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posição explícita e querem desta forma compreender, expor e resistir à desigualdade social. (DIJK, 2017, p. 28)
Esta análise crítica do discurso foi aplicada às matérias de maternidade, gestação e parto humanizado, presentes nas notícias disponibilizadas no site da Revista Claudia on-line, sendo elas: uma publicada em março de 2020, e outra em maio do mesmo ano. Com isso, conseguimos desvendar as problemáticas de pesquisa presentes neste estudo, por meio dos dois discursos analisados adiante. Com os aspectos estudados, conseguimos produzir novas informações e reflexões que, em partes, comprovaram as hipóteses anteriormente apresentadas, principalmente de que as pautas da Claudia são designadas apenas às classes A e B, ou seja, para aqueles que assinam a revista e, muitas vezes, essas notícias não chegam na mulher periférica. Foi utilizado também o método de pesquisa quantitativa, o qual utilizamos uma enquete por meio do Google Forms e atingimos 97 mulheres viventes das periferias, principalmente em São Paulo, mas não restritamente apenas a região. As perguntas aplicadas nos direcionaram para saber quantas conhecem as casas de parto humanizado do Sistema Único de Saúde (SUS); se sabem o que é esse método e/ou já viveram essa experiência; se leem matérias jornalísticas sobre saúde e em quais plataformas. Também, entre os questionamentos, foi perguntado se elas tiveram acesso às matérias aqui analisadas e se essas possuíam linguagem de fácil acesso e, consequentemente, se sentiram bem informadas com essas notícias. E, ao colocar em prática utilização deste método, entendemos que: Essa medida visa à ampliação da possibilidade de enfoque do tema abordado. Para isso, podem-se utilizar fontes secundárias, ou seja, dados já disponíveis de outros estudos, outras instituições de pesquisa ou outros documentos diversos. Caso a temática seja recente ou pouco explorada, podem-se, ainda, utilizar dados primários a partir da realização de focus groups [...] Essa prática é particularmente recomendada para a elaboração das questões que integrarão o instrumento de pesquisa. (DUARTE; BARROS (Org.). 2006, p. 167, p. 168) Além dos autores supracitados, para auxiliar esta análise e embasar a pesquisa aqui realizada, utilizamos também os autores Helena Brandão (2006), Nilson Lage (2019), Norman Fairclought (2001) e Patricia Hill Collins e Sirma Bilge (2021).
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Inicialmente, antes de trazermos as análises críticas de discursos das três reportagens sobre maternidade, publicadas no portal da revista Claudia em março e maio de 2020, é importante contextualizar a realidade desse veículo midiático e ressaltar que
ao escrever uma matéria para uma revista, neste caso, feminina, "é preciso ter uma ideia bastante clara da publicação e do público que se quer atingir." (SCALZO, 2011). Pois, dessa forma, será útil para identificar se aquela determinada pauta terá ou não relevância e audiência para o público específico. Dito isso, vale relembrar que um dos principais focos desta pesquisa é encontrar a resposta para as seguintes problematizações: a) se por meio das notícias sobre parto a revista Claudia on-line dialoga com público periférico; b) em caso positivo, como isso acontece; c) se realmente deseja dialogar com essas mulheres.
