Revista Lavra da Praça- Tomo I

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histórias que ninguém ousa contar.

Mensagem

Marques Vale

Presidente da direção

Associação

São João de Sobrado

“A Bugiada e Mouriscada é uma festa que a todos apaixona e entusiasma”.

Foram incontáveis os anos em que participei como Bugio mas o momento que vivi de forma mais emocionante foi quando fui Velho da Bugiada em 2009. Especial e memorável são apenas dois adjetivos que não conseguem exprimir todo o sentimento que senti naquele ano. A paixão foi reforçada e esse foi o motivo de ter integrado inúmeras comissões de festas. Em 2021, decidi candidatar-me à liderança da direção da Associação São João de Sobrado, tendo-me tornado o líder de uma equipa que, desde junho desse ano, tanto se tem empenhado e trabalhado pelo nosso edifício-sede, a Casa do Bugio e do Mourisqueiro, mas também em prol da festa de São João de Sobrado.

Quando assumimos a direção da associação, os nossos objetivos foram claros: terminar e licenciar o edifício-sede, transformar o edifício num espaço museológico e organizar burocraticamente a associação. Esse tem sido o caminho seguido, mas não temos ficado por aqui. Adquirimos espólio sobre a festa, criamos um arquivo da associação e da festa e temo-nos empenhado bravamente na sua divulgação dentro e fora de portas. Com esta equipa tudo parece fácil.

A revista “Lavra da Praça” é mais um projeto inovador que decidimos apostar. Será, certamente, o rosto e a esfinge de todo o labor que tem vindo a ser concretizado na salvaguarda do património imaterial da nossa festa e da nossa associação.

Cremos que o passado moldou o presente e será a base do futuro. Por esse motivo não poderíamos deixar de apostar neste projeto que, acredito será muito importante para o conhecimento da nossa tradição.

Agradeço pessoalmente e enquanto presidente da direção, ao nosso vice-presidente secretário, Nuno Ferreira, por coordenar este projeto, estendendo ainda o meu profundo obrigado a todos os intervenientes e autores de artigos bem como ao Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada por se associar a este projeto.

Espero que gostem desta revista, que tem um nome tão autêntico e interessante, esperando que os assuntos e temáticas abordadas, sejam úteis e relevantes para todos os apaixonados pela nossa festa, em especial a todos os Bugios e Mourisqueiros. “Ela é nossa!” e por isso temos de a defender e divulgar. Este é o nosso singelo contributo para essa missão.

Apresentação

Lavra da Praça é a revista cultural da Festa da Bugiada e Mouriscada.

Nuno Alexandre Ferreira

Coordenador da revista Lavra da Praça

Com a celebração dos 30 anos da Associação São João de Sobrado surgiu a inspiração para a criação de uma revista digital para compilar e aprofundar vários temas fulcrais sobre a Bugiada e Mouriscada, bem como sobre a associação.

No início do processo criativo, surgiu a questão relativa ao nome desta revista. Deveria ser uma designação mais comum ou uma opção mais erudita? A direção da associação elegeu uma designação que combinasse tradição, simbolismo, inovação e criatividade. Deste modo, a designação “Lavra da Praça” está carregada de significado, uma vez que nos transporta para um dos rituais da festa, mais popular e onde os rituais agrícolas são recreados de forma inversa. Esta ligação existe, uma vez que visa ressuscitar acontecimentos e assuntos do passado, interligando-os com o presente e o futuro. Lavrar as mentes e os horizontes sobre a festa é outro dos objetivos desta revista, criando-se assim um espaço de diálogo entre os vários intervenientes e autores dos artigos desta publicação, envolvendo várias personalidades e assuntos, que certamente enriquecerão a Bugiada e Mouriscada e a comunidade.

No que concerne à sua implementação, esta revista terá, inicialmente, cinco edições, divididos por períodos históricos de carácter nacional, nomeadamente:

I Edição: A Bugiada e Mouriscada no período monárquico (até 1910)

II Edição: A Bugiada e Mouriscada na 1ª República (1910-1926)

III Edição: A Bugiada e Mouriscada na ditadura (1926-1974)

IV Edição: A Bugiada e Mouriscada no pós-25 de abril (1974-2000)

V Edição: A Bugiada e Mouriscada no séc. XXI (2001-…)

Assim que todas as edições estejam concluídas, em dezembro de 2025, aquando da celebração dos 32 anos da associação, prevê-se a constituição de um compêndio de todos os artigos e assuntos retratados, criando uma monografia histórica, antropológica e com uma visão turística, completa e atual sobre a festa.

Relativamente à primeira edição desta revista, o objetivo da investigação e abordagens sobre a festa, foi a referência aos primórdios desta festividade, bem como à sua origem, que ainda continua obscura na memória e no tempo.

Esperamos que seja uma ideia irreverente e precursora de novas investigações, pesquisas e abordagens sobre a nossa tradição. “Ela é nossa!” e por isso temos a missão, transmitida pelas gerações antecedentes, de a salvaguardar, proteger e promover. Que este seja o início de uma boa marcha e que muitos assuntos surjam e possam ser lavrados por escrito para que as gerações futuras compreendam melhor os nossos rituais, as nossas danças e sobretudo a nossa paixão.

A Lenda Bugiada e Mouriscada

Conta-se que habitavam, antigamente, na região do Rio Ferreira, dois povos: os Mouros que ocupavam a Serra de Cuca Macuca (atual Serra de Santa Justa) e os Cristãos que viviam no vale do rio.

Os Mouros ou Mourisqueiros (como são conhecidos) dedicavam-se à extração de ouro na serra e eram liderados pelo Reimoeiro.

Já os Cristãos ou Bugios (como são conhecidos) dedicavam-se aos trabalhos agrícolas e eram liderados pelo Velho da Bugiada.

Certo dia, a filha do Reimoeiro, adoeceu gravemente e não existia nenhuma cura para a sua enfermidade. O seu pai, recorreu a todos os sábios e curandeiros em busca de uma solução, mas sem sucesso. Sentindo-se impotente por nada conseguir fazer, ficou impaciente. Então, ouviu falar que os Bugios, povo vizinho que vivia em Sobrado, venerava uma imagem de São João Batista e que esta era famosa pelos seus milagres, inclusive pela salvação de uma enfermidade que a própria filha do Velho da Bugiada havia sofrido. Em desespero de causa, pediu aos Bugios o empréstimo da imagem para interceder pela cura de sua filha. Os Bugios, solidários com o Reimoeiro, emprestaram a imagem e São João operou mais um milagre. A menina estava curada, para felicidade de seu pai.

Em gesto de agradecimento pela graça recebida, o Reimoeiro organiza um festim, mas recusa-se a devolver a imagem aos Bugios. Mas a ingratidão do Reimoeiro vai mais longe e no banquete por ele oferecido, em jeito de afronta, oferece os

restos do repasto aos Bugios, estes ripostam de igual forma. O ”caldo” estava entornado.

Os Bugios reclamam a imagem como sua, os Mouros recusam-se a dá-la. Estala a guerra. São trocadas mensagens entre as duas tribos a fim de se fazer a paz. Nada feito. Os senhores doutores da lei (advogados), também intervêm e debatem as leis entre eles. Não chegando a acordo, troca-se tiros entre os dois palanques (castelos) e o ambiente fervilha.

Acabando-se a pólvora aos Bugios, o Reimoeiro reúne o seu exército, marcha em direção ao palanque oposto (o dos Bugios) e toma-o de assalto, aprisionando o Velho.

Reina o desânimo e a injustiça… os Bugios, solidários, emprestaram a imagem aos Mourisqueiros e viram-se, sem justificação, envolvidos numa guerra. As consequências da derrota dos Bugios foram a perda do “Santo” e do seu líder. O Velho da Bugiada estava preso e só a intervenção divina podia salvar os Bugios e o seu chefe da ruína. É nesse momento que os Bugios imploram a ajuda de São João, o seu santo protetor, que mais uma vez não os deixa desamparados. Eis que os Bugios se recordam do medo dos Mouros por figuras monstruosas, decidindo criar uma serpe para os assustar.

Os Bugios investiram com a serpe contra os Mourisqueiros. Estes, amedrontados, fogem, largando o Velho da Bugiada. No final, restitui-se a ordem inicial.

Fábia Suzano Pinto
São João de Sobrado (Foto de C.M. Valongo, 2024)
“É um costume antiquíssimo (...)”
Bugiada e Mouriscada nos anos 50. André da Munha como Velho da Bugiada e António Machado como Reimoeiro (Foto de Idalina dos Santos, 1951)

Mouros e a Bugiada e Mouriscada

O território do Norte de Portugal sempre captou a atenção de uma vasta plêiade de povos e culturas, que acabaram por aqui se estabelecer, deixando nesta região as suas marcas. Destacaram-se os celtas, os romanos, os suevos e os mouros. Pouco ou quase nada se sabe sobre a presença concreta destes povos em Sobrado, contudo a nossa povoação encontra-se intrinsecamente conectada com um povo em especial: os mouros. Isto porque ainda nos dias de hoje, no dia 24 de junho, a relação com este povo é enaltecida de uma forma absolutamente especial e única através da festa de São João de Sobrado, ou como também é conhecida, a “Bugiada e Mouriscada de Sobrado”. No entanto, importa referir que esta relação baseia-se apenas numa lenda, não existindo conhecimento de referências documentais sobre a presença e domínio mouro em Sobrado.

Segundo o Padre Lopes dos Reis, natural de Valongo, “os mouros entraram na Hespanha enthusiasmados pela guerra santa com o alfange n´uma mão e Alkorão na outra, levando de vencida com o seu poderoso exercito todos os logares por onde podiam passar. Em Vallongo talvez nem corresse sangue, porque inermes, poucos e sem defeza os seus habitantes só temerariamente podiam abalançar-se a impedir a passagem a um inimigo poderoso deante do qual tinham sabido que fugira espavorido um exercito de bravos. Por isso é que chegados a Vallongo os arabes (716) deixaram o seu povo em paz sem o escrevisarem,

e mediante certo tributo deram-lhe a liberdade de viver como até ahi, indo eles estabelecer-se longe da povoação goda, que ocupava o Susão e a parte ocidental da villa, na planície à beira de um regato que mais tarde se chamou Ilhar Mourisco.”

Não existe um estudo muito profundo sobre a história de Valongo e do seu concelho nos períodos anteriores à fundação da nacionalidade, todavia estas referências do Padre Lopes dos Reis estão em concordância com as afirmações dos historiadores atuais. Em primeiro, porque 716 terá sido o ano da conquista da cidade do Porto por Abd al-Aziz ibn Musa e depois porque Afonso I Rei das Astúrias teria atacado o Porto por volta de 750, sendo que a presúria definitiva da cidade ocorreu em 868 por Vímara Peres, conjeturando-se que a região esteve sob constantes ataques e contra-ataques de mouros e cristãos e, provavelmente, terá ficado ao abandono. Assim, considera-se que os mouros exerciam um domínio desta região mediante tributo dos cristãos, sem que existisse uma colonização efetiva do território como aconteceu com as regiões do sul de Portugal. Isto porque o Rio Douro, constituía uma perfeita linha estratégica e de barreira, que dividia os povos do norte da península (maioritariamente cristãos) com os do Sul (mouros). No entanto, é neste período de suposto domínio dos mouros sobre a região de Valongo que a Lenda dos Bugios e Mourisqueiros se baseia.

Relativamente à extração mineira na Serra de Santa Justa ou Serra da Cuca-Ma-Cuca (serra essa em que a tradição oral refere que o ouro era tanto que os pastores arremessavam pedras deste minério a suas cabras), muitos historiadores e investigadores aceitam este acontecimento como sendo verídico, ou seja, os mouros terão extraído ouro das Serras de Valongo, tudo o resto poderá ser lenda ou não, não existindo provas conhecidas da sua ocorrência.

A lenda que tantos apaixona e que tantas peripécias proporciona a esta nobre Vila de Sobrado conta o seguinte: “No tempo da ocupação da Península Ibérica, os árabes

Nuno Alexandre Ferreira
O Roubo do Santo (Acervo Associação São João de Sobrado, 1962)

Apesar do enredo e da história vibrante, esta lenda só é fascinante porque é vivida de uma forma entusiasmante, colorida, apaixonante e despretensiosa por parte dos Sobradenses. São eles que criam a magia. Relativamente à “verdadeira” luta entre mouros e cristãos ocorrida na península ibérica, esta durou 787 anos entre a invasão da península (em 711) e a conquista do reino de Granada, por Espanha, em 1498.

Na região do Douro, desde 868 emergiu o Condado de Portucale, do qual Vímara Peres era conde, isto porque foi ele quem reconquistou a cidade para as forças Cristãs. Ainda assim, a região não estava a salvo das campanhas mouras, especialmente de Almançor, como é percetível na tomada do castelo de Aguiar de Sousa em 995. Por fim, as campanhas de Fernando o Magno (Rei de Leão), na década de 50 do

instalaram-se na serra da Cucamacuca, dedicando-se à extração do ouro. No vale, viviam os cristãos, dedicados à agricultura e à criação de gado, que possuíam uma imagem de S. João de grande devoção, pois tinha, em tempos, curado a filha do seu chefe de uma doença grave. Um dia, o rei mouro viu-se numa situação parecida com a sua filha e tendo sabido dos poderes da imagem de S. João, pediu, em desespero de causa, que lha emprestassem. Quando a filha do rei mouro se curou, foi organizado um lauto banquete para agradecer a graça recebida. Os cristãos foram convidados para a festa. Porém, a dada altura, por comportamentos nada amistosos, tornou-se evidente que os árabes pretenderiam apoderar-se da imagem, o que despertou viva oposição do lado dos Cristãos. O conflito acabou por se declarar, tendo estes sido derrotados, quando se lhes acabou a pólvora para o combate. Quando o seu chefe já ia preso, eles lembraram-se de recorrer a uma enorme Serpe e, aparecendo de surpresa no acampamento árabe, conseguiram libertar o chefe prisioneiro. Derrotados na batalha, os cristãos conseguiram não apenas libertar o seu chefe como também recuperar a imagem milagrosa.”

“No tempo da ocupação da Península Ibérica, os árabes instalaram-se na serra da Cucamacuca..."

século XI, permitiram fixar o rio Mondego como linha de fronteira entre os cristãos e os mouros, possibilitando uma restruturação do território bem como o seu povoamento.

O Rio Ferreira terá servido, entre o séc. IX e XI, de linha de fronteira entre o território de Anégia e o território de Portucale. Assim a margem esquerda do rio pertencia à Anégia e a parte direita a Portucale. O território da Anégia desintegrou- -se a partir do sec. XI dando origem a diversas terras como foi o caso de Aguiar de Sousa, Penafiel, Arouca, Paiva, entre outros.

Em 1096 o Rei de Leão Afonso VI, entrega o antigo condado portucalense (que havia sido anexado ao Reino da Galiza em 1071) a D. Henrique de Borgonha, pai de D. Afonso

Henriques. Isto porque o Reino da Galiza era submisso ao reino de Leão. Assim, as terras de Aguiar são também integradas neste condado.

No dia 24 de junho de 1128, na Batalha de São Mamede, D. Afonso Henriques derrota a D. Teresa, sua mãe, e assume os destinos do condado. Em 1143, o pequeno condado é elevado a reino no Tratado de Zamora, sendo D. Afonso Henriques seu primeiro rei e pai-fundador da pátria. Este acontecimento é confirmado pela Santa Sé em 1179 com a Bula Manifestis Probatum.

Desconhece-se a data da criação da paróquia de Santo André de Sobrado, bem como o seu povoamento. Pensa-se que a mesma terá sido criada nos primórdios da nacionalidade.

Bibliografia

• Cabrita, A. & Silva, M. (1973) Monografia do Concelho de Valongo. (129-136). Porto

• Reis, J. (1904) – A Villa de Vallongo: Suas Tradicções e Historia, Descripção, Costumes e Monumentos. (90-104;108-109) Porto: Typographia Coelho.

• Ferreira, N. (2016) Igreja Matriz de Sobrado- O Segredo da Memória. (17-20) Valongo: Edição de autor

El rey Don Rodrigo arengando a sus tropas en la batalla de Guadalete, de Bernardo Blanco, 1871 (Museo del Prado, Madrid).
Rei mouro do Auto da Bugiada e Mouriscada (Jacinta Quelhas, 2019)
Reimoeiro
e Guias na Igreja Matriz de Sobrado
(Foto de André Ferreira, 2016)

é o São João? Quão Antigo

A Bugiada e Mouriscada é uma tradição ancestral, primorosamente salvaguardada pela comunidade de Sobrado que a transmitiu oralmente de geração em geração.

