GALERIA MUNICIPAL DO MONTIJO

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO: 1925–2025
EXPOSIÇÃO COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO: 1925–2025
5 DE OUTUBRO A 22 DE NOVEMBRO 2025
GALERIA MUNICIPAL DO MONTIJO

“Vespeira definia a sua apetência artística como uma herança tripla: da mãe, tecedeira de rendas (que descrevia como dotada de “geometria interior”), viria a inventiva e o gosto pelas letras; do pai, o saber da natureza; e da infância moldada na mutável paisagem da beira-rio, com a sua diversidade cultural, o gosto da irreverência e o fascínio pelo mundo.”
Emília Ferreira, 2013
O que dizer de Marcelino Vespeira? Esta não é uma tarefa fácil. O que dizer de um artista plástico com a sua dimensão? Quando tantos e tão mais sábios sobre o seu trabalho se debruçaram. Por isso, apenas quero aqui vincar que recordar e homenagear Vespeira no centenário do seu nascimento (1925-2025), é para nós um imperativo. Vespeira era um amigo do Montijo, o seu legado confirma-o. Como gesto de generosidade e de ligação afetiva à nossa cidade, doou à autarquia uma coleção de 17 serigrafias, deixando assim uma marca indelével na memória cultural da nossa terra. Poderá revê-las, nesta exposição, estas e as que a família doou após a sua morte. Também aqui estará presente a coleção de Pedro Vespeira, seu filho, a quem deixo, desde já, o meu agradecimento.
A sua produção artística combina um desenho preciso, uma paleta sensual, um sentido de luz rigoroso e uma constante ironia e alegria de viver. Rolando Sá Nogueira, artista plástico e seu grande amigo, dizia que ele desenhava de forma surpreendente. A sua ligação, primeiro ao neorrealismo e depois ao surrealismo, onde se “fixou”, a ousadia, a inquietação e a liberdade do seu traço marcaram profundamente a arte portuguesa do século XX.
Celebrar Marcelino Vespeira é celebrar um criador ímpar que acreditava no valor da partilha da arte, por isso, “Vespeira 100, surrealismo, corpo e liberdade” celebra o seu centenário, mas também a Liberdade!

A Presidente da Câmara Municipal Maria Clara Silva

Ele tomou da pintura, primeiro, o seu lado brilhante, solar, positivo e carnal. E, logo depois, uma espacialidade elástica, sideral e algo inesperada, então; crepúsculos e espumas, cores de artificio, rápidos de luz fulgindo, orquestrações soberbas, astros candentes. E no infinito ao alcance dos olhos. Depois, foi a oposição fusionada dos sexos; a dança paroxística, linear e enfática; a dança encantatória, sem disfarce, do amor. Um longo desenho, sem princípio nem fim, de perseguidor a perseguido, de perseguido a perseguidor, novelo de enlace e desenlace, a forma penetrante, aguda, a forma acolhedora, curva, pronta. Um jogo simétrico, nas suas tão naturais oposições, justaposto como o desejo recomenda. Uma poética de sinais, de descoberta do prazer do corpo inventado como prazer da alma.
Junto de tudo isso, o sentimento de que só a Liberdade cria. E viver assim, sem mais. A um correr do tempo, ora fazendo, ora não fazendo, com ela existindo, ou não. E, sempre, uma linha de água como horizonte. Não se vendo, é certo, colorindo, porém de infância, sabe-se, as margens quentes em que as recordações repousam e euforizam o amor à terra, às pessoas, às estrelas; as do fundo do mar e as outras, as que cintilam sobre as águas paradas, caleidoscópios da noite.
Fernando de Azevedo
Azevedo, Fernando, “Nove Obras (1957-89)” in Vespeira – Páteo Aldegalega, Câmara Municipal do Montijo, 1997
Vulvir, Colagem s/ papel, 45x45 cm, 1984 página anterior

9 de Setembro de 1925 – 22 de Fevereiro de 2002
Marcelino Macedo Vespeira nasceu a 9 de Setembro de 1925, no Samouco, Alcochete, numa família de camponeses e pescadores artesanais. Aí viveu a sua infância feliz, “moldada na mutável paisagem da beira-rio”. Em 1937, vai para Lisboa frequentar a Escola de Artes Decorativas António Arroio, seguiu para o Curso de Arquitectura da Escola Superior de Belas Artes que, só frequentou durante um ano, em 1942, passando a dedicar-se à publicidade e artes gráficas.
Expõe, pela primeira vez, com Fernando Azevedo e Júlio Pomar, entre outros, em 1943. Realiza desenhos expressionistas, pinta “Apertado pela fome” em 1945. Expõe na I Exposição Geral de Artes Plásticas em 1946, e no ano seguinte, na II. Fez parte da Comissão Artística do MUD e do Coro de Fernando Lopes Graça. Em 1947, com Fernando Azevedo, António Pedro, José Augusto França, Cesariny, Alexandre O’Neill e outros, participa na fundação do Grupo Surrealista de Lisboa e na exposição de 1949. Volta a expor com Fernando Azevedo e Fernando Lemos em 1952, na Casa Jalco, numa manifestação da maior importância para a evolução da História da Pintura Portuguesa do meio do século XX. Em 1954, ganha o Prémio de Jovem Pintura da Galeria Março e participa no I Salão de Arte Abstracta. No ano seguinte, ganha o Prémio da exposição organizada pelo Hot-Clube, o “Jazz visto pelos artistas”.
Em 1957, ganha o Prémio Columbano atribuído pela Câmara de Almada. Entre 1956 e 1961, participou nas I e II Exposições da Fundação
Calouste Gulbenkian, nos I e II Salões de Arte Moderna da SNBA, no Salão dos Artistas de Hoje e na exposição “50 Artistas Independentes”.
Entre 61 e 62, realizou diversas exposições individuais, na Galeria “Diário de Notícias” no Chiado e, em 1966 e 1970 na Galeria 111. No ano seguinte, é escolhido para o grupo de onze pintores que decoraram de novo “A Brasileira do Chiado”. Em 1974, trabalha para a dinamização cultural do MFA, produzindo o seu famoso logótipo. Foi um dos fundadores do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos e um dos 48 pintores do grande painel colectivo, realizado a 10 de Junho desse ano, em Belém.
Esteve representado nas exposições dos “Anos 40”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1982 e “Anos 50” em Beja e na SNBA, em 1995.
Por doença, deixa de pintar em 1989. Faz, no entanto, exposições em Vila Franca de Xira, no Montijo (cuja Câmara cria, em 1985, o Prémio Vespeira), em Almada, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, culminando em 2000 com uma exposição de consagração do Museu do Chiado, que lhe valeu o Prémio Nacional de Artes Plásticas da AICA. Faleceu a 22 de Fevereiro de 2002.

1955










27x20 cm 1951
27x20 cm
1951


35x35 cm
1979
1979


Musicristinal Colagem
35x35 cm
1979
Musicristinal Colagem
35x35 cm
1979
Musicristinal Colagem
35x35 cm
1979

[Sentir o medo da superfície branca…]

Sentir o medo da superfície branca.
Ficar fascinado com a provocação da brancura.
Atacar com raiva a sedução do branco,
Sentindo o sabor do que não quero.
Algo começa na revelação do encontro
Ou tudo acaba na destruição da procura.
Nasce uma ambiência… É, não é?
As formas e as cores começam a viver, Como se cumprissem um destino desconhecido.
Fecundar e ver nascer no mesmo instante.
Coisificar a surpresa…
Vespeira in Simumis, p. 26




















