Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 4 • Número 175
São Paulo • De 6 a 12 de julho de 2006
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TV Digital: a opção pela dependência C
onsiderada um “erro histórico” pelos defensores de um sistema democrático de acesso aos meios de comunicação, a escolha do padrão japonês de tecnologia – oficializada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva dia 29 de junho – comprovou o alto grau de comprometimento do governo com as empresas de radiodifusão, em especial a Rede Globo. Às vésperas das eleições em que deverá concorrer, Lula perdeu uma grande chance de exercitar a democracia e optou por uma TV Digital que vai beneficiar apenas consumidores de alto poder aquisitivo. O decreto presidencial, marcado por irregularidades, deverá sofrer questionamentos da sociedade civil na Justiça. Garantindo que “a tecnologia brasileira é mais avançada do que a que vamos importar dos japoneses”, a pesquisadora Regina Mota, da UFMG, classifica de “falácia” o argumento de que o Brasil ficaria isolado se desenvolvesse tecnologia própria. Pág. 3
Antonio Cruz/ABr
Governo cede à pressão das elites e adota tecnologia japonesa: um golpe antidemocrático nas comunicações
Hélio Costa e Heizo Takenaka, ministro do Interior e das Comunicações do Japão: acordo confirma submissão do governo Lula às empresas de radiodifusão
Anistia apura crimes da polícia em SE
Tucanos vendem empresa pública paulista
Informados por reportagem do Brasil de Fato, Patrick Wilcken e Tim Cachill, representantes ingleses da Anistia Internacional, chegaram ao Brasil para investigar denúncias de violações institucionais aos direitos humanos, no Estado de Sergipe. Assim que os dois deixaram Sergipe, os casos de violência institucional se intensificaram. No dia seguinte à viagem, houve mais uma chacina, com fortes suspeitas de envolvimento de policiais. Em poucos dias, a Anistia deverá divulgar um relatório com as conclusões da visita. Pág. 6
O governo do Estado de São Paulo privatizou outra estatal do setor elétrico. O controle da Companhia Transmissora de Energia Elétrica de São Paulo foi passado para uma transnacional da Colômbia. O processo, iniciado por Geraldo Alckmin, candidato tucano à Presidência, foi concluído no dia 28 de junho por Cláudio Lembo, seu sucessor no governo paulista. A população, porém, não tem o que comemorar. A decisão deverá resultar em aumentos nas tarifas de energia, queda na arrecadação pública e demissões de funcionários. Pág. 4
CUT quer pressão por mudanças
A mística de Che, viva em sua filha
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Algodão transgênico ameaça a África Os governos de oito países africanos, pressionados por instituições internacionais, pretendem converter as plantações
nativas para plantios de algodão transgênico. A decisão coloca em risco o desenvolvimento nacional, pois põe a agricultura sob
o domínio da Monsanto. Pequenos camponeses, os principais prejudicados, protestam. Pág. 7
EDITORIAL
Golpe contra o povo palestino
A
o longo do último mês, a partir de 9 de junho, o exército israelense sequestrou 65 líderes do Hamas, em operações realizadas em Ramallah, Nablus, Qalqilya, Jenin y Jerusalén, entre os quais oito ministros de Estado, 24 deputados e 40 chefes de município da Cisjordânia, além de ter bombadeado um local com a clara intenção de atingir o primeiro-ministro Ismail Hanie, cuja vida foi publicamente ameaçada pelas autoridades israelenses. A Embaixada de Israel no Brasil declarou, no jornal Correio Braziliense, que tais atos estão ocorrendo porque cresce “a preocupação com o destino e bem-estar de Gilad Shalit” soldado israelense aprisionado pelos palestinos após o início dos ataques. A ofensiva militar israelense, qualificada como terrorismo de Estado até pelo moderado presidente palestino Mahmud Abbas, nada tem a ver com o “bemestar” do soldado Shalit. O seu objetivo é destruir o governo do Hamas, democraticamente eleito, no início do ano, mas jamais aceito por Israel e pelo seu grande aliado, os Estados Unidos. Nesses termos, a ofensiva só pode ser entendida como um golpe de Estado tramado por Israel contra o povo palestino. Israel e Estados Unidos contaram, desde sempre, com a dócil e ativa cumplicidade da União Européia. Em aberta contradição com a lei humanitária internacional, os governos europeus promoveram a suspensão da ajuda prestada ao
povo palestino, com o objetivo de “domesticar” o governo do Hamas. Além disso, fecharam os olhos para as crescentes pressões e mecanismos de controle impostos por israelenses à população civil da Cisjordânia e Gaza, os quais tornaram praticamente impossível o movimento de pessoas e mercadorias. Os israelenses contam, também, com a cumplicidade dos governos egício e jordaniano, cujos agentes armam a oposição interna ao Hamas com armas ligeiras e munições. Resultado: desde janeiro, quase 180 palestinos foram assassinados por militares israelenses, 50 dos quais apenas no último mês, incluindo nove crianças e uma mulher grávida. Em 9 de junho, forças israelenses bombardearam praias e assassinaram onze civis palestinos, incluindo sete membros de uma mesma família, sem nenhuma justificativa. Apesar dos ataques contínuos, do isolamento, das pressões e chantagens articuladas pela comunidade dos Estados imperialistas, o governo palestino manteve-se numa linha de oferecer saídas para a paz. O ataque ao posto militar israelense em Gaza e o aprisionamento do soldado Shalit foi a primeira resposta de força dada pelo Hamas, ao cabo de seis meses de provocações. Agora, a perspectiva do diálogo mostra-se mais longínqua do que nunca, e a responsabilidade por isso é de Israel e aliados. O governo isralense de Olmert segue a mesma linha estratégica estabelecida por Ariel
Sharon, cujo objetivo é desenhar por meios militares novas fronteiras no Oriente Médio. Nem o retumbante fracasso de Goerge Bush no Iraque e no Afeganistão, nem a desastrosa ocupação do Líbano por Israel, nos anos 80, parecem ter convencido os senhores da guerra da inutilidade de seus esforços. Jamais haverá estabilidade no Oriente Médio, enquanto prevalecer o terrorismo de Estado e a truculência imperialista. Ao contrário, haverá uma nova espiral de violência. As operações israelenses apenas conseguiram angariar para o Hamas as simpatias das Brigadas dos Mártires de al-Aqsa (organização da Fatah): “Condenamos a prisão de nossos irmãos do Hamas, e advertimos Isarel de que elas abrem a porta para uma guerra sangrenta”, declararou um porta-voz do movimento. Já conhecemos a história: o recrudescimento da violência vai trazer mais sofrimento para as populações civis da Palestina ocupada e de Israel. E a máquina de guerra imperialista lucrará, com a venda de mais armas. Mas a história reserva surpresas, como mostra a resistência iraquiana. Cabe à comunidade internacional dos povos demonstrar, de todas as formas possíveis, que a solidariedade pode derrotar o canhão.