Conheça seus limites - Kelly Kapic

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Longe de ser um antídoto preparado às pressas e barato, Conheça seus limites é o produto de anos de reflexão e preocupação, o trabalho de um teólogo cristão maduro e um professor refinado. Seu lugar é entre os livros que, nas palavras de Francis Bacon, deveriam ser “mastigados e digeridos; […] lidos na íntegra, com diligência e atenção”. É um presente de amor à igreja.

Sinclair Ferguson, Reformed Theological Seminary

Kapic partilha mais uma vez sua própria jornada pessoal e, por vezes, confronta as suas próprias questões para revelar a beleza do ritmo pretendido por Deus para a vida num mundo que é movido por prazos, objetivos e extremos. Ele faz perguntas difíceis e profundas para revelar a beleza da ordem criada por Deus e a paz de Cristo que excede todo o entendimento.

Bispo Julian M. Dobbs, Anglican Diocese of the Living Word

Com uma sabedoria característica profundamente enraizada nas Escrituras e na experiência, Kelly Kapic aborda um tópico vital, mas negligenciado. Conforme este livro me ajudou a ver as múltiplas maneiras pelas quais negamos a bondade dos limites, assumi novos compromissos para buscar hábitos novos e mais saudáveis. Não há maneira maior de valorizar e recomendar um livro do que esta.

Daniel J. Treier, Wheaton College; autor de Introducing Evangelical Theology

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Kapic, Kelly M. Conheça seus limites : humanidade, finitude e os planos de Deus / Kelly M. Kapic ; [tradução João Paulo Aragão da Guia Oliveira]. -- São José dos Campos, SP : Editora Fiel, 2025.

Título original: You're only human : how your limits reflect God's design and why that's good news.

Bibliografia.

ISBN 978-65-5723-432-7

1. Antropologia teológica - Cristianismo 2. Finitude 3. Imagem de Deus 4. Vida cristã I. Título. 25-294823.0

Elaborado por Eliete Marques da Silva - CRB-8/9380

Conheça seus limites: Humanidade, finitude e os planos de Deus

Traduzido do original em inglês

You’re only human: how your limits reflect God’s design and why that’s good news

Copyright © 2022 por Kelly M. Kapic. Todos os direitos reservados.

Originalmente publicado em inglês por Brazos Press, uma divisão da Baker Publishing Group 6287, Grand Rapids, MI 49516-6287 www.brazospress.com

Copyright © 2022 Editora Fiel Primeira edição em português: 2025

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária.

CDD-233

PROIBIDA A REPRODUÇÃO DESTE LIVRO

POR QUAISQUER MEIOS, SEM A PERMISSÃO

ESCRITA DOS EDITORES, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª ed. (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica.

• Diretor: Tiago J. Santos Filho

Editor-chefe: Vinicius Musselman

Editora: Renata Cavalcanti

Coordenação Gráfica: Michelle Almeida

Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira

Preparação: Gabriel Lagos

Revisão de Provas: Zípora D. V. de Lima

Diagramação: Caio Duarte

Capa: Caio Duarte

ISBN brochura: 978-65-5723-432-7

ISBN e-book: 978-65-5723-431-0

Caixa Postal, 1601 CEP 12230-971

São José dos Campos-SP PABX.: (12) 3919-9999 www.editorafiel.com.br

Jonathan, meu filho amado, você me ensinou tanto sobre coragem e determinação diante da finitude, sendo ao mesmo tempo um defensor apaixonado dos vulneráveis. Sou muito grato por você.

SUMÁRIO

PARTE 1: PARTICULARIDADE E LIMITES

1. Eu fiz o bastante?

Encarando nossa finitude .................................................................. 13

2. Deus me ama? Crucificado… mas ainda vivo ......................................................... 33

3. Os limites do meu corpo são maus? Graças a Deus por Maria ................................................................ 63

4. Por que o toque físico importa? Imagens, traumas e adoração corporificada...................................

5. A identidade é puramente autogerada? Compreendendo o self no contexto ................................................

PARTE 2: DEPENDÊNCIA SAUDÁVEL

6. Entendemos mal a humildade? Realismo alegre ................................................................................. 161

7. Tenho tempo suficiente?

8. Por que Deus não me transforma de uma vez?

9. Preciso fazer parte da igreja?

10. Como viver fielmente em nossa finitude?

E LIMITES PARTE 1

PARTICULARIDADE

CAPÍTULO 1: EU FIZ O BASTANTE? ENCARANDO NOSSA FINITUDE

“O resultado de uma vida ocupada é que ela raramente permite que um indivíduo forme um coração.”

Søren Kierkegaard, registro de diário

Muitos de nós não conseguimos entender que nossas limitações são um presente de Deus e, portanto, são boas. Isso produz em nós o fardo de tentarmos ser algo que não somos nem podemos ser.

Fora do controle

A finitude da condição de criatura é menos uma ideia que descobrimos e mais uma realidade com a qual nos deparamos.

