InformANDES Ed. 168 - Outubro de 2025

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Congresso assalta direitos de trabalhadoras e trabalhadores

ESTABILIDADE CONCURSO CARREIRA

PEC 38/2025 destrói relações de trabalho de servidoras e servidores e amplia contratos precários Págs. 6 e 7

RAIO X - confira os principais pontos dos ataques nas 3 propostas (destaque e distribua) Págs. 8 e 9

Reforma Administrativa ampliará precarização de serviços públicos nos estados, municípios e DF Págs. 10 e 11

DIREITOS

No amplo panorama de questões urgentíssimas a serem consideradas quanto à situação da educação brasileira, o debate sobre o quadro atual das nossas licenciaturas tem assumido considerável relevância. Estima-se que até o ano de 2040, o país possa ter um déficit de até 235 mil professoras e professores, notadamente com carências agudas nas áreas de Matemática e Ciências da Natureza. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o percentual de novas matrículas de estudantes de até 29 anos, em licenciaturas, caiu de 62,8%, em 2010, para 53%, em 2020, com uma tendência persistente de queda nos anos seguintes. Enquanto em 2014 havia aproximadamente 480,2 mil estudantes de licenciaturas em cursos presenciais nas Universidades públicas brasileiras, em 2024 esse número despencou para cerca de 421,3 mil estudantes (uma queda de 13,9%).

As razões para tal situação, por óbvio, não estão relacionadas ao decréscimo na oferta de vagas nas licenciaturas: fatores como nível salarial, perspectivas de progressão e desenvolvimento profissional e condições de trabalho, todos determinantes de uma percepção de baixa atratividade das carreiras da docência, ocupam o primeiro plano das razões para esta que é uma iniludível crise.

Segundo o relatório do 2º trimestre de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua (PNAD), realizada pelo IBGE, o rendimento médio bruto de profissionais do magistério com ensino superior, atuando na rede pública no Brasil, é 14%

15 DE OUTUBRO

Dia da professora e do professor

menor do que o de quaisquer profissionais de outras áreas com escolaridade equivalente. Além disso, até 2023, 31,5% dos municípios brasileiros não cumpriam o piso nacional do magistério da educação básica, revelando uma situação de depreciação das massas salariais da categoria docente e flagrante desrespeito às garantias e direitos inclusive formalizados em lei. Cabe destacar ainda que, entre 2022 e 2023, pela primeira vez o número de docentes temporários nas redes estaduais de educação básica ultrapassou o número de efetivos, representando hoje 51,6% do total de profissionais do magistério, situação que tem se agravado também nos municípios brasileiros, onde o total de temporários já chega a 35,4% desta categoria.

A formação docente ainda impõe-nos hoje a mais severa e grave observação. Por um lado, há um vertiginoso processo de concentração de novas matrículas em licenciaturas no ensino superior privado e na modalidade de Educação a Distância (EaD), que em 2024 concentrou mais de 1,064 milhão de estudantes (um crescimento de 142% em relação a 2014), gerando considerável questionamento sobre as condições de formação prática de novas professoras e professores, ao mesmo tempo em que se consolida um modelo altamente preca - rizado de ensino.

Por outro lado, dispositivos como a BNCFormação (instituída pela

Resolução CNE/CP nº 02/2019) e o novo Enade Licenciaturas (redesenhado a partir de 2024) têm contribuído para uma padronização da formação docente, segundo a lógica das competências pedagógicas, e um estreitamento da formação universitária de licenciandas e licenciandos, asfixiando currículos.

Olhar para todo este cenário, em muito desolador, faz-nos incontornavelmente lembrar da saudosa memória do antropólogo Darcy Ribeiro, quando nos dizia que “a crise da educação brasileira não é uma crise, mas sim um projeto”. Há uma resistente indisponibilidade das elites nacionais quanto à garantia de pleno direito à educação, que aprofunda nossa dependência externa e agudiza as desigualdades que caracterizam historicamente nosso país.

Neste mês de outubro, em que celebramos todos os anos o Dia das Professoras e Professores brasileiros, o ANDES-SN reafirma a centralidade de garantir valorização salarial e de carreira para todo o conjunto do magistério, bem como a preocupação continuada com a formação docente, como pilares sem os quais não será possível envolver as novas gerações na tarefa crucial de promoção de maior justiça em nossa sociedade e efeti - va soberania nacional por meio da oferta universal de uma educação pública, gratuita, de quali - dade e socialmente referenciada.

EXPEDIENTE

O InformANDES é uma publicação do ANDES-SN // Site: www.andes.org.br // E-mail: imprensa@andes.org.br

Diretor Responsável: Diego Ferreira Marques

Editor-Chefe: Luciano Beregeno MTb 07.334/MG

Edição e Revisão: Renata Maffezoli MTb 37322/SP

Jornalistas: Bruna Yunes DRT 9045/DF, Renata Maffezoli, Diagramação, revisão e arte final: Silas William Vieira // Fotos: Eline Luz/ANDES-SN

Seminário em São Paulo debaterá as questões

organizativas,

administrativas, financeiras e políticas do ANDES-SN

As questões organizativas, administrativas, financeiras e políticas do ANDES-SN serão discutidas em um seminário nacional, entre os dias 28 e 30 de novembro deste ano. A atividade acontecerá no Campus São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na Vila Mariana, na sede da Associação de Docentes da Unifesp (Adunifesp SSind.). As inscrições podem ser feitas até 21 de novembro.

No primeiro dia (28), após a mesa de abertura, o primeiro painel abordará o debate sobre concepção sindical e as diferenças entre Federação e Sindicato Nacional. Marcos Soares, encarregado de Relações Sindicais do ANDES-SN, explica que é difícil comparar um sindicato com uma federação, porque são estruturas diferentes. A federação é composta por diversos sindicatos, o que, para ele, pode levar a um descolamento, da direção da federação, das demandas da base.

“Nesse sentido, o sindicato nacional é muito mais plural, muito mais dinâmico, muito mais democrático, porque a participação da base é direta”, disse. “A abrangência do ANDES-SN é, na prática, a abrangência de uma federação, com uma vantagem muito grande com relação à federação, que é ser um sindicato nacional”, acrescentou o diretor, que também é 1º vice-presidente da Regional SP do ANDES-SN.

Finalizando os debates do primeiro dia, a mesa da noite irá pautar os princípios políticos que norteiam as resoluções sobre rateio, questões financeiras e administrativas. Conforme Caroline Lima, 1ª vice-presidenta do ANDES-SN, o Seminário é

muito importante para que a categoria possa acumular também sobre as questões financeiras da entidade, como a divisão dos custos dos eventos nacionais, como Congressos e Conads.