Ao analisarmos detalhadamente o Mídia Kit 2021 da revista, encontramos públicos bem delimitados, assim como Scalzo (2011) diz ser necessário para ter uma revista com pautas certeiras que trazem audiência ao veículo. No entanto, como revela os dados encontrados no Mídia Kit da Claudia, quem vive em periferias está longe de ser o seu alvo de leitores, pois: 81% dos assinantes são mulheres (sem distinguir a sexualidade, como: cisgênero, não-binário, transexual, intersexo, etc.) e, 74% dos novos leitores são pertencentes à elite brasileira, donos de negócios e experientes urbanos de vida confortável. Também, 56.4% são do sudeste do Brasil e 25.4% tem entre 35 e 44 anos. Já quando se trata apenas do ambiente virtual da Claudia, 45% são de alta renda e 55% são de baixa renda, com um público maior entre a faixa etária de 25 a 34 anos (30%) e de 18 a 24 (24%). Porém, em entrevista com a jornalista e repórter da Claudia, Isabella D'Ercole, ela afirma que os designados baixa renda no Mídia Kit 2021, na verdade, são pessoas pertencentes à classe B, e não podemos interpretá-los como indivíduos das classes C e D – sendo aqueles que vivem na periferia, em estado de vulnerabilidade e que realmente possuem renda de um a dois salários mínimos ou abaixo disso:
Quando falamos alta e baixa renda, 'A' é uma classe muito, muito elevada e 'B' é uma classe média, não é exatamente uma mulher de baixa renda, em uma situação vulnerável. Porque ela nem conseguiria ter acesso a um meio digital e muito menos pagar o nosso valor digital [da Revista Claudia on-line], hoje a nossa assinatura digital é R$ 8,90. Parece um valor muito baixo, mas a gente sabe que é um preço que cabe no orçamento de quem ganha, pelo menos, acima de cinco salários mínimos, pois ninguém que ganha um salário mínimo vai pegar uma parte do seu dinheiro para pagar esse tipo de acesso. Então é importante destacar isso, o público chamado de baixa renda no Mídia Kit não são pessoas pertencentes às classes C e D, mas sim as do grupo B. (D'ERCOLE, informação verbal, Apêndice B, p. 41)
Isso também chama atenção para a pesquisa quantitativa, por enquete, que aplicamos para 97 mulheres da periferia residentes em São Paulo (sendo 45,4% moradoras da Zona Leste da capital) e também em outras extremidades do Brasil, em que
perguntamos se elas não fossem assinantes de nenhum veículo de comunicação, assinariam algum? Se sim, por qual valor?
Figura 1 – Formulário de pesquisa
Fonte: elaborado pela autora (2021)
Como apontam os dados acima (Fig. 1), 39,2% não assinariam nenhum veículo de comunicação independente de seu valor, enquanto 24,7% assinariam por até R$ 9,90 e outras 21,6% apenas por um valor simbólico e não fixo. Em sua maioria, entre as 97 mulheres que responderam ao formulário, 25,8% possuem renda mensal entre R$ 500 e R$ 1.000, enquanto 32% têm de R$ 2.000 a R$ 3.000 de salário. Ou seja, são pessoas que estão entre as classes C e D, e isso sustenta a visão da jornalista Isabella D’Ercole sobre os possíveis assinantes de Claudia no ambiente digital, onde as pessoas de “baixa renda” apontadas no material, estão bem longe de ser das classes C e D. Vale salientar que, atualmente, há uma variedade de pacotes de assinaturas da revista feminina Claudia, sendo eles o Digital de R$ 8,90, o mais básico somente para o ambiente on-line e aplicativos da Claudia; Digital Premium + Impressa por R$ 24,90, com acesso ilimitado ao site e aplicativos de todo o grupo editorial Abril, além de enviarem a revista mensalmente ao endereço da assinante. Ou, a Digital Premium por R$ 19,90, com acesso ao site, aplicativos da revista e a todos os outros portais pertencentes a Abril. Isso evidencia que os valores cobrados para acessar as notícias disponibilizadas pela revista é um preço muito maior do que as mulheres periféricas, muitas vezes, estão dispostas a pagar, o que impede o acesso às informações cruciais para seu bem-estar, como notícias sobre saúde feminina, parto humanizado, maternidade, entre outros. Porém, isso não é um problema que leitoras e revistas enfrentam só no século XXI.A discriminação acontece desde seus primórdios, como aponta SCALZO (2011, p.47). Para ela, “o maior acontecimento de revistas brasileiras nas últimas décadas se deu na estreia do Plano Real. Com a estabilidade da moeda, a população de Classes C e D experimentou um aumento real dos rendimentos e conseguiu, ainda que timidamente,
entrar no chamado mercado consumidor." Para contextualizar essa “discriminação” com os leitores fora das elites brasileira e evidenciar que, por mais que existam veículos direcionados às classes mais populares, ainda é escasso esse mercado para os leitores periféricos, Scalzo exemplifica que:
[...] conceber e manter publicações para esse mercado específico constitui um desafio histórico para os jornalistas. Uma visão preconceituosa foi responsável, em muitos momentos, por tais revistas populares tatearem no escuro. Havia, na categoria, a crença consolidada que as classes populares [C e D], ao contrário do público habitual de revistas, não daria tanta importância à elegância visual e aos textos mal escritos, pois não tinha capacidade para apreciar recursos gráficos e textos mais caprichados [...] Mesmo esse mercado tendo crescido nos últimos anos com a entrada das revistas populares, ainda é pequeno. (SCALZO, 2011, p.48)
