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EDIÇÃO ESPECIAL TRANSPOSIÇÃO

Ano 3 • Número 137 São Paulo • Outubro de 2005

O São Francisco resiste e protesta Ruben Siqueira de Juazeiro (BA)

O

s movimento sociais brasileiros vão levar adiante a reivindicação do frei Luiz Flávio Cappio, bispo da diocese da Barra (BA), que durante 11 dias fez greve de fome para se manifestar contra o projeto de transposição de águas do Rio São Francisco. No dia 9, cerca de 1.200 pessoas representando mais de 60 organizações populares com presença em vários Estados nordestinos fizeram um encontro na cidade de Juazeiro (BA), ribeirinha do São Francisco, para dar prosseguimento às mobilizações desencadeadas com a greve de fome. Trata-se da Assembléia Popular pela Vida do Rio São Francisco, do Semi-Árido e do Brasil, convocada por entidades populares da região, e que contou com a presença do próprio frei Luiz. O bispo foi recebido com festa e homenageado por uma coreografia realizada por crianças ao som da música composta por ele próprio, que diz: “Meu Rio de São Francisco, nessa grande turvação, vim te dar um gole d’água e pedir sua bênção”. Simbolizando a adesão dos presentes à sua luta, o religioso entregou às crianças a imagem de São Francisco Peregrino e recebeu bandeiras e bonés das várias organizações.

Roberto Pereira/AE

Movimentos populares abraçam a causa de frei Luiz e preparam ação conjunta para exigir o fim do projeto de transposição

Moradores de Cabrobó (PE) participam de romaria em apoio ao bispo e frei fransciscano Luiz Cappio, durante o período de sua greve de fome

gem (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) e outros –, a assembléia construiu e aprovou uma Carta-Compromisso. Também compareceu ao encontro dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que discursou reforçando o significado ético e mobilizador do gesto de frei Luiz.

Dom Luiz, vestindo a camisa do “Comando Virgulino em Defesa do Sertão”, grupo de artistas da região, mostrou sinais de abatimento e cansaço, mas quis permanecer toda a manhã em companhia dos movimentos populares. Ao discursar, o frei disse ainda confiar que o governo vai cumprir o acordo firmado em Cabrobó (PE), no dia 6, pelo qual decidiu interromper a greve de fome. Caso contrário, “poderíamos ter a ousadia de dizer que o governo mentiu, houve um blefe”, afirmou ele, completando que, neste caso, voltará a fazer greve de fome, contando com mais gente o acompanhando. Depois de afirmar que em toda a sua vida de militante “vestiu a camisa do Lula”, agora esperava que o presidente vestisse a sua camisa, “a mesma de milhares de nordestinos do semi-árido”. Frei Luiz disse que o sentido do seu gesto em defesa da vida, levantando-se contra uma decisão autoritária do governo, foi entendido pelo povo organizado e aquela assembléia era expressão disso. O religioso afirmou que agora esperava que o movimento desencadeado crescesse e forçasse o governo a recuar e a abrir um amplo e transparente debate nacional sobre o semiárido e o São Francisco, capaz de definir a melhor forma de desenvolver sustentavelmente toda região, com prioridade para os mais pobres. Com base nas falas de representantes dos principais movimentos presentes – como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barra-

venção da polícia ou protestos mais sérios por parte dos que trafegavam. Lida a Carta-Compromisso, foi realizado um simbólico abraço ao rio, com as pessoas dando-se as mãos e repetindo em voz alta os compromissos firmados na assembléia. A solidariedade ao frei Luiz no Nordeste não se resumiu a esse ato. No dia 4, militantes do

Gervásio Baptista/ABR

DEFESA DO SERTÃO

Após a assembléia, os participantes saíram em passeata pela cidade até a orla fluvial, onde muitos moradores se encontravam nos bares. Depois, os manifestantes tomaram a movimentada ponte Presidente Dutra, que liga a cidade baiana à pernambucana Petrolina, e a interditaram por mais de uma hora, sem que houvesse inter-

MPA iniciaram uma greve de fome em Cabrobó (PE), pontes e estradas foram bloqueadas em quatro Estados do Semi-Árido, uma cerimônia ecumênica foi realizada na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, mais de mil pessoas protestaram nas ruas de Salvador (BA) e em frente ao Palácio do Planalto.

Nem agronegócio ganha com a transposição Projeto é a cara da indústria da seca. Solução faraônica que não ataca o problema da falta de recursos hídricos da população. Pior, quintuplica o custo da água e afeta a matriz energética. Pág. 2

Ministro Ciro Gomes, da Integração, comanda o rolo compressor do governo para implementar a transposição do São Francisco

O rolo compressor do governo A Justiça baiana cassou, dia 7, a licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para as obras de transposição do Rio São Francisco. Assim, está em suspenso o processo que culminaria na licença de instalação, a derradeira etapa legal que o governo federal precisa superar para iniciar a construção dos canais. Caso a permissão seja concedida, em poucos dias o exército irá a campo iniciar as obras, uma vez que o Tribunal de Contas da União (TCU) não concluiu o processo de licitação (previsto para o dia 26) e as empreiteiras não foram definidas. Trata-se da última demonstração do que o frei Luiz Flá-

vio Cappio, em greve de fome, chama de “rolo compressor” do governo. O próprio Ibama, responsável agora pela palavra final acerca da construção, já deu mostras de subordinação às pressões vindas do Palácio do Planalto e do Ministério da Integração Nacional, o empreendedor do projeto. Dia 29 de abril, o Instituto concedeu a licença prévia da obra sem que nenhuma das audiências públicas programadas nos Estados doadores, onde a oposição ao projeto é mais forte, fosse realizada. Nas que aconteceram, o governo fez uma apresentação de duas horas e concedeu somente três minutos para cada integrante da platéia se manifestar. Essa postura

fez o professor Apolo Heringer, coordenador do Projeto Manuelzão, de Minas Gerais, apontar a transposição como “a guerra do Iraque” do governo Luiz Inácio Lula da Silva, dada a falta de debates e de “seriedade”. UM GOLPE

No entanto, foi em janeiro que a Integração Nacional promoveu seu maior golpe na sociedade civil. Depois de uma batalha jurídica que se arrastou por quase dois meses, dia 17, o governo conseguiu reverter decisão do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) que restringia o uso externo das águas do Rio São Francisco (o objetivo da transposição)

Uma luta pelo povo sofrido do velho Chico Exigindo “soluções verdadeiras e sustentáveis para a região semi-árida”, o bispo dom Luiz Cappio ficou 11 dias só ingerindo água do Rio São Francisco para protestar contra a sua transposição. Pág. 3

Convivência com o Semi-Árido é o caminho Soluções específicas para cada realidade são resposta aos desafios impostos pela seca. Cisternas e mandalas, dentre outras alternativas mais baratas, podem levar desenvolvimento ao Semi-Árido. Pág. 4


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