A génese desta festividade encontra-se encoberta nas sombras do tempo e da memória. Qual a razão da existência de tão poucas referências documentais anteriores à Implantação da República em 1910? Será que os investigadores não estão focados no conhecimento das origens da festa e apenas no significado e relevância dos vários rituais e danças desta tradição? A verdade é que nos últimos anos, foram vários os investigadores, antropólogos e etnólogos que se dedicaram ao estudo da festa, mas poucas novidades concretas surgiram sobre os primórdios da Festa de São João de Sobrado.

Outra questão que importa lançar é por que razão quem vivia ou assistia a festa não a registou para tempos vindouros?

Será que a festa de São João era encarada como um ritual tão próprio, tão íntimo, tão nosso de Sobrado, que tal como se sucede na atualidade, a paixão e a emoção dificultava a sua narração ou descrição? De facto, não existe nenhuma referência à festa escrita por Sobradenses antes da república, nem mesmo dos reverendos abades de Sobrado, líderes espirituais e civis desta comunidade.

Então, qual a referência mais antiga conhecida sobre a Bugiada e Mouriscada? A resposta é 1867, ou seja, no preciso ano de 2024, sabemos que pelo menos, esta festa tem 157 anos. O Jornal do Porto, no dia 28 de junho de 1867, publicou um artigo de um correspondente de Valongo, referindo que em Sobrado, decorreu a 24 de junho, a festa e arraial ao “milagroso S. João Baptista, com missa solemne e sermão, sendo o juiz da esta o snr. Antonio Martins d´Oliveira (futuro Visconde de Olivei-

Igreja Matriz de Sobrado entre 1869 e 1873 (foto de António Martins Oliveira, provavelmente da inauguração do cemitério de Sobrado em 1869)
A Prisão do Velho (Foto de António Lopes, 1970)
Nuno Alexandre Ferreira

ra do Paço). Nesta menção, tomou-se ainda conhecimento do nome do juiz mais antigo conhecido da festa, o próprio visconde, que era um proprietário abastado e inclusive um dos 7 padroeiros da Capela de São Gonçalo.

Ainda sobre esta noticia, verifica-se ainda que centenas de pessoas estiveram presentes e que se tratava de um “costume antiquíssimo n´aquella freguesia fazer-se de tarde uma especie de dança mourisca, a qual consiste n´uma grande mascarada; depois de saltarem muito, dando tiros e morteiros, sobre um tablado, que d´antemão está por eles preparado, acabada toda aquela trapalhada pegando cada um nos burros e machos que encontram presos às arvores, e uns montados n´elles e outros a pé percorrem o arraial, com alaridos, dizendo que vão lavrando.” Nesta descrição é perceptível que a festa já era antiga, que não se realizava pela primeira vez e que a associavam aos mouriscos. Aborda ainda a existência de pelo menos um palanque, numa descrição que será abordada posteriormente por Francisco Jozé Rezende em 1882 bem como a forma de vivenciar e participar neste ritual, nomeadamente através de saltos e com tiros e morteiros. Outra evidência é referente á utilização dos animais quando “vão lavrando” que diretamente diz respeito à Lavra da Praça, ritual que subsiste e é realizado no período da tarde, tal e qual em 1867.

No dia 2 de julho de 1867, o mesmo jornal refere que no dia 23 de junho, na parte da tarde ocorreu uma forte trovoada seguida de chuvas torrenciais que provocaram uma vítima de nome Basílio. Este era moleiro, provavelmente do concelho de Paredes, mas o seu corpo foi encontrado no lugar da Balsa, pela manhã do dia 24, dia de São João. Relativamente aos desacatos provocados pelos “Mourisqueiros” (não seriam Mourisqueiros mas sim Bugios) foram considerados graves tendo envolvido António Dias Bergado (de Valongo) bem como a sua esposa que “levou ainda em cima com uma pedra na cara. Consta-nos também que o regedor d´aquella freguesia, o snr. José de Sousa, andava passeando pelo arraial rindo-se da história e dos destemperos praticados pelos celebres mourisqueiros, sem que empregasse meio algum ao seu alcance, para aplacar as desordens.” Desta referência é possível apenas compreender que o sentimento, o jeito de vivenciar esta tradição e o “afastamento” das autoridades locais neste dia, em parte se mantêm, sendo os Bugios e Mourisqueiros os verdadeiros “senhores da praça” no dia de São João, mesmo na atualidade. Há coisas que nunca mudam.

No dia 14 de julho do mesmo ano e no mesmo Jornal do Porto, foi transmitida a informação que “o regedor de Sobrado (José de Sousa) fôra reprehendido e admoestado pelo digno administrador d´este concelho, em virtude de não ter providenciado, como lhe competia, sobre as scenas bastante desagradáveis que se deram no arraial de S. João n´aquella freguesia”.

Depois de 157 anos é possível entender, que apesar da Bugiada e Mouriscada ser bem mais composta em termos numéricos e mais rica a todos os níveis, não perdeu a sua essência e a sua alma, que se manteve preservada e salvaguardada por gerações diferentes, mas sempre com o mesmo cuidado, subtileza e paixão. Que surjam mais notícias como estas para que a história cronológica da Bugiada e Mouriscada possa expandir-se e incorporar momentos ainda mais remotos.

O correspondente diz ainda que “É raro não haver por aquella ocasião desordens” o que mais uma vez corrobora a existência anterior da festa e que ele seria um dos habituais espectadores desta tradição. Adianta ainda que “por isso chegam muitas vezes os taes mourisqueiros a romper em excessos contra a ordem e razão. Entendem que, como mascarados, são senhores de tudo o que está dentro da praça, engano de que a authoridade os devia desenganar (…)”. Acredita-se que, pela descrição e referência às máscaras bem como ao sentimento de autoridade sobre a praça (Largo do Passal) que ele se terá equivocado e designado de Mourisqueiros, querendo antes referir de Bugios, não havendo nenhuma referência direta a estes últimos. No entanto é importante ressaltar que é a primeira vez que se designam os mouriscos de Mourisqueiros. Esta notícia surgiu apenas devido às altercações ocorridas durante a festa e em praça pública, mas que são de cabal relevância por que mencionam pela primeira vez a festa, o “milagroso São João”, os mourisqueiros e o juiz da festa. Mas este assunto prolongou-se nos dias seguintes.

O Reimoeiro junto da Capela de Nossa Senhora das Necessidades (Foto de Armando Leça, proveniente do Arquivo Fotográfico da C.M. Matosinhos, cedida pelo CDBM- Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada, 1939/40)

do Sr.

Bibliografia

•JP, Jornal do Porto (1867) Correspondente de 28 de junho: Arraial e Festa consultado a 1 de novembro, 2024 em https://purl.pt/14338/1/j-822-g_1867-0628/j-822-g_1867-06-28_item2/j-822-g_1867-06-28_PDF/j-822-g_1867-06-28_PDF_24-C-R0150/j-822-g_1867-06-28_0000_1-4_t24-C-R150.pdf

•JP, Jornal do Porto (1867) Correspondente de 2 de julho: O Arraial de S. João de Sobrado consultado a 1 de novembro, 2024 em https://purl.pt/14338/1/j822-g_1867-07-02/j-822-g_1867-07-02_item2/j-822-g_1867-07-02_PDF/j-822-g_1867-07-02_PDF_24-C-R0150/j-822-g_1867-07-02_0000_1-4_t24C-R150.pdf

• JP, Jornal do Porto (1867) Correspondente de 14 de julho: Reprehensão consultado a 1 de novembro, 2024 em https://purl.pt/14338/1/j-822-g_1867-0714/j-822-g_1867-07-14_item2/j-822-g_1867-07-14_PDF/j-822-g_1867-07-14_PDF_24-C-R0150/j-822-g_1867-07-14_0000_1-4_t24-C-R150.pdf

• Moreira, P. (2022) São João de Sobrado: Espaços de Interpretação, Identidade, Comunidade e Instituições Representativas consultado a 1 de novembro de 2024, em https://ebooks.uminho.pt/index.php/uminho/catalog/download/73/147/1877?inline=1

Jornal do Porto (1867)
Jornal do Porto (1867)
O Roubo do Santo (Foto de António Lopes, 1970) Lavra da Praça (Foto
Miranda, anos 70, partilhada pelo festivity.pt)
Jornal do Porto (1867) Pormenor
Velho da Bugiada (Foto de Diogo Sousa, 2024)

Visconde de Oliveira do Paço

A doze de agosto de 1835, no lugar do Paço em Sobrado, nasceu António Martins de Oliveira, filho de António Martins de Oliveira e sua esposa Anna Antónia “ceareiros do dito lugar do Paço”, como é referido pelo pároco no seu registo de óbito. Viria a tornar-se no 1º Visconde de Oliveira do Paço.

António Martins de Oliveira cresceu em ambiente rural e dependia da agricultura como meio de subsistência. Seguiu o exemplo do seu primo mais velho, José da Costa Ferreira, e embarcou, jovem, para o Rio de Janeiro. Esta viagem tornou-se determinante para a sua vida. O seu primo já se encontrava no Rio de Janeiro desde 1826, pelo menos, com uma loja de cobre em chapa e obras do seu ofício, na Rua das Violas nº 44. É possível que António se tenha juntado ao seu primo e o tenha ajudado.

tário, foi também um grande negociante na praça.

É durante a sua residência no Rio de Janeiro que António Martins de Oliveira conhece a sua prima Joaquina da Costa Ferreira, filha do seu primo José, com quem acabou por se casar.

circumstancias e aos actos de philanthropia e generosidade que tem praticado em proveito de alguns estabelecimentos de beneficencia da cidade do Porto.”. A sua mãe, Leopoldina-Rosa de Almeida, natural do Rio de Janeiro, da antiga freguesia da Nossa Senhora da Candelária, nasceu a vinte e um de outubro e foi batizada a vinte e quatro de novembro de 1821, filha de António José de Almeida, natural da Ilha do Faial, e de Joaquina Ferreira da Conceição, natural da freguesia da Nossa Senhora da Candelária. Casaram às cinco horas da tarde a dezasseis de novembro de 1839 na Capela de Santo António, no Rio de Janeiro. O casal teve três filhos. Joaquina foi a filha do meio. O seu irmão José nasceu a dois de abril de 1841 e a sua irmã Maria nasceu a nove de setembro de 1844. O nascimento da sua irmã Maria parece ter sido um momento controverso para a família. Maria faleceu no dia a seguir ao seu nascimento e passados cinco dias, no dia quinze de setembro de 1844, a mãe, Leopoldina-Rosa, falece com a idade de vinte e três anos, tendo sido sepultada na igreja da Ordem Terceira do Senhor Bom Jesus do Calvário da Via Sacra.

no Rio de Janeiro. Parece que, após o nascimento da filha, o casal começa a pensar em mudar-se para Portugal. Passado um ano, a dezoito de abril de 1861, o Diário do Rio de Janeiro publica o pedido realizado pelo casal para a obtenção do passaporte e a nove de maio de 1861 o casal embarca para Portugal. Novamente no Diário do Rio de Janeiro é referido “Seguem hoje no paqueto inglez Magdalena os seguintes passageiros: (…) Para Lisboa, (…) António Martins de Oliveira, sua senhora, 1 filho menor, 1 criado e 1 criada (…)”.

O casal instalou a residência da família no Porto, em Bonfim, na Rua de São Roque da Lameira, onde nasceu a segunda filha do casal, Amélia Ferreira de Oliveira, a dois de setembro de 1862.

Foi no Rio de Janeiro que António Martins de Oliveira prosperou e se tornou um homem abastado, com diversas propriedades, principalmente na antiga Rua do Hospício nº 132, 304, 30610, atualmente Rua de Buenos Aires. Para além de proprie-

Joaquina da Costa Ferreira nasceu a vinte e sete de fevereiro de 1843 no Rio de Janeiro, freguesia da Nossa Senhora da Candelária. Foi batizada a vinte e cinco de março do mesmo ano e na mesma freguesia, filha de José da Costa Ferreira e de Leopoldina Rosa de Almeida. O pai de Joaquina nasceu em Sobrado, no lugar da Costa, a treze de agosto de 1807. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se tornou grande proprietário. Há registo, pelo menos, de duas propriedades suas na antiga Rua do Hospício nº 300 e nº 302, atual Rua de Buenos Aires. Em 1867 foi nomeado Cavaleiro da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, como comprova a publicação no Diário de Governo “José da Costa Ferreira, abastado capitalista, residente na cidade do Rio de Janeiro — em attenção às suas

Joaquina da Costa Ferreira cresceu, assim, com a ausência da sua mãe e morou na antiga Rua das Violas nº 67, atualmente Rua Teófilo Ottoni. Durante a sua adolescência, foi zeladora do Altar Mor da Venerável Ordem Terceira do Senhor Bom Jesus do Calvário da Via Sacra, seguindo os passos do pai, ex-vicecorretor da mesma Ordem.

O casamento de Joaquina da Costa Ferreira com António Martins de Oliveira, seu primo de 24 anos, aconteceu aos seus 16 anos, na Igreja da Nossa Senhora da Candelária, na freguesia onde eram moradores, a dez de março de 1859. Como eram primos em segundo grau, tal como se visualiza mais claramente na árvore genealógica desenvolvida o casamento teve de passar por um processo de aprovação.

De acordo com Lima (1984, p. 9), a primeira filha do casal, Maria Ferreira de Oliveira, nasce a oito de abril de 1860, ainda

Apesar do casal residir no Porto, António não se afastou das suas origens e frequentava a casa dos seus pais no lugar do Paço, em Sobrado. No Diário do Governo é mencionada uma exposição de gado bovino no Campo 24 de Agosto no Porto, no dia vinte e três de dezembro de 1862, onde António Martins de Oliveira e a sua propriedade no lugar do Paço são referidos.

Esta propriedade continuava a ser importante para António, onde seguia os costumes dos seus pais agricultores. Aliás, as aparições de António Martins de Oliveira em exposições de gado suíno são frequentes. Outra publicação do Comércio do Porto (8 de dezembro de 1864, nº 281, p. 2) menciona uma exposição na Praça das Flores realizada a seis de dezembro de 1864 onde, António morador da Rua São Roque da Lameira, do tal lugar do Fojo, foi admitido com dois porcos de raça inglesa. Certamente influenciado pelo seu tempo e no contexto do fluxo de torna-viagem, António decidiu construir uma casa, do tipo Casa dos Brasileiros.

Ora, António decidiu construir a casa na antiga propriedade dos pais, no lugar do Paço, extremamente ruralizado. A casa foi finalizada em 1864, como comprova a datação no edifício. Não

Vera de Oliveira Lamas
Fotografia do retrato emoldurado do 1º Visconde Oliveira do Paço durante a sua juventude. Fotografia cedida por Maria
Madalena de Araújo Lima Salinas de Moura

obstante, não foi encontrada documentação que comprove a construção da casa. É provável que não exista, uma vez que as licenças de obras apenas se tornaram obrigatórias a partir do século XX, segundo indicações fornecidas pelo Arquivo Histórico Municipal de Valongo.

Tal como grande parte dos portugueses que regressaram do Brasil no século XIX, e em sintonia com Neto (2016), António Martins de Oliveira fez prova da sua riqueza e “fez-se notar na vida pública, preocupando-se com o bem comum”

A reconstrução da Casa do Paço, em 1864, foi uma dessas provas, mas não foi a única. Na ata de dezasseis de dezembro de 1866 da Junta de Paróquia de Santo André de Sobrado, é referido que o “Sr. António Martins de Oliveira, natural desta freguesia, capitalista abonado e um perfeito cavalheiro vem hoje perante esta Junta oferecer-se a fazer toda a despeza com o Cemiterio Parochial, sendo este feito paroquiano ao adro da Igreja, parte sul, onde julga ser o mais apropriado terreno para um bom Cemiterio (…)”

A construção do cemitério iniciou-se em 1867 e a sua bênção ocorreu a nove de setembro de 1869, segundo a Ata da Junta da Paróquia de Santo André de Sobrado dessa mesma data. O respeito e reconhecimento pelo trabalho de António tornou-se oficial quando D. Luís I o agraciou com o título de Cavaleiro, a vinte e três de fevereiro de 1867, quarto grau da recente Real Ordem

Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, tal como mencionado no Diário do Governo “(…) em attenção ás suas circumstancias e como testemunho de apreço pelo generoso donativo que fizera com o fim de se estabelecer um cemiterio n’aquella freguesia.”.

Em 1867, a presença de António como juiz da Festa da Bugiada e Mouriscada fez com que a festa fosse, pela primeira vez, referida nos periódicos do Porto, como Paulo Moreira (2022) explica no seu artigo “(…) Neste mesmo ano, uma importante figura da terra é o juiz da festa. Trata-se de António Martins de Oliveira que, em 1879, viria a ser o primeiro Visconde de

Oliveira do Paço. Surgem, assim, notícias no Jornal do Porto, números 145/146/157 de 28 de junho, 2 de julho e 14 de julho, respetivamente, onde é abordada a tradição pelo correspondente de Valongo.”.

