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Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 5 • Número 214

R$ 2,00

Ricardo Stuckert/PR

São Paulo • De 5 a 11 de abril de 2007

www.brasildefato.com.br

Lula entra no jogo de Bush Nos Estados Unidos, presidente brasileiro legitima a agenda imperialista para a América Latina

M

ais que acordos concretos, uma mensagem simbólica. Esse é o recado do encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com George W. Bush, em sua casa de campo nos Estados Unidos. Em meio à crescente onda antiimperialista na América Latina, a diplomacia dos Estados Unidos colocou em prática uma nova ofensiva para se contrapor às influências de governos como o de Hugo Chávez (Venezuela),

Evo Morales (Bolívia) e Fidel Castro (Cuba), que buscam novos rumos para a integração do continente. Já Lula, atendendo aos interesses do agronegócio, encampou a proposta. “O presidente Lula defende o etanol, mas não coloca na pauta mundial o aquecimento global e os danos ambientais decorrentes da monocultura do açúcar”, critica o historiador Valério Arcary. Pág. 6

EDITORIAL

Diga-me com quem andas...

N Bush recebe Lula como hóspede de honra em Camp David, espécie de Granja do Torto da presidência dos Estados Unidos

Marcha de sem-teto força diálogo pessoas em defesa das famílias do acampamento João Cândido. Depois de caminharem 18 km até a sede do governo estadual,

os sem-teto forçaram José Serra (PSDB ) a negociar para resolver a situação dos acampados. Pág. 3 Fernão Lopes/MTST

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) classificou como “histórica” a marcha promovida, no dia 30, com 5 mil

O sertão virou um mar de lona preta; famílias ligadas ao MTST acampadas em Itapecerica da Serra chegam a duas mil

Um novo tipo de democracia na América Latina

O caminho das águas no Ceará

O povo latino-americano está exigindo cada vez mais participação popular nas decisões sobre os rumos de seus países. Nos últimos anos, referendos e plebiscitos sobre temas fundamentais vêm sendo realizados. Para o jurista Fabio Konder Comparato, essa “onda” de consultas mostra que “os povos latino-americanos acordaram de um sono profundo que durou vários séculos”. Pág. 7

Documentário lançado em Fortaleza narra as contradições de projetos como a transposição do Rio São Francisco, que privilegia a elite econômica em detrimento do acesso dos povos à água Pág. 4

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o mundo da alta diplomacia, nenhum gesto é casual. Não foi, portanto, nenhum acidente, nem mero detalhe, o fato de o “companheiro” George W. Bush ter recebido o “companheiro” Luiz Inácio Lula da Silva em Camp David, a casa de campo do presidente dos Estados Unidos, no final de março. Lula mereceu uma honraria destinada a poucos chefes de Estado. Ali foi celebrado, por exemplo, o famoso acordo de paz entre palestinos e israelenses, em 1993, entre outros eventos de importância histórica. Lula foi o primeiro presidente latino-americano a ser recebido por Bush em Camp David, e o primeiro a participar de uma reunião de trabalho no bucólico retiro dos presidentes estadunidenses, desde 1991. O último foi o mexicano Carlos Salinas de Gortari. Justiça seja feita: em 1998, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi recebido em Camp David pelo então presidente Bill Clinton, mas a reunião foi descrita pelo governo estadunidense como sendo uma “reunião pessoal” e não uma “de trabalho”, uma mera ação entre amigos. Perguntar não ofende: porque a Casa Branca atribuiu tanta importância à visita de Lula, organizada apenas três semanas após o encontro com Bush, em São Paulo? A pauta do encontro, por si só, não explica. Não havia nenhuma novidade, ao contrário: tratou-se, basicamente, de uma reprodução da pauta abordada pelos dois, em 9 de março. A explicação está no plano simbólico. Lula é o mais novo garotopropaganda de Bush. Todas as declarações do presidente brasileiro, tanto em São Paulo quanto em Camp David, tiveram um único sentido: melhorar a imagem do “neocompanheiro, apresentá-lo como se ele estivesse” “no mesmo barco” de todos os outros presidentes do continente americano. Assim, por exemplo, Lula aceitou passivamente a explicação segundo

a qual se os Estados Unidos não baixam as tarifas que protegem os agricultores estadunidenses, a culpa não é de Bush, mas do malvado Congresso de seu país, órgão encarregado de elaborar as leis comerciais. Da mesma forma, nem em São Paulo nem em Camp David, Bush foi minimamente questionado por Lula, ao reafirmar o seu suposto compromisso de zelar pelo meio ambiente. Logo ele, o “malvadeza júnior” que será para sempre lembrado pelo desprezo com que tratou as vítimas pobres do furacão Katrina e pela ruptura com o Protocolo de Kyoto, y otras cositas más. “Queremos ver as biomassas gerarem desenvolvimento sustentável na América do Sul, na América Central, no Caribe e na África”, proclamou Lula, para a doce aprovação de Bush, como se, por algum milagre repentino, o imperialismo estadunidense houvesse mudado a sua natureza e os seus métodos. Não se trata, aqui, de novamente desmascarar a idílica e falsa avaliação sobre os problema ambientais gerados pela exploração do etanol e do biodiesel sustentada pelo governo Lula, mas sim de observar que o discurso brasileiro está totalmente subordinado aos interesses ideológicos e políticos de Washington. O verdadeiro alvo da visita de Lula a Camp David encontra-se em Caracas. A desesperada tentativa de melhorar a imagem de Bush tem como função estratégica diminuir a importância de Hugo Chávez. Mas os acontecimentos de março falam mais alto: por onde passou, Bush foi repudiado, vaiado, menosprezado pelo povo. Chávez foi aclamado. Na Argentina, falando para um público de cerca de 40 mil pessoas, o presidente venezuelano matou a charada: “É loucura utilizar as boas terras e as águas doces que nos restam para alimentar os veículos do Norte”. Lula deveria prestar mais atenção nos provérbios populares: diga-me com quem andas...


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