Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 5 • Número 215
São Paulo • De 12 a 18 de abril de 2007
R$ 2,00 www.brasildefato.com.br Marcello Casal Jr/ABr
Movimentos rurais e urbanos unidos no dia 17 A jornada de lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já começou. Até o dia 10, haviam ocorrido ocupações em Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo. Dentre as principais reivindicação, está a aceleração das desapropriações de terra com fins de reforma agrária e a correção dos índices de produtividade. A jornada se intensifica em 17 de abril, data do 11º aniversário do Massacre de Eldorado dos Carajás – imortalizado no Monumento das Castanheiras (foto ao lado). O dia será de luta unificada entre o MST e diversos sindicatos e movimentos por moradia espalhados pelo país. Pág. 4
Transnacional financia milícia na Colômbia
O neoliberalismo reduz salários, precariza o trabalho e coloca trabalhador na informalidade
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perador de telemarketing, balconista, auxiliar de limpeza, vigilante... Empregos como esses, de baixa
remuneração, são o destino de oito em cada dez pessoas que encontram trabalho na cidade de São Paulo. Mas esse quadro Daniel Cassol
A relação entre governo, transnacionais e paramilitares ficou mais evidente quando vieram à tona, no último mês, indícios do apoio a estes grupos por parte do Estado e da empresa estadunidense Chiquita. Pág. 7
Mais de 90% dos empregos no país pagam menos de R$ 700 é uma realidade em todo o país, fruto da opção dos últimos governos pelo modelo neoliberal, que prioriza o capital financeiro
em detrimento do produtivo. No Brasil, 94% dos empregos pagam até dois salários mínimos. Pág. 3
EDITORIAL
Por que não sai a reforma agrária?
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Força indígena – A segunda edição do Encontro Internacional Sepé Tiaraju e o Povo Guarani deve reunir pelo menos 4 mil pessoas em Porto Alegre, entre os dias 11 e 14. O primeiro encontro (foto) ocorreu no ano passado, em São Gabriel, marcando os 250 anos da morte do líder guarani. São esperados cerca de mil indígenas da etnia guarani, vindos da Bolívia, Paraguai e Argentina, além de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. A Assembléia Continental Guarani será um momento para reflexão sobre a realidade enfrentada pela etnia nestes países
Operação Condor segue vigente na América do Sul
Controladores na luta por seus direitos
Militares sul-americanos seguem trocando informações sobre os “subversivos” do continente, aos moldes do que ocorria nos anos 1970 e 1980 na Operação Condor, garante o jurista paraguaio Martin Almada. Ele, que, em 1992, provou a existência do esquema, descobriu documento de 1997 no qual coronel paraguaio envia uma lista de militantes de esquerda para colega equatoriano. Pág. 6
Diante das péssimas condições de trabalho dos controladores de vôo e das denúncias de sucateamento dos equipamentos, crise do setor evidencia a falta de planejamento do governo. Pág. 5
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dia 17 de abril de 1996 ficou marcado na história do Brasil pela luta por reforma agrária. Mais de mil trabalhadores, homens, mulheres e crianças caminhavam de Paraupebas a Marabá, no Pará, em protesto para exigir a desapropriação de uma fazenda de 50 mil hectares e a distribuição de cestas básicas. De repente, dois batalhões da Polícia Militar, fortemente armados, vindos de lados opostos, cercaram o acampamento e cometeram o massacre. Resultado: 19 sem-terra assassinados, centenas de feridos, 69 mutilados para o resto da vida. O Brasil ficou consternado. Almir Gabriel era governador do Pará; Fernando Henrique Cardoso, presidente da República; ambos do PSDB. Passaram-se 11 anos, o que mudou? Todos os assassinos, mandantes e responsáveis continuam impunes. A Via Campesina internacional declarou 17 de abril como o Dia Mundial de Luta Camponesa. Em junho de 2002, o presidente FHC sancionou a lei 10.469 de autoria da então senadora Marina Silva, hoje ministra do Meio Ambiente, declarando aquela data como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária no Brasil. Virou até lei lutar pela reforma agrária em 17 de abril. Mas o que mudou nas condições de vida dos camponeses brasileiros? Muito pouco ou quase nada. A reforma agrária continua apenas como sonho. E as estatísticas dos pesquisadores agrários revelam que, nesses 11 anos, a concentração da propriedade da terra seguiu aumentando. Ou seja, a distribuição das terras
ficou ainda mais injusta, menos mãos controlam mais áreas. Mas, afinal, por que não sai a reforma agrária? O presidente Lula ensaiou uma explicação em novembro de 2000, numa entrevista à revista Caros Amigos, quando defendeu: “Não se justifica em um país, por maior que seja, ter alguém com 30 mil alqueires de terra! Dois milhões de hectares de terra! Isso não tem justificativa em lugar algum do mundo! Só acontece no Brasil, porque temos um presidente covarde, que fica na dependência de contemplar uma bancada ruralista a troco de alguns votos”. Evidentemente que essa explicação é insuficiente. Está em curso no Brasil e em todo mundo uma disputa de projetos para a utilização das terras, dos recursos naturais e da produção agrícola. De um lado, os fazendeiros capitalistas se aliaram às transnacionais e ao capital internacional para produzir ao mercado externo e transformar nosso país em uma nação agroexportadora. Como denunciou Cláudio Lembo, ilustre intelectual burguês e ex-governador de São Paulo, ao criticar o programa de expansão da cana para produzir etanol para os Estados Unidos: “Depois de 500 anos, nossas elites querem voltar ao ponto inicial. Um modelo colonial, que não desenvolve e só produz pobreza”. De fato, o modelo defendido pelo agronegócio é apenas uma remodelagem da velha plantation. Apenas substituiu o trabalho escravo pela máquina e pelos agrotóxicos. E mesmo assim, alguns “modernos” fazendeiros continuam também
usando trabalho escravo, como foi denunciado recentemente em relação a uma fazenda da empresa aérea GOL. De outro lado, temos os movimentos camponeses, e em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com sua proposta de reforma agrária que visa a democratização da propriedade da terra e a reorganização da produção agrícola prioritariamente para produção de alimentos. Defendem também que a reforma agrária esteja vinculada com a educação, com um novo tipo de assentamento, com a instalação de agroindústrias cooperativadas e com uso de técnicas agrícolas sem agrotóxicos e preservadoras do meio ambiente. A reforma agrária está parada porque as classes dominantes são hegemônicas na economia, no Estado, no governo Lula e na maioria dos governos estaduais. Mesmo assim, os trabalhadores não ficarão parados. E, certamente, mais uma vez nessa semana do 17 de abril milhares de camponeses se mobilizarão em todo país. Farão para homenagear os mártires de Carajás. Farão para pressionar o governo. Farão para defender suas propostas de reforma agrária. Farão para enfrentar o capital internacional travestido nas transnacionais que dominam agora a agricultura e querem dominar também as sementes, a natureza, a água. Esperamos que o sacrifício dos mártires de Carajás não tenha sido em vão e que alimente a consciência e a coragem dos trabalhadores brasileiros para se organizarem e lutarem por uma verdadeira reforma agrária.