Por ocasião do falecimento de José, pai de Joaquina e sogro/ primo de António, o casal teve de regressar ao Rio de Janeiro, no dia nove de setembro de 1871, e manteve-se na cidade, pelo menos, até a missa de sétimo dia, conforme o Diário do Rio de Janeiro indica. A dezassete de dezembro de 1871 e já a pensar no futuro, a Junta da Paróquia de Sobrado decidiu que “(…) tendo o Cemiterio sido construído a expensas do Sr. António Martins d’Oliveira é justo que lhe seja dado ao pé da Cruz do lado Poente uma poção de terreno para nelle fazer o jazigo de família independentemente de preço ou indeminização alguma; (…)”, como é referido na ata de Ata de 17 de dezembro de 1871 da Junta da Paróquia de Sobrado. No entanto, nessa altura, o Cavaleiro António Martins de Oliveira ainda não manifestava interesse na construção do seu jazigo.

O momento de maior reconhecimento pelos seus atos foi quando, a vinte e três de maio de 1879, D. Luís I lhe concedeu o título vitalício de Visconde de Oliveira do Paço. Mais tarde, a

20 de setembro do mesmo ano e pela mercê do rei, tornou-se Moço-Fidalgo com exercício no Paço e, finalmente, a 14 de outubro recebeu o alvará do brasão de armas.

Deste modo, D. Luís I quis distinguir e premiar António Martins de Oliveira pelos seus atos de beneficência. Como Alberto de Araújo Lima (1984), seu descendente, referiu “(…) nomeadamente aqueles que praticou no Rio de Janeiro – onde residiu largos anos – em auxílio dos portugueses necessitados e lá também fixados, e ainda, as sempre valiosas ajudas que tantas vezes dispensou, generosamente, ao Asilo de D. Maria Pia, no Porto, hoje Hospital de Crianças de D. Maria Pia.” (p. 9). Este título foi tão reconhecido que até foi distinguido em publicações do Diário do Governo e do periódico do Rio de Janeiro O Apostolo.

Como anteriormente referido, o Visconde de Oliveira do Paço foi um grande proprietário. Comprova-o a tentativa de expropriação de uma propriedade sua de 1870m² no lugar de Cabedelo da freguesia de Sobrado. Esta tentativa de expropriação foi pedida pela Junta Geral do Porto para a realização da estrada distrital nº7, em 1882. Em 1887, às 10h da manhã do dia onze de novembro, D. Joaquina, já Viscondessa também e aos 44

Teto da sala de jantar da Casa do Paço com datação do ano 1864. Foto cedida por Nuno Ferreira.
Casa do Paço em Sobrado no início do século XX. Foto cedida por Maria Madalena de Araújo Lima Salinas de Moura.

anos de idade, falece na Rua das Fontaínhas nº 111, no Porto. Não deixou testamento e foi sepultada no Cemitério de Agramonte. Foi neste momento que o Visconde começou a pensar no seu jazigo familiar e, em 1888, um ano antes de falecer, requereu a autorização para a sua construção (FERREIRA, 2016, p. 46) e cedeu alguns terrenos da sua propriedade para ampliar o cemitério paroquial de Sobrado, pagando todas as despesas.

O seu último ato de beneficência conhecido ocorreu um mês antes do seu falecimento, a cinco de maio de 1889, quando pediu autorização para pagar todas as despesas da ampliação da Escola Régia de Sobrado (FERREIRA, 2016, p. 46).

O Visconde não abandonou o que amou durante toda a sua vida: a agricultura e o gado. Num Apêndice do Diário do Governo de 1889 são apresentados os prémios da exposição industrial portuguesa de 1888, onde se verifica que foi premiado com uma medalha de prata no Grupo 3, de Cereais e Legumes.

dos Viscondes Oliveira do

O 1º Visconde de Oliveira do Paço, António Martins de Oliveira, faleceu no dia anterior à festa da Bugiada e Mouriscada de Sobrado, no dia 23 de junho de 1889, às oito da manhã, na Casa do Paço, aos 53 anos. Foi sepultado por algum tempo no cemitério de Valongo, tendo sido posteriormente transladado para o seu jazigo no cemitério de Sobrado, onde se encontra até a atualidade ao lado da sua esposa, a Viscondessa Joaquina, que posteriormente foi também transladada para o jazigo de família.

Tudo indica que o 1º Visconde de Oliveira do Paço não deixou testamento. Após uma longa investigação, não foram encontrados resultados e o próprio pároco de Sobrado mencionou “julgo que não fez testamento” no registo de óbito de António. A sua esposa também não terá deixado testamento, conforme referido anteriormente. A possibilidade de não existirem os testamentos de ambos reforça-se pelo facto das duas filhas do casal se terem habilitado para receber a herança dos seus pais e fazerem a partilha dos bens, tal como alguns periódicos, como o Diário de Governo, o atestam.

Peça da

Finalmente, no dia vinte e um de junho de 1890, no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, é publicado “Do juiz de direito da comarca do Porto, no mesmo reino, habilitando D. Maria Ferreira de Oliveira Guimarães e D. Amélia Ferreira de Oliveira Dias, como únicas e universaes herdeiras de seus fallecidos paes, o visconde e viscondessa de Oliveira do Paço, António Martins de Oliveira e D. Joaquina da Costa Ferreira Oliveira”. Por esta via, é possível saber-se que todos bens do casal foram herdados pelas duas filhas.

António Martins de Oliveira foi um dos beneméritos mais relevantes de Sobrado e do concelho de Valongo, estando associado à construção do cemitério de Sobrado e à sua ampliação, bem como às primeiras escolas de Sobrado. Ficou ainda para a história como o juiz mais antigo conhecido da festa de São João de Sobrado, estando ele e a sua família, indubitavelmente, associados a esta festividade.

Bibliografia

• Lamas, V. (2023) A família dos Viscondes Oliveira do Paço: uma (re)construção participada da memória. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto consultado a 1 de novembro de 2024 em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/154746/2/648931.pdf

Fotografia do 1º Visconde Oliveira do Paço já durante a sua velhice. Fotografia cedida por Maria Madalena de Araújo Lima Salinas de Moura.
Brasão
Paço emoldurado.
família. Fotografia enviada por Maria Madalena de Araújo Lima Salinas de Moura.

A escultura mais antiga

A Festa da Bugiada e Mouriscada assenta-se numa lenda secular, cuja trama aborda a devoção fervorosa e divina ao santo precursor, primo de jesus, São João Batista. Porquê São João? Essa resposta, desconhecida até ao momento, apenas as sombras do tempo as conhecem, no entanto, os rituais agrícolas e a organização social e rural de outrora nesta povoação, em especial a utilização das águas do Rio Ferreira, podem dar indícios desta relação.

Outra possibilidade é se existe alguma correlação desta devoção ao Batista com a família Baldaia/ Pamplona, uma vez que esta família detinha o direito de padroado e de apresentação dos abades de Sobrado, havendo inclusive uma pequena coincidência, uma vez que uma das propriedades da família, o Solar Condes de Resende, propriedade essa que passou a ser residência principal da família a partir de 1895, se localiza na paróquia de São João de Canelas (Gaia).

De facto, importa conhecer as origens desta devoção, uma vez que a origem desta devoção pode estar intrinsecamente associada com o surgimento da festa da Bugiada e Mouriscada ou até vice-versa.

Mas vamos aos factos. Na documentação existente poucas são as referências a uma devoção a São João e as que existem apenas surgem nas décadas finais do séc. XIX, o mesmo acontecendo com a Bugiada e Mouriscada. Sobre ambos os assuntos, podemos considerar que as alterações políticas e sociais ocorridas neste período ajudaram para que surgisse uma necessidade de inventariação e descrição do património material e imaterial existente, obrigando a elite política local a cuidar do legado recebido.

A imagem saojoanina mais antiga da nossa paróquia terá sido executada no séc. XIX, desconhecendo-se o seu autor, a sua datação exata bem como quem encomendou esta imagem. Uma curiosidade, possivelmente polémica, mas aqui descrita de forma imparcial e com o intuito de promover a investigação sobre este assunto, é a grande semelhança artística, de fisionomia e simbolismo que esta imagem apresenta com a imagem de São João Batista presente na Igreja Matriz de Campo, imagem essa executada em traça barroca e de maiores proporções. Será que na execução desta escultura existiu alguma inspiração da imagem de Campo? Não sabemos. Apenas conseguimos ter perceção visual de que são muito semelhantes.

Nuno Alexandre Ferreira
O Roubo do Santo pelos Mourisqueiros (foto de Idalina Santos, anos 50)

Em termos documentais, as referências que existem encontram-se no Inventário de Bens da Igreja (de Sobrado) onde é referido “um altar com a invocação de Nossa Senhora de Nazareth, com a dita imagem, um crucifixo de madeira, e as imagens de Sam Sebastião, Sam Fructuoso, Sam João e Sanct´Anna, e dois castiçaes de metal.” Esta disposição do altar de Nossa Senhora da Nazaré com a imagem de São João é mencionada de igual forma nos inventários seguintes de 1886, 1887 (revisão), 1896, 1902, 1905 (revisão) e 1910 (revisão). O altar de Nossa Senhora da Nazaré e onde se adorava a imagem de S. João, corresponde atualmente ao altar dedicado ao Sagrado Coração de Maria.

Com o crescimento da devoção a São João, especialmente nos últimos 50 anos, assistiu-se à aquisição de novas imagens do santo precursor. Pela sua antiguidade e sobretudo pela sua ligação direta à Bugiada e Mouriscada, apenas duas poderão ser designadas de imagens de “São João de Sobrado”, nomeadamente esta, que será descrita de seguida e que é a mais antiga, e a “nova” que foi adquirida nos anos 80, que tem a honra de sair no seu dia de festa, sendo ainda carregada pelos Mourisqueiros na procissão, em apologia ao momento do “Roubo do Santo” na lenda.

Para compreendermos esta imagem, temos inevitavelmente de olhar de forma atenta para toda a simbologia iconográfica que possui.

São João Batista, com ar austero, mas afável, é representado com uma cruz latina, em metal, na mão direita e com a filactera vermelha com a inscrição “Ecce Agnus Dei”, em dourado. Na sua mão esquerda, em extensão, segura um livro aberto e sobre o seu pé esquerdo repousa um cordeiro branco.

O Santo Percursor é ainda representado descalço, sendo os seus cabelos e barba, de cor castanha e compridos.

Veste túnica curta de pele de camelo cingida com cinto castanho, tal como é referenciado nas Sagradas Escrituras e ainda que o pêlo de camelo esteja voltado para o interior, este é visível nas orlas.

A túnica é complementada com uma capa vermelha com rebordo e ornamentos dourados, estando apertada junto do pescoço.

Esta imagem era transportada num andor imponente e grandioso nas festas religiosas, principalmente na procissão de São João de Sobrado, situação que vigorou até início dos anos 80.

Bibliografia

• Ferreira, N. (2016) Igreja Matriz de Sobrado- O Segredo da Memória. Valongo: Edição de autor

• CEAS, Catálogo da Exposição de Arte SacraEspólio de Santo André de Sobrado (2003)

• JFS, Junta de Freguesia de Sobrado (18801910) Livro de Inventários dos

Depositado no Arquivo Histórico Municipal de Valongo. Consulta de versão digital no Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada.

Bens da Junta de Parochia de Santo André de Sobrado.
São João de Sobrado (Foto de Nuno Ferreira, 2024)
Procissão de São João (Foto de Joaquina Silva, 1957)

O Batismo de Jesus Primitivo

A fé, a devoção e as tradições de um povo estão intrinsecamente associadas. Num país de base cultural, histórica e social profundamente católica como é o caso de Portugal, as raízes religiosas criaram uma pluralidade patrimonial, seja ele material ou imaterial, que nos dias de hoje constituem a identidade nacional que sempre nos guiou enquanto sociedade.

Poder-se-ia dizer que um simples batistério não tem qualquer relevância para o estudo e conhecimento sobre a Bugiada e Mouriscada, mas isso seria errado de transmitir, uma vez que os batistérios das igrejas, possuem, normalmente, pinturas ou esculturas alusivas ao momento do batismo de Jesus, realizado por São João Batista. Em muitos casos, é a única referência a este santo em algumas igrejas.

A história é tão excitante porque permite desvendar das sombras, o passado.

Recentemente, em 2010 e 2011, a Igreja Matriz de Sobrado sofreu profundas obras de intervenção estrutural, que permitiram conhecer como era esta igreja no passado, bem como as suas alterações ao longo dos séculos. Todo o edifício foi restaurado, o mesmo acontecendo com o batistério deste templo. Foi possível fazer uma viagem cronológica sobre o mesmo, dividindo-o em quatro períodos, nomeadamente:

1. Do séc. XVII ao séc. XIX: A Igreja matriz terá sido construída em 1671, o mesmo certamente para o primitivo batistério. Desconhece-se como seria o seu aspeto, apenas podendo indicar que deste período, deverá datar a pia batismal.

2. No séc. XIX, terá sido incluída a pintura do Batismo de Jesus que de seguida será aprofundada, tendo esta presenciado inúmeros batismos e celebrações entre o séc. XIX e 1966.

4. Em 2010, com as obras de requalificação e intervenção profundas na Igreja Matriz, a pintura do Batismo de Jesus, datada de 1966, foi retirada, tendo sido descoberta a pintura anterior datada do séc. XIX.

5. Em 2011, com a reinauguração da Igreja Matriz foi colocada uma nova pintura “A Água do Espírito Santo, da autoria de Ana Castro, mantendo-se atualmente no mesmo local, no batistério.

A pintura do Batismo de Jesus, oitocentista e recentemente revelada ao público, é uma das maravilhas patrimoniais da Paróquia de Sobrado. Foi executada a óleo sobre lençol e retrata São João Batista a batizar o seu primo Jesus Cristo nas margens do rio Jordão.

João Batista encontra-se representado com túnica clara e capa envolta ao seu pescoço de tons mais vivos e ligeiramente acastanhados. Com a sua mão direita, segurando uma concha, procede ao batismo com água. Apresenta-se descalço, encontrando-se o seu pé esquerdo mais atrás do direito. Com a mão esquerda segura o bastão com a filactera. Jesus encontra-se prostrado com as suas mãos sobre o joelho esquerdo, possuindo apenas um pé visível e descalço junto das margens do rio. Ambos encontram-se representados com barbas e cabelos longos acastanhados, mostrando a sua semelhança enquanto primos diretos, e ainda ambos possuem um semblante sério, austero mas humilde, especialmente visível na posição dos olhos.

Após breve descrição desta obra de arte, algumas questões ficam por responder, nomeadamente quem encomendou esta obra e se existe alguma implicação ou associação da mesma com a festa da Bugiada e Mouriscada. Efetivamente questões que poderão certamente ser respondidas no futuro com uma maior pesquisa documental sobre a festa e sobre a paróquia de Sobrado.

3. Em 1966, com as obras de intervenção na Igreja Matriz, a mando do Pároco Agostinho de Freitas e realizadas pela empresa Casa de Fânzeres de Braga, a pintura anterior foi coberta e executada uma nova que a substituiu, estando esta exposta até 2010.

Nuno Alexandre Ferreira
Quadro do Batismo de Jesus
(Foto de Nuno Ferreira, 2022)

O Crime da Quelha da Cruz 1

Nas manifestações das Festas das Bugiadas no dia 24 de Junho, em Sobrado (Valongo), o exército dos Mourisqueiros (Mouros) é composto apenas por rapazes solteiros que andam de cara descoberta, enquanto que o dos Bugios (Cristãos) é composto por homens, mulheres e crianças, com a cara tapada por máscaras e, como fazem muitas tropelias, tenta-se que não sejam conhecidos os intervenientes (antes muito mais que actualmente), excepto se se quiserem dar a conhecer.

Daí que seja ponto de honra não se tocar na máscara de um bugio, muito menos retirá-la à força para se conhecer a pessoa por detrás da mesma. Ou seja, retirar a máscara a um bugio, principalmente à força e/ou contra a vontade do mesmo, é uma ofensa de honra muito grave, tão grave que é muitas vezes considerada “ofensa de sangue”, tendo havido muitos desacatos e inúmeros conflitos muito graves quando tais situações acontecem, tanto propositadamente, como por descuido, curiosidade, ignorância ou qualquer outro motivo.

A história a seguir relatada foi supostamente fruto de uma destas situações, tendo o resultado sido um dos mais graves que terá acontecido ao longo das centenas de anos de existência destas festas, se bem que não o único, atendendo à tradição oral, mas sendo uma das que tem mais atualidade.