De acordo com a diretora, será uma discussão sobre concepção sindical, do que é um Sindicato Nacional e o princípio da solidariedade de classe. “Diante disso, o seminário será um espaço importante para construirmos e fortalecermos um Sindicato Nacional, que considere as especificidades sem abrir mão dos seus princípios”, afirmou.

O encarregado de Relações Sindicais acrescentou que o debate é fundamental para que a categoria possa saber das opiniões diferentes, refletir sobre as especificidades regionais, e também sobre a importância da unidade das seções sindicais. Ele ressaltou que dentro do ANDES-SN existem seções sindicais que arrecadam mais recursos, outras menos, e o Sindicato Nacional tem um critério, um princípio de colaboração e de solidariedade.

“Essa lógica, para mim, é a grande tática sindical do ANDES-SN. Porque não adianta nada uma seção sindical achar que tem que ficar com mais recurso financeiro no seu caixa e a luta nacional se enfraquecer com essa posição. É o que pode acontecer. É o debate estratégico. Eu acho que o grande trunfo do ANDES-SN é unificar a luta do magistério superior e da carreira EBTT num país continental como o Brasil”, reforçou Soares.

No sábado (29), as atividades serão retomadas com a mesa “Proporcionalidade e Majoritariedade: um debate sobre democracia e organização sindical”. Para Marcos

Soares, é legítimo e importante pautar esse debate, mas pode ser equivocado vincular proporcionalidade à democracia sindical. “Há sindicatos proporcionais que não são necessariamente democráticos. E seguramente há sindicatos de diretoria majoritária que são essencialmente democráticos, e eu vou dizer que o ANDES-SN é esse exemplo. O ANDES-SN é um sindicato nacional de direção majoritária que é muito democrático, aliás. Por exemplo: quando se aprova a greve, cria-se o Comando Nacional de Greve, que vai dirigir a greve. Não é a diretoria que faz isso. Poucos sindicatos têm esse mecanismo para dirigir uma greve, que é o ápice do movimento de qualquer entidade sindical”, exemplificou.

Na sequência, haverá um painel sobre a forma de organização do ANDES-SN, seus grupos de trabalho, setores, secretarias regionais e outras questões organizativas. Caroline Lima lembrou que foi elaborada uma cartilha sobre esse tema. O material “Conhecendo o ANDES-SN” pode ser acessado na página do Sindicato Nacional ou no Qr Code ao lado:

A última mesa do segundo dia “Espaços deliberativos do ANDES-SN: um balanço das últimas alterações, aperfeiçoamento e o papel do Conad” irá propor uma reflexão sobre os fóruns de decisão da categoria docente. Ao longo da história do Sindicato Nacional foram promovidas diversas alterações nesses espaços.

“Avaliar, refletir e alterar o funcionamento dos nossos espaços deliberativos é parte da democracia sindical, além de atender as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho e na carreira docente. Precisamos, é claro, debater e construir o melhor funcionamento do ANDES-SN, e isso só ocorrerá de forma qualificada, com amplo debate na categoria e o seminário será esse espaço”, explicou a 1ª vice-presidenta do ANDES-SN.

O domingo (30) será reservado para o debate sobre a crise no movimento sindical e a necessidade de uma campanha nacional de sindicalização, além de indicação de propostas e encaminhamentos que serão, posteriormente, sistematizados pela diretoria.

Caroline Lima, 1ª vice-presidenta do ANDES-SN e encarregada de Relações Internacionais

Qual a importância deste evento e o que ele deve apontar?

Caroline Lima: É importante lembrar que o 59º Conad do ANDES-SN aprovou o Seminário Nacional sobre a estrutura organizativa do Sindicato Nacional, que aconteceu entre 31.10 a 02.11.2014, com o seguinte objetivo: debater multicampia, aposentadoria, contratações precarizadas (no âmbito do ensino a distância e em outras situações), de modo a propiciar a participação dos docentes na vida sindical – e a estruturação do ANDES-SN (incluindo composição e forma de eleição da diretoria). Tal Seminário, resultado da reivindicação do conjunto da categoria, foi parte do processo de reflexão que instrumentaliza o Sindicato na superação dos desafios colocados ao sindicalismo autônomo e democrático.

No 68º Conad, 10 anos depois, a categoria trouxe outros elementos que devemos debater sobre as questões organizativas, financeiras, concepção de sindicato, questões administrativas e isso envolve temas como: rateio, diferenças entre Federação e Sindicato Nacional, composição de diretoria em relação a proporcionalidade e majoritariedade, funcionamento dos nossos espaços deliberativos e a realidade da categoria pós-pandemia e com a intensificação do neoliberalismo na educação. Diante disso, o ANDES-SN nunca se negou a repensar

sua estrutura e fazer o debate, logo, esse seminário tem uma grande importância para acumularmos sobre a estrutura do Sindicato Nacional.

Por que serão debatidos os princípios políticos que norteiam as resoluções sobre rateio, questões financeiras e administrativas?

CL: O Brasil é um país continental. No ANDES-SN, hoje, temos 120 seções sindicais do Setor das Ifes, Iees, Imes e Ides o que resultou em proposições de rediscutir o rateio, a partir de questões regionais. Isso significa que não é apenas um debate sobre questões financeiras, e sim de concepção sindical, do que é um Sindicato Nacional e o princípio da solidariedade de classe. Diante disso, o seminário será um espaço importante para construirmos e fortalecermos um Sindicato Nacional, que considere as especificidades sem abrir mão dos seus princípios. O seminário será esse espaço de debate e de reflexões e certamente resultará em propostas para o próximo congresso.

Qual a importância de envolver a categoria nestes debates?

CL: A diretoria do ANDES-SN avalia como salutar e fundamental. Entre os anos de 2019 e 2024, debatemos em nossos Congressos e Conads um melhor formato

para nossos espaços deliberativos, sobre a composição do Caderno de Texto, sobre as deliberações e essas recentes mudanças foram resultados do acúmulo de mais de 30 anos de debates no Sindicato Nacional. Avaliar, refletir e alterar o funcionamento dos nossos espaços deliberativos é parte da democracia sindical, além de atender as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho e na carreira docente. Precisamos, é claro, debater e construir o melhor funcionamento do ANDES-SN, e isso só ocorrerá de forma qualificada com um amplo debate na categoria, e o seminário será esse espaço.

