Sexualidade | 45
Precisamos de falar de privacidade e consentimento Vânia Beliz
Psicóloga Clínica e da Saúde e Sexóloga
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urante o envelhecimento - e principalmente durante o processo de institucionalização - é importante falar e refletir sobre a privacidade e sobre o consentimento, porque existem falhas que podem comprometer a saúde e o bem-estar de quem cuidamos. Urge falar deste tema porque, não tê-los em conta, constitui uma situação de abuso e de violação dos direitos também destas pessoas. O nosso corpo, mesmo quando perde autonomia, continua a ser nosso e não deve, por isso, ser manipulado de forma mecânica como tantas vezes assistimos. Qualquer manipulação do corpo deve ser precedida de informação e, em caso de haver capacidade de consentimento, devemos esperar uma resposta que nos permita avançar. Temos o direito de decidir sobre quem nos toca e, em nenhum momento, a dependência de terceiros deve ser motivo para tal não ser considerado. A higiene, por exemplo, deve ser cuidada de forma a causar o menor desconforto, embaraço, ou mesmo vergonha. Termos a capacidade de imaginar como nos sentiríamos se estivéssemos naquele lugar é um exercício que devemos praticar. Uma fralda não é - e nem nunca será - motivo para não se levar uma pessoa a uma casa de banho, ou para a fazer esperar pela muda. Existem condições
clínicas que podem influenciar o nosso consentimento e aí caberá ao cuidador garantir a nossa dignidade. Se a falta de consentimento é um problema comum, a ausência de privacidade é outro igualmente preocupante. A falta de privacidade é “gritante” no meio Institucional. Se para muitas pessoas estar próximo de outras pode ser agradável e uma mais-valia, para muitos a falta de privacidade é um problema. De quando estive numa unidade de longa duração recordo reuniões de equipa, em que colegas referiam encontrar alguns utentes de pénis na mão. Se mais jovens já é difícil esconder e passar despercebido, tal será para uma pessoa mais velha em que os sentidos estão tantas vezes mais comprometidos. Um leve toque na porta pode não ser suficiente para evitar uma situação flagrante e constrangedora para todos. Apesar de tantas vezes serem consideradas assexuadas, as nossas pessoas mais velhas têm sexualidade e res-
“Cansa-me, dececiona-me e entristece-me que se continue a ver o envelhecimento como o fim da linha e que se desautorizem as pessoas como se fossem indivíduos incapazes de tomar decisões.”
posta sexual, desejo, excitação e prazer, e procurarão satisfazer-se como - naturalmente - qualquer pessoa, pelo que a privacidade é extremamente importante. Cansa-me, dececiona-me e entristeceme que se continue a ver o envelhecimento como o fim da linha e que se desautorizem as pessoas como se fossem indivíduos incapazes de tomar decisões. Enquanto tivermos capacidade para decidir, ninguém o deve fazer por nós. Por isso, se o Sr. António quer dormir com a Sra. Maria façam-me o enorme favor de não se meter no assunto e, muito menos, de irem a correr ligar à família como se fosse uma coisa do outro mundo, alguém querer estar com outrem. Parem, por favor, de invadir os quartos e permitam - sempre que possível - o acesso ao corpo, permitindo que uma pessoa que precise de utilizar fralda, se o quiser, tenha oportunidade de se tocar. Combine deixá-la durante algum tempo aberta, se for caso disso, e deixe espaço para que a pessoa se sinta completamente à vontade. Além de ajudar toda a região do corpo respirar, permite que o acesso esteja livre para o toque. Quando penso na falta de privacidade e de consentimento imagino o que será da nossa geração numa instituição. Imagino o quanto tudo terá de mudar para podermos ter a dignidade que reivindicamos e a que temos direito. Precisamos de encontrar estratégias em meio institucional que respeitem o direito ao prazer de todos e de todas, mantendo presente que sexualidade não é apenas sexo e a privacidade e o consentimento são variáveis que não podemos ignorar, claro, se queremos garantir e promover os direitos das pessoas de quem cuidamos.