Segundo reza uma versão (embora de tradição oral deturpada, apesar de acreditar na boa-fé do seu autor ou autores na recolha dos testemunhos), no dia 24 de Junho de 1874, em plena festa do S. João de Sobrado, dois bugios desentenderam-se por questões fúteis.

António d’Oliveira, jornaleiro de profissão, no meio da refrega retirou à força a máscara ao bugio seu oponente, exibindo-lhe o rosto publicamente.

Este, altamente ofendido com a atitude do António, logo ali proferiu uma terrível ameaça jurada:

- Juro-te que é a última vez que vais de bugio...!

O que é certo é que tal vaticínio se cumpriu. A ameaça de morte foi levada até ao fim e António de Oliveira nunca mais “foi de bugio”.

De facto, no dia 22 de junho de 1875, “às nove horas da tarde, faleceu assassinado no logar de Ferreira um indivíduo do sexo masculino, por nome Antonio d’Oliveira, jornaleiro, de idade de cincoenta annos, casado com Luisa da Cunha (...)” , conforme o Registo de Óbito nº 11 da Paróquia de Santo André de Sobrado.

No entanto, esta é uma versão distorcida da realidade, adaptada pela imaginação dos tempos aos requisitos do S. João de Sobrado e, portanto, às regras das Bugiadas, porquanto a realidade foi

bastante diferente, por outros motivos não relacionados com o S. João de Sobrado, se bem que com o mesmo final.

A história fica por aqui, mas pelo relatado se vê que “quem conta um conto, acrescenta um ponto”. De facto, esta versão, pese embora a boa vontade do(s) autor(es), padece de informação suficiente, se bem que está rodeada de toda uma lógica ligada às Bugiadas.

Até aqui, são os acontecimentos imaginados e adaptados pelo imaginário popular.

normal de trabalho para ir à Missa Primeira e não ter que ir á Missa de Festa. Se lhe apetecesse, passaria por lá mais tarde para ver a procissão, mas não tinha grande disposição para isso, até porque, da parte da tarde, quando o dia começasse a arrefecer, teria que ir fazer de porteiro para As Danças da Lucrécia 4 e, depois disso, ainda queria ir ao primeiro ensaio das Bugiadas, que iriam ter lugar precisamente daí a quatro semanas.

Embora não fosse natural de Sobrado, já ali vivia há muitos anos depois de ter casado com a Lucinda Santiaga, do lugar de Vilar 5 , desta freguesia, e, desde que foi viver para Sobrado, fez desta a sua terra e sempre foi de bugio nas festas de S. João.

Vamos, então, à história verdadeira 3 .

O dia 27 de maio de 1875 nasceu bastante quente. Às seis e dez da manhã, quando as pessoas iam para a Missa Primeira, com início de celebração previsto para as seis e meia da manhã, já se sentia no ar abafado um cheiro a poeira quente, de noite não arrefecida. Mesmo a passar o rio pela ponte de Santo André, junto ao moinho do Leça, a frescura da água não era suficiente para arrefecer a baforada quente que já se fazia sentir àquela hora.

E, se àquela hora já estava assim, durante o dia é que iria ser. As crianças que iam à Comunhão Solene naquele dia iriam transpirar à farta. A Igreja Paroquial, normalmente suficiente para as pessoas que iam à missa, naquele dia não ia chegar para as crianças, pais, padrinhos, famílias e outras pessoas que queriam assistir à Missa Solene da Festa do Corpus Christi.

Por isso, António d’Oliveira, “O Costeira”, como era conhecido, jornaleiro e moleiro na Casa dos Timóteo de Ferreira, apesar de ser Dia Santo, tinha-se levantado à mesma hora de um dia

Mas, de facto, todos tratavam a sua mulher por Lucinda e não por Lucia, nunca soube porquê e, por causa disto, gostaria de um dia dar o nome de Lucinda a uma neta, visto que, para fazer a vontade à mulher, havia batizado as suas filhas com o nome de Aurora e de Rosa.

Depois da missa, o Costeira foi dar uma volta à feira. O dia da feira era regularmente à terça, mas naquele dia os comerciantes do costume apareciam todos e faziam uma feira extraordinária. Para além disso, juntava-se muita gente das terras vizinhas que vinham ver à festa, e o mercado das abelhas, da cera e do mel era muito concorrido. Até os manteigueiros já estavam bastante atarefados a montar as bancas àquela hora.

A feira costumava ser sempre muito concorrida durante todo o ano, mas era sempre a partir de abril ou maio, com a vinda do bom tempo, que tudo mais se animava. E era também a partir de maio que se começavam a fazer os teatros aos domingos e dias-santos-de-guarda, no Largo do Passal, junto ao sobreiro

1 A presente versão é um resumo de um livro do autor com o mesmo título, que só não foi ainda publicado porque o autor, apesar de alguns anos de investigação, ainda não conseguiu localizar o processo-crime relacionado com esta situação, o qual se encontra “perdido” no meio de vinte e sete quilómetros de processos do Arquivo Central do Porto dos tribunais, processo esse que o autor pretende fazer referência no livro. No livro, a informação é muito mais completa, também com informações dos descentes dos intervenientes até à presente data.

2 Pseudónimo de Manuel J. F. Pinto, sobradense, bugio, jurista e investigador.

3 A versão que segue saiu diretamente da boca de quem viveu os acontecimentos à altura - a bisavó do autor - para os ouvidos de quem os relatou diretamente ao mesmo, que agora os traz ao de cima.

4 Uma variante das “Danças dos Reis”, teatro muito conhecido alusivo ao nascimento de Jesus Cristo, representado em vários locais, incluindo os quinteiros das casas de lavradores, sendo as mais conhecidas as da Casa do Cancela, no Lugar de Vilar.

5 Mas de linhagem genealógica diferente dos Santiagas que moram actualmente no Lugar de Vilar. O nome Lucia escrito no Assento de Óbito de António d’Oliveira deve-se ao facto de, embora os padres fossem já uma classe erudita, por vezes ainda não o eram o suficiente para não darem erros de escrita.

Oogham R. M. Lenam 2

Depois de cumprimentar e de “dar duas de treta” com alguns conterrâneos para saber das “novas”, foi ver se o lugar reservado à peça de teatro estava livre. Verificando estar tudo em ordem, já não esperou pela Missa Solene nem pela procissão. Foi para casa, não antes sem passar pelo moinho da farinha e pelo moinho do linho 6. Não seria a primeira vez que assaltavam os moinhos ao fim de semana.

Quando chegou a casa, a mulher já estava à sua espera, com o comer pronto a ir para a mesa. O caldo de nabos com um bocado de carne de porco dentro e uma cebola com sal grosso e vinagre dentro de uma malga, com um pedaço de broa da cozedura dessa semana, soube-lhe melhor que o assado de borrego. Eram pobres, mas fome não passavam, tudo à custa de muito trabalho e da sua dedicação aos patrões.

Depois do almoço dormitou um pouco, mas a responsabilidade não o deixou dormir mais.

Tinha que ir para o Passal organizar a peça de teatro. Pegou na arma e, como era costume, seguiu pelo Quelho do Meio em direção a Ferreira, como sempre fazia quando ia trabalhar para o Sr. Timóteo. Passou em frente à casa dos patrões e ao fundo de Ferreira seguiu pelo caminho dos campos, junto ao rego da água do regadio, em direção à ponte de Santo André. Dali ao Passal “era um tirinho”, pois cortava a direito, junto ao cemitério.

Ainda era bastante cedo para a peça de teatro, mas a sua posição ali ia impondo algum respeito. Também era da maneira que ia esclarecendo alguns curiosos menos informados sobre o destino a dar ao dinheiro que se iria angariar com a representação.

- É para os pobres...! – dizia, que, afinal, eram todos.

6 Os moinhos, tanto o da farinha, à beira do rio, como o do linho, no Lugar de Ferreira, ainda lá se encontram, este último na subida da Rua de Ferreira, um edifício redondo, em pedra de xisto. onde também era costume fazer-se algumas das danças das bugiadas, num espaço entre árvores, rodeados de panos de lençóis velhos e de cobertas usadas presas por cordas. Também era aí que se criavam muitas chatices, pois muita gente tentava entrar sem pagar. Mas este ano, com ele a controlar as entradas, isso não iria acontecer. Estava decidido a não permitir abusos, viessem eles de onde viessem.

O calor fazia-se sentir intensamente e já se viam aqui e ali alguns arruaceiros, falando alto e criando problemas aos comerciantes. O álcool que iam ingerindo por causa do calor já estava a surtir efeito.

Aproximava-se a hora do teatro e o Costeira foi distribuindo os restantes guardas e os porteiros que, entretanto, tinham chegado.

Aberta a entrada, encaminharam os primeiros espectadores para os correspondentes lugares, verificando se os mesmos tinham adquirido os respetivos bilhetes.

Estava tudo a correr bem, quando, de repente, alguns arruaceiros foram-se aproximando. O Costeira reconheceu alguns de outras lides, principalmente o Manel do Monte, de Paço.

«- Este tem sempre a mania que é rico e que manda em tudo e em todos. Comigo não vai ter sorte. Ou paga, ou não entra!» – pensou para si.

E de facto assim foi. O Manel do Monte começou com brincadeiras de mau gosto, aos empurrões e a agarrar-lhe a arma, sempre rindo-se às gargalhadas e a forçar a entrada sem pagar. Quando lhe tentou tirar a arma, o Costeira puxou-a com força e tentou impedir a entrada do Manel do Monte e do amigo no recinto do teatro, repelindo-o com a arma, senão quando, no meio da refrega, bateu-lhe sem querer com a arma nos dentes, partindo-lhe alguns e desfigurando-o publicamente.

O agredido, altamente ofendido com a atitude do António, até porque este era apenas um “moço de servir” e o ofendido era um Lavrador importante na terra, logo ali proferiu uma terrível ameaça jurada:

- Deixa-te estar, ó Costeira, que largos dias têm cem anos. Juro-te que não tornas a ouvir o tambor do S. João a tocar...!

A Ti’ Fina do Rocha ali presente, e que fazia parte do grupo de atores, ainda deitou a mão à boca do Manel do Monte, numa tentativa de evitar a “jura de sangue” que pressentiu

Capa do futuro livro O Crime da Quelha da Cruz (cedida por Manuel F.J. Pinto, 2024)

ir ser feita e que, depois de proferida, não mais voltaria atrás, mas já não foi a tempo de a impedir.

Os arruaceiros naquele dia retiraram-se, mas o certo é que o vaticínio se cumpriu. A ameaça de morte foi levada até ao fim e António d’Oliveira nunca mais ouviu os tambores do S. João a tocar.

De facto, no dia 22 de junho de 1875, “às nove horas da tarde, faleceu assassinado no logar de Ferreira um indivíduo do sexo masculino, por nome Antonio d’Oliveira, jornaleiro, de idade de cincoenta annos, casado com Lucia da Cunha (...)”

O homicídio terá ocorrido na Quelha da Cruz (ou Quelho do Meio), no Lugar de Ferreira, em Sobrado, à sacholada, no caminho usual e rotineiro (e mais curto) utilizado pelo Costeira desde a sua casa até à Casa do Timóteo de Ferreira, onde trabalhava, e vice-versa. Pela hora a que ocorreram os factos, deveria estar a regressar a casa, depois do trabalho.

Hoje, desse episódio pouco resta: apenas a tradição e testemunhos orais de quem ouviu da boca de quem privou com as pessoas e acontecimentos, o Assento de Óbito, este documento que ora se redigiu e, no local onde foi cometido o crime e encontrado o corpo, no Quelho do Meio, um pequeno memorial em granito, com uma cruz gravada na pedra e uma inscrição relativa à data de 1875 e um processo judicial que se encontra algures no meio de vinte e sete quilómetros de estantes de processos judiciais, no grande armazém do Arquivo Central do Porto dos tribunais.

A história correu e o Manel do Monte acabou por aparecer como o principal suspeito do crime, pelo que as autoridades tentaram prendê-lo para ser julgado (hoje dir-se-ia “detê-lo”).

O Ministério do Reino, através do Comando-Geral, do Governador Civil, do Comissário-Geral e do Comissário Local, enviaram a Polícia Civil para prender o Manel do Monte, mas sem sucesso.

Do alto do seu terreno, na sua casa defronte à hoje mansão do Visconde Oliveira do Paço, altamente armado, gritava:

- Andai cá, andai cá, que ides ver o que faço convosco...!

Perante a impossibilidade de o capturar sem perigo, as autoridades tiveram que criar opções, utilizando um subterfúgio.

Como era do conhecimento geral que o Manel do Monte, como toda a gente da terra naquela altura, ia todos os domingos à missa, num certo domingo o mesmo viu-se rodeado dentro da igreja por agentes de autoridade à civil.

À saída foi seguido pelas autoridades e, já perto de casa, onde é agora a “Curva do Forno”, quando seguia para casa caminhando cabisbaixo, com as mãos atrás das costas como era seu jeito fazer, foi capturado formalmente, sem oferecer resistência.

Julgado e condenado com provas irrefutáveis e com contradições que acabariam por convencer o tribunal da sua culpabilidade, foi condenado em pena de prisão efetiva, que cumpriu.

Anos mais tarde, após cumprir a pena e sair da cadeia, foi testemunha do Luís Pintarratos 7 , no processo em que este foi julgado por envenenar a família toda para receber a herança, apregoando publicamente e em alta voz:

- Eu vou como testemunha do Pintarratos, pois acredito que ele foi acusado injustamente, tal como também em tempos eu o fui...

No entanto, ninguém acreditou nele, pois toda a gente estava convicta da sua culpabilidade e que estes desabafos nada mais eram do que simples pretensão de querer “enganar o pobo”.

7 O Luís “Pintarratos” (assim chamado por ter envenenado a família toda com veneno dos ratos), vivia lá para os lados do Guardão, em Gandra, Paredes. Uns anos antes tentou matar os sogros, da família dos Lanzudos, de Moreiró, com veneno, os quais acabaram por não morrer. Também não o denunciaram às autoridades, pois tiveram pena dele por o acto ignóbil ter sido motivado pelo desespero da miséria, visto ele ter muitos filhos para criar (a Alzira, a Adélia, a Gracinda, mãe da Folga-Viva, o Joaquim, que era avô dos Limas de Fonte Bolida e um outro filho cujo nome não é recordado, mas que foi casado com a “Naboeira”, o qual foi para Angola e nunca mais regressou). Mais tarde, envenenou toda a sua própria família, donde resultou a morte dos pais, do irmão e até do cão (que havia comido o vomitado envenenado dos donos).

Bibliografia

• ADP-RPS, Arquivo Distrital do Porto- Registos Paroquiais de Sobrado (1588-1904) 0048 Registos de óbitos 1875-01-04/1875-12-07 acedido em 1 de dezembro, 2024 em https://pesquisa.adporto.arquivos.pt/details?id=945081

Quelha da Cruz (foto de Nuno Ferreira, 2016)

José Leite de Vasconcellos Pereira de Melo, conhecido apenas por Leite de Vasconcelos, foi um linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo português, amplamente reconhecido, tendo-se empenhado na criação de um museu dedicado ao conhecimento das origens e tradições do povo português, que deu origem ao Museu Etnográfico Português, em 1893, e que atualmente se designa Museu Nacional de Arqueologia.

Nasceu em Ucanha (Tarouca) a 7 de julho de 1858, filho de José Leite Cardoso de Melo e de Maria Henriqueta Leite Vasconcelos Pereira de Melo, tendo falecido em Lisboa, a 17 de maio de 1941. Leite de Vasconcelos atribuiu ao local de nascimento e uma infância imersa em tradições populares, o interesse que desenvolveu pela etnografia, pela arqueologia e pela filologia.

Desconhece-se se alguma vez visitou Sobrado e se assistiu à Bugiada e Mouriscada, no entanto, terá tido conhecimento da festa, ainda que indiretamente, através de Jerónimo Alves Barbosa que lhe enviou um apontamento sobre a festa. Com a exceção do nome, da data e do conteúdo deste apontamento, nada mais se sabe sobre o autor do mesmo. Terá sido jornalista ou estudioso das tradições e festividades? Possivelmente. O que se sabe é que terá visitado Sobrado na segunda metade do séc. XIX e enviado este apontamento a 8 de novembro de 1882 para Leite de Vasconcelos, referindo o seguinte:

“No dia 24 de Junho de todos os anos é este santo festejado na igreja paroquial da freguesia. Concorre ali gente en número espantoso, e até de grandes distâncias, mais com o propósito de presenciar o que os ‘moços’ aí fazem. Primeiramente dão um espectáculo a que chamam a ‘dança do Menino’, onde se apresentam vestidos de uma maneira digna de apreço. As falas são em verso. Terminada esta, começa imediatamente outra. Arranjam para ali doze ou dezasseis jumentos e aprestos de lavoura, como arados, grades, etc., com que principiam a lavrar. De resto, tendo praticado tudo como se fosse num campo, principiam a semear. Montam então os jumentos (mas voltados para a cauda do animal) e uns espalham pelo solo areia e excrementos de cabra, e outros fingem escrever em um papel, servindo de tinteiro o cu do animal. O final desta brincadeira sobressai com muito fogo de artifício e música. E a retirada das caravanas efectua-se num regozijo indescritível, tocando violas, dançando e cantando até suas casas.”