E, de acordo com a professora do Departamento de História da Universidade de Brasília, Tania Navarro Swain (2001), geralmente a segmentação das revistas femininas não abrange as classes marginalizadas pela sociedade: "o público-alvo é a mulher de classe média, jovem, com um certo nível de instrução e renda, cujas preocupações e interesses são presumidos nos apelos publicitários e nos temas desenvolvidos” (p. 71). Ainda para Swain (2001), esse padrão é visto comumente nas revistas femininas de renome como Claudia, TRIP e Marie Claire, que são marcadas por uma mulher idealizada pelos meios de comunicação. Também, conforme a pesquisa que aplicamos por enquete do Google Forms, direcionada a mulheres de classe C e D, em que 45,4% são moradoras da Zona Leste da capital de São Paulo, apenas uma pequena parcela (dentre todas as 97 pessoas que responderam) teve acesso às reportagens analisadas a seguir. São elas, respectivamente: “A atuação das doulas pelo fim da violência obstétrica” e “A coragem que envolve o parto durante a pandemia”. Podemos apontar que, na primeira notícia, apenas 14,4% dos participantes da enquete tiveram acesso; já na segunda, essa porcentagem cai e totaliza 10,3% e 9,3%, respectivamente, como apontam as figuras 2 e 3:
Figura 2 – Formulário de pesquisa

Fonte: elaborado pela autora (2021)
Figura 3 – Formulário de pesquisa

Fonte: elaborado pela autora (2021)
Ou seja, na última matéria, pulicada em maio de 2020, o acesso dessas pessoas de classe C e D, apresentadas na enquete, caiu. O motivo de tal resultado é o fato de que muitas delas não têm acesso a essas reportagens por se tratarem de conteúdos pagos e, também, parte delas não se sente representada socialmente, como podemos ver a seguir. A Análise de Discurso Crítica (ACD) das matérias citadas anteriormente, demonstra que há presença hegemônica no discurso de ideologia de classes e neutralização de fontes padronizadas, o que, de certo modo, prejudica na formação de valores e opiniões dos receptores das notícias:
As ideologias de grupos dominantes controlam o desenvolvimento, a formação de modelos, a produção de ação e o discurso dos membros dos grupos de tal forma que o grupo manterá o poder e reproduzirá a sua hegemonia relativamente a grupos dominados como tem sido mais óbvio nos casos de classismo, sexismo e racismo. Essa dominância pode ser também exercida pelo controle dos meios de produção ideológica [...] (DIJK, 2017, p.113)
Ao mergulharmos na ideia proposta pela ACD, encontramos na primeira matéria “A atuação das doulas pelo fim da violência obstétrica”4, publicada em 10 de março de 2020, pelas jornalistas Esmeralda Santos e Bárbara dos Anjos Lima, uma série de
4 Conteúdo disponível em: https://bit.ly/atuacaodedoulas. Acesso realizado em 08/10/2021.
representações de pessoas, lugares e tempo. Mas, primeiramente, é necessário dizer que as jornalistas deixam evidente a importância da temática ao trazer para o centro do debate o sujeito, neste caso, a doula, e sua ação, que é atuar como assistente de parto para auxiliar as gestantes e evitar que ocorra a violência obstétrica durante o trabalho de parto – seja em hospitais, casas de partos ou domiciliar. Presente na linha fina: “As profissionais são focadas no bem-estar psicológico da mulher e fundamentais no movimento que busca resgatar o protagonismo feminino no parto”, percebemos que as repórteres reforçam a relevância de ter uma doula ao lado da gestante, recurso este que é necessário, mas, muitas vezes, é cobrado um valor alto e está longe das realidades de várias mulheres periféricas. Mas, neste caso, optaram por apresentar doulas de coletivos, ou seja, que também atuam diretamente com pessoas em situação de vulnerabilidade financeira, que não têm condições de pagar um preço exorbitante pelo trabalho fornecido. A reportagem também inicia com a personagem Chenia D’Anunciação, uma mulher negra e baiana que faz parte dos coletivos Lumiar e Doulas Pretas. Ao começarem o texto com essa figura, o diálogo foge do centro elitizado da revista e o discurso empregado reproduz a sociedade de forma mais ampla, além de construir uma relação dialética com o meio social. As jornalistas apresentam o relato de parto da personagem, o que cria vínculo com o receptor da mensagem: Por meio de testimonios (testemunhos ou histórias de vida), as colaboradoras recuperam e regeneram a tradição de construção do conhecimento com base em realidades vividas, politizando identidades e promovendo possibilidades dialógicas com outras tradições de conhecimento subordinadas. (COLLINS; BILGE, 2021, p. 109)
Segundo Martín-Barbero (1997), este processo da recepção da mensagem é mediado por práticas rotineiras que estão inseridas dentro de um contexto social e cultural do sujeito que recebe a notícia. Essas práticas estão constantemente presentes nas interpretações que os receptores fazem de um conteúdo midiático transmitido pela imprensa. Além disso, por mais que a matéria não seja diretamente direcionada ao perfil da mulher periférica, as jornalistas decidiram trazer a interseccionalidade para compor a matéria.