Todd e Liz estavam casados há muitos anos e não tinham filhos, então a gravidez repentina de Liz os encheu de alegria e expectativa. Iriam ter um bebê, mas ainda não tinham descoberto se era menino ou menina, muito menos escolhido seu nome. No entanto, sem mais nem menos, as coisas saíram do controle. O bebê nasceu prematuro, com apenas 25 semanas, três dias após o Natal. A alegria deles havia se transformado em alarme. Sem saber quanto tempo ele viveria, imediatamente

lhe deram o nome de Findley Fuller, em homenagem aos sobrenomes de solteira de suas mães. Liz e Todd me disseram que, sem saberem se ele viveria ou morreria, escolheram um nome para o filho que refletisse seu lugar em uma família maior e uma história maior. Ele não estava sozinho; os pais confiaram seu filho e sua história ao Deus dos vivos.

A medicina de séculos ou mesmo décadas anteriores não teria sido capaz de salvar a vida de Finn. Ele precisava de cuidados 24 horas por dia e, mesmo com os avanços médicos, o prognóstico não parecia tão bom. Ele sobreviveria a mais uma noite, uma semana? Seu sistema era muito frágil: mostrava dificuldades com tudo, de respiração a convulsões, de infecções a perigos para seus olhos tão jovens. Cada dia trazia não apenas uma nova esperança, mas também novos obstáculos. Finn era um garotinho forte e um guerreiro, porém as probabilidades não pareciam boas.

Depois de algumas semanas com seu filho lutando pela vida, apesar de sua exaustão, Todd encontrou forças para escrever uma atualização sobre a condição do bebê no site CarePage, 1 comentando: “Tudo isso traz muitos novos medos e ansiedades para Liz e para mim. Mas confiamos na fidelidade, misericórdia e no amor de Deus. E temos confiança na equipe médica da UTI neonatal. Reconhecemos o medo, porém nos apegamos à esperança.” Todd então nos lembrou que estava escrevendo no Dia de Martin Luther King Jr. e citou esse ministro americano defensor dos direitos civis, o qual declarou certa vez: “Devemos aceitar uma decepção finita, mas nunca devemos perder a esperança infinita.”2 Todd então finalizou: “Deus é capaz.” Ele não mencionou nossos limites como uma desculpa para os médicos desistirem, e sim como o contexto para seus melhores esforços. Somente Deus era e é infinito.

1 N.T.: Site descontinuado, onde era possível postar atualizações sobre condições de saúde e tratamento, para se comunicar com familiares ou amigos.

2 Martin Luther King Jr., “Shattered Dreams”, em Strength to Love (Boston: Beacon, 1981), p. 94.

Finito, adj.s.m. Que ou o que tem um fim, um limite.

Finitude, s.f. Qualidade, propriedade ou condição do que é finito; fato de ser qualitativamente finito, limitado.

Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

A vulnerabilidade da vida de seu filho lembrou Todd e Liz de seu próprio lugar minúsculo e relativamente frágil diante de um cosmos incompreensivelmente enorme e ameaçador. De pé no hospital ao lado de Findley, eles estavam bastante cientes de que, desde um asteroide estranho até aos germes cotidianos, as partes do mundo que podem nos machucar muitas vezes operam além do nosso controle ou mesmo da nossa previsão. Entregaram seu filho recém-nascido aos cuidados dos médicos, porém ainda mais aos cuidados de Deus. Ainda assim, mesmo com isso, como alguém “aceita a decepção finita” enquanto mantém a “esperança infinita”? Excelentes enfermeiros e médicos estavam dando tudo o que tinham para preservar a vida do pequeno Finn, e Todd e Liz sabiam que o infinito Deus da graça e do amor se importava mais com eles e com seu filho do poderiam imaginar, então se confortavam nisso. Contudo, quando a imperfeição do mundo atinge nossas limitações humanas, isso sobrecarrega nossas emoções, vontade e compreensão para além de nossas capacidades.

Todos nós oscilamos entre a ilusão de que estamos no controle e a demonstração do mundo de que não estamos. Graças a Deus, Finn sobreviveu e floresceu, conforme os meses e agora os anos se passaram: como você pode imaginar, seu batismo e primeiro aniversário foram grandes celebrações! Não obstante, as memórias daquele tempo assustador e humilhante de sua vida lembram Todd e Liz e seus amigos de que os limites de nossa capacidade para lidar com a vida estão mais próximos do que gostaríamos.

Seja por uma tragédia ou simplesmente como resultado do envelhecimento, todos somos repetidamente lembrados de que consistimos em

criaturas frágeis e dependentes.3 Mas não são apenas nossos corpos que nos enfrentam com esses limites incômodos — também os vemos em um colega de trabalho com maiores dons intelectuais do que os nossos, ou um colega atleta que é muito mais rápido, ou um pai idoso cujo declínio de sua estabilidade emocional e psicológica ameaça a saúde de nosso relacionamento com ele. Temos muito menos controle do mundo e até de nós mesmos do que gostaríamos de imaginar. Algumas pessoas respondem vivendo como vítimas passivas, enquanto outras agressivamente tentam controlar o máximo possível.

