P_Rosa Maria Martelo_Devagar a poesia.qxp:linhas de fuga 24/03/22 13:07 Page 11
PREĂMBULO
1. Como qualquer outra arte, a poesia produz uma interrupção no curso do tempo, e essa intempestividade Ă© experimentada de forma libertĂĄria tanto por quem a escreve quanto por quem a lĂȘ. Mesmo se a relação entre escrita e leitura reflecte necessariamente o contexto do seu acontecer, a poesia cria linhas de distensĂŁo temporal, dando-nos a possibilidade de experimentar um discurso essencialmente livre. O tempo da poesia Ă© da ordem do intervalo, do hiato, e tambĂ©m da estratificação, da sobreposição. Nessa medida, toda a poesia, pelo simples facto de o ser, resiste ao curso dos dias, Ă s formas de vida em função das quais nos encontramos e desencontramos, nĂłs e as nossas circunstĂąncias. Paradoxalmente, Ă© na inactualidade que reside a mais eficaz condição de actualidade e actuação da poesia: entre uma dimensĂŁo futurizante e a busca de uma resposta para as interpelaçÔes que herdamos do passado, sempre traduzida em incompletude, desejo, possibilidade, expectativa. O verso teve, desde sempre, relação com a memorização, e portanto com a preservação do passado; porĂ©m, a volta da charrua, que a palavra verso etimologicamente evoca, Ă© bem a imagem de uma repetição que possibilita a diferença, a mudança, a busca. A total liberdade que a poesia procura no plano da emoção estĂ©tica, mesmo em relação ao verso, mesmo em PreĂąmbulo
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