruturada (que foi finalizada durante a Fase II); pesquisa bibliográfica sobre o tema em estudo, de forma a sustentar a investigação (processo realizado ao longo de todo o projeto de intervenção).

n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Fases do projeto

Resumo das atividades desenvolvidas

Fase II – Implementação do projeto de intervenção, recolha e análise dos dados, readaptação e implementação das dinâmicas

1.ª série – Implementação das dinâmicas, recolha dos dados e readaptação das atividades: observação dos alunos no decorrer da implementação das atividades inerentes ao cumprimento das Adaptações Curriculares Significativas (ACS) previstas nos seus PEI e preenchimento da grelha referente ao nível das competências pessoais e sociais apresentadas (observação 1 ou inicial); aplicação das duas versões dos testes sociométricos (contexto de turma e de UAE/CAA); definição das datas e horários referentes à implementação das atividades; implementação das atividades previstas (12 dinâmicas) e recolha dos dados (baseados na observação – notas de campo e outros registos, onde se incluem os meios audiovisuais); preenchimento da grelha referente às competências pessoais e sociais após a dinamização das doze atividades (observação 2); avaliação do comportamento e da recetividade apresentada no decorrer das diferentes dinâmicas; adaptação de algumas dinâmicas (tempo, horário e estrutura).

2.ª série – (Re)implementação das dinâmicas e recolha dos dados: nova implementação das atividades, recorrendo a outras estratégias; preenchimento da grelha referente às competências pessoais e sociais após a dinamização da totalidade do projeto de intervenção, 12 atividades implementadas em dois momentos distintos (observação 3 ou final); aplicação dos testes sociométricos aos seis participantes no estudo.

Fase III – Avaliação: apresentação e discussão dos resultados

Compilação, apresentação, análise e discussão dos resultados obtidos: organização dos dados obtidos; transcrição dos dados das observações – entrevistas realizadas pelas duas AO e alguns vídeos gravados; análise dos dados e do conteúdo resultante dos diferentes instrumentos de recolha de dados; apresentação e discussão dos resultados obtidos; conclusão da pesquisa bibliográfica e do enquadramento teórico; considerações finais onde se inclui a apresentação de sugestões de melhorias ao estudo.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 143 204 n3 . 2025

Fase I: Planificação e adaptação das dinâmicas e dos materiais

O planeamento das atividades teve em consideração as competências pessoais e sociais a promover, bem como o espaço onde seriam dinamizadas. Procedeu-se a uma pesquisa exaustiva de todas as dinâmicas promovidas pela ALU-Escolas/ALUJ, disponibilizadas através do link do Manual digital de capacitação: Academia de Líderes Ubuntu – Escolas, assim como dos planos de sessão e materiais audiovisuais complementares. A seleção efetuada teve em consideração as características individuais dos alunos participantes e a possibilidade de se introduzirem atividades interativas, flexíveis e colaborativas, baseadas no método Ubuntu. O autoconhecimento, a autoconfiança, a resiliência, a empatia e o serviço são competências socioemocionais de extrema importância para estes alunos e constituem os pilares da metodologia utilizada. Por estas razões foram as competências escolhidas.

Após uma primeira triagem, foram registadas, num caderno, possíveis atividades a desenvolver, constando as competências a promover, o tempo previsto para a realização das mesmas, bem como especificações a considerar: materiais, grau de complexidade, pré-requisitos, contextos onde deveria ser implementado ou opiniões pessoais.

Este registo escrito inicial compila várias horas de leituras, visionamentos e audições de materiais audiovisuais (vídeos e músicas) disponibilizados no referido link, que foram resumidas com o objetivo de se tomar uma decisão final sobre as dinâmicas mais apelativas e que conduziam ao cumprimento dos objetivos inicialmente propostos. Após esta minuciosa análise, selecionaram-se as dinâmicas e as competências a desenvolver e os objetivos das mesmas, definindo-se o tempo previsto para a implementação de cada atividade e os materiais e/ou recursos necessários para a sua correta dinamização. De seguida, procedeu-se à adaptação dos materiais a utilizar, particularmente, a simplificação dos enunciados e informações referentes à descrição das atividades, a introdução de símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord e de imagens visualmente apelativas, com o intuito de facilitar a compreensão de todos os alunos (verbais e não-verbais).

As dinâmicas propostas pela ALU-Escolas/ALUJ sofreram alterações ao nível dos objetivos, materiais ou recursos necessários, duração, preparação, contextualização e

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 144 204 n3 . 2025

dinamização, de forma a serem implementadas com o grupo selecionado, potenciando a sua participação e a promoção de competências pessoais e sociais.

A Tabela 4 sintetiza as características principais das 12 dinâmicas que foram selecionadas e adaptadas.

Tabela 4 - Características das dinâmicas selecionadas.

Dinâmica e competência a desenvolver Objetivos

D1 – Acolhimento e identificação dos participantes (Autoconhecimento)

Acolher e identificar os participantes; Promover a empatia e a criação de laços.

Tempo previsto (min.)

15

D2 – Teia Ubuntu (Autoconhecimento e Empatia)

Apresentar o conceito Ubuntu; Promover o autoconhecimento e a empatia, para melhor entender a relação com os outros e com o mundo.

30

D3 – Kintsugi (Autoconhecimento)

D4 – Colorir a liderança (Autoconhecimento)

Consciencializar os participantes de que todos temos qualidades e fragilidades;

Explicar que as fragilidades podem ser trabalhadas de modo a tornarmo-nos pessoas melhores.

Dar a conhecer o líder Nelson Mandela; Despertar os participantes para as diferentes competências de um líder Ubuntu; Refletir sobre as características de um líder Ubuntu.

30

Materiais/recursos necessários

Aparelho de som; música; imagens; partilhas de fixação; fita para o pescoço e identificação.

Novelo de lã; vídeo; símbolos pictográficos para a comunicação –programa AraWord; computador, rato e coluna de som.

Vídeo; computador, rato e coluna de som; símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord; puzzle; cartolina dourada e pastilhas de fixação.

50

Símbolos pictográficos para a comunicação –programa AraWord; desenhos de rostos; lápis de cor e biografia.

204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Dinâmica e competência a desenvolver

D5 – Joy, o cão empático (Autoconfiança e Empatia)

Objetivos

Explorar o conceito de empatia; Introduzir a noção e as consequências do julgamento; Reconhecer a humanidade comum e a interdependência do/com o outro.

D6 – Despertar as emoções (Autoconfiança e Empatia)

Pensar sobre as emoções; Despertar para a empatia; Reforçar a prática da ética do cuidado.

Tempo previsto (min.)

20

30

D7 – Explosão de emoções (Autoconfiança e Resiliência)

D8 – Relaxamento: roda de massagens (Autoconfiança e Resiliência)

Identificar e reconhecer emoções pessoais e nos colegas; Distinguir as diferentes emoções que sentimos em determinados momentos; Promover a autoconfiança e a resiliência.

40

Materiais/recursos necessários

Computador, rato e coluna de som; vídeo e símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord.

Folhas A4; lápis de carvão; símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord e música.

Imagens do vídeo; folhas A4; lápis de carvão/cor/ canetas; vídeo; música; computador, rato e coluna de som.

D9 – Imagino a sua história

(Autoconhecimento e Empatia)

Promover um momento de relaxamento. 10

Música e aparelho de som.

Promover o conhecimento líderes de referência da Academia de Líderes Ubuntu; Explorar e desconstruir as ideias feitas que temos em relação a minorias.

45

Fotografias; folhas/ cartolinas; símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord; material de escrita e desenho.

204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Dinâmica e competência a desenvolver

D10 – Sou um líder porque… (Autoconhecimento e Empatia)

Objetivos

Abordar e explorar o conceito de líder servidor; Apresentar Malala Yousafzai como um exemplo de jovem líder e resiliente; Proporcionar espaços de partilha de ideias.

Tempo previsto (min.)

25

D11 – Bingo dos gestos Ubuntu (Empatia e Serviço)

D12 – O que posso fazer? (Empatia e Serviço)

Introduzir o pilar do serviço; Incentivar o compromisso com gestos Ubuntu; Promover a observação e a partilha de opiniões.

Explorar o conceito de serviço; Pensar sobre o conceito de serviço e empatia; Incentivar ao desenvolvimento de ações de serviço concretas nas diferentes dimensões da sua vida: turma, escola e família.

30

Materiais/recursos necessários

Computador, rato e coluna de som; vídeo; símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord; material de escrita e música.

Ficha de atividade; material de escrita e símbolos pictográficos para a comunicação –programa AraWord.

20

Computador, rato e coluna de som; vídeo e símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord.

Fase II: Implementação do projeto de intervenção

Deu-se início à implementação do projeto, observando-se os alunos em atividades rotineiras da sala de aula (UAE/CAA) que visavam o cumprimento das ACS previstas nos seus PEI, procedendo-se ao preenchimento inicial da grelha de competências pessoais e sociais – observação 1. De seguida, aplicaram-se os testes sociométricos iniciais nas turmas em que os alunos frequentavam as aulas em ambos os contextos – turma (6_1: frequentada pela aluna LS, 6_2: referente ao aluno MM, 8_1: frequentada pelo aluno

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 147 204 n3 . 2025

MA e 9_1: referente ao aluno DL) e UAE/CAA, assim como os testes sociométricos adaptados para os seis alunos participantes no estudo (LS, MM, MA, DA, RS e DL). Posteriormente, analisaram-se os horários dos alunos tendo-se escolhido as disciplinas em que a DEE lecionava na UAE, bem como as datas em que os alunos não se ausentavam da escola, em que beneficiavam de terapias ou em que tinham marcadas visitas de estudo ou atividades no âmbito do Plano Anual de Atividades do Agrupamento (PAAA). Após esta etapa, definiram-se as datas e os horários, com o objetivo de se informar os encarregados de educação e se articular com as AO a dinamização das mesmas.

Umas semanas depois, iniciou-se a 1.ª série da implementação das dinâmicas, fazendo-se os registos (escritos, áudio e vídeo) considerados necessários, onde se incluíram as datas de realização, as presenças e os tempos de duração das dinâmicas, bem como observações relativas ao comportamento, comentários proferidos, escolhas realizadas ou recetividade, anotando-se ainda aspetos a melhorar ou a necessidade de reajustes a efetuar na 2.ª série. Os registos escritos efetuados no decorrer da implementação das atividades foram passados a limpo, uma vez que existiam muitas abreviaturas e os nomes dos alunos ainda não se encontravam codificados, pelo que se procedeu a esse trabalho de forma a facilitar o tratamento dos dados numa fase posterior.

No final da implementação das 12 atividades, preencheu-se, novamente, a grelha de competências pessoais e sociais (observação 2). De seguida, foram visualizados alguns dos vídeos gravados, de forma a aferir-se a recetividade e as interações sociais realizadas durante as dinâmicas. Procedeu-se, de seguida, a um registo escrito que serviu de orientação para que se adaptasse a duração e a estrutura de algumas dinâmicas. Para além do registo escrito, também se procedeu à organização dos registos fotográficos, tendo-se realizado uma compilação de alguns momentos, como se ilustra na figura seguinte.

n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Figura 2 - Resumo fotográfico das atividades realizadas na 1.ª série da I-A

D1 - Acolhimento e identificação dos participantes

D5 - Joy, o cão empático

D9- Imagino a sua história

D6 - Despertar as emoções

D10- Sou líder porque...

D7 - Explosão de emoções

D11 - Bingo dos Gestos Ubuntu

D8 - Relaxamento: roda de massagens

D12- O que posso fazer?

D2- Teia Ubuntu D3- Kintsugi D4- Colorir a liderança

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 149 204 n3 . 2025

Na implementação da 2.ª série das atividades, que correspondeu ao segundo ciclo da I-A, teve-se o cuidado de não se seguir uma “estrutura tão rígida”, podendo os participantes demorar mais tempo do que o inicialmente previsto, uma vez que se denotou que este era um fator que condicionava a participação dos mesmos.

No final da implementação da 2.ª série, completou-se o preenchimento da grelha de competências pessoais e sociais (observação 3), assinalando-se os comportamentos observados e procedeu-se à conclusão do preenchimento da grelha resumo das atividades dinamizadas na 2.ª série, onde constam as datas de realização e respetivos tempos de duração das dinâmicas, assim como as presenças ou ausências dos participantes e outras observações.

Na semana seguinte, após a conclusão do projeto de intervenção, solicitou-se o último preenchimento dos testes sociométricos adaptados aos alunos participantes no mesmo. A compilação das informações relativas às escolhas e rejeições realizadas pelos participantes antes e após a dinamização das atividades foi registada numa tabela própria, a qual foi posteriormente transformada numa matriz sociométrica.