Sabemos que nossas ações importam, e muito. Um médico que estudou muito costuma ser melhor do que aquele que simplesmente queria passar nos exames. Os pais que desejam ser atenciosos com a criação de seus filhos, buscando evitar erros que herdaram de seus próprios pais, são melhores do que guardiões negligentes. Infelizmente, os pacientes ainda morrem em cirurgias sob os cuidados de excelentes médicos, e os pais dedicados presumem equivocadamente que podem fazer tudo perfeitamente “certo”, ignorando seus próprios pontos cegos, fatores culturais maiores e diferenças de personalidade. O que fazemos importa. Podemos e conseguimos mudar as coisas. Todavia, quando supomos que podemos controlar todas as nossas circunstâncias, logo descobrimos que não podemos. Não dizemos isso, mas vivemos como se o peso do mundo estivesse em nossos próprios ombros; e isso nos esgota. Por trás do sorriso paciente em nosso rosto, escondemos uma raiva persistente pelas intermináveis demandas a serem atendidas, sonhos não realizados e decepções relacionais.

3 Embora possa surpreender alguns, a teologia escolástica reformada clássica afirmava que as criaturas humanas foram feitas “materiais, dissolúveis, mortais” e, no entanto, “por isso só é reconhecido […] que o corpo do homem podia morrer, não que tivesse de morrer”. Johannes Heidegger, Corpus Theologiae (1696), vol. 6, p. 92, citado em Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics (Grand Rapids: Baker, 1978), p. 231.

O estranho é que, mesmo quando nos deparamos com nossos limites inevitáveis, muitas vezes nos apegamos à ilusão de que, se ao menos nos esforçarmos mais, se simplesmente tentarmos mais, se nos tornarmos mais eficientes, poderemos um dia recuperar o controle. Imaginamos que podemos manter nossos filhos seguros, nossas rendas garantidas e nosso corpo inteiro. Quando me queixo de estar envelhecendo, minha esposa às vezes ri e me responde: “Você tem duas opções: ou está envelhecendo, ou está morto.” Negar nossa finitude nos limita de maneiras que não percebemos, além de distorcer nossa visão de Deus e de como deve ser a espiritualidade cristã.

A finitude é um aspecto inevitável de nossa existência como criaturas. Percebemos isso constantemente e de maneiras diferentes. Se prestarmos atenção, poderemos notar. Não é preciso um acidente de carro ou uma visita inesperada ao hospital para descobrirmos nossos limites e dependência. Mas estamos ouvindo? Reconhecemos os sinais? Eles estão ao nosso redor. Muitas vezes nossa vida é um testemunho de que acreditamos que realmente podemos e devemos fazer tudo. Thomas Merton, com base em uma observação de Douglas Steere, comentou certa vez:

Há uma forma popular de violência contemporânea à qual o idealista sucumbe com mais facilidade: ativismo e excesso de trabalho. A pressa e a pressão da vida moderna são uma forma, talvez a forma mais comum, de sua violência inata. Deixar-se levar por uma multidão de preocupações conflitantes, render-se a muitas demandas, comprometer-se com muitos projetos, querer ajudar a todos em tudo, é sucumbir à violência. O frenesi do nosso ativismo neutraliza o nosso trabalho pela paz.

Ele destrói nossa própria capacidade interior de ter paz. Destrói a fecundidade de nosso próprio trabalho, porque mata a raiz da sabedoria interior que torna o trabalho frutífero.4

Merton escreveu isso há mais de cinquenta anos, porém sua preocupação é ainda mais relevante agora do que era naquela época.

O peso esmagador da expectativa

Você está exausto? Experimenta um sentimento constante de culpa sobre não conseguir fazer muito a cada dia? Está sobrecarregado por uma sensação de que há muito a fazer e você não está tendo quase nenhum progresso? Como estão seus planos, esperanças e sonhos?

Uma das áreas que eu não planejava investigar em minhas pesquisas para este livro, mas que se mostrou verdadeiramente significativa, foi o sistema educacional americano. Dediquei mais atenção às escolas e faculdades. O que notei foi como os padrões educacionais que aprendemos lá muitas vezes promovem expectativas insalubres de quanto se deve “dar conta” em um dia. Agora, antes de falar mais a respeito, deixe-me esclarecer que isso parece afetar mais as escolas públicas e privadas de renda média e alta do que as escolas em áreas de baixa renda. Dito isso, aqui está um dia comum para muitos alunos do ensino médio norte-americano:

• Sair de casa para a escola por volta das 7h30 ou mais cedo.

• Assistir a aulas até as 15h30.

• Ir imediatamente para atividades extracurriculares (esporte, teatro etc.) até as 18h ou 19h.

• Correr para casa; jantar e banho rápidos.

4 Thomas Merton, Conjectures of a Guilty Bystander (Nova York: Image Books/Doubleday, 1965), p. 81.

• Em seguida, pelo resto da noite, estudar quase sem parar a lição de casa, terminando e indo para a cama às 22h30 ou mais tarde.

Esse cronograma básico parece dolorosamente familiar para meus próprios alunos, mas eles hesitam em admitir o custo que lhes exige. Absorveram a visão de que esse padrão é moralmente “certo” e “esperado”: ocupe seu dia da manhã até a hora de dormir com o máximo de coisas possível. Consequentemente, muitos alunos que estão correndo assim e não conseguem dar conta passaram a acreditar que são uma decepção, são fracos ou algo pior. Eles não conseguem dar conta, e equiparam essa incapacidade a uma deficiência moral de sua parte. Acrescente a isso os desafios de entrar na faculdade, e eles chegam à visão inquestionável de que obter certas notas não é algo apenas valioso, mas também define seu valor. É fácil para os adultos dizer que “notas não são tudo”, enquanto todas as nossas outras ações e palavras ensinam os alunos a não acreditar nesse conforto pretendido. Portanto, tirar uma nota 8, ou pior, um 7, não é apenas tido como o reflexo das dificuldades do aluno em uma matéria; muitas vezes é subconscientemente usado como sua avaliação moral.

Sou um professor universitário que lida regularmente com alunos. Qualquer um que se proponha a ouvir descobrirá que eles costumam viver ao menos com certo sentimento de culpa por tudo que não conseguem fazer. Tantas páginas não lidas, tarefas intermináveis que fizeram às pressas, atividades que perderam e amizades que negligenciaram ou nunca formaram. Claro, é fácil dizer que eles não estão usando bem seu tempo, que eles se distraem demais (o que às vezes é verdade!), mas essa afirmação geralmente funciona como uma desculpa fácil para não considerar, de maneira honesta, se há algum problema no modo como configuramos as coisas na educação formal. Curiosamente, alguns alunos também me dizem que não se sentem tão culpados por não fazerem todas as tarefas, pois acreditam que seus professores (incluindo eu)

A forma como eu passo este dia comum em Cristo é como passarei minha vida cristã.

Tish Harrison Warren, Liturgia do Ordinário

têm expectativas muito irreais; acreditam que não há como fazer tudo o que se espera deles em uma semana. Em outras palavras, não apenas os alunos, mas também os professores mostram dificuldades em terem expectativas realistas ou entenderem o quanto as tarefas exigem em termos de esforço e tempo. Por isso, alguns alunos se desligam enquanto outros freneticamente tentam acompanhar, mesmo quando sentem que estão se afogando aos poucos. Contudo, esse não é um desafio apenas para alunos e professores. No meu trabalho, sempre há pessoas e projetos que precisam de mais atenção do que consigo lhes dedicar. Outros enfrentam frustrações semelhantes: o operador do armazém sempre pode ser mais eficiente em lidar com o estoque; o corretor de imóveis nunca vende casas o bastante; a dona de casa parece nunca conseguir chegar àquele canto bagunçado num cômodo específico. Os conselheiros poderiam ter feito perguntas melhores; os professores poderiam estar mais bem preparados a cada dia para as aulas; e os alunos gostariam de conseguir concentrar sua atenção por mais tempo. Os recepcionistas poderiam ser mais organizados e eficientes, enquanto os gerentes sonham em ser mais proativos do que reativos. Todos nós colidimos constantemente com nossos limites. Suas circunstâncias de trabalho provavelmente são diferentes das minhas, porém nós dois nos perguntamos se fizemos “o bastante”. Será que estamos sendo movidos pelos impulsos errados e temos os objetivos errados em mente?

E as preocupações eclesiásticas e missionárias? Devemos orar, escrever mensagens encorajadoras e oferecer refeições aos necessitados. Inúmeras organizações excelentes precisam desesperadamente de tempo e recursos para poderem cuidar dos pobres, adotar os órfãos e ajudar os aprisionados; no entanto, com que frequência eu participo? E, quando o faço, quase sempre parece uma pequena gota em um enorme

e vazio balde de necessidades. Eu não deveria fazer mais? Então, quando sinto meus limites, sou tentado a fingir que esses problemas não são tão ruins ou que Jesus não disse que eles exigem a atenção de seu povo. Talvez ajudar os pobres e órfãos seja opcional, não essencial. Talvez a oração seja uma ótima ideia, mas não tão necessária assim. Entretanto, tal negação também não é saudável, pois distorce nossa visão de Jesus e deforma nossa compreensão do próprio Deus. O que devemos fazer então? Como devemos reagir a essas necessidades do evangelho e à nossa própria capacidade limitada de responder a elas?

Ademais, há o meu corpo. A cada ano que passa, o metabolismo desacelera, as dores aumentam e há a inegável sensação de que ele precisa de mais atenção, desde a comida que consumo até o exercício de que preciso para compensar meus padrões de trabalho sedentário. Negligenciar o cuidado com o nosso corpo tem consequências maiores do que queremos admitir: os problemas não estão apenas relacionados à nossa cintura, mas aos nossos relacionamentos e inúmeras outras áreas da vida. O livro de Provérbios há muito tempo nos alerta que usar mal nosso corpo ou nunca restringir nossos apetites podem produzir consequências negativas (por exemplo, Pv 20.1; 23.1-3, 20-21; 25.16, 27).

E quanto à minha mente? Sou um acadêmico, sou pago para passar minhas horas estudando, ensinando e escrevendo. Adivinhe: eu simplesmente não consigo dar conta — longe disso! Por favor, não conte a ninguém. Novos livros e artigos aparecem todas as semanas. Além disso, conheço mais pessoas a cada ano, incluindo novas safras de alunos e pessoas novas na igreja — esqueço tantos nomes, que chega a doer. Ou, mais precisamente, dói lembrar de tão poucos nomes. Minha mente simplesmente não consegue acompanhar as demandas intermináveis… e sinto-me culpado por isso. Quando Paulo nos chama para renovar a nossa mente (Rm 12.2), o que isso exige de nós? E por que sempre abordamos essas questões presumindo que a meta ou modelo é um gênio idealizado, em vez de olhar para pessoas com QIs severamente limitados

que, não obstante, amam profundamente a Deus e ao próximo? Talvez tenhamos valorizado o nosso cérebro de uma forma errada, distorcendo nossa visão de ser humano.5

E a família? Sou pai de dois filhos incríveis — isso deveria ser fácil, já que conheço pessoas com quatro filhos ou mais. No entanto, sempre seria possível passar mais tempo com os dois; mais tempo jogando cartas, rindo, conversando ou apenas estando juntos. Da mesma forma, sou casado, e qualquer cônjuge autorreflexivo logo reconhece suas deficiências. Quero ser mais ponderado, mais atencioso; há sempre mais a ser dado. Todos nós poderíamos fazer mais para incentivar, capacitar e cuidar do nosso cônjuge. E como estou cuidando do relacionamento com os parentes, espalhados por todo o país? Não deveria fazer mais contato?

Não seria bom nos reunirmos com mais frequência?A lista poderia seguir tocando outras esferas da vida, do cuidado da casa à educação, do envolvimento com a comunidade à recreação. Área após área, sentimos nossas deficiências, nossos anseios de ser mais, de fazer mais, e ainda assim nos deparamos com nossos limites. Logo, como devemos responder a essa culpa e às infinitas necessidades e demandas?

Um problema de gerenciamento de tempo?

Aqui enfrentamos uma questão crucial: essa insatisfação sempre significa que pecamos? Ou há algo mais acontecendo? Somos obrigados a superar essas supostas deficiências? Alguns tratam tais limitações

5 Ver Kelly M. Kapic, “Anthropology”, em Christian Dogmatics: Reformed Theology for the Church Catholic, ed. Michael Allen e Scott R. Swain (Grand Rapids: Baker Academic, 2016), p. 165–193. Para uma discussão mais aprofundada sobre esse assunto, ver, p. ex., Brian Brock e John Swinton, Disability in the Christian Tradition: A Reader (Grand Rapids: Eerdmans, 2012); Hans S. Reinders (ed.), The Paradox of Disability: Responses to Jean Vanier and L’Arche Communities from Theology and the Sciences (Grand Rapids: Eerdmans, 2010).

como indicações de uma deficiência moral ou como um obstáculo em uma competição que pode e deve ser superado.

Uma resposta comum no Ocidente é buscar seu aperfeiçoamento através de uma maior organização na própria vida. Vasculhamos a internet em busca de artigos breves sobre gerenciamento de tempo, pois há muito já desistimos de ler livros inteiros. Às vezes, decidimos acordar mais cedo ou ficar acordados até mais tarde, na esperança de acrescentar mais uma ou duas horas de produtividade à nossa vida. Como não podemos adicionar mais horas ao dia, tentamos mudar a nós mesmos. Tentamos fazer mais, ser mais.

Normalmente, a esta altura da argumentação, chamamos a atenção para quanto tempo de televisão assistimos em média, quanto tempo é perdido consumindo conteúdo digital e jogos sem valor. Mas e se o nosso problema não for o gerenciamento do tempo? E se, em vez de ser a causa de nossos problemas, a atração das distrações anestesiantes nas telas for um sinal de uma doença mais profunda? Talvez o escapismo revele uma doença em nossa alma que temos negligenciado. E, em vez de serem apenas um problema para o “mundo” lá fora, esses são sinais aos quais os cristãos também devem prestar atenção.

Acho que temos um problema enorme, porém não é um problema de gerenciamento de tempo. É um problema teológico e pastoral.

Há alguns anos, fui entrevistado em um podcast por uma mulher que havia lido minha obra Pequeno livro para novos teólogos e queria falar sobre isso.6 Parte do que tornou essa entrevista estimulante foi que a maior parte de seu público eram mães que passavam seu tempo

6 Kelly M. Kapic, Pequeno livro para novos teólogos (São Paulo: Cultura Cristã, 2016).

cuidando dos filhos pequenos. Ela queria que suas ouvintes descobrissem como a teologia era relevante para a vida de cada uma.

Perto do final da entrevista, ela perguntou: “Algum outro grande conceito teológico em que nós, mães, devemos nos especializar?” Ela aparentemente pensou que eu usaria essa pergunta simples para falar sobre soberania divina ou alguma outra doutrina muito elevada, mas em vez disso minha resposta foi: “Finitude humana.” Ela ficou um tanto surpresa. Minha resposta surgiu da minha preocupação de que muitos de nós, cristãos norte-americanos, temos uma doutrina da Criação muito fraca e subdesenvolvida. Esse é um problema que posso apenas mencionar por cima aqui, porém revisitarei esse ponto em um capítulo posterior.