Confira a programação do Seminário Nacional de Questões Organizativas, Administrativas, Financeiras e Políticas do ANDES-SN

28.11

14h – Credenciamento; 14h30 – Mesa de abertura; 15h – Federação X Sindicato Nacional: um debate sobre concepção sindical; 17h30 – Lanche; 18h às 21h – Os princípios políticos que norteiam as resoluções sobre rateio, questões financeiras e administrativas.

29.11

9h – Proporcionalidade e Majoritariedade: um debate sobre democracia e organização sindical; 12h – Almoço; 14h30 – O ANDES-SN: GTs, Setores, funcionamento e questões organizativas; 17h30 – Lanche; 18h às 21h – Espaços deliberativos do ANDES-SN: um balanço das últimas alterações, aperfeiçoamento e o papel do Conad.

30.11

9h – Por uma campanha nacional de sindicalização e a superação da crise no movimento sindical; 12h – Almoço; 14h30 – Indicações de propostas e encaminhamentos; 16h – Finalização.

Marcos Soares, 1º vice-presidente da Reg. SP do

ANDES-SN e encarregado de Relações Sindicais

Quais as principais diferenças entre Federação e Sindicato Nacional e por que esse debate será pautado?

Marcos Soares: Primeiro, que é difícil comparar um sindicato com uma federação, porque a federação é uma outra estrutura, é um conjunto de sindicatos juntos que constituem uma federação. Nesse sentido, o sindicato nacional é muito mais plural, muito mais dinâmico, muito mais democrático, porque a participação da base é direta. Uma outra coisa é que uma federação não faz assembleia de base, porque a federação não representa os associados e associadas, representa os sindicatos, as direções na figura das diretorias de plantão desses sindicatos. Nós vimos na última greve, por exemplo, que uma federação, no caso da Proifes, já assinou o acordo da greve, mesmo tendo muitos dos seus sindicatos em greve e votando em assembleia pela continuidade da greve e a não assinatura do acordo. Então, pode haver um descolamento da direção da federação com a base dos sindicatos. Isso pode significar um processo de burocratização. Já o Sindicato Nacional não. A seção sindical é parte do sindicato nacional, naquela base social de trabalhadores, no nosso caso, professoras e professores. A abrangência do ANDES-SN é, na prática, a abrangência de uma federação, com uma vantagem muito grande com relação à federação, que é ser um sindicato nacional.

Qual a principal diferença entre a Proporcionalidade e a Majoritariedade?

MS: Se, numa eleição, três ou quatro chapas são eleitas de modo proporcional, as três têm o direito legítimo, dado pela categoria, se houver proporcionalidade, de falar pela instituição. Se três ou quatro chapas assumem a direção, em níveis diferenciados em função do resultado da eleição, ou seja, diretores indicados pelas chapas na proporção da eleição, todos são diretores da entidade, todos podem falar como diretores e diretoras da entidade, mas todos vão falar a partir do seu referencial, do seu programa, da sua leitura, dessas questões todas de concepção sindical, luta direta, negociação,

etc. Então, isso pode gerar um imobilismo da luta sindical.

Eu acho que é equivocado vincular necessariamente uma diretoria proporcional a uma diretoria democrática, ou mais democrática. Isso pode significar, inclusive, um democratismo, ou seja, uma parcela inferior, vamos dizer assim, de opinião da categoria na direção do sindicato, com direito, evidentemente, de falar pela direção do sindicato, mesmo que na proporção da sua votação.

É legítimo termos oposições à diretoria, e que a oposição, enquanto a gestão funcione e dirija, possa apresentar as diferenças que tem com relação à direção do sindicato, e, na próxima eleição, lograr tentar ganhar a eleição, e fazer a política, ou pelo menos propor para a categoria a política que acredita ser mais adequada. Isso é mais educativo, é mais producente do ponto de vista da luta sindical, e não é necessariamente antidemocrático. Como eu falei, há um equívoco em vincular proporcionalidade à democracia sindical.

Há sindicatos proporcionais que não são necessariamente democráticos. E, seguramente, há sindicatos de diretoria majoritária que são essencialmente democráticos, e eu vou dizer que o ANDESSN é esse exemplo. O ANDES-SN é um sindicato nacional de direção majoritária que é muito democrático, aliás. Se a gente

pegar um exemplo: quando se aprova a greve, cria-se o Comando Nacional de Greve, que vai dirigir a greve, com a base podendo ir à Brasília e organizar a greve, discutir e pautar aspectos que considera importantes para que aquele movimento paredista siga. Então, isso é um exemplo de democracia direta do ANDES-SN. Poucos sindicatos, eu não conheço outros na verdade, têm esse mecanismo para dirigir uma greve, que é o ápice do movimento de qualquer sindicato. Via de regra, os sindicatos, sejam proporcionais sejam majoritários, têm na direção política eleita do sindicato o seu comando de greve, a direção da greve.

Qual a importância de envolver a categoria nestes debates?

MS: É importante que a categoria acompanhe todos esses debates, primeiro, porque é legítimo defender a proporcionalidade, majoritariedade, defender critérios outros para rateio de recursos financeiros, do meu ponto de vista, é legítimo.

Mas a categoria precisa entender qual é a discussão e localizar, do ponto de vista do debate, onde está o X da questão, onde está a divergência política. Então, é muito importante que a categoria acompanhe, inclusive para que ela possa também vivenciar as experiências, tais quais elas são apresentadas pelas posições divergentes.

Reforma Administrativa destrói as relações de trabalho do funcionalismo e permite privatização

dos

serviços públicos

Ogrupo de trabalho da reforma Administrativa, em funcionamento na Câmara dos Deputados, apresentou no início de outubro (2) seu relatório e, junto com ele três textos legislativos para tramitarem no Congresso Nacional: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei Complementar (PLP) e um Projeto de Lei (PL).

Sob a maquiagem de modernização dos serviços públicos, transparência e fim de privilégios, o relatório traz uma série de ataques, que são ainda piores que os contidos na PEC 32/2020 – engavetada após intensa mobilização das categorias do funcionalismo público. As propostas promovem uma reforma do Estado, com mudanças estruturais que retiram direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores dos serviços públicos municipais, estaduais e federal, especialmente de quem ganha menores salários, e prejudicam sobremaneira a qualidade dos serviços prestados à população.