Como já foi mencionado, ao longo da dinamização das atividades foram realizados registos videográficos complementares a outros registos escritos, que foram posteriormente analisados. Para tal, procedeu-se à visualização das gravações, que resultaram em transcrições das diferentes dinâmicas que foram posteriormente selecionadas e alvo de análise de conteúdo. As entrevistas às duas AO também foram transcritas e categorizadas através da análise de conteúdo.

Fase III: Avaliação – apresentação e discussão dos resultados Implementação das dinâmicas baseadas na metodologia Ubuntu

Como mencionado antes, foram implementadas 12 atividades, em dois momentos distintos (1.ª série e 2.ª série), que se traduziram em 24 momentos de observação direta. Os seus objetivos, materiais ou recursos necessários, duração, preparação, contextualização e dinamização foram adaptados às especificidades dos participantes.

150 204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

A 1.ª série foi implementada entre 3 e 10 de maio de 2023, num total de 357 minutos (cerca de 6 horas). Por sua vez, a 2.ª série foi implementada entre 15 e 31 de maio de 2023, num total de 380 minutos.

A análise das dinâmicas implementadas envolveu a recolha das opiniões de duas AO, através de entrevistas, as quais nos permitiram perceber as suas perceções sobre este assunto. Os resultados obtidos na análise de conteúdo efetuada, possibilitaram-nos conhecer as suas opiniões sobre diversas dimensões: a “Pertinência/Vantagens do projeto”; as “Características das atividades desenvolvidas”; o “Tempo de implementação”; as “Atividades mais impactantes”; as “Atividades menos impactantes”; a “Justificação das atividades menos impactantes”; os “Constrangimentos/Barreiras do projeto” e a “Justificação das atividades destacadas como mais impactantes”.

Relativamente à pertinência das dinâmicas implementadas, as AO sublinharam o desenvolvimento de aprendizagens de competências práticas: “(…) acho que é uma mais-valia para o dia-a-dia deles” (AO2); a aquisição de novos conhecimentos: “(…) sabemos que há sempre algumas coisas que ficam para eles retido.” (AO2); favorecer oportunidades de comunicação e a interação entre os alunos: “(…) promovem capacidades comunicativas (…)” (AO1) e “(…) interagiram mais uns com os outros, (…)” (AO1).

No que concerne às características das atividades desenvolvidas, mencionaram que as mesmas foram adequadas às especificidades dos participantes: “(…) as atividades estavam adaptadas aos alunos que nós tínhamos, ao tipo de criança (…)” (AO2); contribuíram para os alunos ultrapassarem as dificuldades: “(…) foi importante para que esses alunos ultrapassassem algumas das suas dificuldades.” (AO1).

Relativamente ao tempo de implementação, obtiveram-se opiniões contrárias, prevalecendo que o mesmo foi ajustado: “O tempo de implementação era adequado, (…)” (AO1); contrastando com o facto de, por vezes, ser pouco ajustado: “(…) apesar de, às vezes, ter uns dias que era um bocadinho mais longos, (…)”, tendo sido importante a realização de pausas para que pudessem descansar (AO1).

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 151 204 n3 . 2025

As atividades consideradas mais impactantes foram: aquelas em que existiram vídeos associados: “(…) como aqueles filmes curtos, que tinham mensagens importantes.” (AO2); a D12 – “Pip, o cão guia”: “Gostei mais da atividade do Pip (…)” (AO1).

Pelo contrário, as menos impactantes foram as que pressupunham maiores competências, ao nível da atenção, da concentração e da compreensão leitora, uma vez que alguns dos alunos ainda não adquiriram os mecanismos da leitura e da escrita, como se retrata de seguida: a atividade líderes: “A menos apelativa foi a do líder, dos líderes, (…)” (AO1); as atividades que envolviam a leitura: “Aquelas que eram mais de ler ou de ver assim as coisas se calhar não eram tão apelativas.” (AO2). Estas atividades, consideradas mais exigentes condicionaram a participação equitativa de todos os alunos, como mencionado por ambas as AO: “(…) limitando a participação dos alunos que não sabem ler.” (AO1) e “(…) as mais extensas exigiam maior concentração.” (AO2).

No que concerne aos constrangimentos e/ou barreiras do projeto, foi referido: o número elevado de elementos do grupo: “Pronto, eles, eles eram bastantes isso às vezes é mais difícil de gerir.” (AO2); a interrupção das dinâmicas decorrentes da rotina diária da UAE/CAA: “(…) uma grande entrada e saída dos alunos e os professores, que nem sempre facilitou.” (AO1).

As AO justificaram porque consideraram determinadas atividades como mais impactantes do que outras, referindo: as que levaram a um maior questionamento dos alunos: “(…) os alunos fizeram muitas perguntas (…)” (AO1); um maior envolvimento e/ou atenção dos mesmos: “(…) estiveram atentos ao filme.” (AO1).

Estratégias usadas pela DEE na implementação das dinâmicas

Para se relatar as estratégias usadas pela DEE na implementação das dinâmicas procedeu-se à análise de conteúdo dos registos de observação relativos às dinâmicas realizadas, assim como das entrevistas às AO.

Descreveremos, assim, os resultados referentes à análise de conteúdo às 13 gravações de diferentes dinâmicas que perspetivaram o desenvolvimento dos cinco pilares do Ubuntu

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 152 204 n3 . 2025

e, consequentemente, a promoção de competências pessoais e sociais em contexto escolar. Começamos por apresentar os resultados referentes às “Estratégias implementadas pela DEE, nas dinâmicas”, que compreendeu um total de 892 UR, que correspondem a 63,04% da totalidade das UR obtidas (1415).

Foram identificadas três tipos de estratégias: as “Estratégias de instrução” (821 UR que correspondem a 92,04%), as “Estratégias de feedback” (45 UR que representam 5,04%) e as “Estratégias motivacionais” (26 UR que acomodam 2,91%).

A maioria das estratégias implementadas diz respeito às estratégias de instrução que englobou quatro estratégias como: “Questiona os alunos”, “Dá indicações, orientações ou informações”, “Fornece pista para a resposta” e “Explicita o objetivo da ação”. Deste conjunto de estratégias, destacou-se a necessidade de a DEE proceder a um questionamento contínuo (54,15%), no sentido de obter respostas por parte dos alunos e não se “quebrar” a dinâmica definida. Tal poderia inviabilizar o cumprimento dos objetivos do estudo, assim com a inevitabilidade de proceder a indicações, orientações ou informações para que os mesmos realizassem o previsto ou interagissem, de forma regular com a DEE ou com os colegas (34,19%). Também foi necessário a DEE fornecer pistas para orientar os participantes na resposta (3,14%) e explicar o objetivo das atividades (0,56%), de modo a que as mesmas pudessem ser concretizadas.

Relativamente às estratégias de feedback, as mesmas incluíram estratégias diversas, nomeadamente “Sintetiza/confirma a ideia” e “Responde ao aluno”. Este conjunto de estratégias permitiu dar respostas a determinadas ações, comentários ou posturas, orientando os alunos no decorrer da sua participação ou confirmando as suas respostas. Este feedback foi diferenciado, personalizado, contínuo e informativo, perspetivando a participação de todos os alunos, uma vez que estes apresentam faltam de confiança e persistência nas tarefas propostas.

Foram ainda implementadas estratégias motivacionais, que pretenderam estimular e manter a atenção e a motivação dos alunos participantes. Neste tipo de estratégias incluiu-se o “Elogia o aluno”, destacando-se a repetição das UR: “Boa.” e “Muito bem.”,

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 153 204 n3 . 2025

o “Cumprimenta o/s aluno/s”, como por exemplo: “Bom dia” e “Conforta o aluno“, como se ilustra nos seguintes registos de observação: “A DEE foi para junto do aluno DL, abraçando-o.” e “A DEE vai para junto do aluno DL, abraçando-o, com o objetivo de o manter focado no vídeo até ao seu final”.

Estas estratégias foram implementadas inicialmente ao nível do planeamento, adaptação e organização de todas as atividades e materiais, perspetivando o fomento da participação dos alunos e o desenvolvimento das suas competências pessoais e sociais, tendo em consideração as suas especificidades.

As estratégias, atrás mencionadas, foram colocadas em prática de acordo com os objetivos do estudo e com os comportamentos observados no decorrer das dinamizações, havendo variáveis que não foram possíveis controlar, como por exemplo, a inexistência da toma da medicação prescrita, a alteração das rotinas diárias e as constantes desatenções, resultantes das características individuais dos discentes participantes e de situações que iam surgindo e para as quais foi necessário a entrada de outros elementos na sala da UAE/CAA (docentes, técnicos, estagiários, alunos e assistentes operacionais).

Todas as estratégias equacionadas no planeamento e no decorrer da dinamização das atividades, pretenderam promover a cognição, a autonomia pessoal, a criatividade, a comunicação, a interação e a participação, perspetivando o desenvolvimento de competências pessoais, sociais e socioemocionais, onde se incluem os cinco pilares Ubuntu, através de uma orientação e supervisão constantes que vão ao encontro da “ética do cuidado”, um dos eixos transversais da metodologia Ubuntu, em que se valoriza o saber cuidar de si, dos outros, da comunidade e do planeta.

Quanto às opiniões das AO sobre a importância da DEE na implementação das dinâmicas desenvolvidas, no geral estas consideraram que a dinamização das atividades pelo DEE permitiu aos alunos adquirirem competências muitas vezes fragilizadas, nomeadamente a capacidade de comunicação, a interação e a socialização com pares e/ou adultos.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 154 204 n3 . 2025

Os dados decorrentes dessas entrevistas possibilitaram a identificação de algumas das estratégias utilizadas, as quais foram agrupadas nas subcategorias: “Promoção de atividades de grupo”, “Realização de pausas”, “Retoma da atividade” e “Adaptação das atividades aos temas”. Estas estratégias permitiram aos participantes trabalhar em grupo, o que nem sempre acontecia nas atividades diárias desenvolvidas na sala de aula e no espaço da UAE/CAA. Também lhes possibilitou fazerem pausas para que pudessem descansar das atividades mais exigentes e que presumiam a mobilização de competências cognitivas que envolvem a autorregulação, a atenção, a memória de trabalho, a flexibilidade cognitiva, o planeamento e a tomada de decisões, essenciais para a participação nas diferentes dinâmicas propostas por todos os alunos envolvidos no projeto. O facto de as atividades estarem adaptadas às suas especificidades e aos temas e/ou pilares que se pretendeu desenvolver, facilitou a continuidade das mesmas após as pausas.

Durante a realização da entrevista as AO também manifestaram a sua opinião sobre as estratégias usadas pela DEE, descrevendo o tipo de estratégias implementadas e apresentando algumas sugestões de alteração que foram agrupadas nas seguintes subcategorias: “Envolvimento de alunos de outras turmas”, “Constituição de dois grupos”, “Realização de atividades práticas”, “Divisão da atividade Líderes”, “Alteração do local de realização das atividades”, “Realização de jogos tradicionais”, “Mais tempo de implementação”, “Atividades que envolvam ação” e “Planeamento diferente”.

As AO destacaram algumas estratégias utilizadas pela DEE que facilitaram a implementação do projeto, nomeadamente: a promoção de atividades em grupo: “Eles conseguiram trabalhar em grupo, (…)” (AO1); a realização de pausas: “(…) uma pausa para eles descansarem.” (AO2); a posterior continuação das atividades: “Depois retomávamos (…)” e “(…) via-se que na mesma se conseguia realizar as mesmas atividades” (AO2); a adaptação das atividades aos temas abordados: “(…) adaptou cada trabalho ao tema (…)” (AO2).

Relativamente às sugestões de alteração salientaram a importância de: envolver alunos de outras turmas e não apenas os alunos que frequentam a UAE/CAA: “(…) alunos de outras turmas, (…)” (AO1); dividir o grupo participante: “(…) grupos mais curtinhos, ali não era uma coisa que desse para fazer, mas, se pudéssemos implementar seriam em grupos

204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

mais pequenos” (AO2); promover a realização de atividades mais práticas: “Têm de ser coisas muito práticas e que eles consigam depois pegar nisso e por para eles no dia-a-dia.” (AO2); dividir a atividade “Líderes” uma vez que era mais extensa e exigia maior concentração dos participantes: “(…) dividi-las para ser menos longas (…)” (AO1); alterar o local de realização das atividades uma vez que devido às suas rotinas diárias, existiam sempre entradas e saídas de alunos e professores o que dificultou, por vezes, a dinâmica das mesmas: “(…) serem realizadas num lugar onde tivesse menos entradas e saídas.” (AO1); equacionar-se a realização de jogos tradicionais, afirmando: “(…) desenvolvidos jogos tradicionais (…)” (AO1) com os alunos de outras turmas, “ (…) uma vez que fizemos uma atividade semelhante ao longo do ano letivo (…) e os alunos gostaram muito.” (AO1); ter-se mais tempo para a implementação das dinâmicas, privilegiando-se atividades em que os participantes: “(…) possam mexer, fazer, visualizar (…)” (AO2); perspetivar-se um planeamento diferente: “(…) outro tipo de planeamento, (…)” (AO2).