Outro ponto considerado é o símbolo trazido no texto ao retratar assuntos sobre parto, pois, na mídia, existe um excesso de notícias em que a maternidade está relacionada, muitas vezes, apenas a cesárea, parto normal e violência obstétrica sem considerar sua complexidade e as outras formas de partos que são menos invasivos –
como o caso do humanizado –, o que pode reforçar ideias superficiais que colocam o parto como antagonista da saúde feminina. Mas, neste caso, a reportagem traz dados concisos e as autoras abordam a visão do parto humanizado e a mulher como protagonista do ato. No entanto, ao falar dessa forma de parto, seu foco principal está em uma clínica paga (Núcleo Cuidar), citando apenas superficialmente hospitais e casas de parto do Sistema Único de Saúde (SUS), sem ao menos informar que, pelo SUS, o procedimento não é cobrado.
Ou seja, por mais que apresentem pessoas de diferentes representações raciais e, até mesmo, sociais, há uma construção de ideologia e neutralização do discurso ao priorizar falas dos especialistas de uma casa de parto particular, o que pode determinar se a construção desses elementos, como um todo, trará significação e identificação social com outros tipos de leitores, principalmente os que não pertencem às classes A e B. Ainda, esses processos de construção simbólica também dependem das “mensagens e estruturas criadas, formatadas e difundidas nas redes de comunicação multimídia” (CASTELLS, 2013, p. 11) e, apesar das informações recebidas serem processadas e interpretadas individualmente, estarão eventualmente condicionadas ao ambiente de comunicação e, estarão igualmente submetidas ao ambiente midiático em que estão inseridas, nesse caso, no site da revista Claudia. Na obra Sociedade em Rede, Castells também explica que:
[...] o processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significado principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais. Afirmação de identidade não significa necessariamente incapacidade de relacionar-se com outras identidades [...], ou abarcar toda a sociedade sob essa identidade. (CASTELLS, 1999, p.57,58)
Logo, ao se apropriar da linguagem e construir o discurso em cima das falas dos personagens, as jornalistas que compuseram essa matéria deixaram marcas que nos permitem identificar sua presença na construção da narrativa e do modo como foi dado o enunciado, como: a escolha das fontes, de lugar e de tempo, uso de voz ativa e passiva. Indicadores esses que deixam marcas no discurso, como já apontaram Duarte e Barros (2006, p. 308), ao falarem de análise crítica do discurso. Já na matéria "Parir em casa não é abrigo para o medo5”, publicada em 27 de maio de 2020, pela colunista de maternidade, Ana Carolina Pinheiro, é apresentada a
