Ano 5 • Número 209
Uma visão popular do Brasil e do mundo
R$ 2,00
São Paulo • De 1º a 7 de março de 2007
www.brasildefato.com.br
Dafne Melo
Transnacionais causam fome na África No Mali, o Fórum Mundial pela Soberania Alimentar denuncia os impactos do neoliberalismo na alimentação
A
s grandes corporações são a verdadeira causa da fome na África, não as condições naturais e as guerras, como sugere o senso comum. A denúncia foi feita pelos 600 participantes do Fórum Mundial pela Soberania Alimentar, realizado entre os dias 23 e 27 de fevereiro em Sélingué (Mali). No encontro, acompanhado por reportagem do Brasil de Fato, o modelo neoliberal foi responsabilizado por agravar essa perda da soberania alimentar – entendida como o direito humano dos povos definirem suas políticas agrícolas e alimentares –, uma vez que destrói as economias locais, privatiza a natureza e estimula o livre-comércio, transferindo poder para as mãos das transnacionais. Pág. 6
Com a barragem do rio Níger ao fundo, a partir da esquerda, ativista dos EUA, Irã e País Basco participam da abertura do fórum no Mali
O etanol na mira de Bush Cansado de depender do petróleo da Venezuela e do Oriente Médio, o presidente dos EUA, George W. Bush, chega ao Brasil, no dia 8, com
o objetivo de estabelecer parcerias para a produção de etanol (álcool combustível) na América Latina. A vinda da comitiva estadunidense está animando
o setor do agronegócio, que pode obter grandes lucros com a expansão da monocultura da cana-de-açúcar. Pág. 7
EDITORIAL
Os riscos do acordo com os EUA
A
mídia capitalista tem anunciado com satisfação as negociações que precedem a vinda do presidente dos EUA, George W. Bush, ao Brasil, prevista para o dia 8 de março. O destaque tem sido um possível acordo com Lula para a implantação de um projeto de produção em grande escala de álcool combustível (etanol) para exportação aos EUA. O que não se informa é o perigo que esse projeto traz ao povo brasileiro, tornando ainda mais vulnerável a sua precária soberania, pelo fortalecimento da presença do capital externo, agravando a destruição do meio ambiente, pela expansão da monocultura da cana, e dificultando ainda mais o processo da reforma agrária, já que fortalece o agronegócio e mantém os trabalhadores rurais em condição sub-humana. O acordo proposto pelos EUA ao Brasil deve ser analisado no contexto da crise mundial energética, no qual o imperialismo estadunidense se encontra em iminente dificuldade para suprir suas necessidades, sobretudo de petróleo, e não hesitou em tomar ações extremadas para garantir o abastecimento interno, como a ocupação militar do Iraque e do Afeganistão. Os EUA produzem, hoje, menos da metade do petróleo que consomem e, por isso, buscam alternativas de combustíveis, sem descartar, evidentemente, a alternativa militar, já que é intrínseca à natureza do imperialismo. Mas não é só. Os estadunidenses procuram também uma
sintonia com a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), projeto que não avançou, em boa medida pela resistência feita pelo próprio governo Lula, já que o Brasil tem uma posição determinante para que um projeto desta natureza avance ou fracasse. E, por isso, é extremamente grave que o governo Lula se disponha agora a firmar este acordo com os EUA. O que está em jogo é a soberania nacional sobre uma alternativa energética estratégica, num momento em que já se detecta uma tendência declinante da era do petróleo, bem como uma caótica situação ambiental em decorrência de seu uso descontrolado e abusivo. A vantagem comparativa que o Brasil possui – território, água, clima e mão-de-obra precisando de trabalho – poderia ser eficientemente utilizada em favor da elevação das condições de vida do povo brasileiro, interligada a uma indispensável reforma agrária e a uma inclusão de milhões de brasileiros no mundo dos direitos trabalhistas. Mas o acordo com os EUA torna ainda mais grave o vertiginoso processo de desnacionalização da propriedade da terra já em curso no Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Chile, prenunciando uma situação de crise da verdadeira segurança nacional, sem atentarmos para o fato que os EUA continuam expandindo sua presença militar por meio de 22 bases instaladas por toda a América Latina. Quando o mundo estava prestes a mergulhar na Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas
tomou as primeiras medidas para a nacionalização do subsolo e da produção do petróleo, mais tarde concretizada na criação da Petrobras. Hoje, quando o mundo já está sendo sacudido por várias tensões e guerras em função da rapina imperial às fontes energéticas, o Brasil, possuidor de um gigantesco potencial de energia renovável, tem aberta uma janela de possibilidades. O país possui todas as razões para nacionalizar este setor por meio da criação de uma Empresa Brasileira de Bioenergia, com capacidade de defender os interesses nacionais, a exemplo do que vêm fazendo países como a Venezuela, a Bolívia e até a Argentina, em certa medida, fortalecendo o papel do Estado. Sem isso, todo o potencial de energia renovável brasileiro poderá ser controlado pelo capital estrangeiro, a exemplo do que já ocorre com a soja, nas mãos de um cartel de empresas transnacionais. O acordo energético entre EUA e Brasil poderá, indiretamente, efetivar a Alca, anexando um setor produtivo à economia imperialista. Irá, ainda, transferir para o imperialismo o controle do que poderia ser uma solução energética tipicamente nacional, se fosse inserida em um projeto popular para o Brasil. Este acordo deve motivar uma intensa discussão entre movimentos sociais, sindicatos, universidades, intelectuais e também entre os nacionalistas, civis e militares, convocados a uma ação pública, a exemplo da campanha “O Petróleo é Nosso”, que resultou na criação da Petrobras.
Grilagem e latifundiários criam tensão no Pontal A região do Pontal do Paranapanema, São Paulo, testemunha conflitos agrários há quase um século. Enquanto os latifundiários querem aumentar a produção de cana-de-açúcar, a mídia corporativa destaca as
“invasões” dos sem-terra, omitindo que a maior parte dessas fazendas são oriundas de terras griladas. Para especialista, MST luta para desentranhar tais grilos. Pág. 3
Na Amazônia, Mulheres lutam pelo fim da povos sofrem com agronegócio desigualdade Pág. 4 Em todo o país, manifestantes saem às ruas no Dia Internacional da Mulher para lutar contra o agronegócio, a violência sexista, a desigualdade de gênero e por soberania alimentar. Pág. 5