Resultados da participação dos alunos nas dinâmicas

Relativamente à participação dos alunos nas dinâmicas implementadas do ponto de vista da DEE, apresentam-se os resultados decorrentes da análise de conteúdo dos registos de vídeo das sessões dinamizadas (dados de observação). Importa referir que as categorias e respetivas subcategorias referentes à “Participação dos alunos nas dinâmicas, na perspetiva da DEE” obteve 452 UR, traduzindo-se no segundo bloco com maior expressão, registando 31,94% das frequências totais obtidas (1415 UR).

Pode-se constatar que a participação dos alunos foi maioritariamente ativa, 432 UR, representando 95,58% das UR totais do bloco, contrastando com as 20 UR obtidas referentes à participação passiva ou não participação, que abarcaram apenas 4,42% das frequências totais do bloco. Quanto à categoria “Participação ativa”, esta integra 10 subcategorias, destacando-se a categoria “Responde à questão colocada”, a qual obteve 225 UR no decorrer das duas séries. Observámos respostas diversas, de acordo com as questões colocadas, sendo as mais frequentes “Sim” e “Não”. As interações com o adulto foram igualmente distintas, sendo que muitas delas pretenderam terminar uma ideia iniciada pela DEE ou dar-lhe algum feedback sobre a conclusão da tarefa ou reforçar

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 156 204 n3 . 2025

alguma informação previamente dada (62 UR) – “Boa.”, “O DL está com tosse.” ou “Era só a música… já vamos almoçar”. Também se registaram várias repetições de palavras ou ideias que se traduziram em 47 UR. As interações com o par assumiram diversas finalidades, entre as quais: dar afeto, advertir os colegas, informá-los ou alertá-los para alguma interação menos conseguida (39 UR), como por exemplo: “Põe, põe aqui.”, “Não é para fazer isso!” ou “Meter ao pescoço”. A subcategoria “Faz comentários fora do contexto” teve fraca representatividade (apenas oito UR), destacando-se dois exemplos deste tipo de participação: “O cãozinho.” e “O pai já não vem.”, proferidas no decorrer de dinâmicas que não previam tais comentários e/ou respostas. Também se observaram alguns comportamentos de “Inicia a ação, mas não a completa”, obtendo-se apenas 5 UR no decorrer da D1 da 2.ª série, quando era suposto os alunos colocarem a sua identificação ao pescoço, o que não aconteceu.

Quanto à categoria “Participação passiva ou não participação”, verificou-se que tal implicou “Não demonstra interesse”, “Demonstra algum desconforto” ou “Não realiza a ação”, uma vez que os alunos demonstraram alguma desatenção, assustaram-se com ruídos ou movimentos bruscos dos colegas ou não realizaram, de forma imediata, o que lhes foi solicitado.

No que concerne à participação dos alunos nas dinâmicas implementadas, do ponto de vista das AO, destaca-se o facto destas terem apreciado e categorizado a “Recetividade dos alunos às dinâmicas” e os “Comportamento dos alunos”. A recetividade dos alunos às dinâmicas foi organizada em quatro subcategorias: “Apreciação positiva”, “Boa participação”, “Envolvimento favorável” e “Acolhimento positivo”, destacando-se, como exemplo, as seguintes UR: “(…) gostaram muito de todas atividades.” (AO1); “(…) os alunos participaram muito bem (…)” (AO1); “(…) eles conseguiram por aí fazer um bom trabalho.” (AO2) e “(…) ficavam sempre recetivos a aprender e a ver o que é que íamos fazer nessa atividade.” (AO2), respetivamente. Esta categoria demonstra a recetividade positiva dos alunos às diferentes dinâmicas implementadas, na perspetiva das AO, que são figuras de referência para os mesmos e os conhecem tão bem como a DEE, uma vez que trabalham diariamente com eles. Relativamente à categoria: “Comportamento dos alunos”, foram definidas duas subcategorias: “Falta de concentração” e “Compreensão da

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 157 204 n3 . 2025

informação”. As AO mencionaram que: “(…) nem todos estavam concentrados (…) devido às suas características.” (AO1), uma vez que “(…) eles perdiam-se um bocado, tinha de se estar sempre a focar a atenção deles e pronto.” (AO2). No entanto, conseguiram compreender a informação transmitida, tal como é referido pela AO2 “(…) as crianças conseguiram, através daí também perceber, ficar e retirar alguma informação do que tentarmos passar.”.

Relativamente ao grau de aceitação e rejeição dos participantes, procedeu-se à aplicação de testes sociométricos uma vez a todos os elementos da turma onde os participantes LS, MM, MA e DL se encontravam matriculados (turmas: 6_1, 6_2, 8_1 e 9_1), com o objetivo de se verificar o seu grau de aceitação e rejeição, assim como as relações existentes entre os vários elementos que integravam a turma. Solicitou-se aos alunos dessas turmas que respondessem a três questões de aceitação: (1A) “Se estivesses de realizar um trabalho de grupo na aula quais eram os colegas que escolhias para trabalharem contigo?”; (2A) “A tua turma vai fazer uma visita de estudo e vão de autocarro. Quais os colegas que gostarias que se sentassem ao teu lado?”; ou (3A) “Imagina que vais ao cinema e tens três bilhetes a mais. Quem são os colegas da turma que convidarias?” e a três questões de rejeição (1B) “Se estivesses de realizar um trabalho de grupo na aula quais eram os colegas que não escolhias para trabalharem contigo?”; (2B) “A tua turma vai fazer uma visita de estudo e vão de autocarro. Quais os colegas que não gostarias que se sentassem ao teu lado?”; (3B) “Imagina que vais ao cinema e tens três bilhetes a mais. Quem são os colegas da turma que não convidarias?”.

Os seis participantes com PDI e PEA não realizaram o teste sociométrico aplicado em contexto de turma. Estes fizeram as suas escolhas duas vezes (avaliação inicial e final), considerando o grupo com o qual realizavam a maior parte das suas aprendizagens e com o qual partilhavam a maioria das suas rotinas diárias (alunos participantes no estudo e que frequentavam a UAE/CAA).

No primeiro momento, realizado umas semanas antes do início da implementação do projeto, pretendeu-se verificar as relações existentes entre o grupo-turma no início do desenvolvimento das dinâmicas e no segundo momento, no final da 2.ª série das

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 158 204 n3 . 2025

atividades, a evolução das relações e a existência de opiniões divergentes das iniciais. Salienta-se o facto dos testes sociométricos terem sido elaborados de acordo com as características dos alunos, havendo duas versões, a versão 1, entregue aos alunos neurotípicos das turmas e a versão 2, adaptada aos alunos com PEA e PDI, onde constavam as fotografias e o nome dos colegas para facilitar a compreensão das questões, assim como símbolos pictográficos para a comunicação – programa AraWord alusivos à escolha (aceitação) ou rejeição e às situações em análise, uma vez que alguns dos alunos não estavam a perceber o que era pretendido, assinalando mais opções do que as solicitadas.

Após a implementação dos testes, verificou-se que os alunos MA e DL, que frequentavam poucas disciplinas em contexto de turma, não foram escolhidos nem rejeitados, pelos seus colegas. Estes dados podem estar relacionados com o facto destes, possivelmente, não os reconhecerem como “elementos efetivos da turma. Pelo contrário, os alunos LS e MM que frequentavam cerca de metade dos tempos letivos previstos para as diferentes disciplinas, foram selecionados pelos seus pares nas questões negativas, possivelmente devido às suas especificidades não serem reconhecidas favoravelmente para a realização das atividades propostas: realizar um trabalho de grupo colaborativo, sentar-se ao lado dos colegas na ida para uma visita de estudo e ser convidado para ir ao cinema. O facto de não estabelecerem fortes interações e de realizarem atividades diferenciadas dos restantes colegas da turma poderá condicionar a sua participação e a forma como os colegas os veem, uma vez que era possível observar-se este distanciamento, sendo muitas vezes, colocados de parte.

Com o intuito de se resumir os resultados obtidos nos testes sociométricos realizados pelos seis alunos participantes no estudo e que frequentam a UAE/CAA, procedeu-se à compilação das 18 respostas obtidas para cada pergunta, uma vez que os seis alunos escolheram os colegas de acordo com as suas três preferências.

Na Figura 3 podem observar-se dois gráficos de colunas, elaborados através da inserção dos dados recolhidos nos testes sociométricos, na ferramenta GroupDynamics, para se aferir as dinâmicas sociais, nomeadamente, as interações entre os elementos do grupo através das escolhas e rejeições obtidas pelos mesmos, antes e após a dinamização das atividades.

n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Figura 3

Resumo – início e fim: escolhas e rejeições obtidas pelos participantes (gráfico de colunas).

Acceptence - Aceitação/Escolhas | Subjects - Identificação dos participantes | Rejection - Rejeição

Escolhas positivas Escolhas negativas Raparigas Rapazes

Alunos que frequentam a EUA/CAA, mas que não participaram no estudo

Antes da implementação das dinâmicas os alunos participantes LS, MM e DA foram escolhidos oito vezes, pelos seus colegas. Por sua vez, os alunos que foram rejeitados um maior número de vezes foram os alunos RS e DL, com 10 e nove escolhas, respetivamente.

Após a dinamização das atividades, registaram-se valores diferentes, tendo o aluno MA sido eleito 12 vezes. Pelo contrário, os alunos DA e RS apresentaram 11 votos negativos. Assim sendo, o aluno RS foi o aluno que obteve um maior número de rejeições, não havendo nenhum discente a manter as escolhas e rejeições em ambos os testes (início e fim).

Para se compreender que posição que ocupam no seio do grupo, apresenta-se uma representação gráfica, na Figura 4, que também foi obtida através do recurso ao programa GroupDynamics e a qual representa as posições sociais e o impacto social de cada membro do grupo.

n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Figura 4

Resumo – início e fim: preferências sociais e impacto social.

INÍCIO FIM

A. Popular; B. Reheitado; C. Negligenciado; D. Controverso; E. Média

Raparigas Rapazes Alunos que frequentam a UAE/CAA, mas que não participaram no estudo

Observando a representação gráfica acima depreende-se que no início das atividades o aluno participante que obteve mais escolhas positivas foi o aluno MM, sendo por isso o mais popular, pelo contrário, os alunos RS e DL foram os mais rejeitados pelos colegas. Por sua vez, os valores de aceitação e rejeição, obtidos pelos alunos LS, DA e MA encontram-se dentro da média, tendo sido selecionados várias vezes em ambas as situações.

Os resultados obtidos podem ter em consideração o facto do aluno MM interagir com os colegas apenas quando solicitado, mantendo-se no seu lugar, sem perturbar os restantes. Por sua vez, os alunos RS e DL estavam permanentemente a comunicar ou demonstravam intencionalidade comunicativa, interagindo frequentemente com os colegas e adultos, quebrando muitas vezes as dinâmicas, uma vez que necessitavam de feedback e atenção constantes do adulto para realizarem as tarefas solicitadas. Este facto, pode ter contribuído para a situação de rejeição alcançada, uma vez que estavam sempre em “movimento”, caso não lhes fossem dadas indicações concretas que fossem ao encontro das suas

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 161 204 n3 . 2025

pretensões. A aluna LS demonstrou ser extremamente preocupada com os colegas, tentando interagir com os mesmos, mesmo quando o assunto não lhe dizia respeito, sendo por vezes inconveniente. Este facto pode dever-se ao facto de ser extremamente sensível e carente, tentando obter a atenção de pares e adultos, assim como a aprovação destes, nas diferentes tarefas que executa. Relativamente aos participantes MA e DA, são alunos que tendem a interagir com os demais, no entanto, só mantiveram alguma proximidade quando e com quem queriam, pelo que os resultados obtidos inicialmente resultaram da proximidade (ou não) que estabeleceram ao longo do tempo com os restantes colegas.