5 Conteúdo disponível em: https://bit.ly/partodomiciliarCluadiaRevista. Acesso realizado em 14/10/2021.
visão de diferentes vozes do discurso, desde especialistas como doula, obstetriz, parteira, enfermeira obstetra e ativista de parto humanizado, como também a figura central: a produtora artística Cristina Chicon Teixeira, uma gestante paulistana, branca, de 30 anos. Isto é, de acordo com o Mídia Kit 2021 da revista, ela faz parte dos 30% de leitoras do portal da Claudia, o que evidencia a priorização da fonte por escolha de idade e região (sudeste do Brasil em São Paulo). Essa aproximação com o tipo de leitoras da revista é uma das características apontadas nos critérios de noticiabilidade: Para ser noticiável, o acontecimento deve ser significativo; isto é, suscetível de ser interpretado no contexto cultural do leitor. Associado a esse fator está o valor-notícia da proximidade, sobretudo em termos geográficos, mas também em termos culturais. (AGUIAR, 2009, p. 174)
Neste caso, escolhem fontes que atendem o perfil de leitoras da Claudia e geram mais aproximação social, cultural e geográfica do público-alvo que desejam atingir — como vimos anteriormente nesse artigo, a persona da revista é a mulher de classe A e B, que vive em centros urbanos elitizados. Isso também explica porque as matérias aqui analisadas não chegam na totalidade de pessoas periféricas, primeiramente por se tratar de um conteúdo pago (visto que as 97 mulheres que responderam à enquete qualitativa não assinariam nenhum veículo de comunicação nem por valores simbólicos) e, segundo, por essas pautas já nascerem pensadas em atender o público A e B, não C e D. Por isso, podemos entender a escolha de fontes, por mais que às vezes tragam algumas representações de diferentes classes sociais, as personagens, predominantemente, estão representando a maioria das assinantes de Claudia no ambiente digital – escolha esta imposta pela padronização da revista desde seus primórdios. Outro foco pertinente que se dá na notícia é na obstetriz Ana Cristina Duarte que, além de ganhar destaque na linha fina: “Segundo a obstetriz Ana Cristina Duarte, o parto domiciliar não deve ser motivo apenas para fugir do hospital durante a pandemia” , a jornalista apresenta esta fonte como sendo referência no ativismo do parto humanizado, coordenadora do Simpósio InternacionaldeAssistência ao Parto (SIAPARTO) ediretoraexecutiva do Coletivo Nascer — , sendo que esse último, coletivo que preza por oferecer preços acessíveis de partos humanizados para famílias que possuem plano de saúde. Neste caso, por mais que trouxeram uma referência de um local para ter parto humanizado de baixo custo, ainda assim é pago e fora da realidade de muitos brasileiros, visto que, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada em 2018, pelo
Instituto Brasileiro deEstatísticas (IBGE), seis emcada dez brasileiros vivem em famílias em que nenhum dos membros possuem algum plano de saúde e dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). Neste caso, representam 64% da população, enquanto famílias em que todos possuem plano são 18,1% da população nacional e 17,4% estão em lares em que pelo menos um familiar possuí convênio particular de saúde. Isso não anula o fato de que a informação que a jornalista traz sobre esse coletivo é relevante e apresenta uma boa opção para que as leitoras conheçam o local e, a partir disso, possam reivindicar o parto humanizado com baixo custo. Mas a escolha de apresentar apenas essa opção ao referenciar um local seguro parao parto, ainda evidencia uma falha estrutural da revista Claudia ao não dar espaço para informar que existem também outros lugares que oferecem os mesmos serviços e são acessíveis para todas as classes – como as casas gratuitas do SUS. Pois, quando a colunista apresenta apenas esse coletivo para personificar um local para ter parto humanizado, há uma neutralização do discurso, visto anteriormente, em trazer ambientes especializados fora da realidade de muitos brasileiros em vulnerabilidade socioeconômica. Isso distancia leitores que não possuem condições nem de pagar valores “acessíveis” para ter um parto tranquilo, sem violências e livre de um ambiente hostil. O que já delimita, a partir dos personagens e “atores do discurso”, a construção social de cada sujeito e da ideologia do discurso — desde a figura da gestante de classe média, até a centralização da especialista que pertence a um núcleo de parto que foge da realidade de muitas pessoas periféricas. Dado que, ao apresentar as demais fontes especializadas, a redatora não cita se fazem parte de alguma instituição ou se aprofunda nelas, apenas registra que trabalham em prol do parto humanizado, principalmente nos domiciliares.
Segundo Fairclough (2001, p.91), é possível observar que esses tipos de discurso contribui, em primeiro lugar, para a construção do que variavelmente é referido como identidades sociais e posições de sujeito para "sujeitos sociais” e as categorias de “eu". Para ele, o discurso também contribui para as relações sociais entre as pessoas, além de auxiliar a construção de conhecimentos e crenças, ou seja, ele revela um padrão de escolha da fonte na editoria de maternidade e reforça a hegemonia do discurso da mulher branca, de classe média alta, que vive fora das realidades “marginalizadas”, pois pessoas sem muito poder aquisitivo, muitas vezes, não têm oportunidades iguais e acesso ao parto humanizado: