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Antes do fim... morrer melhor! Eduardo Carqueja Diretor do Serviço de Psicologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, EPE. Diretor da Delegação Regional do Norte da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
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“O facto de se passar a viver mais tempo não implicou, no entanto, que se passasse a morrer melhor.”
vida humana tem sofrido poucas alterações tão grandes quanto aquelas causadas pela ciência biomédica e a prática da medicina. Em meados do século XX, mudanças importantes ocorreram na medicina ocidental e no âmbito da saúde, tais como o crescimento de especializações, aparecimento de novos tratamentos e uma ênfase crescente na cura e reabilitação. A esperança de vida tem aumentado de forma espetacular; toda uma variedade de doenças infeciosas foi praticamente eliminada; anomalias genéticas podem ser detetadas no útero; pode-se transplantar órgãos, controlar a reprodução, aliviar a dor e reabilitar o corpo, até um ponto inimaginável, em apenas um século. Contudo os doentes em fase de fim de vida são considerados, muitas vezes, como imperfeições da prática médica (The Hastings Center Report, 1996; Pessini & Bertachini, 2006). O facto de se passar a viver mais tempo não implicou, no entanto, que se passasse a morrer melhor. A intensidade da luta pela busca da cura de muitas doenças e a sofisticação dos meios utilizados levou a que surgisse uma cultura de negação da morte, de uma ilusão de pleno controlo sobre a doença, colocando numa posição inferior todas aquelas intervenções na saúde que promovessem um final de vida condigno. A morte passou a ser negada e encarada como derrota para muitos profissionais de saúde (Neto, 2006). A cena da
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despedida da vida, que antes ocorria predominantemente em ambiente familiar, transferiu-se e começou a acontecer no hospital. Em Portugal a proporção de mortes hospitalares aumentou de 54,2% em 2000 para 61,4% em 2008 (Machado, Couceiro, Alves, Almendra, Cortes, 2011). Foi precisamente como reação a esta tendência desumanizante da medicina moderna que surgiu, a partir de 1967, o movimento dos cuidados paliativos, tendo como pioneiras mulheres como Cicely Saunders em Inglaterra. Ela deu início ao movimento “hospice” moderno inaugurando, em Londres, nesse mesmo ano, o ST. Christopher’ Hospice e, um pouco mais tarde, Elisabeth Kübler-Ross nos EUA (Neto, 2006; SECPAL, 2012). O termo paliativo deriva do étimo latino pallium, que significa manto, capa. Nos cuidados paliativos, os sintomas são “encobertos” com tratamentos cuja finalidade consiste, não só, em promover o conforto do doente, mas também dar resposta às necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais e, se necessário, prolonga a sua ação até ao luto (Twycross, 2001). Segundo Saunders (2004), “os cuidados paliativos iniciaram-se a partir do pressuposto de que cada doente tem a sua própria história, relações e cultura e que merece res-