No final da implementação do projeto de intervenção, o aluno MM manteve a sua popularidade, tendo participado em 23 das 24 dinâmicas, ao qual se juntou o aluno MA que participou em 20 das 24 atividades propostas. No caso da aluna LS, manteve a sua posição média, recebendo respostas positivas e negativas, que foram menores, comparativamente com as registadas antes da implementação das atividades, possivelmente porque as faltas registadas no decorrer da 1.ª série em dinâmicas que despertavam as emoções, impossibilitaram os colegas de estabelecer interações mais positivas, colocando-a numa posição intermédia. A aluna DA passou para a posição de rejeitada, possivelmente porque nem sempre quis colaborar com os demais, recusando algumas das interações que iam surgindo. O aluno RS manteve a sua posição de rejeitado, possivelmente devido ao facto de ter faltado a maioria das vezes, o que não contribuiu para uma aproximação e para a promoção de interações positivas que alterassem as opiniões negativas iniciais dos colegas. O aluno DL passou de uma posição de rejeitado para uma posição média, possivelmente porque participou e interagiu de forma constante com os colegas, ajudando-os na realização de algumas atividades. Este motivo poderá ter ajudado na mudança de opiniões, registando mais escolhas positivas, comparativamente com as assinaladas inicialmente.

Para analisar as dimensões relativas às competências pessoais e sociais, nas quais os alunos obtiveram progressos, foram preenchidas, antes, durante e depois da implementação das dinâmicas, as grelhas de observação de competências sociais e pessoais. Estas grelhas foram preenchidas pela DEE e quando surgiram dúvidas, a mesma solicitou a colaboração das AO, uma vez que existiam itens muito similares, que poderiam obter uma interpretação menos assertiva.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 162 204 n3 . 2025

Relembramos que nos procedimentos de análise, consideram-se como dimensões pouco desenvolvidas, aquelas que apresentaram um nível de aquisição inferior ou igual a cinco, uma vez que o nível máximo de aquisição correspondia ao valor de 10. Assim sendo, procedeu-se ao preenchimento de uma tabela resumo com os resultados decorrentes da observação direta, os quais permitiram o preenchimento da referida grelha, considerando os seis alunos com PEA e PDI envolvidos no estudo. A mesma foi convertida na Figura 5, na qual é possível comparar-se as evoluções registadas ao longo da implementação do projeto.

Figura 5

Média das competências pessoais e sociais obtidas através de observação direta

Na Figura 5 pode constatar-se que todos os alunos registaram progressos ao nível das competências pessoais e sociais, o que se revela como uma conquista. Porém, na maioria os progressos foram pouco relevantes. A aluna que registou evoluções mais consideráveis foi a aluna LS, nomeadamente ao nível das competências sociais. O aluno MA embora tenha registado fracos níveis de aquisição, conseguiu melhorar as suas competências, alcançando progressos e evoluções importantes que podem ser aplicados às situações do seu quotidiano.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 163 204 n3 . 2025

Face ao exposto e analisando os resultados obtidos pelos seis participantes no estudo conclui-se que, no geral, e de acordo com o instrumento apresentado, os alunos com PEA e PDI, à exceção dos dois alunos já mencionados anteriormente, LS e MA, não demonstraram evoluções relevantes ao nível das competências sociais e pessoais, após a implementação das diferentes dinâmicas.

Discussão dos resultados obtidos

Tendo em consideração os resultados apresentados verifica-se que ao longo das 24 sessões, que corresponderam a 737 minutos de tempo útil, divididos em duas séries, as dinâmicas baseadas na metodologia Ubuntu, de acordo com as opiniões das AO foram muito pertinentes, estando adequadas e contribuindo para que os alunos ultrapassassem algumas das suas dificuldades, nomeadamente através de atividades mais visuais que incluíram pequenos vídeos e que conduziram a um maior questionamento, envolvimento e/ou atenção dos participantes. Pelo contrário, as dinâmicas que exigiam a mobilização de competências, como o foco, a concentração e a compreensão leitora, foram menos impactantes.

Consideraram ainda que os maiores constrangimentos do projeto relacionaram-se com o número elevado de elementos do grupo e as constantes interrupções das dinâmicas, decorrentes das rotinas diárias da UAE/CAA. No entanto, considera-se que caso se dividisse o grupo ou se realizassem as dinâmicas noutro local, estar-se-ia a enviesar os resultados, uma vez que as dinâmicas foram planeadas para serem realizadas pelos seis alunos participantes, na sala de aula, onde habitualmente realizam as suas aprendizagens. Ao alterar-se o local, poderiam obter-se resultados ainda menos promissores, uma vez que não estariam no seu contexto natural, havendo a necessidade de se habituarem ao mesmo e às novas rotinas que tivessem de ser estabelecidas para se proporcionar um ambiente securizante e de pertença ao referido grupo.

Relativamente às estratégias implementadas pela DEE, foi necessário recorrer-se a um maior número de estratégias de instrução, de forma a perceber-se se os alunos estavam a compreender o objetivo das atividades, orientando-os na realização das mesmas, de forma

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 164 204 n3 . 2025

a promover-se a sua participação. Também foram utilizadas estratégias de feedback com o objetivo de melhorar a sua participação, reforçar e/ou aumentar a sua autoconsciência e envolvimento, assim como a comunicação e/ou a intenção comunicativa. As estratégias motivacionais, pretenderam estimular e/ou manter a motivação dos alunos, confortando-os caso surgisse alguma situação menos positiva que condicionasse o seu envolvimento nas atividades. Para além destas estratégias foram implementadas outras, que segundo as AO, promoveram as atividades de grupo, tendo sido essencial a realização de pausas e posterior retoma, para que a adaptação das dinâmicas aos temas surtisse o efeito desejado, fomentando as competências em estudo.

Estas estratégias pretenderam ser diferenciadas, de acordo com as especificidades dos participantes, indo ao encontro do preconizado por Perrenoud (1995) que mencionou a importância da adequação por parte do docente para se aproximar das estratégias de aprendizagem de cada aluno, onde imperassem as metodologias de inclusão, em que os agentes educativos: considerassem a totalidade dos alunos, apreciassem e respeitassem os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, acolhendo e gerindo a diversidade de interesses, motivações, expetativas, capacidades e ritmos de desenvolvimento de todos os alunos (Garcia, 1996; Salend, 2001, citados por Correia, 2010). Estas estratégias pretenderam:

• construir relações securizantes e de suporte, uma vez que as relações interpessoais desenvolvidas entre um professor e um aluno, têm inevitavelmente repercussões ao nível da qualidade da aprendizagem;

• fornecer feedback claro e detalhado, perspetivando-se o fomento das suas competências e aptidões, reagindo-se de forma atempada e clara às várias situações que aconteciam, com o intuito de se orientar o aluno nas suas aprendizagens, focando-se os aspetos que o mesmo deveria desenvolver, melhorar ou corrigir, ou naqueles que já realizava de forma autónoma, potenciando-se a sua autoconfiança, persistência e envolvimento nas diferentes atividades;

• proporcionar a participação em tarefas que permitissem aos alunos serem bem sucedidos, ajustando-se o nível de exigência à tarefa e às especificidades dos alunos, o que foi materializado ao longo das diferentes dinâmicas, nomeadamente entre a dinamização das diferentes séries, perspetivando-se que os participantes fossem bem sucedidos, aumentando os níveis motivacionais, assim como a complexidade

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 165 204 n3 . 2025 das dinâmicas, dos processos mentais envolvidos e das competências a alcançar (autoconhecimento → autoconfiança → resiliência → empatia → serviço);

• proporcionar oportunidades de autorregulação, permitindo aos alunos gerirem o seu próprio processo de aprendizagem, com a orientação de um adulto, através da criação de situações em que os mesmos pudessem decidir o que fazer e como fazer;

• reconhecer as emoções negativas vivenciadas em contexto escolar, de forma a saberem lidar com a frustração, com a raiva ou com a tristeza, uma vez que verbalizavam muitas vezes “não sei” ou “não consigo”, havendo a necessidade de experenciarem o sucesso e de ouvirem palavras positivas de encorajamento, para que pudessem tentar de novo, experienciando ou ajustando outras estratégias;

• valorizar o esforço em detrimento do resultado, valorizar a qualidade e não a quantidade, fomentando os índices motivacionais, o nível de esforço e empenho através de interações positivas constantes entre todos os envolvidos na dinamização do projeto;

• fornecer tarefas, materiais e atividades que relacionassem as aprendizagens essenciais previstas no PASEO com a vida diária dos alunos, permitindo a identificação pessoal destes com a escola;

• intencionalizar o discurso, focando-se na importância e utilidade dos temas e atividades para o quotidiano, através da explicitação de exemplos concretos e reais, promovendo-se um envolvimento sistemático que conduzisse ao desenvolvimento de competências transversais;

• estimular a autonomia, a proatividade, a curiosidade e a colaboração, através da criação de um ambiente de aprendizagem estimulante e motivador, apresentando-se dinâmicas adaptadas às suas especificidades, potenciando-se o envolvimento, através da criação de oportunidades que lhes permitissem opinar, decidir, resolver problemas ou corresponsabilizarem-se pelo ambiente de aprendizagem, através da implementação de estratégias pedagógicas que estimulassem a curiosidade e a vontade de aprender, recorrendo-se a recursos audiovisuais, dinâmicas de grupo e a atividades de questionamento, baseadas na aprendizagem colaborativa, envolvendo e desafiando os alunos nas tarefas propostas (Veríssimo, 2013), fomentando as competências pessoais e sociais essenciais para uma inclusão mais efetiva na sociedade atual.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 166 204 n3 . 2025

Para além das estratégias implementadas, as AO também sugeriram alterações, de forma a se otimizarem os resultados obtidos, nomeadamente o desenvolvimento de diferentes competências pessoais e sociais. Estas sugestões poderão ser tidas em consideração caso se volte a implementar um projeto que pretenda promover as competências pessoais e sociais em alunos com PEA ou PDI, nomeadamente no tipo de atividades a desenvolver e no tempo associado à dinamização do mesmo.

No que concerne à participação dos alunos nas diferentes dinâmicas, estes apresentaram, sobretudo, uma participação muito ativa (95,58%) contrastando com os 4,42% obtidos na categoria participação passiva ou não participação, revelando uma participação crescente, comparando os resultados obtidos na 1.ª e na 2.ª série. As AO mencionaram também uma boa recetividade dos alunos às dinâmicas (71,43%), no entanto, os alunos apresentaram falta de concentração, que não condicionou a compreensão da informação transmitida, uma vez que a perceberam, conseguindo responder adequadamente à maioria das questões colocadas.

Os resultados alcançados nos testes sociométricos demonstraram que algumas das preferências sociais, assim como os impactos sociais se alteraram ao longo da dinamização do projeto, havendo alunos populares, médios ou rejeitados, de acordo com a postura e interação que demonstraram no decorrer do mesmo, como já foi mencionado anteriormente. A aluna LS manteve a sua posição média; o aluno MM manteve-se popular do início ao fim; o aluno MA tornou-se popular (no início encontrava-se dentro da média); a aluna DA regrediu, passando de uma posição média para rejeitada; o aluno RS obteve o maior número de rejeições, mantendo a sua posição de rejeitado no início ao fim e o aluno DL passou de uma situação de rejeitado para uma situação média. As características pessoais dos alunos, assim como a falta de assiduidade e/ou não interação com os colegas conduziram a estes resultados, sendo evidente que as posturas positivas e o trabalho colaborativo foram valorizadas pelos elementos do grupo.

As competências pessoais e sociais adquiridas, por aluno, ao longo da dinamização do projeto de intervenção foram sistematizadas na Tabela 5.

204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Tabela 5- Competências pessoais e sociais – categorias adquiridas no final da dinamização do projeto.

Dimensão Categorias

Contacto visual interativo

Contacto visual & comunicação não-verbal

Competências sociais

Comunicação verbal

Partilha de expressões

Comunicação não-verbal

Vocabulário/conteúdo

Capacidades de conversação

Função da comunicação verbal

Relação com pares

Interação social com pares

Tipo de atividade

Duração da interação

Alunos

Competências pessoais

Flexibilidade

Autonomia pessoal & cidadania

Flexibilidade e adaptação à mudança

Resolução de dificuldades

Controlo das emoções

Adequação do comportamento ao contexto

Respeito pelos outros x

Total de categorias adquiridas (em 14 possíveis)

Nota. Competência adquirida.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 168 204 n3 . 2025

Na tabela anterior pode constatar-se que a aluna que apresentou uma maior evolução foi a aluna LS, que apresentava PDI. Os restantes alunos obtiveram resultados que ficaram aquém das expetativas, no entanto, salienta-se o facto de terem existido pequenos progressos em todos os alunos, nomeadamente nas categorias partilha de expressões, comunicação não verbal, relação com pares, flexibilidade e adaptação à mudança e respeito pelos outros. As categorias contacto visual interativo, vocabulário/conteúdo e adequação do comportamento ao contexto, foram as que registaram menores evoluções.