Nuno Alexandre Ferreira
A Bugiada e os músicos (Foto de Armando Leça, proveniente do Arquivo Fotográfico da C.M. Matosinhos, cedida pelo CDBM- Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada, 1939/40)
Os serviços da tarde (Foto de Jean Marie Steinlein, anos 80)

Este apontamento foi partilhado por Manuel Pinto, em janeiro de 2005. O próprio Manuel Pinto refere que “O que se conclui desta descrição? É que ela refere, no essencial, aquilo que se passa na tarde da festa, no Passal, sensivelmente entre as 15 e as 16 horas. Nada aparece referido sobre as danças de Bugios e Mourisqueiros, sobre a Dança do Cego ou Sapateirada, sobre a Prisão do Velho, etc. Das duas uma: ou a pessoa que descreve foi um bocado ao arraial, depois do almoço, e conta apenas aquilo que viu; ou, nesse ano pelo menos, a festa não teve características idênticas àquelas que viríamos a conhecer posteriormente. De qualquer modo, aqui fica mais este registo.”

A verdade é que esta descrição só foi publicada, curiosamente cerca de 100 anos depois, na obra “Etnografia por -

tuguesa: tentame de sistematização. Vol. VIII” publicada em 1982 por Manuel Viegas Guerreiro. Nesta descrição, é relevante a referência de que a festa de São João é festejada todos os anos, percebendo-se que já neste período se referia que esta festa era antiga, ainda que não existam documentos e menções que comprovem esta antiguidade. Indica-se, ainda, que muitos forasteiros buscam esta festa, especialmente de fora da freguesia de Sobrado, o que denota a sua fama nas redondezas, mas sobre os rituais e danças dos Bugios e Mourisqueiros nada apresenta, o que é de estranhar. A restante descrição, do que aparenta ser os serviços da tarde, ainda se mantêm, em particular a parte final, que vai de encontro ao que já o Jornal do Porto menciona em 1867.

Bibliografia

• VASCONCELOS, José Leite de. (1982). Etnografia portuguesa: tentame de sistematização. Vol. VIII. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. p. 409.

• Pinto, M. (2005): A notícia mais antiga sobre a Bugiada. Consultado a 3 de novembro de 2024 em https://bugiosemourisqueiros.blogspot.com/2005/01/ notcia-mais-antiga-sobre-bugiada-eis.html

• Silvestre, J. (sd) Dicionário de Historiadores Portugueses- Vasconcelos. Consultado a 3 de novembro de 2024 em https://dichp.bnportugal.gov.pt/imagens/ vasconcelos_leite.pdf

• Cardoso, J. (2012) José Leite de Vasconcelos (1858-1941) e Joaquim Fontes (1892-1960) vistos através da correspondência conservada nos Arquivos do Museu Nacional de Arqueologia e do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, consultado a 3 de novembro de 2024 em https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/3101/1/Vasconcelos-Fontes.pdf

Francisco Jozé Rezende a visita

Sobrado está indubitavelmente associado a um pintor romântico do séc. XIX, não somente em termos artísticos, mas também no que concerne à Bugiada e Mouriscada. Esta conexão existe devido à amizade entre o pároco de Sobrado, António Thomé de Castro, com o exímio pintor Francisco Jozé Rezende. Francisco José Resende de Vasconcelos nasceu na cidade do Porto, a 9 de dezembro de 1825, tendo sido filho de Alexandre José Resende de Vasconcelos e de Maria do Carmo de Meireles Brandão.

No seu percurso académico, frequentou a Aula de Primeiras Letras do Professor Francisco Pereira Leite e, com dezasseis anos de idade, inscreveu-se na Academia Portuense de Belas Artes. Nesta escola, cursou Desenho (1841-1845) e Pintura Histórica (1845-1849).

Na exposição trienal da APBA, de 1848, expôs alguns dos seus trabalhos. Nesta exposição conheceu o trabalho do pintor suíço Auguste Roquemont (1804-1852), o qual

Nuno Alexandre Ferreira
Cobrança dos D´reitos (Foto de Jean Marie Steinlein, anos 80)
Auto-retrato de Francisco Jozé Rezende (1890)

viria a tornar-se seu mestre. Inspirado pelas paisagens minhotas retratadas por Roquemont, passaria a dedicar-se a temas populares. Em 1851, com apenas 25 anos, tornou-se professor da Academia do Porto, através de um decreto especial da rainha D. Maria II. Já era percetível o seu extraordinário talento artístico, ainda que a cidade do Porto não fosse exatamente o espaço mais propício para a cultura e a arte, uma vez que o grande foco de desenvolvimento era o comércio e a indústria. Um ano depois, a 24 de janeiro de 1852, faleceu o seu mestre Auguste Roquemont, vítima de pneumonia, tendo o seu discípulo preferido, o próprio Rezende, representado a si próprio, chorando de joelhos, junto da campa do seu mestre. Neste mesmo ano, e aproveitando a passagem da família real pelo Porto, foi apresentado ao rei-artista, D. Fernando II, no dia 4 de maio, no Palácio das Carrancas, tendo recebido elogios sobre o seu talento e a promessa de apadrinhar a continuação dos seus estudos no estrangeiro (em Paris, tendo partido no ano seguinte) e uma pensão.

Durante a viagem para Paris visitou o Museu de Marselha e quando chegou à cidade das luzes e do amor, Paris, procurou um bom professor de pintura, tendo optado por Adolphe Yvon (1817-1893). Retornou a Portugal por questões de saúde, mas no ano seguinte voltou a Paris. Durante esta segunda estada parisiense prosseguiu as aulas de desenho com Yvon, copiou quadros do Louvre, em particular do pintor flamengo Rubens, e viajou até Londres.

Em setembro de 1855 regressou ao Porto, para retomar o seu lugar na Academia Portuense de Belas Artes e continuar a pintar. Três anos depois, em abril de 1858, partiu para Lisboa onde se reencontrou com o seu mecenas, D. Fernando.

Um ano depois, destacou-se pelos retratos pintados de D. Pedro V, do seu próprio patrocinador D. Fernando e ainda do Conde de Ferreira.

Durante os anos sessenta participou em diversos certames artísticos, como na Exposição Industrial Portuense (1861), nas exposições trienais da APBA (1860, 1863 e 1866), no Salão da Promotora (1866 e 1868) e na Exposição Internacional do Porto (1865) e esteve representado na

Exposição Universal de Paris de 1876. Visitou Lisboa no primeiro trimestre de 1861, onde expôs “Castanheira do Reimão”, obra destinada a D. Pedro V, e a “Vareira”, a D. Fernando.

Francisco José Resende viajou por Londres, pela Alemanha, França e Bélgica durante o ano de 1862. Regeu a Aula de Pintura (1869), pintou, entre outros, o elogiado retrato de D. Luís I, para a Tribuna do Teatro de S. João, e a “Lavradeira dos Carvalhos”, que ofereceu ao príncipe Humberto de Sabóia, em 1862. Apesar de ser um artista algo controverso, Resende era indiscutivelmente uma figura popular, distinta pelo seu aspeto romântico e que, estranhamente, se assumia como um abnegado pai solteiro, muito bem cotado, sobretudo na cena artística do Porto.

Nos anos setenta continuou a pintar retratos e cenas populares, esteve associado a certames artísticos no país e no estrangeiro (Exposição de Belas-Artes de Madrid, Exposição Universal de Londres de 1872 e Exposição Universal de Paris de 1878, entre outros), vendeu obras suas para ações de caridade e regeu a Aula de Escultura na Academia Portuense (1879).

Na década seguinte viajou de novo pela Europa, onde conheceu Bouguereau em Paris (1881), pintou o retrato do príncipe real de Nápoles, em Roma, em 1888, o qual ofereceu à rainha e lhe valeu um relógio de ouro do rei Humberto. Pintou inúmeros retratos, nomeadamente de D. Luís I, de D. Carlos, de D. Maria Pia, do Marquês de Pombal, de D. Antónia Adelaide Ferreira, do fotógrafo Carlos Relvas e de Pasteur para a Escola Médico-Cirúrgica do Porto (1886); para além de quadros de costumes para ilustrar o “Portugal Pittoresco”. Leiloou quadros para ajudar os pescadores do Furadouro (1881) e fez telas para auxiliar as famílias das vítimas do incêndio do Teatro Baquet. Jubilou-se em 1882, ao fim de três décadas na Academia. No início de setembro de 1891 procurou, no Gerês, as melhoras para a dispepsia, doença que já há algum tempo o preocupava, bem como à sua filha Claire. Faleceu no Porto a 30 de novembro de 1893.

Francisco José Resende havia sido um pintor popular e conservador, sempre fiel à pintura romântica, e que, ironicamente, apesar de não gostar de pintar retratos, o fez com muita

A Ceia de Christo de Francisco Jozé Rezende (foto de André Ferreira, 2016

frequência durante toda a sua carreira para encomendadores privados e instituições religiosas e públicas (misericórdias, irmandades, escolas e municípios) ainda que, preferencialmente, gostasse mais de representar quadros de costumes, mais prestigiantes, mas muito menos rentáveis.

Seis anos após a morte do artista, Claire, sua filha, doou a tela “Amai-vos uns aos outros” à Academia Portuense de Belas Artes, quadro que hoje integra o acervo do Museu Nacional de Soares dos Reis. O vínculo de Francisco Jozé Rezende com Sobrado deveu-se à sua amizade com o abade António Thomé de Castro.

Desconhece-se a razão ou o momento do início desta amizade, no entanto, foi o motivo desta sua relação com a nossa freguesia.

A construção da Torre Sineira da Igreja Matriz de Sobrado, liderada pelo abade António Thomé de Castro e patrocinada pelo comendador Jozé dos Santos Ferreira, foi uma das obras mais relevantes executadas em Sobrado, no séc. XIX. As obras começaram em 1873 tendo terminado em 1874. A torre foi inaugurada no dia do padroeiro Santo André, 30 de novembro. A totalidade da obra com relógio, torre e sinos comportou a quantia de 1 346 235 réis suportada pelo Commendador Jozé dos Santos Ferreira e toda a comunidade se envolveu e empenhou nesta obra, o que muito orgulhou o Reverendo Abade.

Nas atas da Junta de Paróchia é referido que “(…) em reconhecimento e gratidão, esta junta, interprete dos sentimentos de toda a freguesia deliberou collucar na sacristia o retrato de tão prestimozo cidadão (Jozé dos Santos Ferreira), tirado pelo senhor Rezende, exímio Pintor do Porto, cuja collocação foi realizada no meio do maior júbilo e satisfação de todo o povo desta freguesia no dia 30 de Novembro próximo passado”. Este retrato do Commendador Jozé dos Santos Ferreira esteve décadas na sacristia da Igreja, pelo menos até aos anos 40, juntamente com um outro retrato do “Rei-de-Paredes”, José Guilherme Pacheco, igualmente pintado por Rezende.

Em 1883, a convite do seu amigo e abade António Thomé de Castro, Francisco Jozé Rezende visita Sobrado com o propósito de assistir à Bugiada e Mouriscada no dia de São João. Trata-se, possivelmente, do primeiro ilustre convidado da festa de São João de Sobrado. Ele descreveu esta sua visita numa carta enviada a Battignoles, referindo que “Fui a Sobrado, passar o dia de S. João a casa do Abbade. Jantar abundante - à antiga portuguesa. A parentéla enchia a mesa. A dança dos chamados Mouros ou Christãos (mascarados) com chapeos infeitados de plumas vermelhas, espelho, roupas garridas os outros (Christãos ou Bugios) com toda a sorte de trajes, turbantes, espadas de ponta ou florê -

tes, pegando nos punhos com lenços de renda, e um doce espetado nos florêtes, saltando, pulando, correndo em duas alas e o chefe passando depois pelo meio à retaguarda...; um outro mascarado fingindo reger uma orchestra com uma companheira (uma caricatura); depois há um combate, um supposto castello (são alguns paus formando tablado) e assim foliam; na 1ª corrida um dos chefes ajoelha à porta do adro e recebe agua benta. Finalmente é pittoresco. Vou a pé até Vallongo, tendo ído até Sobrado em carro descoberto por conta do abbade que me recommendou ao Seara, regedor de Vallongo o qual me esperava á porta da Estação. As dores do meu cachal direito desesperavam-me, passando triste em frente do pittoresco arraial. O tecto da capella mór de Sobrado é uma bellesa d’ornamentação em castanho!! Está caiado, ou borrado a branco; talvez seja do tempo de D. Manoel.”. Esta descrição é muito relevante sobre a festa, podendo compreender-se que muito do que foi descrito, reproduz-se na festa nos dias de hoje, nomeadamente os trajes de ambos os exércitos, ainda que exista um lapso trocando os Bugios e os Mourisqueiros na sua referência, uma vez que os mascarados são os cristãos ou Bugios e os “outros” que possuem espadas de ponta ou floretes são os mouros ou Mourisqueiros. Importa ainda referir a existência de um suposto castelo, percebendo-se aqui que só existe menção a um e não a dois como se verifica atualmente. Pode ter sido um esquecimento ou que neste período só existia um palanque e não dois, como atualmente se verifica. Compreende-se ainda que já existia a tradição da “bênção” em frente à Igreja Matriz mas aqui referido após o combate. É relevante ainda a existência cómica e em jeito de caricatura de um mascarado a reger uma orquestra e a existência de uma mulher, desconhecendo-se se este ritual está associado às atuais entrajadas ou seria outro

ritual possivelmente a já desaparecida “dança da Jaquina”. No que concerne ao teto da Igreja Matriz, a referência a D. Manuel é errônea, muito em parte, porque os estudos de história de arte ainda estavam a dar os primeiros passos, sabendo-se que o teto é de traça barroca joanina e executada no séc. XVIII.

Curiosamente, no ano seguinte, em 1884 “foi inaugurado um bello retabolo representando a Ceia de Christo primorosamente pintado pelo exímio artista portuense Francisco José Resende que por tão excellentes obras recebeu unicamente de seu dedicado amigo o Reverendo Abade (António Thomé de Castro) a diminuta gratificação de cem mil réis quando todo o serviço era reputado em cento e vinte libras”. Esta aquisição, deveu-se ao dinheiro que restou da construção do Jazigo-Capela do Commendador Jozé dos Santos Ferreira. Este retábulo foi observado pelos crentes a partir do retábulo-mor desta Igreja Matriz, entre este ano de 1884 e 1966, quando foi colocado uma outra tela dedicada à Eucaristia. Atualmente, encontra-se guardado e à espera de um restauro condigno a esta obra-prima.

Desconhecem-se outros momentos associados tanto ao abade António Thomé de Castro como a Sobrado, provavelmente devido à morte deste artista, ocorrida em 1893. No entanto, ainda sobre a sua relação como o concelho de Valongo, destacam-se ainda as seguintes obras: retrato de “D. Luís” para os Paços do Concelho de Valongo (atualmente Museu Municipal de Valongo), tela “Batismo de Cristo nas margens do Rio Jordão” (1878, batistério da Igreja Matriz de Valongo), o desenho à pena “A padeira de Valongo” (1860, Biblioteca Pública Municipal do Porto), o desenho à pena “Namoro de Valongo” (Biblioteca Pública Municipal do Porto) e o desenho à pena “Trajes dos Carvalhos, Maia e Valongo” (Câmara Municipal do Porto).

Bibliografia

• Actas da Junta de Parochia de Santo André de Sobrado (1863-1876), propriedade da J.F. Sobrado que se encontram ao cuidado do Arquivo Histórico Municipal Valongo. Foram consultadas numa versão digital no Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada, Sobrado.

• UP, Universidade do Porto (2010) Antigos estudantes ilustres da universidade do Porto- Francisco José Resende, consultado a 13 de novembro de 2024 em https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres%20-%20francisco%20jos%c3%a9%20resende

• Cleto, J. (2023) O Vale Sagrado- Património Religioso de Valongo. Valongo: C.M. Valongo, consultado a 13 de novembro de 2024 em https://issuu.com/ multimediacmvalongo/docs/ovalesagrado?fr=sMWZkMDY5OTY5NzE

• JFS, Junta de Freguesia de Sobrado (1876-1885) Livros de Actas da Junta de Parochia de Santo André de Sobrado. Depositados no Arquivo Histórico Municipal de Valongo. Consultados em versão digital no Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada.

