BDF_186

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Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 4 • Número 186

R$ 2,00

São Paulo • De 21 a 27 de setembro de 2006

www.brasildefato.com.br

Em entrevista exclusiva, o presidente da Bolívia diz que está em curso um processo de refundação de seu país

“O

companheiro Hugo Chávez, da Venezuela, gritou: ´Pátria ou Morte!´ Eu digo: Planeta ou Morte!” O presidente boliviano, Evo Morales, conclama os governos de países pobres a se unir contra a política coercitiva e unilateral dos Estados Unidos. Ele participou da 14ª Cúpula do Movimento dos

Países Não-Alinhados, realizada em Cuba, entre os dias 11 e 16. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Evo afirmou que, com o apoio dos movimentos indígenas, pretende refundar a Bolívia. O primeiro passo, diz, é escrever uma nova Constituição, priorizando a defesa dos pobres. Pág. 7

Alain Bachellier/flickr/creative commons

Evo, mais um aliado contra o Império

ONGs promovem violência contra caiçaras no Paraná Entidades, com recursos de transnacionais dos EUA, privatizam áreas em Antonina e Guaraqueçaba, no Norte do Paraná. Buscam o lucro fácil do seqüestro de carbono – tipo de cupom am-

biental que empresas compram para poder poluir. As organizações – SPVS e Fundação Boticário – criminalizam os caiçaras, que vivem na região há décadas. Pág. 4

Com Fidel, de Cuba, e Chávez, da Venezuela, Evo Morales promove alternativas de integração da América Latina Fotos: Pedro Carrano

EDITORIAL

Tudo deve ser apurado

N

O Movimento dos Trabalhadoras Rurais Sem-Terra (MST) ocupou, no dia 15, no Paraná, uma das fazendas do deputado federal José Janene (PP), envolvido no escândalo do mensalão. No galpão da propriedade, foram descobertas quatro urnas eletrônicas (foto ao lado). Três dias depois, a Via Campesina levantou um acampamento, não muito longe da ocupação do MST, em frente da entrada da fazenda do também deputado Abelardo Lupion (PFL). Lupion é, por sua vez, acusado de favorecer e ser favorecido pelas empresas Monsanto e Nortox, que promovem o uso de transgênicos no país.

Plinio Arruda: é preciso organizar o povo Pág. 5

O faz-de-conta da reforma do FMI Reunidos em 18 de setembro em Cingapura, na Ásia, representantes do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovaram a primeira parte da reforma deste último, alterando as cotas de participação de China, Coréia do Sul, México e Turquia. A justificativa é democratizar a instituição. Mas os países ricos, principalmente os Estados Unidos, continuam controlando as decisões. Pág. 6

Lula e Alckmin: falta de projeto nivela programas Os programas de governo dos principais candidatos à Presidência, Lula (PT) e Alckmin (PSDB), se omitem na discussão dos rumos da economia e anunciam apenas propostas tópicas. “Não tocam em assuntos

polêmicos”, aponta dom Tomás Balduíno, para quem a campanha caiu no imediatismo e no oportunismo. O programa de Heloísa Helena (Psol) não está pronto. Pág. 3

ão há qualquer possibilidade de os setores endinheirados da sociedade serem derrotados em determinada situação, mesmo eleitoral, sem apelar a expedientes escusos – inclusive os que favoreçam um cenário de golpe. Essa é a manobra a que estamos assistindo, quando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declara possível a impugnação da candidatura de Lula, solicitada pela cúpula do PSDB. Diante da insípida campanha de Geraldo Alckmin e do crescimento da intenção de votos em Lula, a única alternativa que resta à direita é a de atropelar as regras eleitorais e partir para soluções golpistas. A história do Brasil está repleta de golpismos contra o voto popular. Em 1950, tentaram impedir a posse de Getúlio Vargas. Posteriormente, a partir das medidas tomadas por Getúlio contra interesses do grande capital internacional e para o fortalecimento do mercado interno e dos direitos trabalhistas, uma onda de desestabilização política foi criada, com fatos armados – como o atentado da Rua Toneleiros – que levaram ao suicídio do presidente. A impressionante reação das massas, fechando os jornais da direita e também o partido comunista, que faziam oposição a Vargas, pertence à história e pode já ser comparada à reação popular que na Venezuela, em 2002, reconduziu o presidente Hugo Chávez ao poder. É o próprio Chávez que lembra o episódio de Vargas e também o golpe que derrubou o presidente João Goulart, com o apoio total da grande mídia e com o apoio documentado dos Estados Unidos. Evidentemente, há uma fragilidade no Partido dos Trabalhadores, que se reflete na condução do governo Lula. Ao fazer a opção por não ser mais um partido das transformações sociais, mas um partido eleitoral, a vida orgânica do PT, sua disciplina e ética também sofreram abalos, agravados com o afastamento da agremiação dos movimentos populares, com sua submissão às regras

eleitoreiras. É o que explica, por exemplo, que um dos acusados por essa operação para montar um dossiê contra Serra-Alckmin, o empresário Valdebram Padilha, seja recém-filiado ao PT e conhecido por trabalhar para a liberação de emendas orçamentárias. Ou seja, um lobista. A direita começa a lançar as teses para primeiramente cassar a legitimidade de uma nova vitória eleitoral de Lula. O escalado foi o senador Cristóvam Buarque, que afirmou que, se Lula vencer no primeiro turno, “cairá na tentação autoritária de querer governar sem o Congresso”. Ora, o Congresso tem uma história de serviços prestados às orientações da direita e foi seu grande baluarte para organizar o golpe de 1964 contra Jango, quando forjou a famosa tese da “vacância do poder” – que também se tentou contra Chávez, com a propaganda de que o presidente havia renunciado, quando estava seqüestrado. Esse mesmo Congresso – que tornou sagrado e constitucional o pagamento dos serviços da dívida, que não vota itens banais como o fundo para a educação básica, que é sensível à lei dos transgênicos imposta pela Monsanto e que cancelou a histórica lei 2004, que criou o monopólio do petróleo – será agora mobilizado para questionar a legitimidade da vitória eleitoral de Lula. Esses expedientes de dossiês ocorrem no terreno da política burguesa, e em nenhum momento os partidos populares podem admiti-los. Tudo deve ser rigorosamente apurado. Que se apure se o esquema sanguessuga já existia quando Serra era o ministro da Saúde. Também deve ser apurado se houve venda de dossiê para a imprensa, destacando que o episódio serve para questionar, uma vez mais, o modelo de comunicação concentrada e manipuladora que existe hoje no Brasil. Tudo deve ser apurado. O que não pode sofrer questionamento é o direito do povo de eleger seus representantes pelo voto direto, ainda que em um sistema eleitoral que precisa ser radicalmente democratizado.


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