Os resultados obtidos vão ao encontro do preconizado por Antunes et al. (2019) e pela APA (2022), uma vez que os participantes evidenciaram défices nas capacidades cognitivas, na comunicação e interação social em vários contextos, reciprocidade social, comunicação não verbal e no desenvolvimento, manutenção e compreensão de relacionamentos. Estas dificuldades, decorrentes do diagnóstico de PDI ou PEA, comprometeram o funcionamento pessoal, social e socioemocional no quotidiano dos indivíduos, ao nível do pensar, do agir, da linguagem e da capacidade de se relacionarem com os outros (Antunes et al., 2019).

Verificou-se que os défices persistentes ao nível da comunicação e da interação social ocorreram de uma forma recorrente, tendo sido mais evidentes nas dinâmicas mais complexas (Antunes et al., 2019), em que foi necessário mobilizar as funções cognitivas associadas à memória, à comunicação, ao raciocínio e à lógica, ou naquelas que pressupunham maior duração das interações sociais (com pares e adultos), capacidade de iniciativa ou desenvolvimento de práticas colaborativas.

Face aos resultados obtidos, considera-se que a DEE recorreu a estratégias diversificadas e intencionais (UNESCO, 1994), que favoreceram, em parte, a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades e atitudes, que permitiram aos participantes adquirir ou reforçar competências de autoconhecimento, autoconfiança e resiliência, através da tomada de consciência de si próprio e do controlo das emoções; de comunicação, através da partilha de expressões e do uso mais eficaz da comunicação não verbal; da empatia, ao nível da relação com os pares e respeito pelos outros; transversais, em que imperou o trabalho em equipa, a flexibilidade e a adaptação à mudança, assim como a criatividade e a motivação para o sucesso, pers-

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 169 204 n3 . 2025

petivando-se o desenvolvimento integral dos participantes (Fonseca, 2012; Bogdan & Biklen, 1994), associadas ao serviço e à tomada de decisões responsáveis.

As dinâmicas implementadas foram adaptadas ao perfil de funcionalidade dos participantes (UNESCO, 1994), tendo sido essencial “o recurso a material de apoio visual concreto e tangível” (Nielsen, 1999, p. 42) e as situações de vida real, assim como a divisão das dinâmicas em pequenos passos ou segmentos, repetindo-se os procedimentos e as ideias gerais de forma a reforçar-se o conceito a ser apreendido. Estas dinâmicas basearam-se no ciclo de aprendizagem experimental de Kolb (Neves, 2019), através da atribuição de significado à experiência vivida, onde a informação deve ser interiorizada de forma mais consistente quando se participa ativamente no processo. As atividades lúdico-pedagógicas desenvolvidas englobaram a visualização de filmes e pequenos vídeos, a realização de dinâmicas relacionais, momentos de reflexão e a partilha de histórias de vida que permitiram criar oportunidades para o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, nomeadamente ao nível da comunicação e/ou intenção comunicativa, interação, participação e coesão grupal, essenciais para o desenvolvimento de aptidões muitas vezes fragilizadas em alunos com PDI e PEA e que habitualmente condicionam a sua participação nas atividades do quotidiano. Verificou-se ainda um crescente envolvimento, interesse e participação, nas dinâmicas que incluíram breves explicações sucedidas de pequenos vídeos. Foi notória a progressiva evolução em relação à compreensão das mensagens, empatia, intenção comunicativa e preocupação face aos pares, principalmente quando os mesmos estavam desatentos ou necessitavam de ajuda. Estes comportamentos estão diretamente associados aos pilares do Ubuntu e às competências pessoais e sociais que se pretenderam fomentar, tornando os participantes mais capacitados para os desafios crescentes de uma sociedade em constante mudança e que ainda não se encontra preparada para incluir cidadãos com PEA e PDI.

Os resultados obtidos corroboram, em parte, os obtidos pelo Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG) em 2023, que ao longo de 18 meses implementaram o projeto “Academia de Líderes Ubuntu no CRPG”, através da adaptação da metodologia e dos materiais Ubuntu às pessoas com diversidade funcional, assim como a incorporação da metodologia Ubuntu nos serviços do Centro, no âmbito da reabilitação e reintegração profissional, da qualificação, e do acesso, manutenção e retoma do emprego, através da

170 204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

formação de colaboradores, incluindo a formação de formadores no método Ubuntu e da constituição de um Clube Ubuntu no CRPG, que mantivesse a dinâmica e a realização de atividades no âmbito da metodologia Ubuntu, durante e após a parceria com o IPAV. Os resultados obtidos revelaram que os participantes se sentiram mais autoconfiantes, com maior autoconhecimento, mais resilientes, mais empáticos, com mais vontade de se colocarem ao serviço do outro, mais tolerantes, apresentando maior flexibilidade em interações sociais, com mais competências pessoais e sociais (CRPGb, s.d.).

Cefai et al. (2018) refutaram a importância da implementação de programas de aprendizagem socioemocional (SEL) com crianças em idade escolar, uma vez que fomentam o aumento das competências sociais e emocionais, nomeadamente o desenvolvimento de atitudes positivas, o comportamento pró-social e a redução das dificuldades relacionadas com a saúde mental, tais como a ansiedade, depressão, abuso de substâncias e comportamentos antissociais. Para além de apresentarem um impacto positivo nas atitudes e no desempenho académico, que persistem ao longo do tempo (até três anos após as intervenções iniciais). Salienta-se o facto de também terem sido estudados os impactos em crianças em idade escolar, que exibiram riscos de origem étnica e/ou cultural, oriundos de minorias, de meios socioeconómicos desfavorecidos ou que enfrentavam dificuldades sociais, emocionais e de saúde mental. Os resultados obtidos permitiram perceber que tais programas podem servir como um fator de proteção para essas crianças, ajudando-as a reduzir as desigualdades socioeconómicas, promovendo a equidade, a inclusão e a justiça social. No entanto, consideramos que estes programas devem ser iniciados o mais precocemente possível, para se tornarem mais eficazes, facilitando a educação escolar e a aprendizagem ao longo da vida. A implementação destes programas também é benéfica para os professores e assistentes operacionais envolvidos, uma vez que aumentam as suas competências, a sua confiança e a sua satisfação pessoal e profissional.

Face ao exposto pode concluir-se que os participantes adultos aperfeiçoaram as suas competências pessoais, sociais e emocionais (Carvalho et al., 2016), decorrentes dos constantes desafios que a implementação do projeto impôs. Para tal, foram desenvolvidas técnicas colaborativas baseadas no trabalho em equipa, na compreensão e respeito pela diferença. Estas práticas educativas, baseadas em metodologias ativas,

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 171 204 n3 . 2025

foram adaptadas e reajustadas de acordo com as especificidades dos alunos participantes, tendo-se recorrido a uma comunicação clara, assertiva e construtiva, que permitiram o desenvolvimento de competências que melhoraram as dinâmicas interpessoais e o desenvolvimento de estratégias de inteligência emocional, ao nível da gestão de conflitos, resiliência e liderança servidora.

Conclusão

Avaliação do projeto de intervenção

As considerações finais sobre a avaliação do projeto de intervenção têm em atenção a questão que orientou o presente projeto de I-A: em que medida a metodologia Ubuntu pode ser aplicada a alunos com PEA e PDI, de modo a fomentar a sua participação e o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, essenciais para uma mais efetiva inclusão no contexto escolar? e as duas hipóteses de ação: (i) a utilização da metodologia Ubuntu em alunos com PEA e PDI contribui para o seu desenvolvimento pessoal e social no contexto escolar; (ii) a utilização da metodologia Ubuntu em alunos com PEA e PDI não contribui para o seu desenvolvimento pessoal e social no contexto escolar.

De acordo com a análise global dos resultados obtidos, entende-se que a utilização adaptada da metodologia Ubuntu em alunos com PEA e PDI contribuiu, de certo modo, para o desenvolvimento pessoal e social de alguns destes alunos no contexto escolar. Assim, considera-se confirmada, em parte, a seguinte hipótese de ação inicialmente colocada: (i) a utilização da metodologia Ubuntu em alunos com PEA e PDI contribui para o seu desenvolvimento pessoal e social no contexto escolar. Verificou-se que todos os alunos registaram algumas evoluções na maioria das competências estudadas, porém, apenas uma aluna revelou progressos consistentes. Neste sentido, as evoluções observadas foram pouco evidentes, ficando aquém do esperado.

Lembramos que a assiduidade dos participantes nas sessões desenvolvidas foi relativamente positiva, sendo que cinco estiveram presentes, em média, em 21 sessões de 24 possíveis. Apenas um dos alunos registou fraca presença, estando presente somente em oito das 24 dinâmicas implementadas. Neste sentido, pensamos que o fator assiduidade possa

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 172 204 n3 . 2025

não ajudar a explicar, só por si, o facto de os resultados alcançados não terem sido mais positivos. Infere-se que as características funcionais dos alunos participantes possam ter tido uma maior influência nos resultados relativos ao nível do desenvolvimento de competências pessoais e sociais em análise, dado se constituírem como áreas desafiantes para pessoas com PEA e/ou PDI (Antunes et al., 2019; APA, 2014; 2022).

Muito embora as AO tenham considerado que o estudo foi muito pertinente para a promoção do desenvolvimento dos alunos e para a aprendizagem de aspetos práticos (Santos, 2020; ITAD, s.d.), proporcionando oportunidades de comunicação e de interação entre os alunos participantes, os resultados obtidos evidenciam que a maioria manifestou ainda lacunas ao nível das competências pessoais e sociais basilares.

Verificou-se, no entanto, o desenvolvimento de interações sociais muito positivas e importantes, que potenciaram a partilha de expressões e levaram a ações onde imperou a compreensão através da comunicação não verbal, assim como uma maior flexibilidade e adaptação a atividades que não faziam parte da rotina habitual. Salienta-se também o fomento da autonomia pessoal e o respeito pelo outro, que levaram à ocorrência de situações visíveis de amizade e empatia, essenciais para a coesão e harmonia da maior parte dos elementos do grupo.

Considera-se que o recurso a dinâmicas diversificadas e estimulantes (Correia, 2010) contribuíram igualmente para o desenvolvimento e aquisição de algumas competências pessoais e sociais dos alunos participantes no estudo. Independentemente dos constrangimentos e/ou barreiras que não lhes permitiram adquirir e consolidar todas as competências associadas à metodologia Ubuntu, considera-se que a intervenção foi uma mais-valia, tanto para os alunos como para os adultos participantes (DEE e AO).

Importa agora refletir sobre os objetivos do projeto de I-A, que implicaram (i) compreender o contributo da implementação de dinâmicas baseadas na metodologia Ubuntu, no desenvolvimento de competências pessoais e sociais em crianças e jovens com PEA e PDI; (ii) reconhecer a importância das estratégias implementadas pela docente de educação especial (DEE) no desenvolvimento de dinâmicas que perspetivam a promoção de competências

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 173 204 n3 . 2025

pessoais e sociais em alunos com PEA e PDI que frequentam a UAE do CAA e (iii) potenciar a participação de alunos com PEA e PDI em contexto escolar, recorrendo a atividades diversificadas e adaptadas.

Face aos resultados obtidos e à avaliação efetuada considera-se que os objetivos gerais inicialmente propostos foram alcançados, uma vez que:

• a implementação de dinâmicas baseadas na metodologia Ubuntu, promoveu, em parte, o desenvolvimento de competências pessoais e sociais em crianças e jovens com PEA e PDI;

• as estratégias implementadas pela DEE fomentaram a promoção de algumas competências pessoais e sociais nos alunos participantes;

• foram implementadas atividades diversificadas e adaptadas que potenciaram a participação dos alunos que nelas participaram.

Salienta-se o facto de muitas dificuldades na aprendizagem terem origem em barreiras identificadas como pertencentes às dimensões pessoais e socioemocionais, pelo que as políticas educativas deverão ter em consideração a implementação de modelos SEL ao longo da escolaridade obrigatória.

Um escola verdadeiramente inclusiva deve preocupar-se com os processos de aquisição de competências e não apenas com os resultados escolares, devendo planear e definir estratégias o mais precocemente possível, implementar metodologias ativas, adaptar instrumentos e momentos que resultem na recolha de informações, de forma articulada, para que toda a comunidade educativa promova a inclusão e as competências essenciais definidas no PASEO em 2017, para todos os alunos, independentemente das suas especificidades. De certo modo, o presente projeto de I-A procurou ser um contributo para esta visão de educação.

