Império, vol. 1

Page 1

Nota à Edição Portuguesa Tensão na Igreja Católica1 1. Acostumámo-nos a definir o Homem como «animal racional». Esquecemos que essa é uma definição deficiente. Porque o ser humano é um ser em tensão, pois é alguém que tem razão, mas é também um ser com pulsões, e os impulsos fundamentais têm a ver com o prazer, com o ter e com o poder. De algum modo, poderíamos dizer que eles se concentram no poder, um poder que tende sempre para mais poder, para a omnipotência: ser como Deus. 2. No centro do cristianismo está precisamente a revolução na concepção de Deus. Na perspectiva cristã, Deus é omnipotente? Sim, mas o seu poder não é o poder de dominar, mas o poder infinito de criar, de dar, de salvar. Jesus disse que vinha não para ser servido, mas para servir e oferecer a vida. Foi para dar testemunho da Verdade e do Amor, do Deus bom para todos, que Jesus foi até ao fim, condenado à cruz pelos interesses do Templo e pelos interesses do Império. Segundo a fé cristã, na morte, Deus, a quem Jesus se dirigia como Abbá, querido Pai, não o abandonou ao nada. Ele é o Vivente, está vivo para sempre em Deus, como esperança e desafio para todos os que n’Ele crêem. 3. Esta foi a maior revolução da História, de tal modo que os primeiros cristãos, na expectativa da Segunda Vinda iminente de Jesus à Terra para consumar o Reino de Deus – que Ele anunciou por palavras e obras, aquele Reino onde Deus verdadeiramente reina e, por isso, onde não há opressão, onde há justiça, amor, alegria plena, plenitude da vida –, já não se casavam, distribuíam os seus bens pelos pobres, já não trabalhavam, César deixaria em breve de imperar, o poder verdadeiro era o poder de dar e criar. E continuaram dando testemunho de Jesus e do seu Evangelho, que era urgente levar a toda a Terra. 4. Como Jesus não voltava tão rapidamente como esperavam, foi preciso regressar à vida como ela é, também com os seus prazeres, teres, poderes, mas iluminando-a e tentando vivê-la segundo o Espírito de Jesus. E alguma instituição era necessária. O problema consiste em que, lentamente, o Evangelho pareceu esquecido e foi surgindo um Império, uma Igreja imperial, com todas as suas consequências, por vezes brutais e utilizando inclusivamente o Evangelho como meio. 5. É este processo que esta obra, fundamentada num sólido saber científico, histórico e sociológico, e, por vezes, até com humor, quer dar a conhecer. Só posso aplaudir com vigor a sua tradução para português. A Gradiva está, mais uma vez, de parabéns. Significativamente, este primeiro volume termina com a Reforma Gregoriana, de Gregório VII, que não é «uma mudança na Igreja, mas uma mudança de Igreja. O de1

O autor deste texto escreve segundo o Antigo Acordo Ortográfico.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.