A liberdade inscrita nos sambas enredos cariocas (1943 a 2013)

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permite a aproximação do receptor (o leitor / folião) com a entidade, o ser narrado e reconfigurado. Se o samba é encerrado com “o seu ideal de liberdade”, o compositor escreve que “o lamento de outrora”, cantado por ele naquele momento, “jamais se esqueceu”, reconhecendo, assim, o valor da solidariedade e da memória. Dessa forma, ao se recuperar as lembranças do passado, no discurso do samba-enredo, Monique Augras observa que: Na maioria dos casos, trata-se de opor o hoje ao antigamente, valorizando a situação atual. Mas isso só pode ocorrer na medida em que se tem uma visão crítica do passado, quando os aspectos negativos não estão sendo desapercebidos (...) quando a visão do compositor opõe-se à idealização costumeira. (AUGRAS, 1998, p. 119)

2.4.5 – CHICO REI Naquele mesmo ano de 1964, a escola de Samba Salgueiro apresentou um dos maiores textos do gênero, não somente pela dimensão estética, formal, mas pelo intenso conteúdo histórico e poético, era o samba-enredo dedicado a Chico Rei. A história daquele líder negro, Galanga em terras de África, é recontada com base em estudos da tradição oral e da nova história, considerando, evidentemente, a cultura popular de Ouro Preto. Assim, o introito da canção parte do litoral africano, lugar em que Chico Rei vivia com a sua “tribo ordeira”. Ele, rei, não simbolizava o sol do absolutismo, mas a terra, uma terra “laboriosa e hospitaleira”. Os portugueses colonizadores – muitas vezes romantizados nos enredos – aqui são representados em um contexto de críticas contundentes, tratados como invasores e capturadores de homens africanos “Para fazê-los escravos no Brasil”. A viagem é narrada, ainda que brevemente, à moda do famoso poema O Navio Negreiro, de Castro Alves, e toda a memória, inscrita nele, fica centrada na árvore símbolo da vida, o Baobá. Na segunda estrofe do poema, Minas Gerais é descrita como o lugar da recepção ao líder africano, antecipando os feitos daquele homem. A palavra liberdade é verbalizada nos seguintes versos: “Sob o sol da liberdade trabalhou”. Em Chico Rei, “Jurou à sua gente que um dia os libertaria”, naturalmente, a palavra gente, no singular, foi desdobrada para o masculino e plural, contrariando, evidentemente, a linguagem culta, para enfatizar, de forma distinta, a coletividade. Nessa elaboração, é oportuno ressaltar que Muniz Sodré aponta para uma transitividade discursiva na letra de samba, na canção popular de uma

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ANEXOS – SAMBAS-ENREDOS

3hr
pages 201-278

4.13 – Considerações sobre este capítulo

11min
pages 170-176

CONSIDERAÇÕES FINAIS

6min
pages 177-181

REFERÊNCIAS

3min
pages 182-184

4.12.4 – África

1min
page 158

4.12.5 – A Escravidão

18min
pages 159-169

4.12.3 – Palmares

1min
page 157

4.12.2 – Zumbi e Outros Referentes Negros

4min
pages 155-156

4.11 – A Liberdade e as Significações Difusas

7min
pages 149-152

4.10 – A Liberdade, o Carnaval e Outras Artes

9min
pages 144-148

4.8 – Liberdade, Mitologia e Religiosidade

4min
pages 139-141

4.9 – A Liberdade e Outras Representações

3min
pages 142-143

4.6 – A Liberdade e os Países

3min
pages 134-135

4.7 – A Liberdade e o Povo

6min
pages 136-138

4.5 – A Liberdade, as Mulheres e os Direitos Feministas

4min
pages 131-133

4.4 – A Liberdade e os Indígenas

3min
pages 129-130

4.2 – A Liberdade de Expressão

3min
pages 123-125

4.3 – A Liberdade e a Independência

6min
pages 126-128

3.9 – Considerações Sobre Este Capítulo CAPÍTULO 4 – A PALAVRA LIBERDADE AO LONGO DA DEMOCRACIA

5min
pages 117-120

4.1 – Introdução ao Quatro Capítulo

2min
pages 121-122

3.7 – A Liberdade e as Significações Difusas

2min
pages 109-110

3.8 – A Liberdade e a Escravidão

10min
pages 111-116

3.6 – Liberdade e Independência

9min
pages 104-108

2.5 – Considerações Sobre Este Capítulo CAPÍTULO 3 – A PALAVRA LIBERDADE AO LONGO DA DITADURA

5min
pages 91-93

3.2.3 – Guararapes

2min
page 98

3.3 – Liberdade e República

3min
pages 100-101

3.2.4 – Indígenas

1min
page 99

2.4.5 – Chico Rei

2min
pages 89-90

3.5 – Liberdade e Carnaval

1min
page 103

3.4 – Liberdade e Povo

1min
page 102

3.1 – Introdução ao Terceiro Capítulo

2min
pages 95-96

2.4.4 – Preto Velho

1min
page 88

2.4.3 – Palmares

7min
pages 84-87

2.4.2 – Castro Alves

2min
page 83

2.2 – A Liberdade e a Segunda Guerra Mundial

5min
pages 75-78

2.3.2 – José Bonifácio

1min
page 81

1.4 – Considerações Sobre Este Capítulo

5min
pages 69-71

1.3.12 – Os Primeiros Sambas-Enredos

11min
pages 63-68

1.3.11 – Samba-Enredo

4min
pages 61-62

2.1 – Introdução ao Segundo Capítulo

3min
pages 73-74

1.3.10 – As Escolas De Samba

1min
page 60

1.3.7 – A Primeira Música do Carnaval

2min
pages 51-52

1.3.9 – O Samba

4min
pages 58-59

1.3.8 – Tia Ciata

7min
pages 53-57

1.3.5- A Praça Onze

4min
pages 44-46

1.3.6 – As Sociedades Carnavalescas

6min
pages 47-50

1.3.4 – Os Ranchos

3min
pages 42-43

1.2 – Origens e Significados do Carnaval

22min
pages 25-35

1.3.3 – Os Cordões

3min
pages 40-41

1.3.2 – O Zé Pereira

2min
pages 38-39

INTRODUÇÃO À TESE

12min
pages 14-21

1.1 – Introdução ao Primeiro Capítulo

3min
pages 23-24

ABSTRACT

1min
page 12

RESUMO

1min
page 11

RESUMEN

1min
page 13
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A liberdade inscrita nos sambas enredos cariocas (1943 a 2013) by Pedro Belford - Issuu