Implementação do programa Ubuntu: limitações ao estudo e sugestões para o futuro

Como limitações ao estudo salienta-se o facto de o mesmo ter incidido numa realidade própria, num contexto específico e estruturado de acordo com as características individuais dos alunos participantes. Estes fizeram parte de uma amostra intencional e de conveniência, pelo que os resultados obtidos no presente estudo não podem ser generalizados.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 174 204 n3 . 2025

Poderão, no entanto, ser um ponto de partida para novos estudos que pretendam implementar programas de aprendizagem socioemocional ou baseados na metodologia Ubuntu.

Refere-se ainda que o facto da grelha referente à aquisição das competências pessoais e sociais não ser muito objetiva, tendo em consideração as especificidades dos alunos participantes, foi necessário solicitar a colaboração da assistente operacional presente nesse dia, o que poderá ter influenciado alguns dos valores obtidos nas diferentes categorias. Por fim, refere-se que as entrevistas às AO só puderam ser realizadas numa fase posterior, após as férias das mesmas, cerca de três meses após a conclusão da dinamização do projeto, o que pode ter condicionado a precisão dos dados recolhidos.

Face à experiência vivida, e no sentido de se poder obter resultados mais positivos no desenvolvimento das competências pessoais e sociais de alunos com as características funcionais dos participantes neste estudo, entende-se que seria importante rever aspetos relacionados com as três dimensões: (i) as dinâmicas do programa Ubuntu; (ii) a organização do trabalho de equipa no contexto regular de ensino; (iii) os instrumentos usados para registo das competências pessoais e sociais dos alunos.

Quanto às dinâmicas do programa Ubuntu pensamos ser necessário:

• continuar a proceder a adaptações mais sólidas ao nível da estrutura, objetivos e tempo de implementação, assim como a alteração dos materiais propostos pela ALU, de forma a facilitar a compreensão de todos os pilares em estudo;

• proceder-se a uma seleção, ainda mais minuciosa, escolhendo-se dinâmicas mais curtas ou dividi-las em vários momentos, de forma a não se tornarem exaustivas para os alunos que apresentam graves dificuldades de atenção e/ou concentração;

• dispor de um período mais longo para a sua implementação, de modo a possibilitar uma participação dos alunos mais consistente;

• implementar-se menos dinâmicas por dia, prolongando-se a duração do projeto para um mês, de forma a serem repetidas as dinâmicas e comparados os resultados obtidos nas diferentes séries.

No que diz respeito à organização do trabalho de equipa no contexto regular de ensino, sugere-se que:

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 175 204 n3 . 2025

• os docentes e técnicos (psicólogos e educadores sociais) possam frequentar a formação de Educadores/as no método Ubuntu, uma vez que são elementos preponderantes na modelagem e no ensino das competências socioemocionais dos alunos com os quais trabalham diariamente;

• no início do ano letivo, planear-se e articular-se com os restantes docentes do Conselho de Turma (CT) e EE, as datas de implementação e as competências do PASEO que seriam desenvolvidas com a implementação do projeto, possibilitando o reajuste do horário dos alunos, com o intuito de serem atingidas as competências previstas nos seus PEI, recorrendo-se a atividades lúdicas, diversificadas e colaborativas;

• definir um horário para a implementação das dinâmicas de forma a estarem presentes as duas AO em simultâneo, o que não aconteceu, devido ao facto de trabalharem por turnos;

• envolver as AO da UAE do CAA no registo das observações diretas que conduziram ao preenchimento da grelha referente às competências pessoais e sociais, de forma a se obter uma média ponderada das três intervenientes;

• procurar que os alunos cumpram os deveres de assiduidade e pontualidade, de forma a não serem realizados reajustes no próprio dia que condicionam a dinâmica e o funcionamento das restantes atividades letivas, assim como o reajuste dos horários das terapias previstas nos seus horários.

Relativamente aos instrumentos usados para registo das competências pessoais e sociais sugere-se:

• realizar os testes sociométricos em dias que seja possível assegurar a toma da medicação prescrita, evitando comportamentos desajustados ou a recorrente incompreensão das questões solicitadas;

• reformular a grelha referente à aquisição das competências pessoais e sociais ou ser utilizada outra, com validação para alunos com PEA ou PDI, que foque categorias mais objetivas e de fácil avaliação.

Entende-se ser igualmente importante que futuros estudos que envolvam a utilização da metodologia Ubuntu continuem a considerar as características funcionais dos alunos participantes, pois estas podem influenciar os resultados ao nível do desenvolvimento de competências pessoais e sociais.

176 204 n3 . 2025

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual

Embora não tivesse sido concretizado, considera-se que teria sido importante ter-se procedido à compilação de algumas fotografias e vídeos mais impactantes, de forma a produzir-se um pequeno filme que resumisse as interações registadas no decorrer das diferentes dinâmicas. O mesmo poderia ter sido mostrado a alguns elementos da comunidade educativa, de forma a promoverem-se as boas práticas realizadas no Agrupamento e a importância do desenvolvimento de competências pessoais e sociais baseadas na metodologia Ubuntu.

Num futuro próximo poderão implementar-se as dinâmicas reajustadas pela DEE a alunos que frequentem os 1.º e 2.º ciclos de ensino, tendo em consideração as sugestões de melhoria atrás mencionadas. A escola deverá ser capaz de responder à crescente diversidade de alunos que frequentam o sistema educativo português, garantindo a igualdade de acesso à escola pública, através da intervenção de recursos humanos especializados em diferentes áreas de formação. Para tal, é imprescindível que se desenvolva um trabalho colaborativo multidisciplinar nos diferentes contextos educativos (Jesus et al., 2024), articulando e mobilizando competências profissionais de docentes, psicólogos, educadores sociais e de outros técnicos especializados que possam contribuir para o desenvolvimento de todos os alunos. As medidas de promoção do sucesso educativo devem perspetivar o envolvimento e a inclusão de alunos com perturbações do neurodesenvolvimento, nomeadamente, o aperfeiçoamento de competências pessoais, sociais e emocionais, de forma a serem reforçadas competências transversais, com vista ao sucesso global de todos os alunos (Sanches, citado por Jesus et al., 2024).

As dinâmicas implementadas tiveram em consideração as características dos participantes, no entanto, contemplaram atividades lúdico-pedagógicas que poderão ser conduzidas por outros docentes e/ou técnicos, uma vez que pressupõe processos de ensino e aprendizagem intuitivos, de modelagem e treino, onde os participantes poderão trabalhar colaborativamente na construção do seu próprio conhecimento (Costa & Faria, 2019). As interações formais e informais desenvolvidas ao longo do projeto perspetivaram o desenvolvimento de competências pessoais, sociais e emocionais dos participantes, fomentando-se igualmente o bem-estar, o rendimento académico e a capacidade de aprendizagem ao longo da vida (Costa & Faria, 2019), podendo o mesmo servir de base a estudos futuros que perspetivem o fomento destas competências em alunos com PEA e PDI, baseadas na metodologia Ubuntu.

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 177 204 n3 . 2025

Referências:

Academia de Líderes Ubuntu [ALU] (s.d.). Academia de Líderes Ubuntu – Leaders Academy https://academialideresubuntu.org/pt/escolas-ubuntu

Amado, J. (Coord.) (2014). Manual de investigação qualitativa em educação (2.ª ed.). Imprensa da Universidade de Coimbra. http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0879-2

American Psychiatric Association [APA] (2014). Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais: DSM-5 (5.ª ed.). Artmed Editora.

American Psychiatric Association [APA]. (2022). Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM_5_TR (Fifth edition, text revision). American Psychiatric Association.

Antunes, N. L., Paris, A., Fonseca, A. C., Mata, R., & Dias, B. (2019). Perturbação do Desenvolvimento Intelectual. In N. L. Antunes (Ed.), Sentidos – o grande livro das perturbações de desenvolvimento e comportamento (pp. 71-90). Lua de papel.

Azevedo, A., Ramos, A., Sousa, A., Cunha, D., Teixeira, H., Oliveira, J., Monteiro, M., & Santos, P. (2023). UBUNTU: O desafio da promoção das competências socioemocionais em contexto escolar. Sensos-E, 10(1), 58–66. https://doi.org/10.34630/sensose.v10i1.4863

Bell, J. (2010). Como Realizar um Projecto de Investigação (5.ª ed.). Gradiva.

Bogdan, R., & Biklen, S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação – uma introdução à teoria e aos métodos. Porto Editora.

Carvalho, A., Almeida, C., Amann, G., Leal, P., Marta, F., Pereira, F., Ladeiras, L., Lima, R., & Lopes, I. (2016). Saúde Mental em Saúde escolar. Manual para a Promoção de Competências Socioemocionais em Meio escolar. Direção-Geral da Saúde (DGS). https://cidadania.dge.mec.pt/sites/default/files/pdfs/manual-para-promocao-de-competencias-socioemocionais-em-meio-escolar.pdf

Cefai, C., Bartolo P. A., Cavioni. V., & Downes, P. (2018). Strengthening Social and Emotional Education as a core curricular area across the EU. A review of the international evidence. Publications Office of the European Union. http://dx.doi.org/10.2766/664439

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 178 204 n3 . 2025

Centro de Reabilitação Profissional de Gaia [CRPGb] (s.d.). 18 meses de Academia de Líderes Ubuntu. https://crpg.pt/18-meses-de-academia-de-lideres-ubuntu/

Correia, L. (2010). Educação Especial e Inclusão – Quem Disser Que Uma Sobrevive Sem a Outra Não Está no Seu Perfeito Juízo (2.ª ed.). Porto Editora.

Costa, A. & Faria, L. (2019). Programas de educação social e emocional na escola: Importância e perspetivas no contexto português. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, pp. 6-9. https://hdl.handle.net/10216/126171

Coutinho, C. P. (2014). Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e Prática (2.ª ed.). Edições Almedina. 132

Coutinho, C. P., Sousa, A., Dias, A., Bessa, F., Ferreira, M. J., & Vieira, S. (2009). Investigação-acção: metodologia preferencial nas práticas educativas. Psicologia, Educação e Cultura, XIII(2), 445-479. https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/10148

Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho. Diário da República, 1.ª série – N.º 129. https://files. diariodarepublica.pt/1s/2018/07/12900/0291802928.pdf

Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho. Diário da República, 2.ª série – N.º 143. https:// files.diariodarepublica.pt/2s/2017/07/143000000/1548415484.pdf

Flick, U. (2005). Métodos qualitativos na investigação científica. Editora Monitor.

Fonseca, K. (2012, setembro/dezembro). Investigação – Ação: uma metologia para prática e reflexão docente. Revista Onis Ciência, 1(2),16-31. https://revistaonisciencia.com/wp-content/uploads/2020/02/2ED02-ARTIGO-KARLA.pdf

Instituto de Apoio e Desenvolvimento [ITAD] (s.d.). Perturbação do Desenvolvimento Intelectual. https://www.itad.pt/tratamento-de-psicologia/perturbacao-do-desenvolvimento-intelectual/ Jesus, A., Margarido, C., Sánchez, E., & Pocinho, R. (2024). O papel da educação social na promoção de competências socioemocionais em contexto escolar. Revista Lusófona de Educação, 62, 57-70. 10.24140/issn.1645-7250.rle62.04

Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual 179 204 n3 . 2025

Morgado, J. C. (2016). O Estudo de Caso na Investigação em Educação (2.ª ed.). De facto Editores.

Neves, T. (2019). Academia de Líderes Ubuntu. In Consórcio UBUNTU Building Bridges for Peace (Eds.), Construir pontes Ubuntu – Para uma liderança servidora (pp. 183-193). ImPress.

Nielsen, L. (1999). Necessidades Educativas Especiais na Sala de Aula: Um guia para professores. Porto Editora.

Perrenoud, P. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto Editora. https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/98408/ribeiro_dg_me_botfm.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Santos, M. M. L. (2020). Inclusão de alunos com perturbação do desenvolvimento intelectual no 3.º ciclo do ensino básico: perspetivas e práticas (Dissertação de mestrado não publicada em Educação Especial: ramo de Problemas de Cognição e Multideficiência, Instituto Politécnico de Lisboa – Escola Superior de Educação, Lisboa). http://hdl.handle. net/10400.21/12780

UNESCO (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na Área das Necessidades Educativas Especiais. Salamanca: UNESCO.