O que quero dizer é que devemos redescobrir que sermos criaturas dependentes é um dom construtivo, não uma deficiência. Leitores espertos podem até notar que usar “dependente” como adjetivo para “criatura” é basicamente redundante — não há criaturas que não sejam, por sua própria natureza, seres dependentes. Nossa dependência não aponta apenas para ideias abstratas da providência divina, mas toma forma concreta quando precisamos dos outros, da terra, de instituições e tradições. Devemos aprender o valor e a veracidade de nossa finitude, chegando enfim ao ponto em que podemos até louvar a Deus por nossos limites. Eu não disse louvá-lo pelo mal: precisamos ver a diferença entre o dom da finitude (ou seja, os limites humanos) e a realidade lamentável do pecado e da miséria.7

Voltando à entrevista, não foi difícil fazer a conexão entre finitude e criação dos filhos. Nossos filhos não precisam ser bons em tudo. Na verdade, eles não deveriam ser bons em tudo! E, quando finalmente acreditamos e abraçamos essa realidade, isso liberta nossos filhos (e a

7 Para mais informações sobre a minha abordagem ao problema do sofrimento e da dor e como eles se relacionam com a tragédia do pecado, veja Embodied Hope: A Theological Meditation on Pain and Suffering (Downers Grove: InterVarsity, 2016).

Como seres deficientes, os humanos correm o risco de entrar em um frenesi de atividade e, assim, destruírem a si mesmos.

Ingolf U. Dalferth, Creatures of Possibility

nós!). Agora podemos começar a nos deleitar em outras pessoas, em vez de vê-las como desafiantes a serem superados. Quase de imediato, a apresentadora respondeu de uma forma muito agradável. Embora ela tenha dito que isso “tinha vindo do nada”, começou a fazer muitas conexões maravilhosas, desde a inclinação dos pais a sobrecarregar a vida de seus filhos, até como eles imaginam que seus filhos deveriam ser estrelas em tudo. Lares assim são consumidos por atividades e têm pouco espaço para descanso e reflexão. Os relacionamentos permanecem superficiais quando todos, dos filhos aos pais, estão sempre tentando ser os melhores e vencer. Essa expectativa distorcida — percebida ou não — necessariamente faz com que todos nós saiamos como perdedores em vez de vencedores. Assim, inscrevemos as crianças em mais atividades, esperando que acabem tendo sucesso. E, até que realmente tenham sucesso, mentimos para elas e dizemos que são incríveis em tudo, esperando que um dia isso seja verdade. As crianças começam a acreditar que o problema não está em suas próprias deficiências, mas nos juízes, nos professores, em seus colegas — em qualquer um e em todos, exceto nelas mesmas. Embora tenha como objetivo incentivar a autoestima e o sucesso de nossos filhos, essa estratégia acaba minando sua autoestima e autoimagem no longo prazo, porque o mito de sua “excelência” em tudo não pode ser sustentado. Em algum momento, o curso da vida evidenciará o que receberemos como verdades dolorosas: não somos os melhores, os mais brilhantes, os mais capazes. Há sempre pessoas mais fortes, mais bonitas, mais inteligentes. Em algum momento, a ilusão desmorona, e, quando isso acontece, as consequências podem ser devastadoras. Como professor universitário, frequentemente vejo jovens adultos tendo de encarar esses fatos tão difíceis que haviam sido, de várias maneiras, escondidos

deles. Mas nenhum pai “presente” ou mesmo “superprotetor” pode proteger seu filho para sempre. Cada um de nós deve enfrentar seus limites e fraquezas em algum momento, querendo ou não.

Finitude não é pecado

Vivemos em um mundo caído. O pecado afetou tudo, da cabeça ao coração, da química do nosso corpo até as dinâmicas sociopolíticas. Por causa disso, às vezes atribuímos erroneamente todos os nossos problemas ao pecado, quando muitas vezes eles são, na verdade, consequência de correr contra os limites inerentes a sermos criaturas finitas e não Deus.

Somos, pelo bom desígnio de Deus, finitos. Para os propósitos deste livro, quando digo “finito”, normalmente estarei me concentrando nos limites humanos bons e criados: todas as criaturas são limitadas pelo espaço, tempo e poder, e nosso conhecimento, energia e perspectiva também sempre foram limitados. Em outras palavras, por favor, não leia necessariamente “morte” na palavra “finitude” conforme usada aqui, pois isso levanta todo um conjunto de questões diferentes e não é, em geral, meu foco nestas páginas. Este livro enfoca os limites que fazem parte do ato original de Deus ao nos criar, ao qual ele chamou “bom”.

Muitas vezes, quando nos apressamos para atender a todas as expectativas que nos cercam e olhamos para nossas intermináveis listas de tarefas, desejamos nos tornar infinitos em capacidade. Pensamos: “Se eu tivesse mais tempo, energia e habilidade, então poderia fazer tudo, o que deixaria a mim e a todos os outros felizes.” Mas atender a expectativas infinitas exigiria possuirmos os atributos e prerrogativas infinitos de Deus em nós. Às vezes, espreitando sob nossos desejos de expandir nossas habilidades, está a tentação silenciosa: “Se eu fosse o Criador infinito, não uma criatura finita…”

Na verdade, esse impulso de rejeitar nossos limites como criaturas é tão antigo quanto o próprio pecado. Gênesis nos mostra que Deus fez

tudo o que não é Deus, e tudo o que ele fez foi “bom” (Gn 1). Mas logo encontramos uma serpente que parece surgir do nada e levanta uma questão inquietante: “É assim que Deus disse…?” (3.1). Usando suas palavras para distorcer a imaginação de sua ouvinte, a serpente declara: “Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (3.5). Sutilmente insinuando dúvida e incerteza, a serpente introduz desconfiança no relacionamento divino-humano.