• CEAS, Catálogo da Exposição de Arte Sacra- Espólio de Santo André de Sobrado (2003)

Desenho de cabeça de S. João (Francisco Jozé Rezende, 1878) Retrato de José Guilherme Pacheco (Francisco Jozé Rezende, 1885)
Velho da Bugiada (Foto de André Ferreira, 2016)

O Abade Visionário

Visita de D. Carlos a Sobrado em 1893 (foto cedida por Paulo Caetano Moreira, proveniente do Arquivo Municipal de Paredes/ álbum fotográfico do Visconde de Paredes). O Abade de Sobrado encontra-se à esquerda na 6ª posição no lado esquerdo.
Nuno Alexandre Ferreira

António Thomé de Castro foi, porventura, o abade mais importante e dinamizador de Sobrado, tendo liderado este povo por cerca de 32 anos. Todas as iniciativas a que se dedicou, ainda hoje, ecoam na memória do tempo. Filho de Manoel Thomé e de Maria de Castro, nasceu a 23 de abril de 1823, na Paróquia de Fânzeres, em Gondomar, tendo pertencido a uma família de lavradores abastados e honrados. Estudou no liceu do Porto e frequentou o curso teológico no Paço Episcopal da mesma diocese, concluindo sempre as suas etapas académicas com classificações notáveis. Em 1849 foi ordenado presbítero, tendo sido capelão do Marquês de Terena até 1851. Durante este período dedicou-se ainda ao ensino gratuito de alguns indivíduos. Após ter participado em vários concursos, em 31 de agosto de 1851, foi nomeado para pároco da vizinha paróquia de São Vicente de Alfena, onde se dedicou a obras sociais, nomeadamente: a reconstrução da residência paroquial, a capela-mor da Igreja Matriz e de uma escola para o sexo masculino. Em Alfena, já demonstrou todo o seu empenho e força de carácter, espírito esse que conservou até ao fim dos seus dias.

Em 1863, foi lançado o concurso para a escolha do Abade de Santo André de Sobrado, uma vez que o padre desta paróquia, Nicolau Tovar Proença, havia falecido e com ele encerrou-se o padroado da família Baldaia/ Pamplona sobre Sobrado. Neste concurso teve a oposição de 35 outros indivíduos, 7 dos quais eram párocos antigos e formados. Ainda que já tivesse paróquia, candidatou-se e venceu o concurso, tendo assumido funções a 18 de setembro deste ano, empregando as suas forças na condução de obras sociais nesta paróquia.

Uma das muitas ações que se devem a António Thomé de Castro é o registo em atas das reuniões da Junta de Parochia de Sobrado. Não foi ele que iniciou este processo, uma vez que se conhece a existência de atas anteriores, mas foi a partir dele, enquanto presidente desta junta que as atas foram registadas e salvaguardadas para tempos futuros, constituindo, atualmente, uma importante fonte de conhecimento e informação sobre Sobrado. “O primeiro livro de actas de St. André de Sobrado existente, tem um termo de abertura datado de 15 de Dezembro de 1863, que diz o seguinte: “Apesar de muitas instâncias, como não tinha sido entregue o livro em que se tem escrito as actas das sessons da Junta de Parochia, vou nu-

merar e rubricar este livro para, ao menos interinamente, nelle se lançarem todas as deliberações da mesma junta”. “a data da primeira sessão é de 10 de Outubro do mesmo ano, apelo que foi redigida antes do termo de abertura.”

Pouco tempo após tomar a posse, renovou a residência paroquial, uma vez que esta se encontrava bastante degradada. Mas os seus empreendimentos não se ficaram por aqui. É a ele que se deve a criação das primeiras escolas de Sobrado (escola régia masculina, em 1864, e uma feminina, em 1886) bem como importantes obras na Igreja Matriz, nomeadamente: o douramento dos cinco retábulos, a construção da torre sineira (incluindo a colocação de três sinos), a instalação do relógio na torre e um pára-raios, a aquisição de novas sanefas douradas, aquisição das imagens de Nossa Senhora das Dores e do Sagrado Coração de Jesus, bem como a pintura “A Ceia de Christo” de Francisco Jozé Rezende, que é provavelmente a maior obra de arte que esta paróquia possui, nunca esquecendo que este pintor ainda fez mais dois retratos de beneméritos de Sobrado (entretanto desaparecidos). A criação, em 1869, do Cemitério Paroquial (patrocinado pelo Visconde de Oliveira do Paço) deveu-se à sua interceção bem como o arranjo dos caminhos que ligavam Sobrado às freguesias limítrofes. Para este efeito mandou ainda construir três pontes (a da lomba, a ribeira do forno e a do ribeiro de balselhas).

Com um espírito forte e corajoso, enfrentou várias influências para que a estrada distrital (atual EN 209/ Rua São João de Sobrado) que atravessa Sobrado, fosse devidamente construída e localizada em benefício dos fregueses e da própria freguesia e não em benefício de particulares ou outras figuras importantes.

O ano de 1893 terá sido, porventura, o mais áureo de toda a história de Sobrado e da vida deste reverendo abade, uma vez que Sua Majestade Fidelíssima, o Rei D. Carlos I esteve em Sobrado por ocasião dos exercícios militares, que decorreram no lugar da Balsa, entre 19 e 20 de setembro, tendo ficado acomodado na Residência Paroquial, por uma noite. Foi um regozijo para todos: para os Sobradenses por terem acolhido tão ilustre convidado, mas também para o abade. A hospitalidade e personalidade do abade foram amplamente e justamente reconhecidos por todos, nomeadamente o rei, convidados

A Igreja Matriz durante a visita de D. Carlos em 1893 (foto cedida por Paulo Caetano Moreira, proveniente do Arquivo Municipal de Paredes/ álbum fotográfico do Visconde de Paredes).

(partilhada pelo jornal

e jornalistas que tão bem falaram sobre ele, descrevendo-o, no caso de um jornalista do Diário Illustrado que ele era “(…) um belo typo de padre de aldeia, muito affectuoso e sympathico.” Este abade, passados uns dias, teve a sua biografia exposta na capa do jornal, enaltecendo-se todos os seus feitos e glórias, em especial os protagonizados em Sobrado. Todas as obras sociais a que se dedicou foram conseguidas através dos rendimentos da paróquia e de patrocínios concedidos por alguns dos seus paroquianos e amigos, tendo sido agraciado

em vida como comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição. Faleceu a 26 de abril de 1895, às 7 horas da manhã, na residência paroquial de Sobrado, tendo sido sepultado na sua terra natal em Fânzeres. Sobre a sua morte, o jornal

Diário Illustrado, a 29 de abril, colocando a sua biografia e um retrato, referiu que “a sua morte é sentida por quantos o conheceram, e mais o será ainda por aquelles a quem elle auxilliava ou com a esmola da sua bolsa ou com o conselho refectido do seu seguro criterio. Que descanse em paz.”

A sua ligação com a festa da Bugiada e Mouriscada ainda está por revelar, no entanto algumas respostas já existem. As primeiras referências sobre a festa, que surgem no Jornal do Porto em 1864, ocorrem um ano após a tomada de posse da Paróquia de Sobrado por este abade. No séc. XIX terão sido adquiridas as primeiras imagens saojoaninas de Sobrado (a escultura mais antiga e a pintura do batistério), desconhecendo-se se terão sido adquiridas, podendo-se apontar esta possibilidade, dado o seu já conhecido ímpeto empreendedor e artístico. A única certeza que existe desta conexão com a festa é o convite que António Thomé de Castro fez ao seu amigo e pintor Francisco Jozé Rezende,

para que este venha assistir à festa do São João de Sobrado, descrevendo-a e mencionando o abade. Infelizmente, as atas da Junta de Parochia não abordam nenhuma menção à festa. Este período do seu mandato espiritual, compreendido entre 1863 e 1895, deverá ser ainda mais investigado para melhor compreensão e conhecimento da festa.

António Thomé de Castro é, sem dúvida, um dos grandes de Sobrado. Com o passar dos anos, a memória deste ilustre e nobre abade, terá desaparecido, um infortúnio para tão vasta alma e tão profundo carácter. Que o futuro louve os seus feitos e reconheça o valor dos seus empreendimentos.

Interior da Igreja Matriz de Sobrado (Postal da C.M. Valongo, anos 30)

Bibliografia

• Ferreira, N. (2016) Igreja Matriz de Sobrado- O Segredo da Memória. Valongo: Edição de autor

• DI, Diário Illustrado (1895) Jornal Diário Illustrado publicado a 29 de Abril de 1895. Consultado a 27 de novembro, 2024 em http://purl.pt/14328/1/j1244-g_1895-04-29/j-1244-g_1895-04-29_item2/j-1244-g_1895-04-29_PDF/j-1244-g_1895-04-29_PDF_24-C-R0150/j-1244-g_1895-04-29_0000_1-4_ t24-C-R0150.pdf

Retrato de António
Thomé de Castro
Diário Illustrado, 1893)

Musica Gorada

Manuel Pinto, que é sobradense, sócio honorário da Associação São João de Sobrado e um dos grandes investigadores e promotores da festa, partilhou em junho de 2005, um fragmento de um documento que ele refere “tem mais de cem anos de existência. É o fragmento de uma faquelas folhas volantes que antigamente se vendiam pelas feiras e romarias, da autoria de José Alves dos Reis (…)”, datada de 1896 e que possui 10 páginas referentes a vários assuntos de Valongo mas com uma importante referência a Sobrado e à Bugiada e Mouriscada.

Este documento, pertencente a uma coleção particular de João Moreira Dias (antigo presidente da Câmara Municipal de Valongo entre 1877-1980 e 1983-1993 e falecido em 2013) foi transcrito pelo próprio Manuel Pinto, pelo menos a parte respeitante a Sobrado, numa visita que fez ao Dr. João Moreira Dias, referindo ainda que o antigo presidente pretendia realizar um trabalho ou artigo baseado neste folheto volante. Sobre Sobrado, o folheto menciona o seguinte:

Música Gorada

Na aldeia pitoresca de Sobrado

Terra aonde se cria o melhor gado

E já deu bastantes brasileiros

Tem hoje denodados Mourisqueiros.

No dia do Baptista S. João

Fazem eles ali grande função

Correm todos em vários desafios

Os Mourisqueiros e garbos Bugios

Os doidos imitando no correr

(e não faltam irmãos para ir ver)

A saltar e pullar por entre a praça

E os doidos socegados achando-lhes graça (...)”

Desconhece-se quem terá sido José Alves dos Reis, bem como a sua ligação a Sobrado, mas o que importa é o que escreveu sobre a festa, fazendo a referência a ambas as formaturas, tanto a Bugia como a Mourisca, mencionando ainda que a festa ocorre no dia de São João. Aborda os “desafios”, provavelmente as danças e rituais realizados por ambos bem como a sua correria e pulos. Apontou que muitos são aqueles que iam ver esta tradição e até aqueles, provavelmente os sobradenses, que assistiam à mesma.

Desconhece-se se este relato é relativo ao ano de 1896 ou até anterior, abordando ainda a relação desta terra com a agricultura e criação de gado, bem como a emigração de inúmeros sobradenses para o Brasil e o seu retorno, posteriormente. Trata-se de uma das mais antigas referências sobre a festa e a forma como foi realizada permite ainda compreender que se tratava de uma festa de cunho popular e bastante apreciada nas redondezas.

Bibliografia
Bugios (Foto de Captura de vídeo de Santos Júnior, anos 30)
Mourisqueiros (Foto de Captura de vídeo de Santos Júnior, anos 30)
Nuno Alexandre Ferreira

Lamentável desastre em Valongo

Um lamentável desastre ocorrido em Valongo foi noticiado no jornal “A Voz Pública” no dia 26 de junho de 1896.

Segundo o correspondente Reis, no dia 24, um menino de 13 anos chamado Humberto preparava-se para ir à festa de São João de Sobrado e enquanto se aperaltava, encontrou um revólver pertencente a seu pai, que estava no Brasil, e brincando com esta arma, feriu-se a si próprio, mortalmente, impactando toda a Vila de Valongo. Este acontecimento terá ocorrido às 13 horas em sua casa, na Rua das Cruzinhas em Valongo, tendo o menino falecido dez minutos após se ter alvejado. Humberto era filho de Manoel Borges da Silva e Cândida Clara Minolla, jornaleiros e moradores em Valongo. O seu funeral foi presidido pelo abade de Valongo, o padre Guilherme Gonçalves Branco.

Diretamente, este acontecimento não está conectado com a Festa de São João de Sobrado, no entanto, refere que o meni no falecido se preparava para ir à festa, o que sendo morador de Valongo, demonstra a popularidade da mesma nas gentes da sede de concelho neste período, percebendo-se inclusive que só iria conseguir assistir à parte da tarde, possivelmente os serviços da tarde e a Prisão do Velho.

Bibliografia

• VP, Jornal A Voz Pública publicado a 26 de junho de 1896. Consultado a 27 de novembro, 2024 em https://purl.pt/14332/1/j-3135-g_1896-06-26/j-3135-g_1896-06-26_ item2/j-3135-g_1896-06-26_PDF/j-3135-g_1896-06-26_PDF_24-C-R0150/j-3135-g_1896-06-26_0000_1-4_t24-C-R0150.pdf

• ADP-RPS, Arquivo Distrital do Porto- Registos Paroquiais de Sobrado (1589-1904) 0027 Registos de óbitos 1896-01-03/1896-12-27 acedido em 27 de novembro, 2024 em https://pesquisa.adporto.arquivos.pt/viewer?id=945256

2 Bugiadas a de Valongo e a de Sobrado

Nuno Alexandre Ferreira
Nuno Alexandre Ferreira
Velho da Bugiada (Foto cedida por Ana Lúcia Marujo, 1974)

Um dos grandes erros, que alguns jornalistas e promotores da festa cometem, é designar a Bugiada e Mouriscada de Sobrado como de Valongo. Efetivamente, Sobrado pertence ao concelho de Valongo desde 1836, tendo anteriormente pertencido ao de Aguiar de Sousa e, por breves momentos, ao de Baltar e também ao de Paredes. No entanto, é inadequado associar a Valongo, omitindo Sobrado, uma vez que outrora existiu uma outra festividade denominada de Bugiada de Valongo. Ambas desenrolaram-se ao mesmo tempo, mas eram diferentes.

O Padre Joaquim Alves dos Reis, natural de Valongo, no seu livro “A Villa de Vallongo”, publicado em 1904, refere que “Em Sobrado, freguesia do concelho de Valongo, se fazem todos os anos no dia de S. João as danças da mourisca e da bugiada, que nada têm de comum com a de Valongo, tornando-se os seus bugios notáveis pelas momices que praticam e cabriolas altamente caricatas que fazem. Em saltar ninguém lhes ganha.” Neste pequeno anotamento sobre a festa, fez menção às duas formaturas, os Mourisqueiros e os Bugios, referindo que a festa se realizava anualmente e que os Bugios já eram famosos pelos seus pulos e brincadeiras que faziam. Não adiantou mais sobre a festa de Sobrado, mas abordou aprofundadamente a Bugiada de Valongo e outras tradições que ocorriam na sede de concelho, possibilitando, deste modo, que se estabeleça uma possível associação com a festa de Sobrado.

“No S. João e S. Pedro e já pelo S. Antonio fazem-se fogueiras e queima-se fogo e costuma quasi sempre haver danças de mancebos vestidos de mouriscos e toureiros, os quaes com cannas verdes e pandeiros correm as ruas, cantando e dançando em honra do Santo Precursor à porta dos indivíduos que mais se destacam pela sua posição social ou relações de intimidade com os promotores d´essas danças. Na primeira metade do seculo XIX foi em Vallongo o S. João muito celebrado e a sua festa era uma das mais importantes que se realizavam na egreja. (…) Na manhã de S. João, já cançados das folias a que se entregaram, muitos dos que passaram sem dormir a noute toda correm à fonte do Ilhar Mourisco, onde vão às orvalhadas e donde voltam cantando alegremente, por inspiração da ultima hora, trovas e canções de admirável efeito.”

Sobre estas tradições joaninas em Valongo, já desaparecidas, é de salientar a existência de fogueiras e de rituais associados ao fogo (que são habituais nas festas de São João por associação com o início do solstício de Verão), os mancebos vestidos de mouriscos e a ligação à fonte de Ilhar Mourisco (que ainda existe) e que se situa no antigo caminho que conectava Valongo a Sobrado.