UNESCO (2019). Manual para garantir inclusão e equidade na educação. Brasília: UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000370508

Veríssimo, L. (2013). Motivar os alunos, motivar os professores: faces de uma mesma moeda. In J. Machado & J.M. Alves VES (Orgs.), Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação, Direcção de Escolas e Políticas Educativas (pp. 73-70). Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano (CEDH) & Serviço de Apoio a Melhoria das Escolas (SAME). https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/14704

n3 . 2025

ENTREVISTA

a Diana Prata

Reflexão em torno do estudo e da publicação “Psychological and hormonal effects of socio-emotional learning in adolescents: a randomized controlled trial” 16

Diana Prata é Investigadora Principal no Instituto de Biofísica e Engenharia Biomédica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (UL), onde fundou o laboratório de Neurociência Biomédica, após 12 anos no King’s College London. É também Professora Associada Convidada no Institute of Psychiatry, Psychology and Neuroscience no KCL, onde foi distinguida como Top Early Career Researcher in the UK Research Excellence Framework 2014. Reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho pioneiro que combinou genética e neuroimagiologia em 2009, expandiu a sua interdisciplinaridade em Portugal desde 2015 para incluir farmacologia, electroencefalografia, oculometria, e outras técnicas pscicofisiológicas, dedicando-se ao estudo das bases biológicas do comportamento social humano. Acrescentando o uso de inteligência artificial, desenvolve também software para o diagnóstico de doenças neurológicas e psiquiátricas. Além de vários prémios universitários em Portugal (nomeadamente do ISCTE e da UL), foi distinguida com o “Cientista Mais Promissora” das Marie Curie Actions 3rd Prize (2017) e galardoada com várias bolsas e contratos de investigação de prestígio, totalizando até à data mais de 2 milhões de euros. Em 2022 foi a mais alta classificada em Portugal na categoria de Psicologia para a atribuição do Contrato de Estímulo ao Emprego Científico pelo Ministério da Ciência. É autora de mais de 70 artigos e capítulos de livros, nos tópicos da psicose, psicopatia, autismo, oxitocina, dopamina, empatia, cooperação, aprendizagem, entre outros. É também membro da Comissão Executiva da Cátedra da UNESCO para a Educação para a Paz Global e Sustentável e do Conselho Científico da Academia de Líderes Ubuntu.

16. Estudo publicado na Humanities and Social Sciences Communications, volume 12, Article  number: 1033 (2025), disponível em https://www.nature.com/articles/s41599-025-04893-x

204 n3 . 2025

Pode começar por nos contar como se interessou pela Academia de Líderes Ubuntu e pelo seu trabalho de educação não formal, mais propriamente pelas Semanas Ubuntu?

Diana Prata

Tudo começou com um convite do Rui Marques, antigo dirigente da IPAV, quando fomos ambos apresentar as nossas talks no evento da TEDx Peniche em 2020. Deu-me a conhecer as iniciativas da Academia de Líderes Ubuntu e em particular a formação em liderança servidora dada nas Semanas Ubuntu. Como investigo as bases biológicas do comportamento social humano, nomeadamente da empatia e cooperação, o Rui achou que eu ia gostar de me envolver, e tinha razão!

E o que é que, como neurocientista, a motivou a levou a investigar os efeitos psicológicos e hormonais de uma interveação de aprendizagem socio-emocional em adolescentes no contexto do programa Escolas Ubuntu e a desenvolver este estudo?

Eu achei a iniciativas das Semanas Ubuntu, e aliás, em geral, a visão e missão da Academia, não só muito inspiradoras, como muito bem conseguidas, inclusive internacionalmente. Fiquei impressionadíssima pela motivação e dinamismo das equipas que fui conhecendo! Nomeadamente, vi escolas espalhadas por todo o país a vestir a camisola, tornando-se Escolas Ubuntu, e a mostrar-nos, com imenso entusiasmo, como o treino socioemocional estava a dar frutos tanto em crescimento pessoal como em desempenho escolar.

Assim, achei que era importante mostrar que esse impacto positivo era não só quantificável (a Academia, por exemplo, a coautora do estudo Susana Fonseca, já o estava a demonstrar com base em entrevistas e inquéritos psicológicos), mas como era também baseado em alterações objetivas e biológicas ao nível do nosso sistema nervoso.

Embora isso para um neurocientista seja mais ou menos óbvio.... (!) Este tipo de evidência veiculada por estudos objetivos e controlados é importante para consubstanciar o benefício deste tipo de programas de formação (ainda) não formal e assim propagar a sua adoção e escalamento na sociedade.

204 n3 . 2025

Publicou recentemente um estudo – Psychological and hormonal effects of socio-emotional learning in adolescents: a randomized controlled trial – que traduz uma 1ª investigação sobre o tema em análise. Qual era a hipótese central do seu estudo e qual a lacuna que pretendia preencher?

A hipótese era que poderíamos captar neurobiologicamente estes benefícios da Semana Ubuntu (nas escolas), olhando especificamente para o sistema da hormona e neurotransmissor oxitocina. Isto porque – como temos vindo a descobrir inclusive com o trabalho do nosso laboratório - o aumento de oxitocina no nosso cérebro induz aumento de atenção a estímulos sociais, empatia, confiança-no-outro, cooperação e pertença. Ou seja, iríamos ver um impacto do treino socioemocional da Semana Ubuntu nos níveis da hormona (através da sua medição na saliva).

O estudo utilizou um desenho randomizado, com jovens, e avaliou variáveis psicológicas (como empatia emocional) e hormonais (como níveis de oxitocina salivar). Pode explicar-nos quais foram os desafios metodológicos com que se confrontou e como procurou superá-los?

Uma parte muito desafiante deste tipo de estudo (com controlo randomizado em humanos) é a colheita de amostra. Tivemos de assegurar que todos os estudantes adolescentes que participaram percebiam bem as instruções para a realização de questionários e providência de amostra de saliva e que nos 4 grupos (2 de controlo, 2 de Semana Ubuntu) as instruções eram seguidas da mesma forma, e que as amostras de saliva eram processadas e congeladas antes de se degradar. Esta parte foi assegurada pela nossa muito diligente coautora Ana Ramos, colaboradora do IPAV na altura, e por toda a equipa.

204 n3 . 2025

Um dos resultados é que a dimensão de coesão de grupo (group-bonding) provocou um aumento significativo da oxitocina salivar (p = 0,007) — embora a intervenção de uma Semana Ubuntu como um todo não tivesse aumentado esse efeito de forma global. Pode comentar qual o significado deste resultado no âmbito do estudo feito?

Decidi medir o eventual aumento dos níveis de oxitocina após uma tarefa que fosse parte do treino da Semana Ubuntu, em que fosse plausível a indução de sentimentos de foco no “outro”, e de cooperação e vínculo. Assim escolhi a dinâmica “Novelo” (em que cada participante, num círculo, passava um novelo de lã entre si dizendo o nome do outro e a sua reflexão e fazendo assim uma teia que liga todos os participantes). Disseram-me inclusive que era a dinâmica que mais emocionava e entusiasmada os adolescentes, de todas as da Semana. Conforme a nossa hipótese, descobrimos que, de facto, houve um aumento na oxitocina. Isto indica que esta dinâmica que é parte da Semana Ubuntu, e que foi desenhada para aumentar a atenção no outro, cooperação e sentimento de vínculo, provavelmente o faz através a estimulação do sistema da oxitocina.

No entanto, este efeito não aconteceu só em pessoas que participaram na Semana Ubuntu (é de notar que embora fosse parte integrante da Semana Ubuntu, nós pedimos aos participantes no grupo controlo que a realizassem a dinâmica também durante uma semana típica). Também não se detetou quando realizaram a mesma tarefa pela segunda vez, possivelmente devido a alguma des-sensitização.

204 n3 . 2025

O estudo encontrou também que o aumento da empatia emocional (em particular entre as raparigas) se correlaciona positivamente com o aumento de oxitocina (r = 0,235, p = 0,033), independentemente da condição de intervenção, ou seja, de terem participado numa Semana Ubuntu. Que implicações podem ser retiradas, nomeadamente para a realização deste programa de educação não formal para o desenvolvimento de competências socio-emocionais?

Este é talvez o achado mais interessante. O aumento na oxitocina que acabei de mencionar estava correlacionado com o aumento em empatia emocional, que é a nossa tendência de partilharmos das emoções do outro. Ou seja, os adolescentes que maior aumento de oxitocina mostraram durante a dinâmica eleita, foram aqueles que maior aumento nos níveis de empatia emocional mostraram também. Aqui, o aumento de empatia refere-se ao que se deu do início para o final da Semana, ainda que, mais uma vez, não tenha sido diferente em comparação com a Semana/grupo controlo.

Estas descobertas sugerem que a responsividade do sistema da oxitocina a um evento social que estimula o sentimento de atenção, cooperação e vínculo com o outro, talvez também “equipe” uma pessoa a ser capaz de aprender empatia emocional. Ou seja, a mesma hormona pode estar envolvida em ambos os processos (como aliás a literatura científica já sugeria).

Os resultados como um todo sugerem-me que as dinâmicas similares à do “Novelo” são especialmente eficazes neste tipo de treino (socioemocional), e talvez devessem ser uma parte mais preponderante quer da Semana Ubuntu, quer no dia-a-dia dos adolescentes em regime escolar, bem como no da população em geral. Aqui incluiria tarefas de grupo, como dança em grupo, canto coral, jogos de teatro de improvisação, como exemplos! O desporto (que é mais comum na nossa sociedade) talvez seja uma boa opção, no entanto é competitivo, e daí não estar certa de ter uma psicofisiologia subjacente tão similar à dinâmica eleita!

204 n3 . 2025

O artigo menciona que os resultados são preliminares e que recomenda replicação (e.g., contexto, amostra, duração mais longa). Se voltasse a projetar o estudo, o que faria de forma diferente ou que extensão consideraria?

De facto, tendo o estudo, tanto quanto sabemos, sido pioneiro em estudar as consequências de treino socioemocional em adolescentes da população geral em temos de impacto tanto na empatia como na oxitocina, estes resultados têm de ser considerados preliminares e, sugiro eu, inspiradores para estudos maiores. O que faria agora seria justamente repeti-lo com uma amostra dobrada. É possível que, assim, além de se replicarem os efeitos de que falei, se revelem diferenças que há pouco disse que não existiam apenas por não serem estatisticamente significativas.

A ligação entre hormonas como a oxitocina (às vezes apelidada de “hormona da ligação social”) e aprendizagem socioemocional abre um caminho muito interessante. Como interpreta esta ligação no âmbito dos princípios da abordagem e método Ubuntu (como empatia, comunidade, interdependência)?

Creio que os estudos de oxitocina só ajudam a consubstanciar uma “história há muito conhecida” ... pelas nossas emoções, pelo nosso cérebro, pelos nossos genes, desde tempos mais que primitivos! A história é a de que precisamos uns dos outros para nos sentirmos suficientemente vistos, consolados, protegidos, úteis e felizes. Precisamos de viver em comunidade, de nos olhar nos olhos, de nos abraçar (fisicamente mesmo), de partilhar experiências, de construir coisas juntos, e de ter com quem conversar nos momentos difíceis.

O nosso “hardware nervoso” (em que se inclui os circuitos neuronais da oxitocina) está otimizado para esse ambiente social (como raras exceções de distúrbios de psicopatia), e sabemos cada vez melhor como a saúde social é o maior preditor da felicidade e protetor da doença física e mental. Numa sociedade (principalmente a urbana ocidental) cada vez mais, e mal, fomentadora da independência e isolamento social, mas também cada vez mais, e bem, alicerçada na evidência científica... talvez seja a ciência quem mais nos pode ajudar a perceber o que, ironicamente, o nosso corpo já sabe há milhões de anos...

204 n3 . 2025

Para terminar: que mensagem deixaria a investigadores/as, educadores/as ou decisores/ as que estão interessados em aproximar as ciências (neurociências, psicologia) e práticas educativas centradas no comunitário e no humano (como a abordagem Ubuntu)?

Simplesmente... continuação do bom trabalho! Não só é importante para a consciência do que a sociedade perdeu com o tempo, como disse há pouco... mas também para que possamos evoluir para uma sociedade ainda mais ética do que alguma vez o foi.

Recensão do livro de Jacob Lief 189 204 n3 . 2025

RECENSÃO DO LIVRO

“I AM BECAUSE YOU ARE: HOW THE SPIRIT OF UBUNTU INSPIRED AN UNLIKELY FRIENDSHIP AND TRANSFORMED A COMMUNITY”, DE JACOB LIEF

GABRIELA LONGO17

“I Am Because You Are: How the Spirit of Ubuntu Inspired an Unlikely Friendship and Transformed a Community”, de Jacob Lief, é um livro sobre comunidade, resiliência e transformação. Sobre o passado (as raízes e as marcas profundas), o presente (crescer na adversidade) e o futuro (colher, dar frutos, transformar). É também sobre tudo isto outra vez. Semear e colher de novo. É neste movimento contínuo de vida na (e com) a comunidade, que o autor do livro desenvolveu a intervenção que nos dá a conhecer. Sempre com os olhos postos na direção de um futuro coletivo melhor. Nesta recensão, o que se propõe é a leitura deste livro através da lente da psicologia, compreendendo como uma comunidade fragilizada, vulnerável e deprimida, pode restabelecer-se, tornando-se mais forte, consistente e profundamente inspiradora.