Com essas táticas indiretas, a serpente encoraja seus ouvintes a imaginar que podem e devem saber mais; eles devem ser mais. Ela implica que os limites dados por Deus são uma falha a ser superada, e não um dom benéfico a ser honrado. Esse conhecimento não tem a ver apenas com informação, nem meramente com moralidade, mas, como observa Gerhard von Rad, estudioso do Antigo Testamento, diz respeito ao “domínio” de “todas as coisas”. Von Rad explica ainda: “Ao se esforçar para ampliar seu ser em direção ao divino, buscando uma intensificação divina de sua vida além de suas limitações de criatura, isto é, ao querer ser como Deus, o homem deixou a simplicidade da obediência a Deus.”8 O homem e a mulher desprezaram seus limites de criaturas como falhas em vez de dádivas, barreiras que os impediam de obter qualidades divinas. Morder o fruto era apenas o sinal externo da terrível mentira em que a serpente os fez acreditar.

Embora fossem o auge da Criação de Deus na narrativa de Gênesis, eles ficaram insatisfeitos, rejeitando o amor para ganhar poder. Serem criaturas finitas, conquanto feitas à imagem divina, simplesmente não era suficiente. Deus dera a Adão e Eva a plenitude do jardim e muitas outras ricas dádivas; por isso, o pecado original assume a forma

8 Gerhard von Rad, Old Testament Theology, vol. 1, The Theology of Israel’s Historical Traditions (Nova York: Harper & Row, 1962), p. 155. [Edição em português: Teologia do Antigo Testamento (São Paulo: ASTE, 2006).]

O limite do ser humano está no centro da existência humana, não na margem. […] Lá onde está a fronteira — a árvore do conhecimento — está também a árvore da vida, isto é, o próprio Deus que dá a vida. Deus é ao mesmo tempo o limite e o centro de nossa existência.

Dietrich Bonhoeffer, Criação e Queda

de tomar a única coisa que não lhes foi dada. 9 Em vez de perceber essa limitação também como uma boa dádiva, eles a viam, em ingenuidade e ganância, como uma oportunidade, como crianças duvidando de seus pais quando estes lhes mandam não enfiar o dedo numa tomada. Os pais não estabelecem tais limites por desrespeitarem ou odiarem seus filhos, mas porque os amam e reconhecem o perigo de ignorar seus limites naturais. O choque poderia matá-los!

Assim, do capítulo 3 em diante, Gênesis fala de nosso desconforto com quaisquer restrições divinas, passando da obediência à desobediência. Como Von Rad afirma: “Começou um movimento em que o homem se imagina cada vez mais poderoso, cada vez mais titânico.”10 De fato, a narrativa de Gênesis parece representar uma mudança da boa ordenação original da Criação para uma desordem: o shalom é interrompido. E agora todos nós vivemos nessa relação desordenada com nossos limites.

Então, qual o significado de sermos criaturas e não Deus? Qual o significado de termos esses talentos e recursos e não todos os talentos e recursos? Qual o significado de sermos finitos, particulares e enraizados, e não infinitos, universais ou acima de todas as circunstâncias locais? Responder com honestidade a essas perguntas mudará a forma

9 Eu expandi esse tema mais completamente em The God Who Gives: How the Trinity Shapes the Christian Story (Grand Rapids: Zondervan, 2018), especialmente caps. 1–2. 10 Von Rad, p. 160.

como imaginamos o mundo, a nós mesmos e nosso relacionamento com Deus e com os outros.

Reconhecermos e nos alegrarmos com nosso tipo particular de finitude é um grande desafio, especialmente no Ocidente rico e ambicioso. Isso aparece não apenas em nossas expectativas irrealistas sobre o quanto podemos realizar em um dia, mas também em nossa incapacidade de valorizar o descanso e os relacionamentos de crescimento lento. Esse problema assume muitas formas, desde expectativas inadequadas colocadas em nossos filhos até práticas desumanizadoras no ambiente de trabalho. Os cristãos muitas vezes se esgotam com o excesso de compromisso com as atividades ou ministérios da igreja; ou vão para o extremo oposto, nunca se voluntariando para nada porque temem as demandas intermináveis que virão quando se comprometerem. Muitas vezes, as opções são tentar fazer tudo ou simplesmente não fazer nada. Nesse caso, como podemos proceder? Quero que dediquemos um tempo para pensar com cuidado sobre nossa condição de criatura. Isso revelará limites, dependência, amor, confiança na graça de Deus e adoração. Examinaremos a alegria de ser criatura e a liberdade de descansar nas promessas do Criador. Vamos questionar ideais prejudiciais e irrealistas e começar a reconhecer a bagunça de nossas vidas complexas. Ao fazermos isso, os seguintes conceitos centrais guiarão minhas reflexões:

1. Não temos nenhuma exigência de sermos infinitos — o infinito é reservado apenas para Deus. Em vez disso, dentro e por meio dos nossos limites de criaturas, somos chamados a amar a Deus com todo o nosso coração, alma, mente e força e a amar o nosso próximo como a nós mesmos. Em outras palavras, amar a Deus e ao próximo está completamente dentro do alcance da finitude da criatura. Isso nos leva à minha segunda observação orientadora.

2. Precisamos parar de pedir (ou sentir que devemos pedir) o perdão de Deus quando não conseguimos fazer tudo, e precisamos pedir perdão por termos imaginado que conseguiríamos!