Relativamente à Bugiada de Valongo, o Padre Lopes dos Reis aborda minuciosamente esta festa, indicando que “Eis-nos chegados á festa popular mais importante e mais significativa que aqui se celebra, a festa de Santo Antonio.” De seguida, usou as palavras de Francisco José Ribeiro Seabra que narrou “Teve principio no meiado do seculo XVIII, em 1750, por ocasião de uma terrivel epidemia que então grassava com pasmosa intensidade entre as alimárias de carga d´este povo constituído na sua maior parte por almocreves, que vendo-se privados dos seus instrumentos semoventes do trabalho, por onde auferiam os meios de subsistencia recorreram á protecção divina e invocaram o auxilio do Santo-thaumaturgo, fazendo-lhe os mais solemnes votos. Cessando os effeitos perniciosos da epidemia pela sua total extincção, resolveram os devotos cumprir a promessa. Angariando donativos, traçando o plano da festividade, e

nomeando entre si o juiz que lhe devia presidir constituíram-se sob a denominação de Bugiada. Os membros de tal aggremiação vestidos á laia de Arlequins ou Polichinellos, intitularam-se – bugios talvez pelo arremedilho ou especie de farça mimica que representavam.”

Nesta introdução, Seara abordou o propósito e a forma como foi criada esta festividade pelo povo valonguense, sendo importante reforçar que neste período, ocorriam bugiadas por vários pontos do país. Ele continua a pormenorizar toda esta festividade, suas curiosidades e danças. Alguns pormenores parecem similares com o que ocorre na Bugiada e Mouriscada de Sobrado atualmente, nomeadamente:

• “Esse motivo, um tanto monótono representa a morte d´um bugio prostrado no meio de todos os companheiros que consternados o lamentam, quando de repente, como que impelido pelas palavras de Jesus ao paralytico – surge et ambula – levanta-se resuscitado pelo poder do thauma-

turgo e principia a dançar com todos os seus confrades entre alegres e surprehendidos.” Neste momento, ainda que bem diferente, é possível fazer uma associação com o momento da Prisão do Velho, onde o Velho da Bugiada é aprisionado e ainda que não morrendo, existe uma grande consternação junto dos Bugios, que através de uma intervenção divina (direta ou indireta) que se materializa na serpe, provoca a libertação do Velho para regozijo dos bugios e surpresa dos mouriscos.

• “Precede o Bando um tamborileiro, tocando uns estafados rufos, acompanhado de indivíduos empunhando archotes accesos.” – o tamborileiro ou caixa lidera a formação dos mourisqueiros que lhe seguem o ritmo da sua melodia;

• “De tarde exhibem-se os mais chistosos entremezes, mómos e danças.” Efetivamente, ainda que a festa da Bugiada e Mouriscada se inicie na aurora da manhã, é durante a tarde que ocorrem as principais danças, os rituais da tarde (Lavra da Praça e Dança do Cego) bem como a Prisão do Velho.

• “Á noite realiza-se solmnemente a Entrega do santo. (…) E assim é feita a entrega do santo á nova juíza, que o recebe com outro cortejo de donzelas não inferior em numero, belleza e encanto. (…) com esta tocante cerimonia termina a festa até ao anno seguinte”. Em Sobrado, de forma bem diferente, após a Prisão do Velho que culmina com a largada da serpe, procede-se à Dança do Santo, efetuada tanto por Mourisqueiros como Bugios. No final, ocorre a entrega do ramo, que é o momento em que o juiz que organizou a festa, passa o testemunho ao juiz do ano seguinte.

O Padre Lopes dos Reis, acrescenta ainda mais informações, nomeadamente o nome e a forma das várias danças. No seguimento da descrição de Seara, importa estabelecer algumas semelhanças entre ambas as festas, desta vez sob o olhar do Padre Lopes dos reis, nomeadamente:

• “Contudo para mostrar o excesso da borracheira levavam com arreios indivíduos estrambolicamente vestidos, com a fralda da camisa de fóra e outras inconveniências.” Esta descrição da cavalhada, que ocorria na quarta-feira antes do 2º domingo de julho, parece uma descrição dos personagens dos serviços da tarde no São João de Sobrado.

• “Quando no dia seguinte brilhavam de manhã os primeiros raios de sol, começavam a afluir a casa do juiz os personagens da bugiada ou bugios, que despertavam a curiosidade de toda a gente com o terlim, terlam dos gruizos que levavam presos aos pés.” Efetivamente os Bugios de Sobrado juntam-se, na casa do Velho da Bugiada, para a primeira dança do dia, que ocorre por volta das 8 horas, principiando este dia tão místico com o tlintar dos guizos que não estão presos nos seus pés mas são parte da sua farda.

• “Em seguida com a família e amigos dos dous juízes formava-se o cortejo, a que chamavam tambo,em direção á Egreja matriz, onde se realisava uma solemnidade dispendiosa e rica com missa, sermão, SS. Exposto e orchestra de primeira ordem.” Este momento é retratado de igual forma na Bugiada e Mouriscada, como em muitas outras festas religiosas, uma vez que o juiz e a comissão de festas, seguem a Banda de Música, em direção à Igreja Matriz de Sobrado para assistirem à missa solene de São João e participar na procissão. Em Sobrado, os Mourisqueiros invadem a Igreja Matriz para “roubar” o santo, carregando-o na procissão.

• “Era a festa mais estrambólica e burlesca que se póde imaginar. E dizemol-o sem medo, sob pena de desagradar a alguns apaixonados que ainda hoje ficam doudos ao fallar em semelhante cousa, tudo aquillo, aparte a solemnidade da igreja, era uma completa borracheira desde cabo a raso. Os mesmos que se apresentavam como promotores da festa vestiam-se de alerquins ridículos e ás vezes indecentes e sahiam para a rua mascarados, praticando momices debaixo do comprasso de certa musica que despertava nos nossos velhos um enthusiasmo indiscriptivel.” Esta poderia ser uma menção de um forasteiro da Bugiada e Mouriscada, que não compreendesse totalmente a paixão do povo sobradense por esta festa. A alusão ao efeito da música nos bugios de Valongo é bem similar ao efeito do Hino de São João nas gentes de Sobrado.

• “No fim voltavam em número já muito mais crescido para a casa do juiz velho, e ahi havia o mais importante jantar, terminando a festa d´este dia com uma admiravel illumi nação, fogo de artificio, e varias musicas que faziam passar agradabilissiamente a maior parte da noute.” Na Bugiada e Mouriscada de Sobrado não ocorre desta forma, mas após a passagem de testemunho entre os dois juízes (do ano corente e do ano seguinte), ainda que não faça parte da festa, tem sido costume o ajuntamento de todos os aficionados pela festa (mordomos, juízes, bugios, mourisqueiros e populares) dançam e celebram o fim da festa ao som do hino de São João tocado pela Banda de Música de São Martinho. Este momento não integra os rituais e danças da festa e não é obrigatório que ocorra, ainda que o povo assim o espere.

• “Somos também de opinião que esta dança pelo menos em parte, foi trazida para aqui de outras terras, onde a aprenderam os almocreves de Vallongo, pois em algures nos lembra ter visto n´outras povoações de Portugal allusão a estes bugios que não sabemos se dançavam como os

de Vallongo, se como os de Sobrado.” Nesta nota, permite-nos compreender que o autor fazia distinção entre ambas as festas e também nas formas de dançar a bugiada.

Através de ambos os autores, José Seara e Padre Lopes dos Reis, podemos confirmar que ambas as bugiadas, tanto de Valongo como de Sobrado, são distintas, ainda que com algumas semelhanças seja nas vestimentas, nas danças e até mesmo na composição destes rituais. No entanto o Padre Lopes dos Reis, por duas vezes, confirma que ambas são diferentes. Será que esta festividade de Sobrado está interligada com a de Valongo?

Será que surgiu e se “criou” baseada nos rituais e formas da bugiada de Valongo? Ou terá sido o contrário? São questões que, atualmente, ainda não conseguimos responder. Todavia é possível afirmar que a designação desta festividade de Sobrado nunca pode ser conhecida por Bugiada de Valongo ou Bugiada e Mouriscada de Valongo, sem qualquer referência a Sobrado, uma vez que seria errado e inapropriado face à existência da verdadeira bugiada de Valongo que estava inserida nas festividades de Santo António. Não é, inclusive, justo para as gentes de So-

brado a sua generalização ao concelho de Valongo, uma vez que são os populares da comunidade de Sobrado que salvaguardam, promovem e organizam esta tradição.

No seguimento da análise destas descrições, acima mencionadas, José Alberto Sardinha, no seu livro Danças Populares do Chorpus Christi de Penafiel, menciona a existência de festas ou danças mouriscas e/ou bugiadas em várias festas do Corpo de Deus em Portugal, a saber:

• Regimento da Festa de Corpo de Deus de Coimbra (1517): “os sapateiros da cidade e termo são obrigados a fazer uma mourisca, com “sete moiros afora o rei”, acompanhada de tamboril ou gaita”

• Acordo e Regimento dos Oficiais do Porto para a Procissão do Corpus Christi (1620): “Irá a Mourisca, que a cidade dá, e será a carreira de quarenta homens, com rei mouro e alfaqui, e irá no fim dela o canto, que dão os confeiteiros, o qual será de sei vozes que cantem toadas ao antigo, com seus alaúdes e pandeiros.” E “”os pedreiros e cabouqueiros “darão uma dança de quinze pessoas bem trajadas, em forma de bogios e com os instrumentos de música que ora se costuma nesta dança”.

• Rol dos Juizes de Ofício em Castelo Branco (1680): “após o S. Jorge, os oleiros, que davam um rei mouro com coroa e ceptro, e mais quatro mouros de alfage deembainhado” e “sombreireiros- uma dança mourisca”

Estes não terão sido os únicos locais com mouriscadas ou bugiadas, existem muitos outros. O mesmo autor refere que “com o afastamento da maior parte dos elementos profanos da procissão do Corpus Christi, as danças, folias, pelas, serpe, mouriscadas e outras figurações dispersaram-se efetivamente pelas mais variadas manifestações que preenchem o calendário, como é o caso notório do S. João do Sobrado, Valongo, que acolheu

uma mouriscada, aliás de enredo complicado e que surpreendentemente coloca a serpe a salvar o rei cristão;”

Sobre a referência direta à descrição do Padre Lopes dos Reis em “A Villa de Vallongo” e indiretamente a José Seara, Sardinha adianta que “a descrição (sobre a festa de Santo António em Valongo) é da máxima importância para a matéria em estudo. E permite-nos também uma apreciação comparativa com a bugiada do Sobrado, ainda hoje sobrevivente (…)”. Ainda que não seja a temática primordial abordada no seu livro, o mesmo autor avança que “assim entenderemos facilmente que a Bugiada do Sobrado era uma dança autónoma em relação à mouriscada e que o figurino atual que se exibe na festa de S. João resulta de uma fusão das duas, com um enredo para o efeito concebido pela inventiva popular. Pelo exposto, estamos em crer que a mourisca e a bugiada do Sobrado não provinham de nenhuma procissão de Corpus Christi existente nessa localidade, mas sim de imitação das danças da bugiada e dos odres da vila de Valongo, estas sim, diretamente procedentes da procissão do Corpo de Deus aí existente, por ser povoação mais importante que aquela, o que nos é inequivocamente demonstrado pela profusão e natureza das danças que ostentava no princípio do séc. XX, mas já aqui transitadas para a festa de Sto. António, mais tarde de S. Mamede. Sucedeu, pois, um fenómeno interessante e frequente na tradição popular: na localidade que diretamente recebeu as variadas manifestações provindas do Corpo de Deus, a vila de Valongo, elas perderam-se no espaço de uma centúria, ao passo que a povoação que daquela copiara uma pequena parte dessas manifestações, o Sobrado, soube mantê-las até hoje, já transformada, mas em plena atividade e pujança.”

Será esta a explicação para a origem da Bugiada e Mouriscada em Sobrado? Possivelmente sim, no entanto, certamente mais informações históricas e documentais poderão a corroborar ou a negar estas informações. Que o tempo e novas investigações ajudem a responder ou confirmar estas questões, que são tão relevantes para um maior conhecimento e compreensão desta festividade.

Bibliografia

• Reis, J. (1904) A Villa de Vallongo. Suas tradições e Historia, Descripção, Costumes e Monumentos pelo Padre Joaquim Alves Lopes Reis. Porto. Typographia Coelho.

• Seara, F. (1896) Bosquejo Historico da Villa de Vallongo e suas tradições. Santo Thyrso. Typ. do «Jornal de Santo Thyrso».

• Sardinha, J. (2011) Danças Populares do Corpus Christi de Penafiel. Vila Verde: Tradisom

O Velho, Bugios e a Serpe (Foto de Armando Leça, proveniente do Arquivo Fotográfico da C.M. Matosinhos, cedida pelo CDBM- Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada, 1939/40)

Bugiada e Mouriscada

e algumas designações

O presente trabalho analisa um cartaz (1910/1911), do Theatro Oliveira Zina, de Valongo. Através da mera informação contida no cartaz, onde é mencionada a “Mouriscada de Sobrado”, pretende-se abordar duas questões. Uma respeitante a um pormenor relacionado com uma faceta já identitária para Sobrado que tem que ver com a saída ou não saída da Bugiada e Mouriscada para demonstrações fora, questão esta algo fraturante em Sobrado. A outra prende-se com o levantar do véu no respeitante a um tema relacionado com as diferentes designações dadas à festa ao longo do tempo. Tendo em conta a solicitação da Revista Lavra da Praça para que, no seu primeiro tomo, tenha artigos que enquadrem a Bugiada e Mouriscada no tempo Monárquico, com este pequeno trabalho faz-se uma associação cronológica, do referido cartaz, com os primeiros registos escritos respeitantes ao São João de Sobrado. Sendo este o último documento que se conhece de tempos monárquicos, no entanto, curiosamente, é também o primeiro já do período republicano.

As Referências Históricas até aos Inícios da República

As referências históricas escritas respeitantes à festa do São João de Sobrado e à sua Bugiada e Mouriscada não abundam. Ao que se conhece as primeiras surgem, em 1867,

já numa altura em que Sobrado, pese embora rural, já tinha em funcionamento a Fábrica de Fiação da Balsa, empregando a máquina a vapor, sendo uma das primeiras unidades do género no norte do país. Neste mesmo ano, uma importante figura da terra é o juiz da festa. Trata-se de António Martins de Oliveira que, em 1879, viria a ser o primeiro visconde de Oliveira do Paço. Surgem, assim, notícias no Jornal do Porto, números 145/146/157 de 28 de junho, 2 de julho e 14 de julho, respetivamente, onde é abordada a

tradição pelo correspondente de Valongo. Refere, este correspondente, que “o arraial e festa (…) é costume antiquíssimo”, onde há “uma especie de dança mourisca, a qual consiste n’uma grande mascarada” [28 de junho]. Menciona, ainda, a presença de mourisqueiros [2 de julho]. (Moreira, 2022, p. 86)

Mais tarde, uma informação de 1882, destinada a Leite de Vasconcelos, chegaria aos nossos dias, através de uma publicação efetuada precisamente um século depois, em 1982. Seguiu-se um outro registo, em 1883, pelo conceituado pintor Francisco José Resende, sob a forma de carta. Uns anos depois, ainda no século XIX, por 1896, é a vez do registo ser efetuado através de uns versos, por José Alves dos Reis. Já em 1904, seria numa obra de relevo, para a história local, que o Padre Joaquim Lopes dos Reis aborda a festa sobradense em

comparação com a Bugiada que chegou a ser efetuada em Valongo e dedicada a Santo António. Seis anos depois, em 1910, o registo surge através de um cartaz de uma festa de Carnaval do Theatro Oliveira Zina, de Valongo. Este parece ser o último registo escrito sobre a festa em tempos monárquicos e, pode-se dizer, o primeiro já com a república implantada, tendo em conta a aparente reutilização do referido cartaz em 1911. Quanto ao registo seguinte, o mesmo viria a surgir, através de uma notícia no jornal O Valonguense, em junho de 1913. De notar que a informação atrás referida pode ser confirmada em Moreira (2022, p. 87), bem como será de acrescentar um registo, de 1905, resultante a uma notícia sobre a festa no Jornal de Notícias, de 24 de junho (Neves, 1994, p. 60)

Importa aqui referir que estas referências abordam a festa e os seus protagonistas, contudo, nada referem quanto à lenda que lhe subjaz, pois isso só acontecerá com o discorrer do século XX.

O Cartaz de 1910 e 1911: Saídas da Mouriscada?