O relatório final do GT reúne os argumentos favoráveis à aprovação de uma ampla reforma Administrativa, desenhada inicialmente em quatro eixos temáticos, que foi pouco debatida com as entidades representativas das categorias do serviço público. São mais de 400 páginas, que trazem 70 alterações, organizadas nas três proposições legislativas. Diego Marques, 2º tesoureiro do ANDES-SN, alerta para as forças por trás dessa reforma, destacando que é quase impossível que a mesma tenha sido elaborada entre junho e setembro, tempo

entre a constituição do GT e a entrega do relatório e das propostas legislativas. “Quatro meses, com sete audiências públicas não se produz aquela proposta. Aquela proposta é uma combinação de várias medidas que já estavam em tramitação no Legislativo, anteriormente, sobretudo com o trabalho organizado e articulado por um conjunto de lobistas”, afirma o docente.

Quatro Eixos

A proposta contempla quatro eixos, abrangendo os três Poderes nos níveis federal, estadual e municipal. Esses eixos são: “Estratégia, governança e gestão”, com foco em gestão de resultados, com a criação de um bônus por desempenho, limitado a um teto de gastos; “Transformação digital”, para digitalização plena de processos e serviços e implementação do teletrabalho; “Profissionalização do serviço público”, que prevê um sistema de metas, a criação de uma carreira e tabela remuneratória única, o remodelamento do estágio probatório, o fim da estabilidade, avaliações de desempenho com critérios produtivistas; e ainda a “Extinção dos privilégios”, que em teses irá reduzir as desigualdades e os supersalários. Este último eixo vem sendo utilizado como “garoto propaganda” da reforma.

Os eixos estão distribuídos nas três propostas legislativas. O PLP institui a Lei de Responsabilidade por Resultados da Administração Pública brasileira. Já o PL cria o Marco Legal da Administração Pública brasileira. Diego Marques, 2º

tesoureiro do ANDES-SN, ressalta que para que ambos os projetos não sejam considerados inconstitucionais, será necessário aprovar antes a PEC, que altera diversos artigos da Constituição, introduzindo na Carta Magna os pilares para uma “gestão de resultados”, além de artigos da lei do Arcabouço Fiscal.

A Proposta de Emenda à Constituição atingiu as 171 assinaturas necessárias para tramitar e foi protocolada no dia 24 de outubro como PEC 38/2025. Agora deverá ser avaliada na Câmara e caso aprovada, em votação em dois turnos, seguirá para o Senado.

Teto de gastos e arrocho salarial

Entre os ataques contidos na proposta está a criação de um Teto de Gastos para o serviço público, que limitará o quanto poderá ser investido pelos governos. Mesmo com aumento da arrecadação, o teto impedirá a destinação de recursos para reajustes salariais, criação de novas vagas ou preenchimento de vagas, caso ultrapasse o montante determinado em lei.

“Essa PEC visa incorporar, aos artigos da Constituição Brasileira que disciplinam a Administração Pública, características do ponto de vista fiscal e orçamentário, que constam, por exemplo, do novo Arcabouço Fiscal. Por exemplo, a evolução das despesas com o pessoal ficaria condicionada a uma regra que, combinada ao Arcabouço Fiscal, significa, na prática, que a gente não teria reajuste salarial compatível com o processo de

defasagem dos nossos salários”, conta o 2º tesoureiro do ANDES-SN

O diretor do Sindicato Nacional alerta ainda que direitos históricos, como tempo de serviço, licença-prêmio, progressões por tempo, anuênios, triênios e outras licenças serão eliminados e condições especiais, como insalubridade e periculosidade, serão descaracterizadas, com impacto direto na proteção social e na valorização da carreira.

Outra mudança é a criação de uma tabela única remuneratória para todas as carreiras, que não será corrigida pela inflação, mas sim por legislação específica. Além de congelar os salários, achata as remunerações. Todas as carreiras também passarão a ter no mínimo 20 níveis e o salário inicial é limitado a 50% da remuneração final. O estágio probatório passará a ser baseado em uma análise de desempenho com critérios meritocráticos e produtivistas, assim como as progressões nas carreiras serão também baseadas em desempenho e cumprimento de metas.

Bônus, terceirização e privatizações

Além de permitir concursos por tempo

determinado, com prazos máximos de 10 anos - o que acaba com a estabilidade no serviço público, e a realocação de servidores e servidoras em outras áreas, a PEC institui, nos dispositivos constitucionais, a possibilidade de bônus por desempenho, autorizando a quebra de isonomia entre servidores e servidoras que desempenham funções análogas. Isso hoje é vedado pela Carta Magna.

O bônus por resultado converterá parte relevante da remuneração em parcela volátil e gerencial, sujeita a metas e a ciclos orçamentários, sem resolver defasagens salariais estruturais. Além disso, a avaliação de desempenho passará a ser usada como instrumento de controle, podendo resultar em situações de assédio e pressão.

“Esses bônus de desempenho visam, sobretudo, criar uma casta gerencial para fazer os acompanhamentos dos acordos de gestão. Na prática, o PLP está propondo que esses bônus fiquem concentrados no limite de 5 ou 10% dos cargos considerados, e descritos pela administração pública, como estratégicos e, nesse caso, poderiam acumular bônus que equivalesse até quatro vezes o salário do servidor”,

critica o diretor do ANDES-SN.

O Marco Legal da Administração Pública Brasileira abre, ainda, espaço para terceirizações, com a intensificação da estratégia de execução indireta de serviços. Ou seja, parcerias público-privadas, via contratação de organizações sociais para prestação de serviços públicos em áreas essenciais como saúde, educação, seguridade social, entre outros, como já ocorre em diversos municípios e estados brasileiros.

“Esse é um dos ataques centrais dessa reforma, é uma tentativa de generalizar, sobretudo no âmbito de estados e municípios, uma característica que hoje já domina setores da administração pública, como por exemplo o SUS e a Seguridade Social, que é que a administração pública seja exercida por meio de execução indireta, ou seja, por terceirização, por OS e que o acompanhamento público dessa execução indireta seja feito por meio de acordos de gestão, de contratos de gestão”, critica Marques. O docente aponta que essa é uma das medidas que favorece o setor financeiro e será fundamental uma ampla mobilização para barrá-la no Congresso Nacional.

Tramitação da reforma Administrativa

A PEC deverá ser inicialmente apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Depois, será criada uma comissão especial e, posteriormente, será votada em dois turnos no plenário da Câmara dos Deputados. Contudo, manobras regimentais podem acelerar esse processo de tramitação, como a possibilidade de apensar à proposta em fase avançada no plenário, a exemplo da PEC 32/2020, da reforma administrativa encaminhada pelo governo Bolsonaro. Se aprovada nas duas Casas, a PEC segue para sanção no Congresso Nacional e não pode ser vetada – integral ou parcialmente – pelo poder Executivo.