Essas e outras reflexões ao longo do livro são construídas sobre algumas afirmações teológicas básicas:

• Deus é o bom Criador que nos projetou como boas criaturas.

• Parte do que é bom em ser uma criatura é ter limites.

• A encarnação é o grande sim de Deus à sua Criação, incluindo os limites humanos.

• Deus projetou a pessoa para a comunidade e a comunidade para a pessoa.

• O Criador também é o Sustentador e Redentor.

• Nunca somos chamados a nos relacionar com Deus de outra forma senão como criaturas humanas.

• O objetivo de Deus para a humanidade é que amemos a Deus, ao próximo e ao resto da Criação.

Uma vez que nos vemos dentro dessa estrutura, onde nossa finitude de criaturas desempenha um papel bom e essencial, as pressões para cumprir expectativas infinitas assumem uma aparência diferente. Começamos a nos relacionar com Deus e com os outros de maneira mais frutífera: não aspiramos mais a ter capacidade infinita — esse é o trabalho de Deus! Nós o adoramos como ele nos fez: criaturas dignas, propositais, vulneráveis e finitas. Não pedimos desculpas por nossas necessidades de criaturas e dependência dos outros, pois descobrimos que foi assim que Deus nos fez, e isso é bom.

Este livro tem como objetivo nos ajudar a descobrir o significado teológico e pastoral de abraçar o dom de sermos limitados: é apenas parte

de sermos humanos. Cada capítulo explorará uma questão diferente que nos permite olhar para nossos limites na condição de criaturas em que nos encontramos de uma perspectiva ligeiramente distinta. Já observamos que muitas vezes sentimos que não fizemos o bastante, o que levanta uma preocupação incômoda: Eu sou o bastante? Se quisermos responder bem a isso, devemos fazer a pergunta central (que veremos no cap. 2): O que Deus pensa de mim? Não da humanidade genérica, mas de mim, na minha singularidade, na minha particularidade, na minha pequenez. Como me relaciono com Cristo sem deixar de ser eu? Em seguida, consideraremos a humanidade particular do filho de Maria, incluindo sua fisicalidade: isso nos dará um reconhecimento mais profundo e realista de nossa própria humanidade (cap. 3). A partir daí, exploraremos por que nosso corpo está necessariamente ligado à nossa autopercepção, relacionamentos e até adoração: um aspecto de nossa composição original é que adoramos em nosso corpo e por meio dele; portanto, ignorar ou abusar do corpo de uma pessoa tem consequências significativas (cap. 4). Deus fez cada um de nós com particularidades distintas, com corpos e personalidades diferentes, mas não para sermos indivíduos isolados que geram suas identidades por conta própria: nossa identidade está necessariamente ligada às nossas famílias, culturas e contextos históricos (cap. 5). Como o pecado também afetou todos os aspectos de nossa vida, incluindo nossa autocompreensão limitada, devemos navegar cuidadosamente pelo desafio diário de ser um santo que peca.

Tendo estabelecido as bases para o valor de nossa particularidade e limites, passaremos o resto do livro explorando o que é uma interdependência saudável. Examinaremos a humildade: preocupados com os resultados problemáticos de muitas vezes fundamentá-la no pecado, mostramos a verdadeira base da humildade na bondade de nossos limites de criaturas (cap. 6). Em seguida, exploraremos algumas das formas problemáticas de nos relacionarmos com o tempo.

Não temos outra experiência de Deus a não ser a experiência humana. Quando experimento Deus, o que me sustenta é, pelo menos em primeiro lugar, o Deus feito humano.

Emmanuel Falque, The Metamorphosis of Finitude

Cultivar a consciência da presença de Deus pode nos libertar do despotismo do relógio e nos reaproximar de buscas verdadeiramente humanas (cap. 7). Em um tema relacionado, nossa sensação de que nos falta tempo muitas vezes nos leva a querer uma melhoria imediata e radical em nós mesmos. Descobrimos, ao contrário, que Deus tem propósitos ao fazer tudo em seu tempo e que, sendo o próprio processo também um bom aspecto do mundo criado, devemos aprender a honrá-lo em vez de depreciá-lo (cap. 8). Também olharemos para as demandas legítimas aparentemente intermináveis que enfrentamos na igreja, desde proclamar o evangelho até cuidar dos materialmente pobres. Nossa finitude nos ajunta, em dependência uns dos outros na igreja e de nosso Deus. O que é impossível para o cristão individual torna-se possível para a igreja como corpo de Cristo (cap. 9). Por fim, ofereço reflexões práticas sobre quatro padrões de vida que podem nos ajudar a ter uma experiência mais saudável de nossos limites humanos: ritmo, vulnerabilidade, gratidão e descanso (cap. 10).

Examinar algumas de nossas falsas suposições (fora e dentro da igreja) nos mostrará por que temos dificuldades com nossos limites humanos e como celebrar que é bom ser uma criatura do Deus que ama o que fez. Deus se deleita em nossa finitude: ele não fica envergonhado ou chocado com nossa condição de criaturas. Se ele não se desculpa por isso, devemos parar de fazê-lo. Porém, se quisermos reconhecer de que modo isso é bom, precisamos começar perguntando: Como Deus me vê?

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