Nos seus primeiros tempos, o teatro, organizando diversificados eventos, fazia a sua divulgação através de cartazes. O cartaz destinado a publicitar a festa de Carnaval de 1910, bem como a de 1911 (com reutilização do cartaz), curiosamente, faz menção à festa do São João de Sobrado. Conforme indicado no artigo São João de Sobrado: Espaços de Interpretação, Identidade, Comunidade e Instituições Representativas:

Em jeito de rima e modo brincalhão, um cartaz indica desta forma: “virá (...) a ‘Mouriscada de Sobrado’ que com todo o agrado, fará exibição das Danças de S. João, que deixarão embasbacados os homens encasacados que assistirão á funcção” (Theatro Oliveira Zina, 1910) (Moreira, 2022, p. 87)

O Theatro Oliveira Zina, em Valongo, foi inaugurado a 15 de junho de 1907. Trata-se do edifício levantado, “altivo e magestoso no cimo da [então] Avenida D. Carlos I”, que, serviu de quartel dos Bombeiros Voluntários de Valongo, biblioteca e teatro (Almeida, 1907, p. 167). Posteriormente, este edifício viria a receber obras de ampliação e no auditório, funcionaria, até aos finais do século passado, o Cineteatro de Valongo. Atualmente, encontra-se requalificado e é onde funciona a Oficina da Regueifa e do Biscoito de Valongo. O imóvel é agora propriedade do município valonguense.

De facto, este texto, inserto no suporte de divulgação da festa carnavalesca de 1910, de uma forma poética e brincando com as palavras menciona quer a “Mouriscada de Sobrado”, quer as “Danças de S. João”, com estas a serem exibidas pela Mouriscada. Será que, efetivamente, a “Mouriscada de Sobrado” se encontrou presente em Valongo na referida festa de Carnaval? Será que foram executadas danças ou será que o texto quer ser irónico, para além de poético, brincalhão ou mesmo ridicularizar e fazer mofa, características estas muito próprias de Entrudo?

Pela possível reutilização do cartaz, em 1911, com um programa igual nos dois anos leva-nos a crer que muito provavelmente a festa de Sobrado não terá estado em Valongo. No entanto, que bom que seria termos relatos, em particular, destas festas carnavalescas para

Resumo
Paulo Caetano Moreira | CDBM- Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada
Desenho da fachada do Teatro Oliveira Zina. Fonte: Occidente Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro (Almeida, 1907, p. 168).

podermos dissipar as dúvidas… Talvez existam documentos em algum baú que possam vir à luz do dia e nos possam, de facto, elucidar.

Mas o mais importante deste cartaz é a informação que também nos dá indiretamente, nomeadamente, o facto de que na altura se falava na festa e com uma determinada designação , facto este relevante. É importante, ainda, porque com isso nos legaram um documento de considerável valor. Pois se o não tivéssemos o lapso temporal entre o anterior documento que regista a festa e o posterior, seria maior.

Saídas da Bugiada e Mouriscada: Sim ou não?

Não se pretende aqui explanar exaustivamente e fazer a história das saídas, para exibições fora da freguesia, de personagens devidamente trajados da festa de São João de Sobrado, em especial dos Bugios e Mourisqueiros, mas sim equacionar este tema fraturante. No respeitante aos bailes de máscaras, de 1910 ou 1911, conforme acima verificamos, não sabemos se efetivamente a “Mouriscada de Sobrado” se deslocou, de alguma forma, ao Theatro Oliveira Zina, para a realização das “Danças do S. João”. No entanto, sabemos que ao longo do tempo, fruto das dinâmicas anuais, em especial das Comissões de Festas e das direções da Associação São João de Sobrado, já aconteceram várias saídas, como por exemplo:

- Década de 1960(?) – Demonstração na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto – O Senhor José Marujo, em entrevista ao Museu da Pessoa, em 2001, referiu-se à apresentação da seguinte forma: “Nós estávamos numa sala, eles vestiram-se, era o velho da bugiada, o rei mouro e mais quatro elementos dos bugios […]. Nós entramos pela porta dentro a dançar, como eles fazem aqui. Foi um espectáculo extraordinário” (Marujo, 2001);

- 6 de novembro/1982 - Participação no V FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, na baixa do Porto – demonstração de Bugios e Mourisqueiros com alguma envergadura, incluindo a Banda Musical de São Martinho de Campo;

- 1992 – Demonstração no teatro Rivoli, Porto (no âmbito do XV FITEI) – participação aproximadamente de 15 Bugios e uns sete Mourisqueiros, bem como dos músicos da Bugiada;

- 1996 - Apresentação na BTL - Bolsa de Turismo de Lisboa (antiga FIL) – participação com alguma envergadura onde se encontraram presentes 50 a 60 pessoas, dos quais 40 a 50 personagens/figurantes da festa;

- 1999 - Participação no programa Praça da Alegria, da RTP (Gaia) – Demonstração com o Velho, Reimoeiro e Bugio;

- 21 de junho/2005 – Participação no programa Portugal no Coração, RTP - Bugios e Mourisqueiros devidamente trajados;

- 13, 14 e 15 de maio/2022 – Expocidades em Ferrol, Galiza, Espanha - por decisão da Associação São João de Sobrado, com uma pequena demonstração de promoção com um Bugio e um Mourisqueiro trajados;

- 21 de setembro/2024 - Participação no Desfile Internacional da Máscara Ibérica, numa ação de promoção (em conjunto com muitas outras manifestações de vários países), com vários personagens, como o Velho da Bugiada, dois Bugios, o Sapateiro, a Mulher do Sapateiro, Cego e um Advogado.

Igualmente, sabemos que há uma ideia, de certa forma generalizada, na comunidade, nomeadamente, a sobradense, de que a festa não deve sair e quem desejar ver Bugios e Mourisqueiros, a cada 24 de junho, a Sobrado deve vir. A decisão deve sempre ser de quem faz a festa e deve, em qualquer dos casos, ser respeitada. E esta ideia de não saída já é identitária, pois a festa da Bugiada e Mouriscada já é conhecida como uma manifestação que não quer sair, nomeadamente para realizar espetáculos.

São vários os fatores para esta ideia de não saída. Nas saídas do passado que envolveram uma maior magnitude, ao que parece, é sentimento generalizado dos participantes (leia-se personagens trajados) nesses eventos, de que não sentem o que sentem no dia de São João, no dia da Bugiada e Mouriscada. E isso percebe-se, pois, nessas atuações, encontram-se fora do habitual contexto, quer em termos espaciais (não estão nos locais da festa) e em termos temporais

Cartaz de 1910 e 1911, Theatro Oliveira Zina, Valongo. Fonte: Arquivo

(estão fora do dia de São João), bem como por toda a envolvência festiva habitual se encontrar ausente, incluindo a componente da fé, da religiosidade e devoção ao santo.

Por outro lado, importará referir que uma coisa são as saídas, com exibição e danças, como muitos grupos de outras manifestações o fazem em jeito de espetáculo e outra são meras ações promocionais em que os personagens se trajam para, especificamente, chamar a atenção sobre si. No caso particular da Bugiada e Mouriscada estas ações de demonstração parecem-nos que respeitam, pelo menos em parte, a ideia e sentimento sobradense associados com a não saída, pois não há exibições com danças, não há espetáculo. Conforme refere o sobradense e Professor Doutor Manuel Pinto “É grande, nestas alturas, a pressão para que se executem danças. Mas isso seria começar a matar a festa. As danças têm um sítio e um dia próprios e não são mero folclore de exibição. Têm um lado ritual que a maioria dos sobradenses não quer ver “profanado”” (Pinto, 2005)

Por outro lado, estas demonstrações promocionais, mesmo sem danças, que contribuem para dar a conhecer a festa da Bugiada e Mouriscada, a sua singularidade e o território, justifica-se tendo em conta que se trata de uma manifestação de grande dimensão, mas ainda muito desconhecida, inclusive, na região do Grande Porto onde se insere.

Designações da Festa

O mero cartaz do Theatro Oliveira Zina, para além de conter a breve referência sobre a festa sanjoanina de Sobrado, tem um pormenor, relacionado com a forma como o faz, que consideramos de relevância. O facto de ter a indicação da “Mouriscada de Sobrado” estamos em crer que a pretendiam como representativa de toda a festa que tem a lenda do São João de Sobrado por base.

Bibliografia

Ademais o facto de se tratar de um anúncio de uma festa carnavalesca, com mascarados, naturalmente, desejariam incluir os mascarados da festa sobradense, os Bugios. Assim, efetivamente, com isso se reforça a ideia de que ao indicarem “Mouriscada de Sobrado”, se querem referir a toda a festa.

Tal é sintomático de um outro pormenor associado a esta manifestação sobradense e que está relacionado com as diferentes designações que lhe vão sendo atribuídas. Em determinadas épocas a festa é mais conhecida como Mouriscada de Sobrado, em outras mais como Bugiada ou também como São João de Sobrado e mesmo como Bugios e Mourisqueiros. Ulteriormente, tem-se usado muito a designação Bugiada e Mouriscada de Sobrado…

A designação “Mouriscada de Sobrado”, indicada no cartaz de 1910/1911 estará muito relacionada com o facto de, nos inícios do século XX, a Mouriscada propriamente dita ser representativa de uma faceta mais bem vista da festa, uma faceta mais querida e mais falada. A faceta dos jovens aprumados, sóbrios, alinhados e certinhos, não deixando, contudo, de ser representativa de toda a festa, tal como, posteriormente, a designação Bugiada passaria a ser, igualmente, representativa de toda a manifestação cultural realizada, em dia de S. João, em Sobrado. Só mais recentemente é que se fala mais em Bugiada e Mouriscada no seu todo (componentes respeitantes à narrativa da lenda), todo este que ainda não refere explicitamente as componentes associadas com as Estardalhadas/Entrajadas, a Cobrança dos D’reitos, os inversos Trabalhos Agrícolas e a Sapateirada/Dança do Cego, mas, no entanto, com o intuito de as abarcar. Conforme acima se indica, apenas se pretende levantar o véu sobre este tema. Neste trabalho, não é intenção analisar este assunto exaustivamente, não se pretendendo explanar a fundamentação e os porquês para tais designações associadas a determinadas épocas, pois este poderá ser um estudo a realizar futuramente atendendo à necessidade de aturada análise e aprofundadas pesquisas.

• Almeida, Viriato d’. (30 de Julho de 1907). Teatro «Oliveira Zina» em Vallongo. Occidente Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro 167-168.

• Marujo, José (2001). Obtido de Entrevista a José Marujo: https://www.linguateca.pt/acesso/MuseuPessoa_PT.xml

• Moreira, Paulo (2022). São João de Sobrado: Espaços de Interpretação, Identidade, Comunidade e Instituições Representativas. Festividades, Culturas e Comunidades: Património e Sustentabilidade pp. 85-95.

• Neves, Florinda Maria da Costa (1994). O S. João de Sobrado Seminário Património Arqueológico e Antropológico. Porto: Universidade Portucalense Infante D. Henrique.

• Pinto, Manuel (21 de junho de 2005). “Portugal no Coração” (RTP) apresenta hoje as Bugiadas. Obtido de Bugios e Mourisqueiros: https:// bugiosemourisqueiros.blogspot.com/2005/06/portugal-no-corao-rtp-apresenta-hoje.html

Bugiada e Mouriscada promovida na Expocidades Ferrol (Diário de Ferrol, 2022)
Bugiada e Mouriscada promovida na Praça da Alegria RTP (Foto cedida por Joaquim Mota, 1999)
Bugiada e Mouriscada promovida na Feira de Turismo de Lisboa (Foto C.M. Porto, 1996)
Bugiada e Mouriscada promovida no FIMI- Lisboa (Foto de Fábio Macedo, 2024)
Bugiada e Mouriscada promovida no FIMI- Lisboa (Foto de Fábio Macedo, 2024)

Conclusão

Passado. Quem se interessa pelo passado?

Miguel de Cervantes escreveu que “a história é émula do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.” A verdade é que o passado nos transmite a origem e o significado de tudo o que fazemos no presente e será, certamente, a base do que iremos fazer no futuro.

Nesta primeira edição da “Lavra da Praça” viajamos aos tempos de outrora, onde mouros e cristãos lutaram pelas suas terras e crenças, mas também aos tempos mais aproximados onde reis e rainhas governavam Portugal e onde muitas tradições existiram ou surgiram, como foi o caso da nossa Bugiada e Mouriscada.

Descobrir a origem das coisas é extramente difícil, mas é nesse processo que reside a maior das alegrias, porque a cada descoberta, a cada boa nova encontrada, o nosso espírito alcança um êxtase inexplicável, de uma forma em que percebemos o real valor da nossa existência.

As raízes, o orgulho pelas nossas tradições, o cuidado com objetos antigos e importantes para os nossos antepassados, as tradições orais transmitidas, fazem com que o sentimento de pertença e de comunidade viva e seja resiliente.

Todos os artigos aqui retratados são pequenos contributos para a memória da festa de São João de Sobrado. Que seja o começo de uma bonita caminhada e que as cinco edições previstas da Lavra da Praça possam constituir uma verdadeira cápsula do tempo da festa.

Autores

Ficha técnica

Nuno Alexandre Ferreira

Nuno Alexandre Ferreira, também conhecido por Nuno King, nasceu no Porto em 1992, vivendo em Sobrado desde 2002. Ao longo da sua vida, entre vários projetos e associações, dedicou-se ao estudo e promoção da cultura, património e tradições de Sobrado e da festa de São João de Sobrado. Acompanha e fotografa os Mourisqueiros desde 2013. Entre 2013 e 2024 divulgou a festa nas redes sociais e no blog saojoaosobrado.wordpress.com. É vice-presidente e secretário da Associação

São João de Sobrado desde 2021, onde tem desenvolvido um trabalho revolucionário no que concerne à documentação, arquivo e património da mesma. É o criador e coordenador desta revista “Lavra da Praça”.

Fábia Suzano Pinto

Fábia Pinto Suzano, nasceu em Sobrado em 1983, tendo crescido nos bastidores da Festa de São João de Sobrado.

Começou a registar fotograficamente a festa em 1995 para o seu espólio pessoal e não parou mais. Sem pretensão de profissionalismo tem procurado de uns anos a esta parte uma visão fotográfica diferente da festa. Igualmente, tem dado atenção à Bugiada e Mouriscada por outras formas, seja com a criação e administração do grupo S. João com Tradição- Bugiada de Sobrado, onde desde 2011, promove o diálogo, a partilha de informações e

registos fotográficos sobre a festa nas redes sociais. Produz artesanato sobre a festa e escreve frequentemente artigos sobre a festividade, nos seus mais diversos aspetos, nomeadamente, relacionados com a lenda que subjaz à festa. Foi bugio por 9 anos, fez parte das comissões de festas em 2010 e 2017, ajudando ainda os seus pais na produção de fardas e acessórios.

Vera de Oliveira Lamas

Vera de Oliveira Lamas, nasceu em 1999 e desde bem cedo que se envolveu no associativismo local e voluntariado, tendo decidido dedicar-se ao estudo da família dos Viscondes de Oliveira do Paço, que foi o tema da sua tese de mestrado em História e Património- Mediação Patrimonial pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

O seu trabalho de investigação foi brilhante, tendo vindo a dedicar-se à divulgação do património e do legado desta família para Sobrado, para o Concelho de Valongo e também para a Festa de São João de Sobrado.

Oogham R. M. Lenam

Oogham R. M. Lenam é um dos pseudónimos de Manuel Joaquim Ferreira Pinto. Nasceu em Sobrado, em 1960, e desde sempre esteve ligado ao associativismo nas suas diversas facetas. É “um sobradense de quatro costados”, um bugio de

alma e coração desde criança e um acérrimo defensor das tradições ligadas à Bugiada e Mouriscada. Foi co-fundador, em 1993, da Associação Casa do Bugio (atualmente Associação S. João de Sobrado), tendo elaborado o logotipo e os estatutos da associação. Esteve associado ao processo de aquisição gratuita do terreno onde se implantou a Casa do Bugio e do Mourisqueiro, tendo elaborado o primeiro projeto do mesmo (entretanto abandonado) e fez o lançamento da primeira pedra da construção. Em 1994 fundou a Academia da Música do S. João de Sobrado, onde diversos músicos aprenderam a tocar as diferentes melodias que acompanham os bugios durante o dia de S. João. Dentro da escrita, para além de outras, escreveu um livro sobre o S. João de Sobrado e vários artigos, tendo ainda colaborado com vários autores sobre esta temática.

Paulo Caetano Moreira

Paulo Caetano Moreira nasceu em 1970, em Campo, Valongo. Possui licenciatura em História (2005) e é mestre, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em História e Património - Estudos Locais e Regionais: Construção de Memórias (2012). É autor de alguns trabalhos académicos e de investigação, nomeadamente de história local, com maior incidência no Concelho de Valongo. Tem participado em seminários, jornadas e conferências na área da história e do património cultural, em alguns casos como orador. É colaborador do Município de Valongo, exercendo funções no Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada.

Título: Lavra da Praça- Edição I

Edição: Associação São João de Sobrado

Design Gráfico e Paginação: Filipe da Costa Alves

Data: 21 de dezembro de 2024

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