O PLP e o PL, por sua vez, podem ser despachados para análise preliminar nas comissões permanentes ou, alternativamente, ter sua tramitação abreviada por meio da apresentação de requerimentos de urgência, que permitem o envio direto ao plenário. Outro cenário possível, adotado com frequência na gestão do presidente Hugo Motta, é a criação de comissões especiais para discutir cada uma dessas matérias em uma única etapa antes da votação no plenário. Além disso, todas as propostas devem ser analisadas pelo Senado Federal.

RAIO X da Reforma Administrativa - confira os principais pontos de ataques nas 3

PEC 38/2025

• Constitucionaliza os princípios do “arcabouço fiscal” para as despesas de pessoal em todos os entes federados, congelando salários;

• Veda direitos históricos como licenças e anuênios e estabelece parâmetros restritivos para adicionais de insalubridade e periculosidade;

• Estabelece parâmetros únicos para carreiras e remunerações;

• Autoriza a criação de cargo com contrato por tempo determinado de 10 anos;

• Permite a criação dos chamados “bônus de desempenho”, favorecendo os comissionamentos e acabando com a isonomia salarial entre servidores.

PLP da Lei de Responsabilidade por Resultados da Administração Pública brasileira

• Cria o Sistema Nacional de Avaliação de Políticas Públicas (Sinap), com avaliação de desempenho por metas e bônus, entre outros;

• Regulamenta o artigo 41 da Constituição Federal 1988, estabelecendo os parâmetros para demissões por insuficiência de desempenho, com base nos acordos de resultados e metas fixadas por órgão/poder/ente federado.

propostas

Destaque essas páginas e use como cartaz. Espalhe pelo seu local de trabalho.

PL do Marco Legal da Administração Pública brasileira

• Cria o Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal (Copar) com o objetivo de centralizar diretrizes de salários e carreiras;

• Estabelece a obrigatoriedade da criação de Programa de Gestão de Desempenho (PGD) em todos os entes federados;

• Estabelece que, em um prazo de 10 anos, todos os entes federados devem construir “tabela remuneratória única” para os órgãos de cada poder;

• Regula e generaliza o teletrabalho em todas as áreas da administração pública, condicionando-o a 20% das cargas, com ônus estruturais para servidores/as;

• Cria parâmetros para limitar a realização de concursos públicos.

Alguns dos efeitos da Reforma Administrativa

• Fim dos concursos públicos com a generalização da terceirização;

• Fim da estabilidade, seja por mudanças nos regimes e formas de contratação, seja pelas possibilidades de perda de cargo com os PGDs;

• Estrangulamento de carreiras e achatamento de salários;

• Aprofundamento da asfixia orçamentária e captura centralizadora da autonomia dos entes no pacto federativo;

• Institucionalização do assédio e do punitivismo gerencial;

• Modelo gerencial por metas (quantidade vs. qualidade dos serviços públicos);

• Enfraquecimento dos dispositivos de controle público da administração e favorecimento da apropriação patrimonialista do Estado e do clientelismo político.

Reforma Administrativa ampliará precarização de serviços públicos nos estados, municípios e DF

Propostas institucionalizam terceirização, parcerias público-privadas, elevam risco de corrupção e assédio, e desmontam papel social do Estado

Opacote de propostas legislativas da Reforma Administrativa - PEC 38/2025, PLP e PL - não apenas reformula a gestão federal, mas impõe um conjunto de incentivos e amarras que pressionam governadores e prefeitos a aprofundar o uso de parcerias público privadas, de terceirizações e contratações com vínculos precários em diversas áreas do serviço público, incluindo a Educação.

Longe de promover a eficiência prometida, pesquisa da Fiocruz e levantamentos realizados por órgãos de controle, tais medidas apontam para um cenário de aprofundamento da precarização de serviços essenciais prestados à população, fragilização das carreiras e falta de transparência nas relações, o que historicamente favorece a corrupção e o clientelismo.

Um dos dados mais alarmantes dessa tendência já está nas estatísticas oficiais. O documento apresentado pelo Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa reconhece que, entre 2017 e 2023, houve uma queda de 11,8% na quantidade de servidoras e servidores efetivos nos estados, conco -

mitante a um crescimento expressivo de 42,1% nos contratos temporários.

Essa substituição do corpo efetivo por vínculos mais frágeis afeta diretamente a continuidade e a qualidade do serviço, especialmente onde faltam concursos

e planejamento de força de trabalho. A Pesquisa de Perfil dos Municípios (MUNIC/ IBGE 2023) reforça esse panorama, mostrando a dependência municipal de contratos temporários e terceirizados em setores como saúde, assistência social e serviços urbanos.

Os riscos da terceirização Avançando sobretudo na saúde e em serviços de apoio, a terceirização e as “parcerias” com Organizações Sociais (OSs) são apontadas como mecanismos centrais para o desmonte do conteúdo social do Estado no setor público.

Estudos demonstram que a expansão das OSs não se traduz em ganhos consistentes de eficiência, como tentam garantir os promotores da Reforma Administrativa. Uma síntese do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz é categórica ao afirmar que as OSs “não são sinônimo de eficiência”; indicadores de acesso e atenção em capitais geridas por OSs não superam as redes diretamente administradas. Esses modelos de contrato e gestão também trazem sérios riscos de fraude e corrupção. Auditorias do Tribunal de

Contas da União (TCU) sobre OSs no Sistema Único de Saúde (SUS), realizadas em 2023, identificaram riscos de fraude e corrupção, bem como fragilidades na contratação e no controle dessas entidades. O TCU determinou correções para aprimorar a governança e a fiscalização, justamente por constatar a fragilidade no controle. Na esfera estadual e municipal, o Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP) também apontou a falta de transparência nos custos e a ineficiência nos repasses às OSs.

A expansão desse modelo cria um terreno fértil para o uso político da máquina pública. O volume de contratos temporários e terceirizados, sem a barreira do concurso público, facilita a contratação por indicação, minando a impessoalidade e a moralidade administrativas.

As amarras fiscais impostas pela reforma Administrativa e a obrigatoriedade de revisão de gastos também irão pressionar despesa com pessoal. Nesses casos, a terceirização se torna uma válvula de escape contábil para cumprir os limites fiscais, incentivando prefeitos e governadores a substituírem efetivos por terceirizados.

O pacote institucionaliza a gestão por “resultados” com bônus condicionados à “saúde fiscal” e à revisão de gastos. Esses bônus, facultativos e atrelados ao espaço fiscal, tendem a criar diferenciais salariais sem recompor os pisos e as carreiras, incentivando a substituição por vínculos flexíveis em detrimento dos servidores estáveis. Além disso, esses bônus tendem a ampliar casos de assédio moral no serviço público.

