Ano 5 • Número 204
Uma visão popular do Brasil e do mundo
R$ 2,00
São Paulo • De 25 a 31 de janeiro de 2007
www.brasildefato.com.br
A luta global passa pela África Valter Campanato/ABr
O 7º Fórum Social Mundial, realizado no Quênia, incorpora movimentos africanos na resistência ao neoliberalismo
Grupo de dança queniano do Centro Comunitário Saint John, grupo católico que trabalha com crianças e adolescentes da periferia de Nairóbi
EDITORIAL
Um pacote para os empresários
O
governo federal anunciou um pacote de medidas que visam aumentar os investimentos na economia e acelerar o crescimento. Esse pacote vinha sendo anunciado desde as eleições e prometia grandes novidades. Apesar de muito estardalhaço na imprensa, as medidas anunciadas não têm quase nada de novo. Vejamos. Os números – O governo anunciou que, nos próximos quatro anos do segundo mandato, vai articular para que se invistam R$ 504 bilhões. Nesse total, o governo inclui os R$ 217 bilhões de investimento que o empresariado vem anunciando. Portanto, não depende do governo. Portanto nenhuma novidade. Outros R$ 219 bilhões virão das empresas estatais, em especial a Petrobras e o setor energético, que também já estavam programados. E o governo federal entrará com R$ 68 bilhões do Orçamento Público da União, ou seja, em média, R$ 17 bilhões por ano, que também já estavam programados. A única mudança prevista nas fontes desses investimentos anunciados com tanta pompa é que o governo, só em 2007, vai renunciar a R$ 6,6 bilhões de impostos, esperando que os empresários beneficiados usem esse dinheiro em investimentos. E também vai estimular que se use R$ 5 bilhões do FGTS (fundo dos trabalhadores) em obras de habitação e saneamento. Onde será aplicado esse dinheiro? – R$ 275 bilhões serão aplicados em obras de energia (petróleo e hidrelétricas, tudo já previsto antes); R$ 171 bilhões serão aplicados em obras de infra-estrutura social e urbana, como metrô, saneamento e habitação. A novidade é a garantia de R$ 6,6 bilhões para as obras de transposição do Rio São Francisco. Obra polêmica e que
divide os setores sociais, principalmente porque falta transparência sobre os encaminhamentos do projeto. Outros R$ 58 bilhões devem ser investidos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. O fundamental, nada mudou! – A economia brasileira para crescer acima de 5% ao ano precisa de investimentos anuais de 30% do PIB. Isso aconteceu no período de 1930-1980 e, por isso, crescíamos 7,6% ao ano. Desde que o capital financeiro transformou nosso país em paraíso da especulação, os capitalistas preferem ganhar dinheiro com juros, a investir em obras e produção. Por isso, os investimentos caíram nos últimos quinze anos para apenas 18% do PIB. Para fazer esses investimentos, os manuais da economia dizem que só há dois caminhos. Reduzir o consumo da população e aí sobra mais para investir, ou reduzir os ganhos do capital com juros. No Brasil, dos R$ 400 bilhões arrecadados por ano pela União, cerca de R$ 140 bilhões são gastos em juros, como rendimento do capital de seus títulos da dívida interna. E, por outro lado, o governo aplica apenas R$ 16 bilhões em investimentos, como foi reafirmado no pacote. Se o governo tivesse coragem de acelerar o crescimento, deveria reduzir os gastos com juros e reaplicar esses recursos em investimentos. Em segundo lugar, em vez de aplicar em obras, que apenas pavimentam as condições para os empresários exportarem, a prioridade deveria ser para atender aos interesses do povo, investindo nas áreas que resolvam os problemas sociais. Ou seja, em habitação popular, agricultura camponesa e reforma agrária, educação pública, com a construção de escolas e contratação de professores. E na saúde, com
mais hospitais, médicos e programas preventivos. Terceiro, e mais grave. O governo se compromete com os empresários a congelar os salários dos servidores públicos. Acrescentar apenas a inflação. E, em relação ao salário mínimo, que é o principal instrumento de distribuição de renda, o governo se compromete a corrigir apenas em relação à inflação e o crescimento real da economia de dois anos anteriores. Assim, ele jogou no lixo a promessa de 2002, de que, em quatro anos, dobraria o valor real do salário mínimo. O ministro Guido Mantega, envergonhado, disse: “bem, se tudo der certo, podemos pensar nos próximos anos em baixar o superavit primário dos atuais 4,75% para 3,75% do PIB”. Ele, como economista, sabe que esse pacote não vai mudar em nada a repartição da renda nacional, e nem o volume real de investimentos públicos, se não transferir substancialmente os recursos públicos, que são do povo, hoje aplicados em juros, para investimentos produtivos. Por essas razões o empresariado bateu palmas e os jornais burgueses cantaram loas. A CUT ficou quieta e a Força Sindical ameaça entrar na justiça para proteger os R$ 5 bilhões do FGTS. Infelizmente o governo Lula perde mais uma oportunidade de mudar de fato a política econômica, em favor dos trabalhadores, das maiorias. O espetáculo do crescimento não virá. Os problemas do povo, de falta de emprego, renda, educação e saúde, infelizmente, continuarão se agravando.
A
diversidade das lutas e a solidariedade entre os militantes que delas participam deram o tom no 7º Fórum Social Mundial, realizado entre os dias 20 e 25 em Nairóbi, capital do Quênia. Durante o evento, cerca de 50 mil pessoas trocaram experiências e fizeram contatos. Uma das prioridades do encontro foi a incorporação dos movimentos sociais africanos à luta contra o neoliberalismo, que faz da África sua maior vítima. Os temas foram diversos: direito à terra, direito à água, luta contra a dívida, Estado palestino, direito das mulheres, entre muitos outros. Na edição deste ano, o Fórum privilegiou as ações unificadas. Mas os desafios também permanecem. Um deles é a de popularizar o evento. O alto custo do valor da inscrição e das refeições inviabilizou a presença da população pobre do Quênia, o que gerou protestos diários. Pág. 7
Em São Paulo, violência policial contra sem-teto A repressão policial contra a população de rua foi o alvo de protesto realizado no Centro da capital paulista, dia 19. Para os manifestantes, essas ações são parte de uma política de “limpe-
za social”. Na periferia, entidade de direitos humanos elaborou uma cartilha para orientar a população contra abusos de policiais. Pág. 5
Sem preservação, Correa: inicia-se desenvolvimento uma nova era na concentra renda América Latina Pela terceira vez consecutiva, o Ibama bateu o recorde histórico de licenciamentos ambientais. Em 2006, foram 278, mais que o dobro de 1999. É uma resposta do Instituto aos setores da economia que consideram o meio ambiente um entrave ao crescimento. Na Amazônia, o sucateamento do Ibama é um dos elementos que contribui para o aumento do desflorestamento. Pág. 3
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o presidente do Equador, Rafael Correa, aponta para o início de um momento novo no continente, em que “o neoliberalismo ficou para trás”. Correa, que participou da Cúpula do Mercosul, afirmou que a integração latino-americana deve ser dirigida por seres políticos “com visão integral e histórica, e não por economistas que acreditam que tudo é mercadoria”. Pág. 6