17. Psicóloga desde 2001, membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses, com especialidade geral em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações e Psicologia da Educação e especialidade avançada em Psicologia Comunitária, Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira e Psicoterapia, https://orcid.org/0009-0000-8563-2899. Educadora Ubuntu.

livro de Jacob Lief 190 204 n3 . 2025

Quem é Jacob Lief? Ainda enquanto estudante, Lief foi para a África do Sul durante as férias de verão da universidade, numa altura em que o país vivia ainda a instabilidade pós fim do Apartheid. Foi esta experiência que fez com que este jovem quisesse fazer a diferença na vida das pessoas de Port Elizabeth. Fê-lo, juntamente com Malizole “Banks” Gwaxula, o professor que garantiu a Lief um emprego na sua escola, a Emfundweni Primary School, uma escola sobrelotada, de escassos recursos financeiros, físicos e humanos. Na sua vivência de terreno, Lief contactou com uma realidade muito dura. Uma comunidade marcada por um período longo de conflitos, guerras e violência. Do ponto de vista psicológico, esta realidade remete-nos para o conceito de trauma social coletivo, “um evento cataclísmico que destrói a estrutura básica da sociedade. Além da terrível perda de vidas, o trauma coletivo é também uma crise de significado. Refere-se às reações psicológicas a um evento traumático que afeta toda uma sociedade; não reflete apenas um facto histórico, mas as lembranças de um evento terrível que aconteceu a um grupo de pessoas” (Hirschberger, 2018). O que era evidente nesta comunidade traumatizada eram as consequências das feridas profundas do Apartheid ao longo do tempo e a devastação, resultado dos sucessivos ciclos de pobreza, num cenário de crime e desesperança.

Lief estava determinado a reverter esta situação e, quando se formou, conseguiu convencer muitas pessoas ricas nos Estados Unidos da América a ajudar a subsidiar o projeto sem fins lucrativos que ele e Gwaxula chamaram de “Ubuntu Education Fund”. Face às imensas necessidades identificadas, concluíram, no entanto, que simplesmente fornecer à escola da comunidade um laboratório de informática não aliviaria a crise que assolava a vida das crianças, marcada por estruturas familiares instáveis e insuficiência económica. Lief deu-se conta que a tragédia estava representada na memória coletiva do grupo e que só através da sua transformação com um novo sistema de significados, seria possível redefinir a identidade da comunidade, permitindo, desta forma, pensar o futuro. A intervenção tinha que ser mais profunda e consistente. Era urgente encontrar um caminho que permitisse a recuperação e a elaboração de traumas, encontrando em espaços grupais, espaços humanos suficientemente robustos para conter e suportar o complexo processo de elaboração traumática coletiva que se vivenciava em Port Elizabeth. Este livro direto e inspirador de Lief traduz passo a passo como as suas boas intenções iniciais se tornaram numa ferramenta poderosa para transformar a vida de crianças e jovens.

Recensão do livro de Jacob Lief 191 204 n3 . 2025

Lief e Gwaxula perceberam a necessidade de “pôr as mãos na massa”, não só com boas intenções, mas com ações suficientemente inovadoras e transformadoras, desde a construção de uma biblioteca, à educação sobre saúde e prevenção do abuso sexual, até a criação de um centro comunitário, com um teatro e orientação para a procura de emprego, dando assim respostas às necessidades sentidas. Era necessário criar relações seguras, estáveis e consistentes com a comunidade. O caminho escolhido foi exigente, pautado por desafios, erros, sucessos, armadilhas, deceções, mas também comemorações, que estão descritos ao longo do livro. Ficamos a conhecer muitas das pessoas com quem Lief trabalhou entre famílias, professores e alunos. Através da sua leitura podemos acompanhar a vida de alguns dos alunos, testemunhando a eficácia e os obstáculos do trabalho desenvolvido.

A ciência psicológica, particularmente a psicologia social e comunitária (que se centra no estudo das pessoas em contexto, reforçando a força das pessoas que vivem em condições adversas, bem como a força das próprias comunidades), ajuda-nos a perceber o processo de intervenção que foi levado a cabo. Enfatizaram-se valores como a autodeterminação, a participação ativa dos envolvidos (assumindo-se que as pessoas são as que melhor sabem do que necessitam), a importância da prevenção, sobretudo da intervenção precoce, a promoção de sentido de competência e bem-estar através do desenvolvimento comunitário e da ação política e social (Nelson, Kloos, & Ornelas, 2014). Tudo isto está presente na história. A partir desta lente de análise, identificam-se aspetos-chave, que certamente terão sido relevantes para o sucesso da intervenção liderada por Lief. Senão vejamos:

1) o conceito de comunidade, o impacto da intervenção que aqui se descreve inclui necessariamente uma noção de comunidade que contempla, redes relacionais, um local ou um domínio caraterizado pela pertença (que confere um sentido de identidade), um sistema partilhado de símbolos (linguagem e rituais similares), valores e normas partilhados, influência mútua, necessidades comuns, compromisso para as satisfazer e ligação emocional (Chekoway, B. et al., 1993);

2) a noção de risco, já que é sabido que os contextos e as comunidades mais vulneráveis, tal como esta, estão mais suscetíveis ao risco psicológico, social e educacional. As experiências de crianças e jovens podem promover o desenvolvimento de comportamentos de risco ou, por outro lado, atuar como fatores promotores de um desenvolvimento saudável e positivo. O que se vai percebendo ao longo do livro é a forma como diferentes

do livro de Jacob Lief 192 204 n3 . 2025

fatores protetores são promovidos e vão interferindo positivamente no ajustamento e desenvolvimento psicológico e social das crianças e jovens, permitindo aumentar a resiliência, precisamente um dos pilares do método Ubuntu;

3) a importância da relação de qualidade, nomeadamente entre as crianças e jovens e os respetivos cuidadores do projeto. Sabemos que relações de qualidade constroem a fundação das ligações que serão a chave do desenvolvimento da capacidade da criança e do jovem para um comportamento interessado e ativo. Quando a família falha neste aspeto ou por circunstâncias de vida não consegue pô-lo em prática, a figura do adulto significativo (que pode ser um mentor, um professor, um técnico ou um educador), surge como alternativa. A ligação positiva com um adulto é crucial no desenvolvimento de uma capacidade para respostas adaptáveis à mudança e ao crescimento de um adulto saudável e funcional, sendo que, ao longo do livro, encontramos estas figuras de referência em várias passagens;

4) a importância da participação, isto é, proporcionar às crianças e jovens a participação em atividades em que são bem-sucedidas (como as descritas no livro), tem um efeito positivo no seu desenvolvimento. Sabemos que a motivação para a competência está na base de atitudes e comportamentos essenciais para a aprendizagem e desenvolvimento, tais como a curiosidade e a exploração (Lemos, 2005), o que reforça a importância da criação de oportunidades de participação social, em que o comportamento social ajustado e adaptado é estimulado;

5) a ideia de empoderamento, aqui particularmente no âmbito individual e comunitário. O empoderamento psicológico refere-se à capacidade que o indivíduo tem de tomar decisões e de controlar a sua vida pessoal; o empoderamento comunitário diz respeito à ação conjunta dos indivíduos e/ou das organizações para dar resposta às suas necessidades e melhorar as suas condições de vida. A intervenção descrita tornou esta comunidade e os seus membros mais empoderados e capazes de lidar com as adversidades.

Para além destes 5 aspetos-chave referidos, importa realçar que a intervenção que aqui se apresenta redefine a noção de “escalabilidade” da intervenção, tendo-se optado por um modelo de intervenção mais concentrado, sistemático e desenvolvimental (em vez de expandir geograficamente a intervenção), continuada ao longo do tempo, sem interrupções, já que estas poderiam ser sentidas pela comunidade como um abandono, prejudicando as

Recensão do livro de Jacob Lief 193 204 n3 . 2025

relações de confiança com os vários intervenientes locais. Propõe-se um modelo de disseminação, que consiste na criação de uma academia de formação de líderes (líderes Ubuntu), produção de conhecimento e identificação de boas práticas, que permitirá a criação de projetos de intervenção em diferentes contextos.

Em resumo, este é um livro inspirador que nos demonstra como o conhecimento do inconsciente social (de um grupo ou comunidade) pode ser uma ferramenta importante na condução de intervenções psicossociais que permitam uma elaboração do trauma, transformando-o. Foi isto que Jacob Lief fez, confirmando as palavras de São Francisco de Assis: “comece por fazer o que é necessário, depois, o que é possível e de repente estará a fazer o impossível. A capacidade para criar mudança amadurece num indivíduo ao longo do tempo e à medida que pequenos esforços vão conduzindo a esforços maiores.” Bem-haja Jacob Lief!...

Recensão do livro de Jacob Lief 194 204 n3 . 2025

Referências:

Chekoway, B. et al. (1993). Health education and community empowerment.Conceptualizing and measuring perceptions of individual, organizational and community control. Michigan: PCMA – The programo n conflict managemente alternatives, working paper series.

Santos, F. et al (2015). Guia para empreendedores sociais. Manual para transformar o mundo – da visão inspiradora ao sucesso da iniciativa de impacto. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian

Hirschberger, G. (2018). Collective trauma and the social construction of meaning. Frontiers in Psychology, 9, Article 1441.

Lemos, M. S. (2005). Motivação em educação. In Miranda, G. & Bahia, S. (Eds.). Psicologia da Educação. Temas do desenvolvimento, aprendizagem e ensino. Lisboa:Relógio d’ Água Editores.

Nelson, G. Kloos, B. & Ornelas, J. (2014). Community Psychology and Community Mental Health: Towards Transformative Change. Estados Unidos: Oxford University Press.

O NOVO NÚMERO DA REVISTA UBUNTU OFERECE AOS LEITORES E LEITORAS UM NOVO CONJUNTO DE ARTIGOS, DE ÂMBITOS DIVERSOS, QUE MUITO ENRIQUECEM O ESPÓLIO DE INVESTIGAÇÃO DA ACADEMIA DE LÍDERES UBUNTU (ALU).

Assim, inauguramos esta edição liderados por Mwakio Mwagandi, com o artigo Empowering Ubuntu through African Higher Education Institutions, que nos relata a experiência e a avaliação da implementação da ALU na Taita Taveta University (TTU), no Quénia. (…) O artigo O olhar dos estudantes sobre os Clubes Ubuntu: Um estudo sobre o Programa Ubuntu no território educativo de Vila Nova de Gaia, da autoria de Elsa Montenegro Marques e Paula Vieira, procura aprofundar esse conhecimento a partir da análise dos resultados de quatro grupos focais realizados com 15 estudantes (…) selecionados com base na sua participação ativa e envolvimento direto nas atividades dos Clubes Ubuntu. (…) A terceira proposta de leitura é-nos oferecida por Discursos de adolescentes. O método Ubuntu de educação para valores, da autoria de Ana Maria Tomás Almeida, Josélia Fonseca e Eric Rocha. O estudo, baseado na análise dos discursos de 117 adolescentes participantes das Semanas Ubuntu em seis escolas portuguesas(…) identifica fortes indicadores do potencial pedagógico do método Ubuntu (…). A quarta proposta de leitura é-nos oferecida por Ana Sofia Rodrigues, Márcia Mariz Carvalho, Carla Faria, Ana Teresa Oliveira e Linda Saraiva, com o estudo[que] detalha a implementação e avaliação do Programa Ubuntu no IPVC - que teve lugar entre os anos de 2022 a 2025 com a participação de 60 estudantes nas “Ubuntu Weeks” e de 179 estudantes nas mais flexíveis “Alu Days” -, analisando o impacto do programa na assunção das competências socioemocionais subjacentes aos cinco pilares Ubuntu.

O quinto e último artigo intitulado Promoção de competências pessoais e sociais em alunos com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) e Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (PDI), de Sílvia Ferreira, debruça-se sobre as adaptações do método Ubuntu tendo em vista promover a participação e o desenvolvimento de competências pessoais e sociais em alunos com PEA e PDI. (…) Este número da revista termina com uma entrevista a Diana Prata e com a recensão do livro I am because you are: How the spirit of Ubuntu inspired an unlikely friendship and transformed a community.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.