Diego Marques, 2º tesoureiro do ANDES-SN, explica que com o bônus de desempenho, previsto no PLP, os defensores da reforma Administrativa pretendem, sobretudo, criar uma casta gerencial para fazer os acompanhamentos dos acordos de gestão, por exemplo, com as OSs. Na prática, segundo o docente, o projeto de Responsabilidade por Resultados propõem que esse bônus fique concentrado no limite de 5% ou 10% dos cargos considerados, e descritos pela administração pública, como estratégicos. Nesse caso, o servidor poderia acumular bônus que equivalesse até 4 vezes o seu salário.

“Na prática, é o seguinte: o prefeito do interior terceiriza tudo, faz tudo por execução indireta e nomeia um superintendente que vai ganhar quatro vezes o próprio salário em bônus de desempenho para ficar na dependência estrita dessa cadeia patrimonialista em relação a esse prefeito e exercer pressão gerencial e assédio

moral sobre qualquer servidor estatutário que ainda reste nesse órgão, além das execuções indiretas. Fundamentalmente, é disso que se trata”, explicita o docente.

O Risco para as Iees, Imes e Ides

Os contratos temporários são um dos exemplos como o desmonte dos serviços públicos que se pretende com a reforma Administrativa já vem sendo aplicado nos estados, municípios e Distrito Federal. Diversas universidades estaduais sofrem com o alto índice de docentes temporários. Um exemplo é a Universidade Estadual da Paraíba, onde a categoria docente se encontra em greve desde 22 de setembro. A UEPB conta atualmente com 790 docentes efetivos e 393 temporários (mais de 30%).

A expansão de docentes substitutos e com contratos temporários compromete a continuidade didático-pedagógica do tripé ensino-pesquisa-extensão. A reforma administrativa também estimula a terceirização de atividades essenciais de apoio pedagógico, bibliotecas, Tecnologia da Informação (TI) e laboratórios. Outro sério impacto para os servidores e as servidoras nos estados, municípios e distrito federal será a defasagem e o achatamento salarial, com a perspectiva de carreira e tabela salarial únicas, além de proibir negociação de recomposições ou reajustes retroativos. Na UEPB, por exemplo, as professoras e os professores em greve cobram o pagamento do retroativo das progressões de carreira, além da recomposição de de 22,9% de perdas salariais acumuladas nos últimos quatro anos.

O advogado da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, Adovaldo Medeiros Filho, reforça que a PEC 38/2025 traz uma série de modificações que se relacionam com as competências dos entes federativos do Brasil e estabelece também uma série de propostas que vinculam e amarram a atuação dos estados, municípios e do Distrito Federal a uma suposta regra geral estabelecida pela União.

“Isso é uma violação do pacto federativo, porque isso amarra estados e municípios e o Distrito Federal a uma conformação de regras gerais de remuneração, a uma conformação de uma tabela única, que seria aplicada também aos estados e municípios, obviamente, a partir de sua lógica legislativa. Isso impacta, muito provavelmente, em uma própria conformação de carreira e na discussão específica de cada carreira e de suas peculiaridades”, ressalta Medeiros Filho.

Diego Marques reafirma que é fundamental que todas as categorias de trabalhadoras e trabalhadores dos serviços públicos das três esferas e de todos os entes federativos se unam para barrar essa reforma Administrativa. “Nos estados e municípios, muitas servidoras e muitos servidores já convivem com aspectos dessa reforma, que serão constitucionalizados, caso a PEC 38/2025 seja aprovada. Aspectos esses, como contratações via OSs e Oscips e outros modelos de terceirização e parcerias público-privadas que só servem para destinar recursos públicos para a iniciativa privada e precarizar ainda mais os serviços prestados à população”, reforça.

Beneficiadas com recurso público, comunidades terapêuticas reproduzem violências

Amorte de seis pessoas em um incêndio na comunidade terapêutica (CT) “Liberte-se”, localizada na zona rural do Paranoá (DF), região administrativa do Distrito Federal situada a cerca de 20 km de Brasília, trouxe à tona graves violações de direitos humanos nestes espaços. A clínica funcionava sem licença e sem laudos do Corpo de Bombeiros. Após o incidente, no final de agosto deste ano, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF fiscalizou outra unidade da comunidade, e a Polícia Civil deflagrou a operação “Portas Abertas”, que resultou na prisão dos donos da clínica. Relatos apontam que a instituição realizava cárcere privado, agressões físicas, restrição de contato com familiares e administração irregular de medicamentos. Além disso, a CT adotava também a chamada “laborterapia”, submetendo as pessoas internadas a rotinas exaustivas como forma de “terapia do trabalho”. Pacientes eram obrigados a participar de cultos evangélicos diários, sofrendo punições em caso de recusa. Ainda há

relatos de pacientes que não receberam atendimento psicológico, sendo que as consultas psiquiátricas custavam até R$ 300,00 e, muitas vezes, eram realizadas apenas por telefone.

O caso do Paranoá não é isolado. Em Juiz de Fora (MG), outra comunidade terapêutica foi denunciada por submeter pessoas com dependência química a trabalho análogo à escravidão, com jornadas laboral de até 12 horas sem folgas. Em 2023, fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) constatou condições precárias, como falta de equipamentos de proteção, quartos sujos, alimentos vencidos, ausência de saneamento básico e supervisão profissional.

As duas situações escancaram uma realidade comum nas milhares de comunidades terapêuticas do país, marcada por práticas de violência, exploração e violação sistemática de direitos. Reforçam, também, a urgência de fortalecer a luta antimanicomial e reafirmar os princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira (Lei 10.216/2001), que defende o cuidado em liberdade, em rede comunitária e

com respeito à dignidade humana.

A pauta ganhou ainda mais destaque no dia 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental, quando movimentos sociais, coletivos e entidades realizaram atos, debates, panfletagens e audiências públicas em diversas cidades brasileiras na data que também marca o Dia Nacional de Luta contra as Comunidades Terapêuticas, denunciando o financiamento público e o caráter violento dessas instituições.

Comunidades Terapêuticas

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2017, indicam a existência de 1.963 CTs no país, com maior concentração em São Paulo (420) e Minas Gerais (275). Órgãos de controle e conselhos profissionais mantêm uma posição unânime e crítica contra as CTs, afirmando que a atuação dessas instituições viola códigos de ética, direitos humanos e princípios fundamentais das profissões, comprometendo o acolhimento seguro de crianças, adolescentes e adultos.

