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Ano 4 • Número 166

R$ 2,00 São Paulo • De 4 a 10 de maio de 2006

Bolivianos recuperam a soberania

L

CIA E P

ES

Presidente da Bolívia, Evo Morales, anuncia decreto 28.701, dia 1º, determinando a nacionalização da exploração do petróleo e do gás do país

A violência do Deserto Verde

As camponesas que fizeram um protesto na empresa Aracruz, dia 8 de março, no Rio Grande do Sul, chamaram a atenção para os prejuízos do Deserto Verde – expressão que retrata a destruição

Joana Tavares

O

presidente da Bolívia, Evo Morales, escolheu o simbolismo representado pelo centésimo dia de seu governo para fazer história. No dia 1º, assinou decreto que determina a nacionalização da exploração do petróleo e do gás do país, os chamados hidrocarbonetos, e ordenou a ocupação militar dos campos de produção das empresas estrangeiras, que terão 180 dias para se adequar às novas regras. Assim, Evo cumpriu uma de suas principais promessas eleitorais, fundamental para sua vitória em dezembro do ano passado. Para o sociólogo Emir Sader, o decreto veio em defesa da soberania do povo boliviano e é uma vitória de todos os movimentos sociais do continente. “Na Bolívia está se jogando grande parte do futuro da América Latina”, analisa. A estatal YPFB terá o controle da comercialização dos hidrocarbonetos, determinando condições, volumes e preços do recurso. Pág. 6

Agência Boliviana de Notícias

As atividades de exploração do petróleo e do gás foram reestatizadas, aos cem dias do novo governo

ambiental causada pela monocultura de eucalipto. Veja, neste caderno especial do Brasil de Fato, o quanto a saúde humana e a biodiversidade são afetadas por esse ramo do agronegócio.

Alto desemprego ofusca festa dos trabalhadores Um quarto da população brasileira está desempregada. Essa é a conta resultante da soma do número de desocupados com o número de subempregados no mercado informal que têm rendimentos inferiores a um salário

mínimo. Porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esbanjou otimismo para comemorar o Dia do Trabalhador, enquanto sindicatos marcaram presença com festas nas ruas. Pág. 5

Jovens pobres, vítimas da PM em Sergipe

EDITORIAL

Pág. 3

Já está no ar o novo formato da Agência Brasil de Fato na internet. No endereço www.brasildefato.com.br você poderá encontrar nossa produção diária de conteúdo exclusivo, entre reportagens, entrevistas e análises, além das edições anteriores do jornal impresso. Em breve, os assinantes terão uma seção específica para acessar a edição da semana. Vamos colocar no ar também um link para rádios comunitárias de todo o país baixarem documentos em áudio e poderem retransmitir para seus públicos locais.

Duas mil pessoas participam da 16ª Romaria dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, na cidade mineira de Viçosa, dia 1º

Presidente Evo Morales mostra um caminho

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importantíssima decisão do presidente Evo Morales de nacionalizar, por decreto, as imensas riquezas energéticas bolivianas, cumprindo sua promessa de campanha eleitoral e ratificando a vontade popular expressa em plebiscito há 2 anos, é um enorme impulso para as transformações sociais no país vizinho. Mas também é um estímulo ao desenvolvimento de forças antiimperialistas em toda a América Latina, inclusive no Brasil, estimulando o governo Lula a repensar suas políticas para a Petrobras, empresa que hoje tem o controle acionário nas mãos de capitais externos na bolsa de Nova York, o maior deles o City Bank. A histeria da mídia capitalista para tentar culpar a política externa brasileira pelo gesto soberano do governo boliviano é, na verdade, expressão de seu pânico ao ver o antiimperialismo avançando pela América Latina, inclusive com o apoio de correntes militares importantes. A terceira nacionaliza-

ção dos recursos energéticos na história da Bolívia – nas duas vezes anteriores por iniciativa de correntes militares nacionalistas – ocorre agora sob o prisma da integração energética latino-americana, da consolidação da Revolução Bolivariana da Venezuela, e do importante apoio que Cuba, junto com o governo Hugo Chávez, está dando ao governo de Morales. O evidente esforço da mídia capitalista para criar um enfrentamento entre Brasil e Bolívia, ou entre Brasil e os demais países sul-americanos, apenas revela desorientação. Até os países capitalistas centrais, também temerosos ante a onda nacionalista, tendem a manter a negociação com o novo governo boliviano, enquanto apostam em outras políticas golpistas. Não por acaso, um grande jornal dos Estados Unidos, o Wall Street Journal, declarou que “os altos preços da energia é que estão fazendo ressurgir o nacionalismo estatizante de Caracas a Moscou”, lembrando que também a

Rússia anda reestatizando seus recursos energéticos. É importante que as forças progressistas intervenham para apoiar um entendimento entre Lula e Morales, a partir do respeito pela decisão soberana da Bolívia, no qual se discutam não ações de competição comercial, mas linhas efetivas de cooperação e de integração – ao contrário do apontado pela mídia do capital, pois ela fala em nome dos acionistas externos da Petrobras, que poderão ter seus lucros indefensáveis questionados. É preciso discutir e praticar contratos que não sejam de rapina, como os impostos à Bolívia pelas transnacionais que sempre usufruíram da riqueza mineral boliviana, mantendo o povo irmão na mais escandalosa miséria. Assim como é escandaloso o fato de São Paulo ter sua indústria e residências mantidas por gás boliviano, mas ter ali mesmo milhares de bolivianos que vivem como escravos, sem documentos, sem direitos. “Terminou o saque”, disse

Evo Morales, sinalizando que é a Petrobras, hoje controlada por acionistas estrangeiros, que deve mudar sua política, respeitando a imensa vitória do povo boliviano que hoje passa a controlar seu patrimônio, da mesma maneira que a estatal brasileira surgiu sob a égide da bandeira “O petróleo é nosso!”, uma histórica campanha cívico-militar. O gás é dos bolivianos. As transnacionais, se querem comprá-lo, ou explorá-lo, devem pagar preço justo. É um escândalo que um país energeticamente tão rico como a Bolívia tenha apenas 2% de seu povo com acesso ao gás de cozinha. A decisão boliviana encoraja o governo Lula a rever as ações internacionalizadas da Petrobras, a fundar uma empresa estatal para explorar a biomassa, bem como a retomar o patrimônio da Vale do Rio Doce, cuja privatização a própria Justiça já questiona. Há mudanças reais na América Latina, e o Brasil deve integrar-se cada vez mais a elas. A Bolívia está mostrando um caminho.


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