Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 5 • Número 219
R$ 2,00
São Paulo, de 10 a 16 de maio de 2007
www.brasildefato.com.br Michael Kamber
editorial
A vinda do papa e os interesses do povo
Mulher de Darfur, entre o Sudão e o Chade, retira água de poço onde já foi um rio; estima-se que 400 mil civis já foram mortos e 2 milhões tiveram que deixar suas casas
Mais poluição nos planos da Vale do Rio Doce José Serra é um especialista em barrar CPIs
Dia nacional de lutas será realizado em 23 de maio
Em São Paulo, deputados da oposição precisam recorrer à Justiça para investigar casos graves, como o acidente da linha 4 do metrô e o “escândalo da Nossa Caixa”. Pág. 7
Na terceira entrevista da série sobre o dia nacional de lutas, Zé Maria de Almeida, da Conlutas, fala dos desafios de enfrentar a fragmentação da esquerda. Pág. 4
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A Companhia Vale do Rio Doce completou, no dia 6, dez anos de privatização com um anúncio preocupante: até 2010, a empresa planeja construir três termoelétricas no Brasil. O objetivo é trazer carvão mineral da China, principal importadora do minério de ferro da Vale, como “carga de retorno”. Ou seja, para que os navios utilizados na exportação não voltem vazios. Acontece que os próprios chineses estão deixando de utilizar o carvão mineral para alimentar suas usinas, por se tratar de um grande poluente (Pág. 8). O país asiático, para sustentar sua economia em crescimento, além do minério de ferro precisa cada vez mais de petróleo. Grande parte desse recurso a China busca no Sudão, cujo governo usa as receitas para financiar um genocídio na região de Darfur (Pág. 9). Na lógica inversa, 700 representantes de movimentos sociais, indígenas, camponeses e sindicalistas se reuniram, entre os dias 3 e 5 em Havana (Cuba), para aprofundar o diálogo de uma integração solidária contra os tratados de livre-comércio (TLCs). A Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), composta por Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela, baseia-se na complementaridade das nações, o que configura um novo mapa econômico mais justo e racional (Pág. 11).
Na França, a vitória da direita levou o país a uma onda de protestos Pág. 10
A VISITA de um papa desperta sempre muitas expectativas, não só entre os fiéis, mas entre toda a população, dada a importância da instituição que dirige. A expectativa é geral, mas caberia, neste momento, uma atenção especial ao que o povo da terra espera de Bento XVI. Todos sabem como são estreitas as relações entre a Igreja Católica e os movimentos dos trabalhadores sem terra. Se não fosse o heróico trabalho da CPT (Comissão Pastoral da Terra) na denúncia da violência no campo – trabalho que já cobrou o martírio da irmã Dorothy Stang e tantos outros lutadores e lutadoras do povo – certamente o número de mortos em conflitos de terras seria ainda maior do que é. A própria CNBB, por seus oportunos pronunciamentos e pela mediação generosamente oferecida em hora extremamente difícil da luta pela terra, tem contribuído muito para o avanço da reforma agrária. E ninguém no campo desconhece a contribuição de João Paulo II para a volta da reforma agrária à agenda política do país, no momento crucial da restauração democrática. Fundados nesse passado, os povos da terra esperam que o papa aproveite seu diálogo com as autoridades e seus pronunciamentos públicos, que serão profusamente divulgados, para cobrar do Estado brasileiro aquilo que seu antecessor solicitou: a realização da reforma agrária a fim de criar condições para a verdadeira democratização do país. A visita do papa tem ainda uma outra e muito importante dimensão. Ele vai presidir a reunião do Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe) em Aparecida, interior de São Paulo. Não se pode esquecer que esse encontro é o primeiro depois de Medellín, Puebla e Santo Domingo – assembléias que colocaram a Igreja Católica na linha de frente da luta pela justiça social, pelo ecumenismo, pelo respeito às culturas indígenas da América Latina. Avanços formidáveis para uma Igreja marcada até então pela sua ligação com as classes dominantes – herdeiras das mesmas gentes que provocaram o genocídio das populações indígenas durante a Conquista e introduziram a escravidão africana no continente. Fundamental nesses encontros dos bispos do continente foi o papel da Teologia da Libertação. Essa escola teológica, elaborada na América Latina a partir da realidade do continente, possibilitou aos cristãos uma leitura nova e revolucionária dos Evangelhos. Foi ela que os armou para trabalhar ombro a ombro com as pessoas de outras confissões religiosas e com pessoas sem fé, pela correção das imensas injustiças sociais que persistiram na história da América Latina e que se mantêm até hoje. É fundamental que esse formidável avanço não se perca, abafado pelos ventos malfazejos do neoliberalismo. Infelizmente, o debate sobre os temas que serão discutidos em Aparecida não está tendo a atenção que merece. A mídia, interessada em desviar a atenção do público de assuntos que podem afetar os privilégios dos poderosos, está focalizando apenas os aspectos secundários da viagem: a segurança do papa; o automóvel que o transportará em suas apresentações públicas; o tamanho do quarto em que se hospedará no Mosteiro de São Bento; o pianista que tocará para o papa. Até a cerimônia de canonização de frei Galvão, uma festa que certamente alegrará muita gente devota, foi ofuscada pela exposição de detalhes. O Brasil de Fato recusa-se a fazer esse tipo de jornalismo e congratula-se com a visita de Bento XVI, esperando que ela contribua para o avanço da luta dos cristãos católicos brasileiros na defesa dos direitos e da dignidade dos seus concidadãos. 9 7 7 1 6 7 8 5 1 3 3 0 7 0 0 2 1 9