Um levantamento do Observatório

Condições de insalubridade foram constatadas em fiscalização de outra unidade da CT Liberte-se. Foto: Divulgação / Fábio Félix

de Violências das Comunidades Terapêuticas, do grupo de extensão da Universidade de Brasília (UnB), identificou 251 reportagens nacionais com denúncias de violências, maus-tratos e tortura nesses locais, somente em 2023. Em março deste ano, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) junto ao grupo Psicologia e Ladinidades, da Universidade de Brasília (UnB), divulgou o relatório “As comunidades terapêuticas em evidência: o que dizem as avaliações e fiscalizações do estado brasileiro?”. As inspeções realizadas entre 2011 e 2024 identificaram 205 CTs em 25 estados, e todas elas apresentaram violações de direitos humanos e irregularidades.

Segundo o documento, essas instituições privadas são majoritariamente religiosas (82%) e submetem internos a regimes de segregação e privação de liberdade. Muitas CTs estão localizadas em áreas isoladas e de difícil acesso, dificultando a fiscalização e reforçando seu caráter segregador.

Entre os principais problemas constatados estão o trabalho forçado, não remunerado e em condições degradantes, a doutrinação religiosa com imposição de cultos diários, punições físicas e psicológicas, restrição de ir e vir, tortura e cárcere privado. Além disso, a administração de medicação psicotrópica por pessoas sem formação e a ausência de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS)

– plano de cuidado elaborado por uma equipe interdisciplinar de saúde para o acompanhamento individualizado de uma pessoa ou de uma comunidade -, revelam a falta de cuidado profissional e o descumprimento da legislação sanitária e de saúde mental.

O financiamento público é apontado no relatório como um pilar de sustentação das CTs, com recursos federais, estaduais e municipais sendo destinados a essas instituições, mesmo diante de graves irregularidades, enquanto a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) enfrenta cortes e insuficiência de serviços, como a redução dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) e das Unidades de Acolhimento (UA).

A inclusão das CTs na Raps, conforme a Portaria 3.088/2011, é considerada uma contradição central, pois incorpora instituições de caráter asilar-manicomial à rede substitutiva de cuidado em liberdade, contrariando recomendações do MNPCT, que faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (Lei 12.847/2013)

Mais recentemente, o estudo “As violências das Comunidades Terapêuticas do Distrito Federal e entorno”, do grupo Psicologia e Ladinidades da UnB, identificou 27 CTs no DF e entorno, constatando que as violações são regra, não exceção. De acordo com o dossiê, entre os casos documentados, estão 14 mortes, práticas de trabalho forçado e não remunerado (laborterapia), violência religiosa, privação de liberdade, tortura, e o uso de medicamentos psicotrópicos

sem prescrição médica.

Pedro Costa, docente do curso de Psicologia da UnB e coordenador do grupo Saúde Mental e Militância e do grupo Psicologia e Ladinidades, ambos da universidade, apontou que o modelo das CTs se baseia em pilares que fortalecem a segregação e o controle. “Elas reúnem elementos de manicômios, prisões e igrejas, sobretudo marcados pela violência e pelo fundamentalismo religioso. Por meio da chamada laborterapia, impõem trabalho forçado, não remunerado, em condições degradantes e análogas à escravidão”, contou.

Para Lívia Santos, 1ª vice-presidenta da Regional Planalto do ANDES-SN e da coordenação do Grupo de Trabalho de Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA) do Sindicato Nacional, as comunidades terapêuticas representam uma reedição do modelo manicomial, com base no enclausuramento, no controle e no trabalho forçado. “Elas vão radicalmente contra a política de saúde mental defendida pela Reforma Psiquiátrica brasileira [Lei 10.216, de 2001], que prioriza a redução das internações, o fortalecimento da atenção primária e a criação de uma rede de atenção integral, garantindo um cuidado humanizado, livre de preconceitos e com foco na autonomia e nos direitos das pessoas”, explicou.

A coordenadora do GTSSA também reforçou que as comunidades terapêuticas têm uma relação estreita com as igrejas evangélicas. “Muitas delas são diretamente ligadas e outras têm como

política forçar a religião como ‘prática terapêutica’”, denunciou.

Lívia Santos contou que o Sindicato Nacional mantém, desde o 42º Congresso em 2024, o compromisso de fortalecer a luta antimanicomial e de denunciar a destinação de recursos públicos para as chamadas ‘comunidades terapêuticas’”.

Manifesto

Cerca de 600 associações, coletivos, movimentos sociais, entidades sindicais, entre elas o ANDES-SN, lançaram um manifesto em que denunciam as CTs como violadoras de direitos. O manifesto exige a retirada das Comunidades Terapêuticas da Raps e o fim do finan -

ciamento público, defendendo que os recursos sejam alocados em serviços de base territorial e comunitária, como os Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) e as Unidades de Acolhimento (UAs).

O financiamento público às CTs, segundo Pedro Costa, ocorre majoritariamente via Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Outras Drogas (Depad), criado no atual governo federal, e o Fundo Nacional de Políticas sobre Drogas (Funad). Apesar da recente extinção de um edital que habilitaria 587 CTs, um novo edital com orçamento de R$ 119 milhões foi publicado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), pasta que financia as CTs, mantendo o fluxo de recursos.

“A gente é contra as CTs porque a gente é a favor e defende o fortalecimento e ampliação dessa rede substitutiva da Raps pública e não manicomial, até mesmo para que o financiamento público que tem ido para as CTs seja destinado e orientado para essas alternativas que de fato são assistenciais, que de fato são de cuidado e não de violência”, reforçou o docente.

Segundo a diretora do Sindicato Nacional, o financiamento público a essas instituições significa esvaziar as políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (Suas). “Usar o fundo público para as CTs é reforçar a exploração e a estigmatização das pessoas com sofrimento mental”, concluiu.

Foto: Andre Borges (Agência Brasília)

Universidades brasileiras mantêm pressão sobre Israel e solidariedade à Palestina

As universidades brasileiras têm se mobilizado em solidariedade ao povo palestino que vive há mais de dois anos sobre ataques de Israel. Por meio do movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), essas instituições têm reforçado a pressão internacional pelo fim do genocídio em Gaza.

A fragilidade da nova proposta de cessar-fogo, assinada em 13 de outubro no Egito pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ficou evidente dias depois, quando Israel retomou ataques à Faixa de Gaza. Em janeiro deste ano, um cessar-fogo para troca de reféns também foi suspenso por Israel.

Segundo Regina Célia da Silva, 2ª vice-presidenta da Regional São Paulo do ANDES-SN, “não há o que celebrar em um cessar-fogo construído sobre bases tão precárias. É preciso denunciar sua natureza desigual e reafirmar a luta internacional pela libertação da Palestina, baseada em justiça, autodeterminação e responsabilidade política global”, afirmou.

Para a diretora do ANDES-SN, sem ações concretas de BDS, o que se vê é apenas uma proposta de rendição e aprofundamento do controle e da destruição do povo palestino. “A história mostra que Estados Unidos e

Israel não são interlocutores confiáveis. Suas políticas seguem a lógica colonialista do extermínio e do apartheid”, criticou.

Boicote

Desde 7 de outubro de 2023, o ANDESSN reforçou seu apoio à causa palestina e ao movimento BDS. O sindicato também fortaleceu e reconheceu as vitórias da mobilização nas universidades brasileiras, com o apoio das seções sindicais, que romperam convênios com instituições israelenses ligadas ao regime de apartheid e à indústria bélica.

De acordo com o Comitê Unicamp Palestina Livre, as universidades Estadual de Campinas (Unicamp), e as federais Fluminense (UFF) e do Ceará (UFC) rescindiram acordos com universidades israelenses, após mobilizações de comunidades acadêmicas, em coerência com os princípios de direitos humanos e solidariedade internacional.

A Unicamp anunciou, em 30 de setembro, a rescisão unilateral do acordo com o Instituto Tecnológico Technion, a mais antiga universidade de Israel, conhecida por suas ligações com a indústria bélica e o governo israelense. Em 2024, o Conselho Universitário da Unicamp já havia aprovado

Desde o ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, a resposta militar de Israel desencadeou uma ofensiva devastadora contra Gaza, com a destruição de hospitais, escolas e universidades, além do assassinato de dezenas de milhares de civis palestinas e palestinos. Segundo dados da Al Jazeera, de 19 de outubro, os ataques em Gaza já mataram ao menos 68.159 pessoas e feriram 170.203, nos últimos dois anos.

uma moção reforçando a exigência de um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. Também no dia 30 de setembro, a UFF rompeu o convênio com a Universidade Ben-Gurion (BGU), denunciada por parcerias com o Ministério da Defesa de Israel e empresas de armamentos utilizados em Gaza. Em 6 de outubro, o Conselho Universitário da UFC aprovou o cancelamento do acordo de intercâmbio e cooperação acadêmica com a Universidade Ben-Gurion, firmado em 2022.

Outras ações de solidariedade incluem o “Programa Humanitário para Refugiados Palestinos”, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que oferece vagas para estudantes e docentes da Palestina, com moradia, apoio financeiro, assistência jurídica e acompanhamento logístico. Já o Conselho Universitário da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), por sua vez, denunciou crimes de guerra e conclamou a comunidade acadêmica a se mobilizar pelo cessar-fogo e pelo reconhecimento do Estado Palestino.

ANDES-SN em luta

O ANDES-SN tem uma longa trajetória de solidariedade ao povo palestino, iniciada em 2003, e de condenação às ações do Estado de Israel na região. Em 2018, o Sindicato aderiu à campanha de BDS. Nos últimos congressos, a categoria reforçou seu posicionamento: em 2023, no 42º Congresso, aprovou a moção "Não é guerra, é genocídio!", e em 2024, no 67º Conad, deliberou pelo rompimento das relações diplomáticas e comerciais entre Brasil e Israel. No 43º Congresso, realizado no final de janeiro de 2025, a categoria reafirmou a solidariedade ao povo palestino, o compromisso com sua autodeterminação e a denúncia das violações cometidas contra esse povo. Desde a intensificação dos ataques em Gaza, o ANDES-SN publicou ainda notas de repúdio, vídeos e a série "Palestina Livre" em seu canal no YouTube, como parte da denúncia do genocídio contra o povo palestino.

VIII Encontro de Comunicação e Arte e III

Festival de Cultura e Arte do ANDES-SN ocorrem

em novembro em Niterói (RJ)

Refletir sobre o papel da comunicação sindical e da arte em tempos de desinformação e domínio das big techs será um dos eixos centrais do VIII Encontro de Comunicação e Arte e do III Festival de Cultura e Arte do ANDES-SN, que acontecem de 7 a 9 de novembro, em Niterói (RJ).

Com o tema “Arte e Comunicação fortalecendo o ANDES-SN para vencer o ódio nas ruas e nas redes”, os eventos estão sendo organizados pela Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (Aduff – Seção Sindical do ANDES-SN). As programações do Encontro e do Festival contarão com mesas, painéis, oficinas e apresentações artísticas.

As atividades terão início na sexta-feira (7), com um espaço auto-organizado para profissionais de imprensa, seguido da mesa de abertura e de um painel sobre redes sociais, desinformação e comunicação sindical. No sábado (8), estão previstos debates sobre arte, formação crítica e regulação das big techs, além de oficinas e momentos de confraternização. O domingo (9) será dedicado a novas oficinas e a um painel sobre inteligência artificial, plataformização e mundo do trabalho, encerrando com uma apresentação artística.

Já o Festival de Cultura e Arte contará com espaço para exposições fotográficas, mostra de curtas e documentários, além de outras expressões artísticas.

Segundo Letícia Nascimento, 2ª vice-presidenta do ANDES-SN e da coordenação do GTCA, tanto o Encontro quanto o Festival cumprem a importante tarefa de refletir sobre o papel da comunicação sindical em um contexto dominado pelas big techs, pela desinformação e pelo avanço dos discursos de ódio. “O objetivo é fortalecer práticas de comunicação crítica e contra-hegemônica, capazes de enfrentar as manipulações impostas pelo grande capital e reafirmar o caráter classista e autônomo do nosso sindicato”, destacou.

A diretora do Sindicato Nacional acrescentou que as atividades também irão destacar a arte como uma ferramenta estratégica de educação crítica, engajamento político e mobilização coletiva,

reconhecendo seu papel fundamental na sensibilização e na disputa cultural.

Para Maria Cecília Castro, presidenta da Aduff SSind., sediar os eventos em Niterói tem um significado especial, em um momento de intensos ataques às universidades públicas, entre elas a UFF. “Temos uma tarefa importante de reorganizar a comunicação sindical, dialogando mais com as novas linguagens — o audiovisual, as

redes sociais — para aproximar a categoria, mobilizar e defender a classe trabalhadora, em especial a docente”, afirmou.

Além disso, Maria Cecília destacou a importância da arte como instrumento político, de resistência e reflexão. “Trazer diferentes expressões artísticas para o debate sobre nossa atuação militante é fundamental”, concluiu.

Confira a programação completa:

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InformANDES Ed. 168 - Outubro de 2025 by ANDES-SN | Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - Issuu